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Ocupa ICHF, Ocupa Tudo: uma breve reflexão sobre a ocupação do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da UFF e a crise política

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Universidade Federal Fluminense

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia

Curso de Graduação em Ciências Sociais

RÔMULO ABREU FERREIRA

OCUPA ICHF, OCUPA TUDO:

UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE A OCUPAÇÃO DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA DA UFF E A CRISE POLÍTICA

Niterói 2017

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Sumário

RESUMO 1

INTRODUÇÃO 1

AS JORNADAS DE JUNHO DE 2013 2

VENTOS DE LUTA DO SUL E ATAQUES DE BRASÍLIA 5

DISPOSIÇÃO DO ICHF 7

PRÉ-OCUPAÇÃO 8

O INÍCIO: “VAMOS OCUPAR!” 11

MODELO DE OCUPAÇÃO 15

#OCUPOPORQUE 19

CONSIDERAÇÕES FINAIS 21

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Ocupa ICHF, Ocupa Tudo:

uma breve reflexão sobre a ocupação do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da UFF e a crise política1

Por Rômulo Abreu Ferreira2

RESUMO

O artigo é produto do exercício de reflexão sobre a ocupação do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF) da Universidade Federal Fluminense. Busca quais os elementos antecedentes que constituíram o cenário político atual onde ocorreu a ocupação do ICHF, bem como identificar quais as discussões vêm se desenvolvendo no seio do movimento estudantil. O trabalho de campo realizado foi na ocupação do ICHF, por meio de observação participante, utilizando-se também de contribuições de autores contemporâneos acerca do período político brasileiro atual e do passado recente do movimento estudantil. Outro procedimento empregado foi à análise de textos produzidos por estudantes do Instituto, postados em seus perfis na rede social facebook, relativos ao movimento de ocupação. O estudo confirma duas suposições: a ocupação do ICHF, parte da onda nacional de ocupações estudantis de 2016, contra PEC 55 e a MP 746 (reforma do Ensino Médio), ocorre no período político aberto pelas Jornadas de Junho de 2013. Ademais, promoveu constantemente as discussões sobre gênero, sexualidade, e relações étnico-raciais, como também, reivindicou uma reestruturação da educação, em prol da horizontalidade e valorização de outros saberes.

Palavras-chave: Movimento Estudantil; Ocupação no ICHF; Crise Política INTRODUÇÃO

Se por um lado o ano de 2016 foi marcado pelo aprofundamento do ajuste fiscal do Governo Federal, por outro, presenciamos a continuidade de lutas sociais, realizadas por todo o país. Tais mobilizações se refletiram em greves, atos de rua, manifestações nas redes sociais (com destaque ao facebook e twitter, como canais de denúncias), e nas ocupações de escolas e universidades.

Neste trabalho, procuro refletir sobre a experiência da ocupação do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, da Universidade Federal Fluminense, que ocorreu como tática de ação direta, em oposição a Medida Provisória 746, que reforma o Ensino Médio, e a PEC 55 (PEC 241, na Câmara dos Deputados), que impõe teto nos investimentos em áreas sociais, como saúde e educação pública. As perguntas norteadoras são: Quais antecedentes construíram o contexto político nacional da ocupação desse Instituto? Quais discussões e

1Artigo monográfico apresentado ao curso de Licenciatura em Ciências Sociais, da Universidade Federal

Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de licenciado. Escrito sob orientação da Profª Drª Elisabete Cristina Cruvello da Silveira.

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2 pautas foram levantadas pelo movimento estudantil nos últimos anos e discutidas na ocupação do ICHF? Tais questionamentos são baseados na compreensão do movimento estudantil como movimento social. Pensativo sobre sua transformação, e participação nas mudanças sociais e políticas do país, parto da hipótese de que o movimento estudantil vem acompanhando modificações em sua organização e funcionamento, que correspondem às mudanças percebidas no conjunto dos movimentos sociais.

Parte da metodologia utilizada para construção deste artigo consistiu em observação participante, a partir de meu lugar na universidade, como estudante de Ciências Sociais, militante de um partido político e atuante no movimento estudantil. Outro procedimento empregado foi a análise de textos produzidos por estudantes do Instituto postados em seus perfis na rede social facebook, relativos ao movimento de ocupação.

Como embasamento teórico, sublinho as contribuições para o desenvolvimento deste artigo, de trabalhos dos professores Maria da Glória Gohn, Breno Bringel e Vladimir Safatle. Suas recentes obras sobre os movimentos de massas em ascensão em junho de 2013, a onda de ocupações de reitorias de universidades públicas em 2007 e a crise da democracia representativa, forneceram importantes elementos para a reflexão e munição para outro olhar das minhas observações.

O presente trabalho está estruturado em tópicos que versam sobre as Jornadas de Junho de 2013, a reação secundarista à Reforma do Ensino Médio e sua influência no movimento de ocupação do ICHF-UFF, além da referida análise de posicionamentos, por vias virtuais, de estudantes do instituto.

AS JORNADAS DE JUNHO DE 2013

Para compreender o cenário que acarretou as ondas de ocupações estudantis vivenciadas em 2016 no Brasil, é necessário voltarmos os olhares aos últimos anos, situando assim a conjuntura brasileira em meio à crise do capitalismo aberta em 2008 (GOHN, 2016). Com isso melhor enxergaremos como o ano de 2016 é mais um degrau do aprofundamento da crise política e social, vivida no país. Crises essas que se complexificam desde as

grandiosas manifestações de Junho de 2013.

As Jornadas de Junho é a forma como ficou conhecido o movimento de massas que reuniu milhões de trabalhadores e jovens nas ruas, em meados do ano de 2013. As mobilizações naquele ano foram iniciadas contra o aumento da tarifa dos transportes, porém, em pouco tempo eclodiu-se em um dos maiores momentos de luta do Brasil. Aglutinaram-se

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3 à tarifa dos transportes as mais diversas reivindicações sociais, em defesa dos serviços públicos, incluindo o respeito à educação pública de qualidade (GOHN, 2014). As sortidas pautas traduzidas em cartazes, faixas e palavras de ordens pelos manifestantes, encontravam-se levantadas majoritariamente por jovens, maior parte dos ativistas em Junho, oprimidos pelas péssimas condições de vida urbana, representadas na precarização do conjunto dos serviços públicos (MARICATO, 2014; CASTELLS, 2013).

Consolida-se daí uma geração que ojeriza a forma usual de fazer política, jovens que visualizam nos modelos tradicionais de organizar-se como classe trabalhadora e juventude, algo ludibriador. Sejam elas os sindicatos e suas centrais, partidos, tendências e correntes políticas, entidades estudantis, alguns movimentos sociais organizados. Todas essas formas de organizar-se foram (mal) vistas, e associadas entre si nas manifestações das Jornadas de Junho, apesar de haver enormes divergências de concepção e atuação entre as organizações presentes. Maria da Glória Gohn, professora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), frisa a participação e posicionamento dos jovens, no que preferiu chamar de protestos, ocorridos em junho de 2013.

Muitos dos jovens que respondem às convocações e vão às manifestações estão em fase de batismo na política. Os coletivos inspiram-se em variadas fontes, segundo o grupo de pertencimento de cada um. Como rejeitam lideranças verticalizadas, centralizadoras, também não há hegemonia de apenas uma ideologia ou utopia. O que os motiva é um sentimento de descontentamento, desencantamento e indignação contra a conjuntura ético-política de dirigentes e representantes civis eleitos nas estruturas de poder estatal, assim como as prioridades nas obras e ações selecionadas e seus efeitos na sociedade. O movimento acontece “em se fazendo” e não via grandes planos de organizações com coordenações verticalizadas. (2014, s\p)

Tal forma, que se pretende inovadora e rejeita as direções e dirigentes declarados, principalmente a personificação de um líder, prezando por maior participação coletiva, foi observada anteriormente na onda de ocupações de reitorias de 2007 (LEHER, 2007; BRINGEL, 2009), da qual destacarei outros aspectos no decorrer deste trabalho. Também é observada esses anseios pelo novo, nos movimentos secundarista e universitário nos anos seguintes.

