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43º Encontro Anual da Anpocs ST 21 Memórias, coleções e heranças Memorial da Pedra do Reino: memória e esquecimento como construção narrativa

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43º Encontro Anual da Anpocs

ST 21 Memórias, coleções e heranças

Memorial da Pedra do Reino: memória e esquecimento como construção narrativa

Me. Tatiane Oliveira de Carvalho Moura

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Resumo

Este trabalho tem como objetivo abordar o Memorial Pedra do Reino como espaço de narrativa de memória cultural e, assim, de esquecimento na cidade de São José do Belmonte, sertão de Pernambuco. Na década de 1990, um grupo de jovens belmontenses se uniu formando a Associação Cultural Pedra do Reino, no intuito de organizar a festa da Cavalgada à Pedra do Reino. É no âmbito desse festejo que o Memorial foi idealizado pela Associação. O Memorial da Pedra do Reino tem como propósito reunir acervo documental, fotográfico, literário e artístico que aborde como tema a Pedra do Reino. Pensar a narrativa construída no Memorial ajuda a compreender como se dá a construção da identidade local acerca da festa da cavalgada, da Pedra do Reino e do movimento sebastianista de Pedra Bonita. Aqui se está pensando o Memorial da Pedra do Reino como uma espécie de arquivo, considerando-o, portanto, como um espaço de conservação do que não se quer perder e daquilo que se quer narrar sobre a cultura local. Não existe cultura sem memória (MÉTRAUX, 2011). Considera-se a memória, e com ela o esquecimento, como ação da cultura. Assim, ao resgatar documentos, livros, artefatos, a Associação expõe no Memorial uma narrativa para a festa e também para si. O Memorial é uma forma de rememorar a história da cidade, relembrar, como esquecimento, também o movimento sebastianista. Ademais, explora aquilo que quer preservar, como a história da festa da Cavalgada à Pedra do Reino e as diversas perspectivas em torno da Pedra do Reino. Dessa forma, a narrativa que o Memorial quer passar está em consonância com a festa da Cavalgada, bem como de como seus idealizadores a pensam.

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Memória e esquecimento no Memorial da Pedra do Reino

O Memorial da Pedra do Reino, situado à Rua Manoel Lucas de Barros, no Centro de São José do Belmonte, expõe quadros, livros, documentos e fotos que se relacionam com o movimento sebastianista da Pedra do Reino toda a história de fé, fanatismo, tragédia e festa ocorridos na lendária Serra do Catolé (folder idealizado e distribuído pela prefeitura municipal de São José do Belmonte, Pernambuco, com a Associação Cultural Pedra do Reino no ano de 2017).

Para compreender melhor o contexto no qual o Memorial se insere, é preciso que se explique um pouco da história da cidade. Como colocado no panfleto distribuído pela prefeitura municipal, o Memorial narra a história do movimento sebastianista que ocorreu no território que hoje pertence a São José do Belmonte, sertão de Pernambuco.

O movimento sebastianista em questão é o Pedra Bonita, que teve início em 1836. Segundo a narrativa oficial em documento elaborado por Antonio Attico de Souza Leite (1903) para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, entre 1836 e 1838, ocorreu em Villa Bella, hoje cidade de São José do Belmonte, um movimento messiânico no qual se acreditava na volta do rei português D. Sebastião. De acordo com os sebastianistas de Pedra Bonita, aqueles que acreditassem no retorno milagroso d’El Rei D. Sebastião, desaparecido em 1578, na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, África, teriam uma vida de fartura e alegria. Nesse episódio, o sertanejo João Ferreira convocou os sebastianistas de Pedra Bonita, como era conhecida, a desencantar com sangue as duas principais pedras que seriam as torres submersas da catedral de D. Sebastião. Apesar de não haver registros detalhados de quem seriam esses sebastianistas, há indícios de que seriam mamelucos, indígenas e negros, num momento em que a escravidão era vigente no Brasil. Após o sacrifício de muitos fiéis, o movimento foi sufocado pelas forças policiais da região.

No início da década de 1990, mais de 150 anos após o movimento sebastianista de Pedra Bonita, um grupo de jovens de Belmonte deu início a uma festividade – a festa da Cavalgada à Pedra do Reino. É no âmbito desse festejo que o Memorial está inserido. Dessa forma, a narrativa que o Memorial quer passar está em consonância com a festa da Cavalgada, da mesma maneira como seus idealizadores a concebem.

