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A importância teórica e prática do ensino de Jacques Lacan Palavras-chaves: Lacan, ensino, subversão, orientação. Zelma Abdala Galesi

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Academic year: 2021

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A importância teórica e prática do ensino de Jacques Lacan Palavras-chaves: Lacan, ensino, subversão, orientação.

Zelma Abdala Galesi

As inúmeras homenagens prestadas durante o ano de 2001, ao centenário de nascimento de Jacques Lacan evocaram e ressaltaram precisamente o que foi o seu ensinamento, e é exatamente o que pretendo dimensionar neste trabalho. Pois, a fecundidade do ensinamento de Lacan, retorna hoje em efeitos que orientam a comunidade analítica do futuro.

Seus textos, seus Écrits, seu estilo de múltiplas facetas é um enigma a ser decifrado, Lacan é sempre um desconhecido para o leitor, mesmo aos seus leitores mais apaixonados. Ele foi um escritor com um trabalho contínuo e autêntico sobre as ciências, e de uma grande responsabilidade frente aos pacientes. 1

Falar sobre o ensinamento de Lacan produz em todos nós esse mesmo efeito de responsabilidade sobre os rumos da psicanálise, já que ao nos considerarmos lacanianos, recebemos sua herança: somos e seremos sempre os dissidentes do movimento criado por Freud, o da Associação Psicanalítica Internacional. Lacan era alguém excepcional que tomou a excumunhão não como um incidente em sua vida, ele a converteu em conseqüência de uma lógica interna a psicanálise. Ele assumiu a exclusão e colocou em questão o desejo, presente na psicanálise desde Freud. Foi a partir desse acontecimento que Lacan explicitou a posição do analista no tratamento analítico, dando-lhe um estatuto próprio: o estatuto de dejeto. 2

Aliás, todas as questões sobre a formação do analista, do ser-analista, da análise pessoal, do controle ou supervisão, as questões do não-saber e da douta ignorância gravitam na Escola Una em torno desse estatuto de dejeto, de resto da operação analítica dada ao analista.

Os textos de Lacan todos, sem exceção, enodam o clínico, o epistêmico e o político. E em cada um dos seus escritos, seminários e conferências comprovamos as inúmeras referências eruditas, verificamos mais ainda o quanto ele é fundamental para a psicanálise, o quanto ilumina a nossa prática posicionando-a na história, na literatura,

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na filosofia etc." Até o final de sua vida ele ensinou a Psicanálise jamais desfazendo o nó que mantinha solidários ensino e formação do analista".3

A formação do analista nunca foi um problema fácil de abordar, os textos de Freud que se referem a esse tema refletem as suas dificuldades, mas diante de tal obstáculo, J.Lacan, ao invés de retroceder, o enfrentou. Sendo permanente a formação do analista traz em si a dimensão da insuficiência e precariedade, comporta mais além um engajamento subjetivo do analisante tanto a teoria quanto a prática analítica, o que se desdobra na responsabilidade sobre os destinos da psicanálise. É nesse sentido que podemos entender que o psicanalista é produto de sua própria experiência analítica, assim como a psicanálise é dependente da relação que cada psicanalista tem com seu inconsciente, ou seja com a causa e o desejo.

Na Escola de Lacan, a introdução dessa estrutura do inconsciente na formação do analista é o que produz efeitos: a relação de cada um com a tríade análise, supervisão e ensino, assim como o dispositivo do passe onde a transmissão de uma experiência particular de análise marca a passagem do psicanalisante a psicanalista, faz surgir um desejo novo, promovendo transferência de trabalho. Portanto, é o desejo do analista, que fundando um novo discurso, subverte a burocracia, a hierarquia e os efeitos imaginários de grupo.