Interessante elemento para pensar as Jornadas de Junho ocorre na crescente desde 2008 do número de greves no país, e no ano de 2012, até então, registrar o maior somatório de greves desde 19973. E nesse embalo, com efeitos das mobilizações de Junho, o ano de

3Segundo o Sistema de Acompanhamento de Greves do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

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4 2014 datou diversas lutas.Exemplo dessas movimentações ocorre na greve dos garis no município do Rio de Janeiro, categoria pauperizada que não tem histórico de mobilização trabalhista. Porém, logo em fevereiro de 2014 deflagraram greve, por reajuste salarial e melhores condições de trabalho. A cidade do samba e destino turístico internacional assistiu junto à abertura do carnaval, o início da greve, vitoriosa em suas pautas, dos profissionais de limpeza urbana.

Os ativistas forjados nas Jornadas de Junho, ou em razão dela, deram continuidade às lutas, entretanto de modo fragmentado (GOHN, 2016). Um dos pontos de continuidade se deu nas mobilizações contra os gastos públicos para a realização da Copa do Mundo da FIFA4. Os preparativos nas cidades-sede acentuaram injustiças sociais, como no episódio da remoção dos indígenas da pluriétnica Aldeia Maracanã no Rio de Janeiro, e provocaram protestos pelo país. Com palavras de ordem como: “da Copa eu abro mão, eu quero mais dinheiro pra saúde e educação!” e “não vai ter Copa, vai ter luta!” a juventude dava continuidade às mobilizações e ao processo de politização, mesmo que com menor efervescência. É importante ressaltar o papel de protagonista, que a juventude exerceu nesses atos e na sua sequência. Bem como na significação da internet e redes sociais como peça fundamental no rearranjo proposto, mesmo que não definidamente, à forma de fazer política (GOHN, 2016).

Em contínuo a Copa do Mundo houve a campanha eleitoral de 2014, com massiva repercussão jovem, nas redes sociais (ibidem). A primeira eleição após as Jornadas de Junho refletiu a tendência de 2012, e alcançou um alto número de votos nulos, brancos e de abstenções ao processo, tanto em primeiro quanto em segundo turno no pleito presidencial. Tal fato indica o descontentamento não somente com os candidatos, mas, sobretudo com o sistema vigente e suas velhas caras novas.

Junho de 2013 abriu um novo período político, sendo as Jornadas o primeiro movimento massivo não dirigido pelo Partido dos Trabalhadores (PT) desde a década de 1980 (ARCARY, 2014), ao contrário, ecoante de vozes contrárias. Esse período ainda está aberto. Ou seja, em 2016 se viveu um regime político instável, com rumo incerto. Como dito, as formas tradicionais de organização foram rejeitadas pelos ativistas de Junho, fracassou as políticas de governabilidade e do sistema de conciliação, e mais, data-se o fim da estabilidade da República de 1988 (SAFATLE, 2016).

<http://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2012/estPesq66balancogreves2012.pdf> Acesso em Dezembro de 2016.

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5 Podemos pontuar como expoentes da incessante crise política brasileira, a queda de mandatos e prisões de políticos de expressão. Somente em 2016 houve o processo de

impeachment da, agora ex-presidenta do país, Dilma Rousseff (PT), e a cassação de Eduardo

Cunha (PMDB)5. Cunha é ex-presidente da Câmara dos Deputados e alvo de manifestações

de jovens feministas, por seus projetos contrários aos direitos reprodutivos. Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado Federal é retirado da linha sucessória da presidência da República pelo Supremo Tribunal Federal, por tornar-se réu, na mesma corte. Houve ainda, a prisão de Cunha, pela operação Lava-Jato, da Polícia Federal, e de Sérgio Cabral (PMDB), ex-governador do Rio de Janeiro, pela mesma operação. E as perspectivas para 2017 seguem o tom de 2016, o atual presidente do Brasil, Michel Temer (PMDB), enfrenta a desconfiança da maioria dos brasileiros6.

Cada geração de trabalhadores retira conclusões refletindo, comparativamente, sobre um repertório de lições herdadas pela geração anterior. A opinião média do proletariado conhece variações, também, sob o impacto das lutas sociais do seu tempo presente. Mas somente diante de circunstâncias excepcionais a classe operária substitui a sua velha direção por uma nova. Toda uma experiência histórica precisa ser completada para que as velhas relações de confiança sejam destruídas, e outras sejam construídas no seu lugar e, neste processo, as margens para o improviso são pequenas. (ARCARY, 2014)

O protagonismo da juventude nos movimentos sociais e no cenário político brasileiro, seu anseio por ruptura e transformações na vida cotidiana e no sistema, explodiu no movimento de massas de Junho de 2013. Como analisou Manuel Castells (2013) os movimentos em ebulição no mundo nos anos iniciais desta década, tais quais Primavera Árabe e os Indignados espanhóis, são eles heterogêneos mas apresentam em comum, além da forte comunicação por redes sociais, o clamor por dignidade. Leitura essa, que muito bem corresponde à palavra de ordem à época por aqui: “Não é só por 20 centavos!”7

VENTOS DE LUTA DO SUL E ATAQUES DE BRASÍLIA

Os ventos que sopravam do sul, começavam a chegar ao Rio de Janeiro (RJ). Vinham dos estudantes de ensino médio do Paraná, que inspirados pela vitoriosa onda de ocupações

5Partido do Movimento Democrático Brasileiro.

6Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística, realizada em Dezembro. Disponível em

<http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/12/16/cni-governo-temer.htm> Acesso em Dezembro de 2016.

720 centavos foi o valor do aumento na tarifa dos transportes públicos em muitos municípios em 2013, como

Rio de Janeiro e São Paulo. E a bandeira de que as manifestações não giravam somente em torno do aumento se conformou em: “Não é só por 20 centavos!”.

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6 secundaristas de São Paulo em 20158, abriam9 o processo que se tornou nacional. Despontaram então pelo país, agora em 2016, as mobilizações de ocupações estudantis em defesa da educação pública. Dessa vez, não foi a “reorganização” paulista ou a precarização fluminense, e sim a Medida Provisória (MP) 746 a provocação. As ocupações de outubro se punham a serviço do fim dos efeitos da MP da reforma do ensino médio, ou contrarreforma (forma acentuadamente opositora).

A Medida Provisória 746 foi apresentada pelo Governo Temer no último 22 de setembro, e modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9394/96) majoritariamente no que tange ao ensino médio. Dentre outras modificações, o texto-base da Medida retira a obrigatoriedade das disciplinas de Sociologia, Artes, Filosofia e Educação Física no ensino médio, e cria eixos de formação específicos, ceifando uma formação ampla. A repercussão foi imediata, mobilizando profissionais da educação e estudantes, que criticaram o conjunto da reforma, inclusive considerando desnecessária e antidemocrática a utilização do recurso, por parte do Governo Federal, de edição de medida provisória para tratar do tema. Como toda MP, a do Ensino Médio tem força de lei imediata, mas conta com validade limitada (60 dias a princípio), necessitando de aprovação no Congresso Nacional para sua promulgação como lei definitiva.