Refletir sobre a narrativa construída no Memorial ajuda a compreender como se dá a construção da identidade1 local acerca da festa da Cavalgada, da Pedra do Reino e do

1 Embora o conceito de identidade seja amplamente explorado nas Ciências Sociais, aqui não será feita essa

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movimento sebastianista de Pedra Bonita. Aqui se está pensando o Memorial da Pedra do Reino como uma espécie de arquivo, considerando-o, portanto, como um espaço de conservação do que não se quer perder e daquilo que se quer narrar a respeito da cultura local. Assim sendo, é necessário compreender o que é um arquivo e quais perspectivas são tomadas para guiar a análise sobre o Memorial. Este texto tem como objetivo abordar o Memorial Pedra do Reino como espaço de narrativa de memória e, assim, de esquecimento na cidade de São José do Belmonte, sertão de Pernambuco.

Perspectiva de arquivo mobilizada

O Memorial da Pedra do Reino será analisado a partir da perspectiva de arquivo. O arquivo é uma triagem de objetos que pretende uma narrativa. Portanto, há itens que são esquecidos por serem colocados fora, por não integrarem o objetivo do arquivo. Na explicação de Assmann (2011), arquivo é “[...] um local de coleção e conservação do que foi passado, mas não pode ser perdido [...]” (ASSMANN, 2011, p. 411). Justamente por considerar que arquivos não têm agência, e são pensados com intuitos narrativos do que se quer mostrar a respeito desse passado, é que se problematiza o Memorial.

Embora ocorra uma seleção no Memorial, esta não está necessariamente pautada nas teorias arquivísticas. É um acervo que, mesmo coletivo, diferente dos arquivos pessoais que descreve Camargo (2009), não passa pelos critérios de arquivos institucionais, não adotando procedimentos técnicos. Com isso, não se quer imputar aos arquivos institucionais isenção de narrativa, mas ressaltar que, no caso tratado, os enfoques a partir da técnica museológica não estão presentes, ou, ao menos, não de forma consciente e direcionada. Sobre as seleções arquivísticas, explica Camargo:

Na teoria arquivística, as definições de arquivo têm enfatizado, por isso mesmo, a ideia de correlação, ou mesmo de equivalência, entre a atividade, de um lado, e o documento que a viabiliza e comprova, de outro: os documentos de arquivo são materialização ou corporificação dos fatos; os documentos de arquivo são os próprios fatos; o arquivo é a representação persistente de funções, processos, incidentes, eventos e atividades (CAMARGO, 2009, p. 28-29).

O Memorial da Pedra do Reino, tomado em sentido de arquivo, difere, por exemplo, da ideia de Bispo do Rosário de inventariar “o mundo, na soma infinita de suas coisas possíveis e impossíveis [...]” (MACIEL, 2009, p. 32). Embora não conte com um

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profissional arquivista ou museólogo, o Memorial tem em seu arquivo uma narrativa. Não é um acúmulo de objetos aleatórios. É essa narrativa que emerge ao refletir sobre o Memorial enquanto um arquivo. Nesse sentido, Assmann explica a importância de pensar um arquivo como controle de memória. Ela pondera: “não há poder político sem o controle sobre os arquivos, sem o controle sobre a memória. Controle do arquivo é o controle da memória” (ASSMANN, 2011, p. 368).

Ademais, Assmann ainda explana como pensar o arquivo a partir de sua organização.

Arquivos podem ser organizados tanto como memórias funcionais quanto como memórias de armazenamento; no primeiro caso, eles contêm documentos e peças comprobatórias que asseguram a base legitimadora das relações de poder vigentes; no outro caso, revelam fontes potenciais que perfazem o fundamento do saber histórico de uma cultura (ASSMANN, 2011, p. 438).

O Memorial da Pedra do Reino sendo pensado como arquivo emerge como um espaço de recordação, de uma história que se quer preservar em detrimentos de outras. Memória e esquecimento se entrelaçam na rememoração. No espaço do Memorial da Pedra do Reino, a compreensão de como se dá a rememoração evoca entender os porquês de que certos aspectos ganham destaque e outros são esquecidos. Afinal, como pondera Gonçalves (1988, p. 267) “Na medida em que associamos ideias e valores a determinados espaços ou objetos, estes assumem o poder de evocar visualmente, sensivelmente, aquelas ideias e valores”.