Em 1957, Lacan faz uma comunicação apresentada à Sociedade Francesa de Filosofia , cujo título era "A psicanálise e seu ensino", publicada posteriormente em seus Escritos. Mas antes de enunciar sua comunicação ele distribui à platéia o seguinte argumento " A PSICANÁLISE, O QUE ELA NOS ENSINA...e como segundo argumento E COMO ENSINÁ-LA". 4

Hoje podemos afirmar que a psicanálise nos ensina que a subversão que Jacques Lacan introduziu, mudou para sempre os rumos da própria psicanálise no mundo.

Tomando como referência a conferência de J-A Miller, no Colóquio do Centenário de nascimento de Lacan ocorrido em Roma no dia 26 de maio 2001, onde ele examina três questões sobre o ensinamento de Lacan :"O que ele ensinou? Porque ele ensinou? e Como ensinou?" 5, podemos verificar o cerne mesmo dessa subversão provocada por Lacan.

Segundo Miller, Lacan era bastante criticado porque não falava a língua de todos. (Em seus vários comunicados deste ano 2001 JAM, apontou enfatizou exatamente esse ponto)- Lacan inventou uma nova linguagem, e que foi feita para

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traduzir aquela de Freud. É uma linguagem mais fechada que se deposita em formulas, mas que no entanto, é ao mesmo tempo mais flexível por ser operatória, que capturou os meandros, as dificuldades e as contradições dos conceitos freudianos. 6 Lacan,portanto, inventou uma linguagem sua, uma linguagem especial, feita de cálculos, de símbolos e de desenhos, onde se vê imediatamente que não pertencem à língua comum, mas da qual se pode aprender o funcionamento. Mas não é apenas essa invenção que se questiona, toda a dificuldade repousava no uso singular, que Lacan fazia,da língua comum, as torções que ele a fazia suportar, a tortura a que submetia as palavras, sempre lhes dando um sentido renovado.Essa transformação é mais secreta, porque ao mesmo tempo em que deixa intocável a forma das palavras do dicionário, tornava estrangeira a nossa língua maternal. Provocando exatamente um efeito de Unheimlichkeit.( estranhamento). 7

Em sua linguagem especial Lacan ensinou a ler Freud ao pé da letra. Isso porque não se sabia ler Freud, acreditava-se compreendê-lo porque ele escrevia na lingua de todos e dai todo mal-entendido. Lacan, portanto, fez do ensinamento de Freud a sua profissão. É desse fato, que se pode entender por que Lacan ensinou. Ele ensinou porque os jovens psicanalistas o demandaram. Eles que queriam se formar, acreditavam que essa formação passaria pela leitura de Freud. Portanto, em Lacan se encontra um mestre suscitado por seus alunos. "Em que estou eu autorizado?", perguntava-se e suspendia a resposta. Visto que essa autorização lhe vinha do público, mas se lhe o demandavam foi porque ele próprio havia inspirado esse desejo. Lacan portava a marca da transferência a Freud, e seu ensinamento tem como suporte essa transferência aos textos de Freud, já que promoveu "o retorno à Freud".8

Porém, o que é fundamental entendermos é que esse retorno não evocava o passado, mas a psicanálise no presente, o tornar a psicanálise desejável e ativa hoje, e para o conseguir não existe a menor dúvida que Lacan traiu Freud. O Freud dos antigos e dos eruditos, ele mudou as referências que Freud emprestou de seu tempo, ele seguiu nos meandros da cronologia a elaboração de Freud, mas também suspendeu essa cronologia, elaborando uma estrutura da experiência analítica onde todos os termos sucessivamente construídos por Freud foram sincronicamente ordenados, ou seja, na psicanálise não se trata de ensinar história, mas sim de um discurso que faça "ex-sistir" a psicanálise nas condições do presente, tendo em conta as crenças, as superstições, e também as inclinações, dos homens de hoje, especialmente dos jovens. 9

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Se eu ensino é para me instruir a mim mesmo", dizia Lacan, sendo que o seu ensinamento era a narração dos ensinamentos que recebeu de sua experiência, de sua prática e do " drama de sua vida.10