Em pouco tempo, outra reforma se somaria a MP do ensino médio, ganhando espaço como alvo de protestos no país. Trata-se da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 24110, que previa alterar a Constituição Federal (BRASIL, 1988) no tocante aos investimentos públicos em áreas sociais (como educação, saúde e habitação), impondo-os limites. A PEC 241, na grande mídia chamada de PEC do teto dos gastos públicos, recebeu outros apelidos nos movimentos opositores a sua aprovação, como: PEC da morte, do congelamento, da maldade, do fim do mundo.

No correr do mês de outubro, variados setores vieram a público manifestar contrariedade à PEC 241, entre eles os professores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) que deflagraram greve. Mesma opção de luta seguiram os técnico-administrativos em

8Em 2015 os estudantes secundaristas, da rede estadual de São Paulo, realizaram a ocupação de cerca de 220

escolas. A ação foi tomada em oposição ao projeto do governo estadual, chamado de “reorganização”, que visava o fechamento de escolas e de oferecimento de ciclos de ensino. O Governo, após a onda de ocupações, desistiu da proposta.

9No primeiro semestre do ano de 2016, diversas escolas estaduais fluminenses foram ocupadas por estudantes.

Mesmo período em que ocorreu a greve dos profissionais da educação da rede estadual do RJ. Entretanto, o que se inicia no Paraná será nacionalizado.

10De fato houve protestos contra a aprovação da PEC 241 antes mesmo da edição da MP 746, incluindo

ocupações estudantis, entretanto enxergo sua aprovação em primeiro turno na Câmara dos Deputados (11/10/2016) como marco impulsionador das mobilizações contrárias.

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7 instituições de ensino superior públicas, greve essa que alcançou nível nacional, incluindo a UFF. Já os economistas firmaram oposição à aprovação da PEC 241, por meio do Conselho Federal de Economia (COFECON). Os economistas entenderam que “esse ‘Novo Regime Fiscal’ [contido na PEC 241] joga o ônus do ajuste sobre as camadas mais carentes de recursos e de oportunidades e provoca redução de direitos sociais já alcançados dentre os estabelecidos em nossa Constituição.”11. Com o congelamento dos investimentos em áreas sociais, como saúde e educação públicas, por 20 anos, a tendência é que esses setores agonizem. Estudos realizados pela UFF apontam que, se a PEC 241 vigorasse desde 2006, essa universidade teria deixado de receber investimento na casa dos 800 milhões de reais12.

Toda essa movimentação nacional, com forte participação estudantil e do setor da Educação como um todo, era acompanhada pelos estudantes do ICHF, que já assistiam a greve dos servidores técnico-administrativos da UFF contra a PEC 24113.

DISPOSIÇÃO DO ICHF

O ICHF abrange três prédios, de cinco andares cada, nomeados como “N”, “O” e o mais novo “P”. E seus pilotis, principalmente o do N, é um espaço privilegiado de socialização entre os estudantes, que costumam sentar em suas mesinhas de concreto, muito semelhantes às encontradas em certas praças públicas, com um tabuleiro quadriculado embutido, desses de jogar xadrez ou dama. São nesses pilotis, onde caixas de som, isopores com cervejas e cartazes de “bem-vindos calouros” são encontrados, a cada início de período letivo. É “embaixo do N” onde há mais de dois anos, alunos passaram a colocar à venda em uma mesa de madeira, alguns alimentos, com concentração de doces e comidas vegetarianas e veganas, produzidos pelos próprios alunos. Funciona como uma espécie de self service, onde junto ao produto, é deixado um pote, e uma placa com o valor a ser depositado pelo comprador. O aumento de possibilidades para se alimentar, com preços baixos, se tornou mais um atrativo de prolongamento da permanência dos alunos após as aulas.

No bloco N também é encontrado o Serviço de Psicologia Aplicada (SPA). O SPA, localizado no quinto andar, oferece acompanhamento psicológico à comunidade, e a alunos da UFF, que assim desejarem. A existência do SPA no ICHF promove a circulação nos

11Disponível em

<http://www.cofecon.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3407:alternativas-a-241&catid=16:artigo&Itemid=843> Acesso em dezembro de 2016

12 Disponível em <http://www.uff.br/?q=pec-241-na-contramao-do-futuro> Acesso em dezembro de 2016. 13 Acompanhava a pauta da greve dos servidores técnico-administrativos da UFF, junto a PEC 241, a defesa da

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pilotis, mesmo que pequena, de jovens e trabalhadores que não são alunos e nem funcionários

da universidade. Está vinculado ao curso de Psicologia, servindo de campo de estágio para parte dos estudantes.

Há no bloco O, além de suas próprias mesinhas de praça, um tablado. O “tablado do O” tem estrutura de madeira com cerca de 1 metro e meio de altura e divide a atenção com o bloco N, como espaço de socialização. Também já foi muito utilizado para assembleias de cursos de graduação do ICHF14 e de coletivos estudantis.

O ICHF é o único instituto do Gragoatá com espaço interessante para a criação de laços de pertencimento, onde há estrutura convidativa para uma vivência extra-sala de aula. É também o único em que encontramos uma alta de expressões estudantis, materializadas em pichações, que percorrem grande parte das áreas externas de seus blocos, expondo reivindicações, exaltação de nomes ícones da política e palavras de ordem. Onde podemos deitar o corpo no tablado do bloco O, sentar e conversar antes e após as aulas, ler textos nos bancos menos concorridos, jogar xadrez, “altinho”, praticar tecido acrobático, e imergir em outra sociabilidade. Mesmo que somente uma parcela do corpo discente tenha disponibilidade de tempo, por conta de emprego e eventuais outros compromissos, o ICHF é fértil a uma nova sociabilidade.

PRÉ-OCUPAÇÃO

O burburinho no ICHF sobre o movimento de ocupações estudantis se intensificava. Em outubro as mídias (televisão, jornais e redes sociais) noticiavam diariamente as ocupações, a cada dia uma nova reportagem sobre escolas ou universidades ocupadas por seus alunos.No decorrer desse mês,membros do corpo discente, e docente, acreditavam que mais cedo ou mais tarde aconteceria tal ação no ICHF. Uma parte ansiava pelo momento em que o Instituto integraria a crescente lista de instituições de ensino ocupadas Brasil afora. Perguntava-se como, indagava-se quando, e, alguns enxergavam demora. Como sou militante do movimento estudantil, algumas dessas perguntas eram colocadas a mim. Uma ou outra pessoa me perguntou se não havíamos ocupado o instituto ainda, em razão de estarmos em meio ao segundo turno da eleição de prefeitos. A motivação de tal questionamento ocorre por

14Atualmente o ICHF conta com as graduações em Antropologia, Sociologia, Ciências Sociais e Filosofia. Em

2016, foi criado o Instituto de História e a Psicologia já havia se desmembrado do ICHF antes. Os dois cursos anteriormente compunham o ICHF. Há hoje uma utilização compartilhada dos blocos até então somente do ICHF, “N”, “O” e “P”. O desmembramento institucional dos institutos foi ignorado no cotidiano pelos estudantes, e pelo movimento estudantil, que continuam a referir-se aos blocos como ICHF.