Da mesma maneira que Camargo se refere aos arquivos de pessoas, ao se pensar o Memorial da Pedra do Reino como arquivo, deve-se ancorá-lo no contexto em que foi criado. Por isso, para compreender melhor o sentido escolhido para o Memorial, faz-se necessário explicar brevemente esse festejo.

A festa da Cavalgada à Pedra do Reino

Criada em 1993, e transformada a cada ano, essa festa ocorre atualmente na última semana de maio, e traz elementos do movimento sebastianista de 1838 na Pedra Bonita, sítio que hoje é cenário de festa, e da obra de Ariano Suassuna Romance d’A Pedra do

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A cavalgada é o ponto alto da festa e por onde todo o festejo começou. A primeira cavalgada à Pedra do Reino ocorreu em 1993, mas somente a partir de 1995 (CARVALHO, 2003) é que surgem as primeiras insígnias festivas, dando espaço aos primeiros personagens. Trata-se de uma cavalgada incomum, pois seus integrantes, ou ao menos parte deles, incorporam personagens diversos, formando um cortejo real.

No último domingo de maio, uma queima de fogos ao alvorecer desperta os cavaleiros para a cavalgada. Esse passeio equestre sai da frente da Igreja Matriz de São José, no centro de São José do Belmonte, e vai até o Sítio Histórico da Pedra do Reino, zona rural de Belmonte. Em um percurso de aproximadamente 36 quilômetros, os cavaleiros se organizam em uma espécie de cortejo real. À frente, rei e rainha, ladeados pelos pares de França2, que seguem dois a dois os personagens principais. Em seguida, aparecem os cavaleiros vestindo traje completo de gibão, empunhando as bandeiras do Brasil, Pernambuco, São José do Belmonte. Depois, a população que, mesmo sem indumentárias ou trajes especiais, segue o cortejo em suas montarias (MOURA, 2013).

É preciso esclarecer que, embora a cavalgada seja o ponto alto e encerramento do festejo, há outros eventos durante toda a semana. A festa da cavalgada começa no penúltimo domingo de maio com missa campal na Pedra do Reino. A partir desse momento, há uma variação de acontecimentos pela cidade que varia a cada ano, podendo ter apresentação em praça pública de danças, shows, repentistas ou lançamento de livros e exposições artísticas.

No último fim de semana de maio, a festa se intensifica e na noite da sexta-feira começam os shows. No sábado pela manhã ocorrem apresentações de danças populares de grupos locais, bandas de pífano e violeiros em algumas praças da cidade. No mesmo dia pela tarde, ocorre a Cavalhada Zeca Miron, que é uma disputa ritual (CAVALCANTI, 1998), na qual cavaleiros dos cordões encarnado e azul realizam uma competição. Segundo Câmara Cascudo (2012, p. 187), as cavalhadas são “desfiles a cavalo, corrida de cavaleiros, jogo de canas, jogo de argolinhas ou de manilha. [...] No Brasil aparecem desde o século XVII com as características portuguesas”. A peleja entre os dois cordões tem como motivo

2 Segundo Newton Jr. (2003, p. 71), “[...] doze cavaleiros caracterizados de ‘Pares de França’, sendo seis

‘cristãos’ e seis ‘mouros’. Eram membros da ‘Ordem dos Cavaleiros da Pedra do Reino’, e ficaria claro, pouco depois, quando a Cavalgada partiu, que eles formavam um a espécie de ‘Guarda de Honra’, cavalgando, dois a dois [...]”.

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a rainha, que será coroada pelo rei do cordão vencedor. Acerca da disputa, Moura (2013) assinala:

Primeiro, com a lança deveriam retirar, sem deixar cair, uma pequena argola que estava presa a uma estrutura metálica em forma de arco. Dois cavaleiros, cada um representando um cordão, deveriam fazê-lo simultaneamente. Caso o cavaleiro derrube a argola, recebe o castigo de dar a volta no mastro do arco que correspondesse ao seu cordão (MOURA, 2013, p. 39).

A cavalhada tem como personagens principais os dois reis, um do cordão azul e outro do encarnado, uma rainha, e os cavaleiros, seis de cada lado, os quais entraram na batalha representando o rei do respectivo cordão. Cada cavaleiro é acompanhado por uma dama, que deve auxiliá-lo, caso ele erre a pontaria e derrube a argola ou mesmo a lança. As damas também estão vestidas de acordo com seus cordões. Esses personagens diferem dos que se apresentam na cavalgada, dando espaço a novas indumentárias, roupas e adornos.