No entanto, o mais fundamental para os que escolheram seguir os ensinamentos de Lacan, é que se por uma lado o ensinamento de Lacan desencadeia um certo apaziguamento - uma abrandamento da paixão pela verdade, também provoca um desencantamento, - que afeta todos aqueles que passam além da miragem, das aparências, aqueles "que franquearam a barreira do narcisismo e suas coordenadas imaginárias ". Esse desencanto, ou desengano, relaciona-se a própria psicanálise - da colocação a nu de seu ressorte de ficção - e simultaneamente de sua aposta no real. Podemos até mesmo dizer que o ensinamento de Jacques Lacan é uma psicanálise da própria psicanálise. 11

Tanto, que Lacan avançou em seu ensinamento até psicanalizar o culto do Pai em Freud e nos deu uma formalização lógica do Nome-do-Pai. Lacan desencantou o Pai, e felizmente. Porque na ciência há o triunfo do ídolo do Pai, triunfo que se traduz num movimento universal na cultura. 12

Miller nos alerta que a psicanálise só poderá ter futuro como prática nos séculos vindouros se os psicanalistas não recuarem a esse desencantamento dos conceitos fundamentais da psicanálise. Porque o inconsciente não é um ídolo, se o inconsciente freudiano é uma elucubração de saber, onde na ideologia de seu tempo Freud lhe deu um sentido determinista, o sentido de um "está escrito, mesmo que não se saiba ler". Lacan indo mais longe inverteu esse sentido. O inconsciente lacaniano tem o sentido de um “não está escrito", ou seja, o inconsciente exprime "um saber-fazer que nos não temos". Aliás, a condição humana se caracteriza pelo fato mesmo de "não saber fazer com" aquilo que mais nos importa, portanto podemos dizer que o inconsciente é uma elucubração de saber sobre nossa debilidade mental. Sendo que a ciência faz com que a debilidade mental cresça. Não sabemos fazer com a natureza, sabemos menos ainda fazer com os novos objetos produzidos pela civilização, essa debilidade é o que faz o nosso extravio, enlouquece o nosso gozo, é motivo de tristeza e raiva, é causa de sintomas, e de devastação.

Uma psicanálise não triunfa da debilidade mental, mas ela pode fazer com que se saiba melhor - um pouco melhor - a fazer com o real que não tem sentido. Trata-se para a psicanáliTrata-se, de emprestar uma outra via: aquela de um advir mais real, de

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saber se guiar sobre o puro real, sem que ele nos faça tão mal. Eis, o que o ensinamento de Lacan nos permite hoje entrever. 13

Texto apresentado na III Jornada de Cartéis e Colóquio Homenagem ao centenário de nascimento de Jacques Lacan, Curitiba, dezembro 2001, Aula inaugural do CIPOL - Curso de Introdução à Psicanálise de Orientação Lacaniana, EBP-PR.

Referências Bibliograficas

1- MILLER, J-A. "O avesso de Freud", Lacan elucidado, Jorge Zahar, R.J.,1997,p.390.

2- Ibid., p.391-392

3- NICÉAS, C.A. "Um ensino ímpar",Correio,revista da EBP,outubro 2001. p.12 4- LACAN., J. "A Psicanálise e seu ensino", Escritos, Jorge Zahar,R.J.,1996,p.438/9.

5- MILLER, J-A. "Canevas d'une allocution au colloque du centenaire tenu à Rome le 26 mai 2001.",La lettre mensuelle,sept/outub 2001, Paris, p.8.

6- MILLER, J-A. “Le réel est sans loi”, Opção Lacaniana, nº 34 novembre 2002. 7- MILLER, J-A. "Canevas d'une allocution au colloque du centenaire tenu à Rome le 26 mai 2001",op.cit, p.9.

8- ibid., p.11 9- ibid.,id. 10 - ibid., p.12.

11-LAURENT.D., "Acte et subversion du savoir", La Lettre mensuelle,201,sept/octobre2001, Paris,p.25.

12- MILLER., J-A., "Canevas d'une allocution au colloque du centenaire tenu à Rome le 26 mai 2001.",op.cit, p.12.

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