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9 um número significativo dos militantes do ICHF serem organizados no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), pelo qual Marcelo Freixo concorreu à prefeitura em primeiro e segundo turno, da capital fluminense, e contou com militantes da UFF na campanha15. Não havia ligações diretas entre os dois eventos, campanha e (não) ocupação. Contudo, é interessante observar a lógica norteadora da pergunta. Reside em parte dos estudantes, que desejava ou meramente estava curiosa se aconteceria ocupação ou não, a leitura de que militantes organizados são detentores privilegiados de informações. Sendo então, as melhores pessoas para precisar se haveria ou não ocupação e quais eventualidades atravessavam. Mais tarde, no desenvolver da ocupação do Instituto, as questões com militantes “de partido” também integraria os debates organizativos e ideológicos.

Chama-se comumente em meios do movimento estudantil, e sindical, de “organizados” aqueles que constroem organizações políticas, geralmente coletivos ou partidos. Chama-se também, aí com uma demarcação ideológica maior, de pessoas “de partido”. Os “independentes”, ou “de partido nenhum”, são os militantes que não estão vinculados a nenhuma organização política. Excluem-se nesses casos, as entidades representativas como “organização política”, ou seja, militantes ativos de sindicatos ou centros acadêmicos podem ser “independentes” ou “organizados”.

O acúmulo dos anos recentes do movimento estudantil (ME) vem na tendência de desconfiança nas organizações políticas que ali atuam, e em seus representantes. O ICHF, e sua ocupação, não fogem à regra. Polêmicas e disputas vinculadas a essa temática não são novidades no seio dos movimentos sociais, nem no histórico do ME do ICHF. Se nas Jornadas de Junho há o ápice da crise de representatividade, anteriormente a elas o movimento estudantil já dava sinais de insatisfação.

Entre os anos de 2007 e 2008 o movimento estudantil universitário, como agora, esteve em ascensão nacional, representada pela onda de ocupações de reitoria de universidades públicas. A onda brasileira e universitária de ocupações desse período ocorreu um ano após a Revolta dos Pinguins, movimento de massas chileno, do ano de 2006, iniciado pelos estudantes em prol da desmercantilização da educação, contra medidas do Governo Bachelet. Nesse sentido, de defesa da educação pública, o movimento dos estudantes em 2007 se assemelha ao exemplo chileno da mesma década (LEHER, 2007), e também ao atual fluxo do movimento estudantil. Outra similaridade entre os movimentos estudantis da década

15Marcelo Freixo, filiado ao PSOL, concorreu pela coligação “Mudar é Possível”, em aliança com o Partido

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10 passada (no Brasil e países vizinhos) é a busca por formas mais horizontalizadas de organizar o movimento, refletido nas ocupações, entretanto, não suprimindo os militantes de coletivos e partidos que ali já atuavam (ibidem).

A horizontalidade na deliberação e a ausência de um líder definido também são características da maioria dos movimentos sociais latino-americanos que surgem nos últimos anos, desde os piqueteiros argentinos até os cocaleiros bolivianos, compartilhando, assim, um marco mais amplo de desconfiança dos jovens e do resto da população ante as instituições, os partidos políticos e os políticos profissionais, e das dinâmicas organizativas dos próprios movimentos sociais. (BRINGEL, 2009)

Nesse sentido, observei que na mesma semana em que a ocupação do ICHF foi iniciada, uma aluna postou em seu perfil no facebook uma afirmativa, para que a participação de militantes independentes na ocupação fosse respeitada, e que a ocupação do ICHF não se devia ao PSOL e a UJS16. Uma crítica direcionada aos que referenciam a ocupação a essas forças políticas. A maioria dos alunos se encontra nessa situação, de independentes, com atrito maior, menor ou nulo com organizações.

O mês de outubro estava chegando a seus últimos dias, e a movimentação sobre uma possível ocupação permanecia inerte, pelas mesas, corredores e especulações em sala de aula. Até que um evento no facebook esboça mais concretude para a ação direta de ocupação. O evento, organizado por quatro estudantes veteranos de ao menos dois cursos, trazia a convocatória para uma assembleia geral dos estudantes do ICHF. A data chamada foi o primeiro dia de novembro, e a assembleia teria na pauta a discussão estudantil nacional: a PEC 241 do congelamento em investimentos sociais, que já se tornara PEC 55 no Senado Federal, e a MP 746 da reforma do ensino médio. A imagem exposta abaixo foi encontrada no referido evento de convocatória no facebook, e serviu de cartaz, sendo fixada nas paredes e pilotis do ICHF, por ao menos um dos organizadores do evento virtual.

16União da Juventude Socialista (UJS), braço estudantil e de juventude do Partido Comunista do Brasil

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O INÍCIO: “VAMOS OCUPAR!”

Chega então o dia da assembleia geral, uma terça-feira véspera do feriado de Finados. Chego ao ICHF às 17 horas, para encontrar membros do coletivo que construo, e percebo uma movimentação maior que o habitual. Havia muitos estudantes, o volume das conversas estava elevado, e conforme o horário se aproximava das 18 horas, horário da convocatória, a movimentação aumentava. Estudantes chegavam, outros desciam de suas aulas, e o número ia se expandindo.

O início da assembleia não ultrapassou muito o horário marcado, das 18 horas. Nesse horário alguns militantes, organizados em sua maioria, começaram a chamar todos ali para se aproximarem do tablado do bloco O. Posso dizer que de maneira rápida, os alunos deram passos em direção aos pilotis do bloco O, conformando uma grande aglomeração. Foi-se então instalada a mesa17 condutora, e a assembleia dos estudantes do ICHF começou.

17Mesa é como se chama o conjunto que irá organizar a assembleia. É composta geralmente por um responsável

em anotar o nome dos que desejam falar, um responsável por cronometrar o tempo das falas e avisar ao orador quando seu tempo termina, e por um relator.

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12 A expectativa da maioria girava em torno da aprovação da ocupação. Alguns professores acompanharam a reunião estudantil, aguardando as deliberações que seriam determinantes para os dias seguintes do instituto. No decorrer da assembleia, percebo que o bloco O, que se encontrava em obras (mas em funcionamento), foi trancado a pedido da direção da ICHF. O bloco O é onde está alocado parte das coordenações de graduação e pós-graduação, departamentos e a própria direção do instituto. Entretanto, os outros dois blocos, N e P, permaneciam abertos, algumas aulas aconteciam em suas salas, ao mesmo tempo em que a assembleia se desenvolvia.

Logo no começo da assembleia, anteriormente ao início das falas, foi deliberado que os coletivos e demais forças políticas ali presentes, só poderiam realizar uma inscrição, somente uma intervenção. Ou seja, as organizações deveriam escolher, caso desejassem expor sua ideia, um de seus membros para realizar a fala, ficando assim, vedada a inscrição de demais militantes do mesmo agrupamento. Essa medida não é inédita, e vem aparecendo em alguns espaços do ME, sob a justificativa apresentada por seus propositores de que militantes organizados “repetem as falas” e\ou se inscrevem excessivamente para dar visibilidade ao seu coletivo, não acrescentando qualitativamente ao debate. Nesse sentido, foi adotado esse limite de inscrições por organização. Não quero me ater ao mérito dessa medida e a as supressões a ela inerentes, entretanto ela é um elemento da relação entre organizados e independentes, como exposto anteriormente, serve de desenho da conjuntura do movimento estudantil, para os que estão a ingressar agora.