Todo o evento é idealizado e organizado pela Associação Cultural Pedra do Reino. Um grupo de belmontenses se uniu formando a Associação Cultural Pedra do Reino, no intuito de organizar a festa da Cavalgada. O Memorial, portanto, é criado no seio desse festejo e os dois têm em comum o grupo que os funda. Nesse sentido, ambos compartilham linhas narrativas que se assemelham.

O Memorial, além disso, é também um espaço físico e permanente que expõe fotos e registros sobre a festa em si, tendo, por exemplo de fotografia da primeira cavalgada. Assim, ele serve como um espaço físico no qual seus idealizadores podem “dizer” aquilo que eles concebem como sendo a festa. Nesse sentido, a Associação como agenciador da festa e do Memorial detém o controle sobre a memória (ASSMAN, 2011). A Associação Cultural Pedra do Reino é peça central para que se compreenda o Memorial.

Associação Cultural Pedra do Reino

Segundo Carvalho (2003), a Associação Cultural Pedra do Reino teve início em nove de março de 1995, sendo registrada no Cartório do Primeiro Ofício de São José do Belmonte em 30 de maio de 1995. Ainda segundo a pesquisa de Carvalho (2003), o estatuto da Associação coloca que é sua finalidade:

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a) – Promover eventos de ordem cultural e esportiva no município; b) – Auxiliar outras instituições do município na organização de atividades culturais, esportivas e religiosas;

c) – Promover atividades com o objetivo de incentivar o turismo na cidade;

d) – Desenvolver junto aos associados, os princípios da liderança, união e solidariedade humana;

e) – Promover campanhas assistenciais às comunidades carentes do município em situações emergenciais ou não (CARVALHO, 2003, p.131).

Esta Associação não tem fins lucrativos, e aqueles que dela participam o fazem voluntariamente, sem receber salário ou qualquer ajuda de custo. Entre as atribuições da Associação, está a captação de recursos para manutenção, preservação e continuidade do Memorial e da festa da Cavalgada. O auxílio financeiro vem principalmente de entidades públicas, como a prefeitura de Belmonte e do estado de Pernambuco, mas também de pessoas físicas, que podem ajudar com dinheiro ou com alimentos e prestação de serviços gratuitos.

O regimento interno criado originalmente estabelecia a eleição anual de um presidente, que necessariamente é membro integrante da Associação. Para ajudar o presidente, há também os cargos de vice-presidente, primeiro e segundo secretários, primeiro e segundo tesoureiros e conselheiros de cultura e seus suplentes. Em 2002, o conselho de cultura passa a chamar-se conselho fiscal (CARVALHO, 2003).

O espaço do Memorial é sede das reuniões, solenidades e outras comemorações cívicas da Associação. Tanto que a abertura da festa da Cavalgada era, até 2016, realizada em frente ao Memorial, com hastear de bandeiras, fogos, discursos do presidente da Associação e de autoridades políticas, como o prefeito ou vereadores (MOURA, 2013).

A Associação Cultural Pedra do Reino fomenta o Memorial da Pedra do Reino, organizando seus arquivos e aquilo o que conta a história da Pedra do Reino. Dessa maneira, a Associação trabalha com narrativas que, muitas vezes são dissonantes, como um movimento messiânico sebastianista e um festejo cavalariço. A Associação é, ela própria, uma narração. E um dos meios para dar voz e sentido a essa narração é o Memorial. Quando o Memorial é pautado como um lugar de memória, nele ficam expostos aquilo que a Associação quer dizer (ou não dizer) sobre o movimento messiânico sebastianista do século XIX, ou sobre a Festa da Cavalgada à Pedra do Reino. Com isso, não se quer imputar à Associação um consenso, pois, sendo um grupo de pessoas com os mais diversos

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tipos de ocupação profissional, sexo, idade, classe social etc., é bem possível que haja conflitos internos, mas estes não estarão como cerne deste trabalho. Diante das mais variadas perspectivas sobre o que deve figurar ou não como exposto no Memorial, os objetos que lá estão transbordam a narrativa “vencedora”.

