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VERAS, RP., et al., orgs. Epidemiologia: contextos e pluralidade [online]. Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ, 1998. 172 p. EpidemioLógica series, n°4. ISBN 85-85676-54-X. Available from SciELO
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Contribuições da epidemiologia na formulação de planos de
saúde:
a experiência espanhola
CONTRIBUIÇÕES DA EPIDEMIOLOGIA NA
FORMULAÇÃO DE PLANOS DE SAÚDE:
A EXPERIÊNCIA ESPANHOLA*
Fernando Rodriguez Artalejo
UM MARCO PARA A ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE
CIÊNCIA (EPIDEMIOLOGIA) Ε POLÍTICA
O objetivo de toda política de saúde é p r o m o v e r m u d a n ç a s nos serviços sanitários, e m nossos hábitos de vida ou nas relações c o m o meio a m b i e n t e que d ê e m lugar a melhorias no nível de saúde da população. Estas m u d a n ç a s resultam, a l g u m a s v e z e s , de u m a cadeia de acontecimentos: a p r o d u ç ã o de c o n h e c i m e n t o s científicos; a formulação de uma política d e s a ú d e ou de p r o g r a m a p a r a o controle de u m p r o b l e m a de saúde; a execução desta política
ou p r o g r a m a ( R o s e , 1 9 9 2 a ) . O o b j e t i v o p r i n c i p a l d e s t a a p r e s e n t a ç ã o é identificar a l g u m a s das lacunas do conhecimento ou incógnitas relativas aos elos desta cadeia.
E n t e n d e m o s , t a m b é m , que a r e a l i z a ç ã o d o s três elos c o m p e t e ao c o n j u n t o d a s o c i e d a d e , aí i n c l u í d o s o s c i e n t i s t a s a c a d ê m i c o s , o s administradores, os agentes sociais mais representativos de uma sociedade democrática, os cidadãos considerados individualmente etc. N ã o obstante, e assim a define t a m b é m uma comissão do Instituto de Medicina da A c a d e m i a Nacional de Ciências dos Estados Unidos da A m é r i c a (Artalejo et al., 1989), a responsabilidade última recai nas agências de saúde pública (a administração sanitária em suas várias estruturas). U m a questão imediata é a natureza dos conhecimentos científicos proporcionados por estas instituições. Sem prejuízo do que p o s s a m fazer os investigadores acadêmicos, a administração tem de reunir informações sobre o estado de saúde da população e sua distribuição por g r u p o s sociais, de tal m o d o que possa decidir em que direção alocar os r e c u r s o s de f o r m a m a i s eqüitativa. P o r t a n t o , d e v e m - s e avaliar as a ç õ e s d e s e n v o l v i d a s de m o d o a d e c i d i r s o b r e as futuras a t i v i d a d e s a s e r e m empreendidas. Assim, unir-se-iam os elos finais da cadeia. Finalmente, existem c o m p e t ê n c i a s n ã o d e s p r e z í v e i s na c r i a ç ã o , m a n u t e n ç ã o e u t i l i z a ç ã o de sistemas de informarção, assim c o m o na investigação avaliativa.
U m a vez estabelecido este marco conceituai, são muitas as perguntas que surgem, ban primeiro lugar, qual é a informação de que se necessita para e l a b o r a r / f o r m u l a r uma política de saúde ou um p r o g r a m a para controlar u m a enfermidade? Quais são os determinantes 'não-científicos' de uma política de saúde? Por que a l g u m a s vezes se formulam ou explicitam as políticas e outras vezes não?
Em s e g u n d o lugar, por que muitas iniciativas d e s a p a r e c e m em u m a única legislatura? Por que desaparecem quando as implementam seus primeiros proponentes? Por que alguns planos se desenvolvem do m o d o c o m o estavam delineados e outros não? Por que muitos não são avaliados?