O acúmulo das falas na assembleia enfatizava a tática de ocupação como necessária para resistir à aprovação da PEC 55 e a MP do ensino médio. “Seguir o exemplo secundarista”, incorporar o ICHF no mapa das instituições ocupadas, e combater o Governo Temer, formam a síntese das intervenções. Na semana anterior, no dia 27 de Outubro, estudantes da Escola de Serviço Social da UFF (bloco E - Gragoatá) e do Campus Universitário de Rio das Ostras (CURO-UFF) haviam ocupado seus prédios, servindo de impulso mais próximo aos alunos do ICHF. Finalizada a rodada de intervenções, propostas de encaminhamentos e defesas políticas gerais, os estudantes presentes na assembleia do ICHF por unanimidade deliberaram pela ocupação do instituto. Por ser realizada na véspera do feriado de Finados, houve descenso na assembleia sobre o melhor dia para deflagrar a ocupação. A dinâmica do movimento estudantil é muito influenciada pelo calendário (BRINGEL, 2009), e receando um primeiro dia de ocupação com baixa participação, uma parcela minoritária votou pela ocupação após o feriado.

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13 É aprovada a ocupação para o mesmo dia, 1º de novembro, mas tal deliberação não significou o fim da assembleia. Houve uma pausa, por volta de 20 horas e 30 minutos, para que fosse possível os alunos que morassem nas proximidades do Gragoatá, irem às suas casas buscarem materiais para dormir e retornarem antes das 22 horas, horário em que os portões do campus são fechados. Após esse retorno, a assembleia prosseguiu, entretanto, o número de pessoas presentes, nessa segunda parte, foi menor, apesar de conter dezenas de estudantes, ao meu olhar. Vale mencionar que chegou a nós no decorrer da noite, que as assembleias do curso de Pedagogia (bloco D – Gragoatá) e do campus da UFF no município de Santo Antônio de Pádua haviam deliberado ocupação imediata, igualmente.

Na primeira noite de ocupação, dormimos divididos entre os blocos N e P. Como mencionado, o bloco O estava em reforma e foi fechado antes da assembleia estudantil, por receio da direção do instituto, de uma ocupação em meio às obras. Sobre isso, um acordo foi realizado, e as atividades corriqueiras do bloco O foram suspensas, e o mesmo permaneceria trancado. Desse modo, colaborando com a ocupação.

Logo em seu segundo dia, a ocupação passou por uma demorada discussão, realizada em assembleia, sobre o funcionamento dos prédios. O que seria permitido funcionar? O que agregaria ou descaracterizaria a ocupação? Na tentativa de responder essas perguntas, horas de assembleia se passaram. Nesse sentido, o principal foco girou em torno das aulas no que diz respeito à pergunta: Seria compatível ou não com a ocupação, a realização das aulas ordinárias, de graduação e pós-graduação? Estiveram também no debate, os eventos acadêmicos marcados para os dias próximos, incluindo colação de grau. Decidimos então, que a continuidade das aulas ordinárias era incompatível com a ação de ocupação. Sugeriu-se então, que os professores realizassem aulas públicas, nos pilotis do ICHF, avolumando as atividades de ocupação. Sobre os eventos, como seminários e colação de grau, foram

aprovados, desde que seguissem os moldes da ocupação18. O consenso obtido mais rápido em

relação à gestão de blocos se deu sobre o convívio da ocupação com o funcionamento do Serviço de Psicologia Aplicada. Sobre o SPA, a deliberação foi na direção de que continuassem os trabalhos, e tentarmos, enquanto ocupação, interferirmos o mínimo possível

18“Moldes da ocupação” foi uma expressão muito utilizada entre os estudantes ocupantes. Em linhas gerais,

significa um modelo que não descaracterizasse a ocupação, e que pregasse horizontalidade. Definimos que nenhum evento poderia ser fechado aos pagantes, por exemplo. E que as colações de grau que acontecessem, fizessem referência ao momento político de ocupação, incluindo uma decoração com cartazes, feita por ocupantes. As aulas públicas, realizadas nos pilotis, em roda e aberta a todas e todos podem ser chamadas de aula nos “moldes da ocupação” também.

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14 no trânsito dos usuários desse serviço. Entendemos os riscos à saúde em que acarretaria a interrupção imprevista, e sem data de término, do acompanhamento psicológico dos usuários. Divergências políticas e esgotamento de energias, após longos debates, fizeram com que o manifesto da ocupação, somente fosse produzido e aprovado no dia 4 de novembro. O manifesto foi uma tentativa de divulgar nossos posicionamentos políticos norteadores e questões instigadoras da ocupação. Também serviu de texto-base de um panfleto voltado à comunidade não vinculada institucionalmente à UFF. O panfleto foi distribuído em frente a algumas escolas, ao terminal rodoviário João Goulart e a estação das barcas em Niterói, principais pontos de transporte da cidade, utilizado diariamente por trabalhadores de municípios vizinhos, como São Gonçalo e Maricá. A tentativa da atividade foi em disputar o pensamento da pessoa abordada pela panfletagem, buscando apoiadores, e desmontando possíveis distorções sobre o movimento de ocupações estudantis. Abaixo reproduzo parte da nota, publicada na página oficial da ocupação, no facebook:

(...) estamos em luta contra a PEC [55] e pelo "Fora Temer", pois esse governo só quer favorecer os milionários enquanto joga a conta da crise nas costas dos

trabalhadores e da juventude.

É necessária a unidade [de] todas e todos que lutam, das ocupações e das greves

para fortalecer esse movimento.

Nós, estudantes ocupantes do ICHF-UFF, nos opomos ao governo Temer, à PEC 55, à MP746, à reformulação da LDB, à contra-reforma da previdência, ao Escola sem Partido e ao congresso nacional ilegítimo e golpista. Estamos pela suspensão do pagamento dessa dívida [pública] que não é nossa.

Apesar da deflagração da ocupação ser baseada na MP do Ensino Médio e na PEC 55, foram acrescentados posicionamentos e pautas, de maior abrangência e leitura política, ao manifesto (e panfleto). Tais como a suspensão do pagamento da dívida pública, a saída de Michel Temer (PMDB) do cargo de presidente da República, o entendimento de que a cassação do mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff se conforma em golpe de Estado (explicitado na referência a Temer como golpista), o projeto de contrarreforma da previdência (PEC 287\2016).

Nesses primeiros passos de ocupação, observei baixa participação de calouros. Estavam presentes em números interessantes, mas pouco ou não se inscreviam e interviam abertamente nas assembleias. Credito isso, a um receio de quem chega agora, pouco familiarizado com a performance e o vocabulário ativista, o “militantês”. Porém, não tardou para que ingressantes, majoritariamente mulheres, começassem a exercer papéis importantes para o funcionamento da ocupação.

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15

MODELO DE OCUPAÇÃO

As primeiras assembleias da ocupação trataram, entre outras demandas, de definir o modelo de funcionamento da ocupação. Decidimos então, pela divisão dos ocupantes em grupos de trabalho (GT), que estariam vinculados às demandas políticas e às necessidades de manutenção da ocupação. Os GTs abarcavam alimentação, finanças, segurança, mobilização, comunicação, cultura (responsável pela agenda) e limpeza19, sendo criado posteriormente o GT de diálogo. Esse último veio como resposta à necessidade de reuniões recorrentes com o seguimento dos professores, que também haviam destacado um grupo para tal tarefa. O conjunto dos docentes do Instituto20 apoiaram o movimento de ocupação, após reunião fechada, realizada dois dias depois da deflagração da ocupação, manifestaram então:

(...) seu apoio à mobilização do (a)s estudantes em curso na universidade e no país e seu repúdio às medidas do governo federal que promovem, através de cortes em investimentos e direitos, o desmonte sistemático dos sistemas públicos de pesquisa e ensino, como a PEC 55 (antiga 241) e a Medida Provisória 746/2016, que ao reestruturar o ensino médio, entre outros aspectos, exclui disciplinas das áreas de artes e humanidades e incorpora princípios da chamada “escola sem partido”.21

Permeou toda a ocupação os recortes raciais e de gênero, e os GTs foram parte dessas discussões e pautas do movimento estudantil. Houve, somado aos que citei acima, os GTs auto-organizados (restrito à) de mulheres, LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e trans*), negras e negros, mulheres negras, e trans*22. Além das reuniões auto-organizadas, houve também nos espaços de assembleia e em conversas em tons de reclamação ou desabafo, problematizações sobre as relações opressor-oprimido, em diversos contextos. Um exemplo ocorre sobre as tarefas de limpeza e alimentação. Membros de minorias étnico-raciais, de gênero e sexualidade constataram, que eram majoritários no desempenho dessas funções e nesses GTs. Frequentemente então havia o “apelo” para que homens cisgêneros, heterossexuais e brancos, realizassem tais trabalhos, de limpeza e cozinha. O embasamento

19 Em primeiro momento não houve um GT para limpeza, e sim um “horário de limpeza”, onde todos presentes

se ocupariam em limpar alguma área (banheiro, pilotis, corredores), em uma hora estabelecida. Porém, dentro de alguns dias a ocupação verificou que o tal “horário” não estava funcionando, e foi instalado o GT de limpeza.

20 Neste momento me refiro somente aos professores dos departamentos de Antropologia, Sociologia e

Metodologia das Ciências Sociais, Ciência Política e Filosofia. Excluindo o Instituto de Psicologia e o de História, que também apoiaram, mas não são signatários da nota a seguir.

21 Disponível em

<http://racismoambiental.net.br/2016/11/04/mocao-de-apoio-dos-professores-aos-estudantes-do-ichf-uff> Acesso em janeiro de 2017

22 Pelo averiguado, não houve um consenso entre os participantes desse GT, sobre o que “trans” nesse contexto

significava, levando em consideração as possibilidades de identidades “travesti”, “transexuais” “transgênero” e de “não-binarismo de gênero”. Um ocupante transexual me aconselhou a me referir ao GT como somente “trans”.

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16 consistia na leitura da histórica designação das mulheres e negros aos trabalhos mais braçais e de menor visibilidade.

No decorrer da ocupação houve relatos aos GTs auto-organizados de denúncias de opressões, acontecidas durante ou anteriormente ao movimento. Em sua maioria foram relatos de opressão machista, em suas variadas formas de expressão. Como homem, não tive acesso aos debates ocorridos nesse GT (de mulheres) nem das minúcias da recepção, tratamento e resposta a todas as denúncias, entretanto, vi alguns homens sendo expulsos da ocupação, em decorrências de denúncias de agressões machistas.

Nesse sentido, os GTs auto-organizados tinham uma competência deliberativa, que não era encontrada nos outros GTs. Importante destacar que, no início, houve grande preocupação com a autonomia dos grupos de trabalho (que não os auto-organizados), no prezar que tivessem um caráter mais operativo, em detrimento de um poder de decisões. Assim sendo, as deliberações necessitavam encaminhamento em assembleias. Com o tempo, na prática, essa metodologia se mostrou ineficaz, servindo por engessar a atuação dos grupos de trabalho, como o de comunicação e cultura. Ficando reservadas às assembleias, discussões consideradas polêmicas, que extrapolariam a autonomia relativa ao fluxo dos GTs.

A ocupação parecia consensualizar, a meu ver, com o entendimento que há uma crescente na repressão e criminalização dos movimentos sociais. Avalio como expoente legal da criminalização dos movimentos sociais a Lei Antiterrorismo23, proposta e sancionada por Dilma Rousseff (PT) em seus últimos meses na presidência do país. Em razão dessa leitura, de avanço da criminalização, a ocupação do ICHF se preocupou em preservar os estudantes implicados. Um das medidas de orientação foi que o GT de comunicação, ao postar imagens da ocupação, desse tratamento digital as fotos para que impossibilitasse o reconhecimento dos rostos fotografados. Bem como, estava proibido, sem autorização coletiva prévia, pessoas que não compusessem o GT de comunicação, gravarem e/ou fotografarem certos acontecimentos da ocupação.

Nas atividades públicas, acontecidas nos “moldes da ocupação” havia mais possibilidades de livre registro, apesar de eventuais desconfianças de sujeitos. Ocorreram muitas atividades, de variadas temáticas, tipos e realizadores. Preencheram o calendário da ocupação, as aulas públicas, cines-debate, oficinas artísticas, rodas de conversa, com destaque para a temática da educação, saúde e visibilidade LGBT (contando com uma semana

23Lei 13.260\2016, que ao versar sobre terrorismo e organizações terroristas, deixa brechas para o

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17 temática), negra e de mulheres. O GT de cultura como mencionado, foi responsável pela agenda, e elaboraram, para melhor organização, um formulário de atividade. Abaixo:

O formulário preenchido poderia ser enviado para um endereço de e-mail ou entregue pessoalmente.

Sobre segurança, há a importância em destacar o receio coletivo que ameaças de pessoas, identificadas como “movimento desocupa”, provocaram na ocupação do ICHF. Estavam baseados nas ações ocorridas no Paraná, onde sujeitos contrários ao movimento de ocupações estudantis, articulado ou estimulados pelo Movimento Brasil Livre24 (MBL), invadiram escolas e no uso de violência retiraram os alunos ocupantes. A desocupação, também foi entusiasmada pelo UFF Livre, grupo liberal que atua na universidade,

24O Movimento Brasil Livre ganhou visibilidade na crise política brasileira, promovendo atos em prol do

impeachment de Dilma Rousseff (PT). É declaradamente liberal, e reafirma o “Escola Sem Partido”. Em 2016

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18 propagando as privatizações e enfrentando as greves e mobilizações de esquerda, além de acatar e explanar queixas de supostas doutrinações políticas de esquerda, praticadas por professores em sala de aula.

Em Niterói foi criado um evento no facebook, onde pretensiosamente um grupo se dirigiria a UFF, para finalizar a ocupação. Levantavam, na internet, a questão do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), cuja realização estava marcada para o primeiro sábado e domingo após a deflagração da ocupação. Os prédios do campus do Gragoatá seriam utilizados como local de aplicação da prova, entretanto, as ocupações geraram uma nova demanda. Abaixo, a descrição do evento, intitulado “DESOCUPA UFF!!”:

Tendo em vista a dificuldade que estamos passando com esses "alunos ocupantes" que atrasam a vida de não só estudantes da UFF, como estudantes de outras redes de ensino, que la iriam fazer o ENEM. Estamos lutando pelo nosso direito para acabar com essa bagunça de gente que nao quer nada, e nao aceitam opiniões contrarias. Diante de fontes que la estudam, a maioria dos "ocupantes" só fazem bagunça e querem saber de curtição, sendo que a ocupação só rende prejuízo e atraso na vida das pessoas. Nós estamos atrás do nosso direito e lutando por isso, como vocês se iludem achando que tambem estão. Entao... DESOCUPA UFF JÁ!!!25

A questão do ENEM foi pautada em assembleias, onde discutimos que éramos favoráveis a realização da prova nas salas de aula do campus, apesar de não haver viabilidade política de desocuparmos definitivamente naquele momento. Por fim, o Ministério da Educação (MEC) decidiu por remarcar os dias do exame, para o início de dezembro, para aqueles que o realizariam em locais ocupados.

Passado o final de semana da primeira edição do ENEM-2016, as ameaças continuaram. Recorrentemente chegava a nós ocupantes, um alerta de segurança, referente a movimentação do “desocupa”. Avalio que a motivação de fundo não girava em torno da realização ou não do ENEM, e sim de uma questão ideológica, reflexo da polarização política encontrada no país, na qual, o processo do Exame foi utilizado para disputar visões sobre as ocupações estudantis.