A l g u m a s d e s t a s q u e s t õ e s t ê m u m a r e s p o s t a s i m p l e s , b a s e a d a na intuição, na experiência e no c o n h e c i m e n t o d o meio. Outras não. Porém, todas deveriam merecer uma resposta fundamentada cientificamente. Neste sentido t a m b é m p o d e m o s contar com a epidemiologia. A título de exemplo,
p o d e r í a m o s descrever, sistematicamente, as características d a q u e l a s políticas q u e n ã o foram desenvolvidas ou foram m a l i m p l e m e n t a d a s . Esta simples descrição d e u m a série d e casos seria provavelmente m u i t o informativa, c o m o o foi, e m sua época, a descrição d o s primeiros casos d e A I D S , p r o p o r c i o n a n d o pistas sobre seus fatores determinantes. A a b o r d a g e m intuitiva subseqüente seria c o m p a r a r as características destes planos ou p r o g r a m a s às daqueles q u e t ê m l o g r a d o êxito. E s t a a b o r d a g e m , q u a s e c a s o - c o n t r o l e , e n r i q u e c e r i a as conclusões derivadas do sentido c o m u m , proporcionando u m valor agregado.
DETERMINANTES 'NÃO-CIENTÍFICOS'
DE UMA POLÍTICA DE SAÚDE
T o d o a d m i n i s t r a d o r i n t e g r a , n a t o m a d a d e d e c i s ã o , a i n f o r m a ç ã o p r o p o r c i o n a d a p e l o s e s t u d o s e p i d e m i o l ó g i c o s c o m a q u e l a p r o c e d e n t e d e outros d e t e r m i n a n t e s 'não-científicos' — suas crenças (ideologia), a opinião d o s a d m i n i s t r a d o s , e x p r e s s a p o r i n t e r m é d i o d o v o t o ou d o s m e i o s d e c o m u n i c a ç ã o , e a conjuntura, d e tipo e c o n ô m i c o ou social, n o â m b i t o d a qual t ê m l u g a r suas ações sanitárias.
Assistimos ao que alguns têm denominado derrubada das ideologias. Parece que a solução para quase todos os problemas poderá vir da ciência e da técnica. Ε possível que os objetivos de nossas políticas sejam estabelecidos c o m base em cálculos científicos. N ã o obstante, cremos que suas metas e os objetivos transcendentes ou de longo prazo exigem a incorporação dos valores pessoais. P e n s a m o s , t a m b é m , q u e a s o l u ç ã o d e m u i t o s p r o b l e m a s r e q u e r g r a n d e s esforços e a união de m u i t a s vontades. Isto é m a i s fácil q u a n d o os i m p l i c a d o s c o m p a r t i l h a m certos valores. Definitivamente, é possível interessar-se pela ciência e pela técnica, m a s a maioria das pessoas s o m e n t e se ilude e c o m o v e por m e i o das idéias. Estes argumentos não reduzem, e m absoluto, o papel da c i ê n c i a n a r e s o l u ç ã o d e p r o b l e m a s c o n c r e t o s d a s s o c i e d a d e s , a p e n a s e s t a b e l e c e m alguns limites. E m contrapartida, a ciência t e m a c a p a c i d a d e p a r a demonstrar assertivas. É m a i s fácil pôr-se de acordo quanto a raciocínios
t é c n i c o s d o q u e q u a n t o a v a l o r e s p e s s o a i s q u a n d o se p a r t e de p o s i ç õ e s divergentes. Por isso, nos últimos anos, tem-se procedido até à fundamentação técnica de alguns valores, q u e antes e r a m defendidos s o m e n t e c o m o crenças. D e s s a f o r m a , c o n h e c e m o s h o j e a l g o d a s c o n s e q ü ê n c i a s s a n i t á r i a s d a competitividade, das desigualdades de saúde, da instabilidade e c o n ô m i c a e do d e s e m p r e g o etc. E s t a m o s já e m condições de informar, p r e l i m i n a r m e n t e , d e u m a perspectiva sanitária, políticas que, tais c o m o as sociais e e c o n ô m i c a s , levavam e m conta a p e n a s estes aspectos.
A o p i n i ã o d o s a d m i n i s t r a d o r e s e a c o n j u n t u r a s u p õ e m e l e m e n t o s f a c i l i t a d o r e s o u o b s t á c u l o s c o m r e l a ç ã o a u m a d e t e r m i n a d a p o l í t i c a . S u b l i n h a n d o o efeito concreto e variável das conjunturas, s u b s c r e v e m o s a frase de Geoffrey Rose: Doctors cannot decide how people are to live (Rose, 1992b). E n t e n d e m o s que isto é verdade u m a vez que a maioria das políticas de saúde são inter-setoriais e requerem o apoio de setores não-sanitários.