Apesar de ter gerado desconfortos, e receios mais impressionados em alguns, as pessoas, seja do UFF Livre, MBL ou independentes, nunca apareceram. Ou ao menos, nunca de forma organizada para a “desocupação”.

25Descrição do evento no facebook, marcado para o dia 4 de novembro. Disponível em

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19

#OCUPOPORQUE

A utilização de redes sociais como canais de comunicação dos movimentos sociais está em alta. É possível hoje pelas “páginas” do facebook acompanhar atualizações das opiniões e atuações de movimentos sociais (e organizações políticas) de vários setores e tendências. Roberto Leher (2007) constata nas ocupações de reitoria de 2007, a emergência dos blogs como meio de comunicação do movimento estudantil, maneira inclusive interessante de expor ideias e pautas, sem um porta-voz físico ou assinatura individual. De lá para cá, as redes sociais aumentaram seu número de adeptos, e consequentemente sua repercussão. Hoje, a internet consiste em uma importante ferramenta de exposição e organização de movimentos sociais (GOHN, 2011), e não foi diferente na ocupação do ICHF.

Além da página oficial da ocupação, a “Ocupa ICHF UFF” no facebook, muitos estudantes vieram a público, por meio de seus perfis no mesmo site, expor suas motivações em ocupar, ou apoiar o movimento. Foi utilizada a “#”2627OcupoPorque (#OcupoPorque), como forma de divulgar e evidenciar motivos e políticas da ocupação, na perspectiva pessoal dos estudantes. Como vimos, a internet foi espaço de discursos contrários a ocupação, reforçando a necessidade de nós estudantes, em divulgar os reais motivos e ações realizadas no movimento.

Observei diversas postagens, e ressalto aqui as que considerei interessantes pela multiplicidade das opiniões, pautas e coerência. Algumas ainda mais interessantes, por serem escritas por estudantes calouros, entre seus primeiro e segundo período de graduação.

Lavínia, aluna do segundo período de Ciências Sociais, comenta mais detalhadamente em sua postagem com a #OcupoPorque, evidenciando um descontentamento generalizado com o cenário político nacional, que inclui a PEC 55 e a MP do Ensino Médio, mas vai além. Ojeriza, teme e enfrenta, mudanças de cunho profundo em diversificadas instituições.

(...) #ocupoporque a cada dia que passa, a pressa pesa sobre o ponteiro do relógio, em saber o que vai ser, o que vai ser, daqui 2, 5, 20 anos com nossa educação pública, nossa Petrobrás, nosso SUS [Sistema Único de Saúde], nossa CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], nossa liberdade política e ideológica de expressão, nossa constituição, nosso povo. Tudo está sendo tirado, e claro, com o providencial apoio das mídias golpistas de TV e imprensa, quem fazem o povo aplaudir de olhos e ouvidos vendados a própria ruína.

26 A hashtag é, em linhas gerais, uma ferramenta que torna palavras-chaves em links de busca. Onde ao clicar

em uma hashtag, o usuário da rede social é direcionado a diversas postagens que a utilizou.

27 Postagens em defesa da ocupação, ou explicando-a, não necessariamente continham a “#”, e algumas delas

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20 O que é apresentado pela estudante, uma motivação oriunda de uma revolta maior com a conjuntura, também observei em outros estudantes ocupantes, que com frequência se deparavam (e se indignavam) com novas medidas do ajuste fiscal, ou de Temer ou do governador Pezão (PMDB), a nível estadual. A educação pública de qualidade, e seu potencial como ferramenta de diminuição de desigualdade social, é uma constante nos discursos, tanto virtuais ou físicos, sobre as ocupações. Lavínia, em mesma publicação repudia o “Escola Sem Partido” e a MP 746 e ressalta a importância da assistência estudantil para a juventude trabalhadora, mães e cotistas, além de defender a autonomia do setor ao dizer que “quem deve decidir sobre a educação é quem dela precisa como instrumento político de luta, somos nós, secundaristas, universitários, professores e professoras que dizemos basta à tanto retrocesso.”.

Tais pontos que destaquei no posicionamento de Lavínia, serve como elemento de reflexão no que tange a crítica referente a educação. O que incomoda não somente versa sobre os cortes que atinge a educação, mas também o modelo de educação formal oferecido. Assim como os secundaristas paulistas (OLIVEIRA, 2016), os questionamentos aventados pela ocupação do ICHF abrangiam toda a estrutura da educação, há o desejo em participar das decisões sobre o rumo da universidade. No mesmo sentido, Júlia Schmidt Leal (2016) identificou insatisfação dos discentes do curso de licenciatura em Ciências Sociais da UFF, sobre os métodos pedagógicos empregado por professores no curso, pela crítica ao que aparece como “tradicional” no modelo de ensino, e na relação docente-discente. Todo esse apanhado, esteve em discussão em atividades da ocupação do ICHF, onde se pensou e ansiou por novas relações entre professores e estudantes, requerendo o fim da hierarquia, pela valorização dos saberes populares, de culturas tradicionais, e contra preconceitos.

No sentido das questões relacionadas às pautas das minorias, dentro das minhas buscas, apareceu o tema de forma interessante na publicação de Raquel, estudante de História. Raquel em sua postagem de divulgação da ocupação, também elenca variadas pautas de combate, como a reforma trabalhista (PL 6787\2016) e resquícios da ditadura militar, e denuncia a fraude no sistema de cotas. A questão negra está contida em “abaixo a fraude nas cotas”, que também pode ser estendida às ações afirmativas para o ingresso na universidade dos mais pauperizados e oriundos de escolas públicas. O combate às fraudes vem sido desenvolvida por militantes dos movimentos negros na universidade, com ações de denúncias de fraudadores (brancos que ocupam vagas destinadas a população negra). A defesa das cotas raciais tem a ver com um projeto de universidade e sociedade, contra o racismo.

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21 William, estudante da Filosofia, segue caminho semelhante ao de Raquel e direciona sua motivação em ocupar pelo entendimento da educação como instrumento de transformação social. “#OcupoPorque acredito que a educação é fundamental para a diminuição da desigualdade e violência que causam genocídio nas favelas.”. Uma vez que a PEC 55 congela os investimentos em educação, esse instrumental fica mais restrito, e consequentemente sua eficácia, daí a importância em ocupar. Nesse sentido também foi Matheus, estudante do curso de História, que foca na educação e no congelamento por 20 anos no setor, contida na PEC 55. E evoca o educador Paulo Freire, ao lamentar a possível aprovação da Proposta e os males sociais proporcionados em decorrência.

A PEC 55 congela os investimentos em educação pelos próximos 20 anos!! A desculpa é que precisamos cortar gastos mas de tanto pouparmos em educação ficaremos ricos em alienação! Não é só Paulo Freire que choraria, são estudantes, professores e todos aqueles que precisam e precisarão de educação pública de qualidade! #ContraPEC55 (Matheus)

As postagens seguiram por toda a ocupação, refletindo os anseios, posicionamentos e comentários sobre a conjuntura. Os ocupantes do ICHF, pelo o que verifiquei ao me debruçar nas buscas por suas postagens, reafirmam frequentemente a defesa da educação como motivo de ocupar, atrelando a outras medidas a que se opõem, como a Reforma Trabalhista, e a da Previdência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos considerar como novidade a onda de ocupações estudantis universitárias ocorrerem em institutos28, uma vez que a experiência majoritária dos universitários com a tática de ocupação é direcionada às reitorias, ocupando seus prédios. Porém, recentemente outras formas de ocupação também foram vivenciadas na UFF, a exemplo da ocupação do prédio em obras do Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS), realizada em 2016 por seus estudantes, em protesto ao atraso na finalização da construção29. Outro caso ocorrido nos últimos anos se deu em 2014, na ocupação da sala 211 do bloco N, no ICHF, por estudantes de Sociologia. Reivindicavam uma sala de aula para sediar seu diretório acadêmico, o Diretório Acadêmico de Sociologia Abdias do Nascimento (DASAN). Em uma curta

28Algumas universidades, como a UFF, têm diferentes nomenclaturas para suas unidades acadêmicas, como

faculdades, institutos, ou escolas.