M a s , além de razões práticas, há outras de natureza filosófica ou m o r a l (Cole, 1 9 9 5 ) . Por detrás de muitas políticas de saúde (e t a m b é m das não-sanitárias) existe um debate: aquele relativo ao papel do governo perante o dos indivíduos na consecução de objetivos de saúde, especialmente q u a n d o se r e q u e r a m o d i f i c a ç ã o de h á b i t o s d e v i d a das p e s s o a s . D i a n t e d a s idéias e s s e n c i a l m e n t e l i b e r a i s de q u e o g o v e r n o d e v e - s e limitar a p r o p o r c i o n a r informação sobre os hábitos convenientes à saúde, e que a adoção dos m e s m o s é uma questão de opção informada mas autônoma dos indivíduos, e s g r i m e m -se idéias sobre a responsabilidade dos governos, na proteção da comunidade e dos indivíduos, acerca do resultado de suas próprias decisões.
Ε possível encontrar concretos na luta contra d e t e r m i n a d o s p r o b l e m a s de saúde nos seguidores de a m b o s os ideários. A s s i m , limita-se a venda d o álcool e m d e t e r m i n a d o s horários, obrigam-se os cidadãos a utilizarem cintos de segurança ou capacete quando c o n d u z e m seus veículos, ou proíbe-se o c o n s u m o do cigarro e m lugares públicos de m o d o a proteger, neste caso, os que n ã o fumam. Por enquanto, não obstante, n i n g u é m nos proíbe de t o m a r sol em excesso, de sermos obesos ou beber s e m moderação. I n d e p e n d e n t e do que p e n s e m o s sobre estas m e d i d a s , o certo é que e m u m a s o c i e d a d e democrática sua implantação somente é possível se contarmos c o m o respaldo d e a m p l o s s e t o r e s d a p o p u l a ç ã o . C r e m o s q u e a m a i o r i a d a s p e s s o a s
concordaria c o m a opinião de que o governo deveria proteger os m e n o r e s e os que não têm capacidade para tomar decisões informadas. N o s d e m a i s c a s o s , ele d e v e r i a , ao m e n o s , criar c o n d i ç õ e s para que o p ç õ e s s a u d á v e i s fossem mais fáceis. Este princípio seria efetivado por m e i o da inf or m ação aos indivíduos das vantagens dos hábitos saudáveis e da execução de políticas que ao m e n o s não fossem contrárias a tais hábitos. Infelizmente, em todas as s o c i e d a d e s e x i s t e m e x e m p l o s q u e d e m o n s t r a m q u e este ú l t i m o c r i t é r i o operativo não é cumprido. A s s i m , é c o m u m que a administração autorize a v e n d a de álcool em estabelecimentos p r ó x i m o s às estradas ou incentive o cultivo do tabaco.
DETERMINANTES CIENTÍFICOS DE UMA POLÍTICA DE
SAÚDE: AS TRÊS PERGUNTAS 'HIPOCRÁTICAS' PARA A
FORMULAÇÃO DESTA POLÍTICA
Por último, detenhamo-nos por u m instante na análise da informação científica necessária para formular uma política de saúde ou p r o g r a m a para o controle de uma enfermidade. A epidemiologia p o d e proporcionar respostas a pelo m e n o s três questões essenciais: a enfermidade ou o p r o b l e m a de saúde são preveníveis ou controláveis? Caso sejam, c o m o e quais são as estratégias de prevenção ou controle mais adequadas? Qual é a m a g n i t u d e , estimada a priori, do benefício de aplicar certas estratégias?
N o s s o t r a b a l h o , n o futuro, c o n s i s t i r á e m g e r a r m a i s e m e l h o r e s evidências visando a responder às perguntas anteriores, e apresentá-las aos administradores, sanitários e não-sanitários, de forma breve e compreensível.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARTALEJO, F. R. et al. La epidemiología como un instrumento para una política de salud racional. Medicina Clinica (Barcelona), 93:663-666, 1989.
COLE, R The moral bases for public health interventions. Epidemiology, 6:78-83,1995. REMINGTON, R. D. et al. The Future of Public Health. Washington D.C.: National Academy Press, 1988.
ROSE, G. Strategies of prevention: the individual and the population. In: MARMOT, M. & ELLIOTT, P. (Eds.) Coronary Heart Disease Epidemiology. Oxford: Oxford University Press, 1992a.