29 As obras do IACS, assim como a dos prédios da Biologia e Química, foram investigadas pelo Tribunal de

Contas da União, por indicativo de superfaturamento. Disponível em < http://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/obras-na-universidade-federal-fluminense-sao-fiscalizadas-pelo-tcu.htm> Acesso em janeiro de 2017

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22 comparação entre os dois centros de ocupação, reitoria ou institutos, vemos na ocupação de reitoria a paralisação das atividades regulares da administração central da universidade, entretanto, quando não é casada com greve da categoria docente, as aulas tendem a continuar comumente, o que pode afetar o efetivo de ocupantes. Já quando a ocupação é realizada no prédio de um instituto, onde aulas de graduação e pós-graduação são realizadas, a agenda local é comprometida e acontecem alterações (pelas intervenções físicas, ou ressignificação de relação com o espaço) no lugar onde o estudante frequenta cotidianamente. Sendo assim, cada uma interfere na rotina universitária de um modo, cabendo ao conjunto dos estudantes escolher qual a melhor maneira para cada momento de luta.

As avaliações que faço acima são baseadas principalmente na UFF e na ocupação do ICHF, há universidades onde a reitoria é sediada no mesmo prédio que institutos (vide a Universidade Federal do Rio de Janeiro e sua Escola de Belas Artes), como também houve ocupações de unidades nas quais as aulas prosseguiram. Não quero afirmar qual alvo de ocupação (reitoria ou instituto) se faz mais eficaz, considero que os resultados, positivos ou negativos, sofram com outras variáveis, e alternem com a conjuntura.

Outra forma de luta utilizada pelos estudantes ocupantes do ICHF foi os atos de rua. A ocupação votou participar de algumas manifestações convocadas para o centro do Rio de Janeiro, e também da grande caravana nacional à Brasília (no dia 29 de novembro, votação em primeiro turno da PEC 55 no Senado), mobilizada por diversos setores sindicais e estudantis. Em Niterói, ocorreu apenas um ato, organizado entre as ocupações da UFF e secundaristas, que não aglutinou muitos participantes. O ideal de que a ocupação alcançasse o máximo de trabalhadores e juventude pobre possível, estava ligado também, a busca pela massificação dos atos de rua.

Falar em atos massificados, nos dias atuais, me remete ao ano de 2013, das grandiosas Jornadas de Junho. Nesse sentido, volto às perguntas que instigaram a produção deste trabalho. Quais antecedentes construíram o contexto político nacional em que está inserida a ocupação desse instituto? Considero então, que as manifestações de massa, realizadas no ano de 2013 ainda ressoam, e tem por seus reflexos o aumento das greves, das lutas de minorias, nas mobilizações contra as injustiças sociais causadas pelos mega-eventos, e também pelas ocupações, secundaristas e universitárias. E é nesse cenário, que coleciona a acentuação da crise política e econômica, o endurecimento do ajuste fiscal dos governos, e em meio às ruínas da República de 1988 (SAFATLE, 2016), em que ocorre a ocupação do ICHF. A insatisfação generalizada com toda a situação política e econômica, demonstrada nas postagens online pelos estudantes do instituto, corroboram.

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23 É caro ressaltar aqui, elementos já mencionados, como as abstenções eleitorais, e a desconfiança do povo em Michel Temer, bem como a baixa popularidade da ex-presidenta Dilma, como indicadores da ruptura social com o sistema político vigente. Na ocupação do ICHF, podemos ver reflexos na desconfiança em partidos políticos e coletivos estudantis (que em grande parte servem como braços estudantis de organizações mais complexas e de partidos políticos), e a negação da construção da figura de uma liderança do movimento. Avalio que contribuíram os anos de apoio da direção da União Nacional dos Estudantes (UNE) e Central Única dos Trabalhadores (CUT), entidades marcadas pela participação na luta contra a ditadura civil-militar e aos governos neoliberais posteriores, aos governos também neoliberais, dos ex-presidentes petistas Lula e Dilma. A acentuação da crise econômica, as políticas de concessões e ajuste fiscal vindas de ex-lutadores, colaboram para que a juventude, e os trabalhadores, nutram descrédito, ou mesmo revolta, pela forma histórica de se organizar como classe trabalhadora.

Ainda no exercício de responder às indagações motivadoras do artigo, a observação participante que realizei se fez bom instrumento para avaliar quais discussões e pautas o movimento estudantil vem abarcando nos últimos anos. Claramente com o recorte no ICHF, e seu período de ocupação mais especificamente, mas também somado a experiência universitária na UFF. Os elementos já trazidos no decorrer do artigo realçam os debates de gênero, sexualidade e étnico-racial como constantemente presentes no movimento. Além das bandeiras de uma educação pública, de qualidade e gratuita, há a aglutinação da demarcação da importância da laicidade, do fim do racismo e machismo institucionalizado no setor, e o desejo incessante por uma educação horizontal e não opressora.

Porque se chamavam homens Também se chamavam sonhos E sonhos não envelhecem (Lô B., Márcio B., Milton N.)

REFERÊNCIAS:

ARCARY, Valério. E agora PT?. 2014. <Disponível em

http://blog.esquerdaonline.com/?p=2046> Acesso em dezembro de 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>

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24 BRINGEL, Breno O futuro anterior: continuidades e rupturas nos movimentos estudantis do Brasil. EccoS Revista Científica, vol. 11, núm. 1, enero-junio, 2009, pp. 97-121 Universidade Nove de Julho São Paulo, Brasil.

CASTELLS, Manuel. Atual Congresso brasileiro deveria ser dissolvido, diz sociólogo espanhol. 2013. Entrevista concedida à Folha de São Paulo. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/07/1304810-atual-congresso-brasileiro-deveria-ser-dissolvido-diz-sociologo-espanhol.shtml> Acesso em dezembro de 2016.

GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na contemporaneidade. 2011. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v16n47/v16n47a05.pdf>Acesso em dezembro de 2016 ________ A sociedade brasileira em movimento: vozes das ruas e seus ecos políticos e sociais. Caderno CRH, Salvador, v. 27, n. 71, p. 431-441, Maio/Ago. 2014. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v27n71/a13v27n71.pdf>Acesso em dezembro de 2016

________ Manifestações de protesto nas ruas no Brasil a partir de Junho de 2013. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 16, n. 47, p. 125-146, jan./abr. 2016.

LEAL, Júlia Schmidt. Discursos e práticas pedagógicas no curso de Ciências Sociais na perspectiva dos estudantes. Monografia do Bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense.Niterói. 2016.

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SAFATLE, Vladimir. Ao final, Dilma foi afastada por um crime que nunca fora visto como crime. 2016. Disponível em < http://www.ihu.unisinos.br/559692-ao-final-dilma-foi-afastada-por-um-crime-que-nunca-fora-visto-como-crime> Acesso em dezembro de 2016.

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