O Memorial da Pedra do Reino

O Memorial da Pedra do Reino é também um museu onde se encontra exposto o acervo de documentos de época, fotografias, recortes de jornais, livros e outros objetos que contam um pouco da história do sebastianismo da Serra Formosa e das manifestações alegres e festivas com que os belmontenses relembram esse triste episódio. Esses documentos já estão parcialmente catalogados e didaticamente distribuídos em grandes painéis colocados nas paredes ou expostos sobre mesas e suportes, havendo pelo menos três painéis onde os estão dispostos segunda a época a que se referem: séculos XVI, XIX e XX. Várias obras de artistas belmontenses ou de outros que se apaixonaram pela terra e pelo tema fazem parte do acervo do memorial. São principalmente esculturas, pinturas, tapeçarias, artefatos em madeira, escudos, bandeiras e trajes usados pelos cavaleiros (CARVALHO, 2003, p. 132).

Aqui se está pensando o Memorial da Pedra do Reino como uma espécie de arquivo, considerando-o, portanto, como um espaço de conservação do que não se quer perder e daquilo que se quer narrar sobre a cultura local. “De onde nascem as culturas, esses sentidos compartilhados por comunidades inteiras? ” (MÉTRAUX, 2011, p.181). Não existe cultura sem memória. Considerando a memória, e com ela o esquecimento, como ação da cultura, busca-se compreender os processos de rememoração e/ou esquecimento que estão implicados no Memorial.

A rememoração de que se fala a partir do Memorial não é a busca por reviver, tampouco celebrar o movimento sebastianista. “Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideia de hoje, as experiências do passado” (BOSI, 1979, p. 17). Entende-se, portanto, a memória como um processo de reconstrução do passado. O Memorial não revive o movimento sebastianista, nessa medida, deve-se observar como se dá o olhar a partir do Memorial em relação ao movimento sebastianista de Pedra Bonita. Como aponta Halbwachs:

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Tout se passe comme lorsque un objet est vu sous un angle différent, ou lorsqu'il est autrement éclairé : la distribution nouvelle des ombres et de la lumière change à ce point les valeurs des parties que, tout en les reconnaissant, nous ne. pouvons. dire qu'elles soient restées ce qu'elles étaient (HALBWACHS, 1925, p. 67).

A iluminação que se dá a partir da festa em relação ao movimento sebastianista é repleta de esquecimentos, que são jogados às sombras; e de iluminação, que são ressaltados. Esse é um dos pontos de partida. O que entra como diferencial é que se tenta perceber os esquecimentos. Aqui, lança-se luz para o que foi colocado à sombra, o que evoca uma narrativa, que parece não ser conflituosa, mas que está repleta de não-ditos.

Memória no Memorial da Pedra do Reino

Da literatura

O Memorial da Pedra do Reino foi explorado a partir de fotografias feitas durante a festa da Cavalgada à Pedra do Reino de 2011, 2012 e fora do tempo do festejo em 2019. Buscando perceber o que aparece e o que não aparece no Memorial, procura-se entender qual narrativa pode estar sendo evidenciada. Ademais, por estar em constante reformulação, o Memorial já não está exatamente como foi descrito anteriormente por Carvalho (2003).

Primeiro, apresenta-se uma foto externa do Memorial durante a solenidade de abertura da festa da Cavalgada à Pedra do Reino de 2012. Como a festa está em constante transformação, a solenidade de abertura já não ocorre no penúltimo sábado de maio, tampouco é uma cerimônia cívica em frente ao Memorial3. Na imagem, é possível perceber

as bandeiras de Pernambuco, do Brasil e de São José do Belmonte sendo hasteadas. Esse é o momento em que o presidente da Associação, que está vestindo camisa azul, ao centro, declara aberta a festividade.

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Foto 1 – Fachada do Memorial da Pedra do Reino

Fonte: Registro da autora no ano de 2012

No espaço do Memorial, é possível ver registros imagéticos que expõem a história da festa da Cavalgada, a respeito do movimento sebastianista e sobre livros literários que, de alguma forma, tratam o movimento sebastianista. São, basicamente, essas três narrativas que se encontram, entrecruzam e, em alguns momentos, se superpõem. Portanto, essas narrativas, e seus apagamentos, integram o panorama a ser visualizado neste trabalho.

A seguir, o registro de como estava o Memorial da Pedra do Reino na XIX Festa da Cavalgada à Pedra do Reino, no ano de 2011, visto a partir da sua porta de entrada.

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Foto 2 – Visão geral do Memorial da Pedra do Reino

Fonte: Registro da autora no ano de 2011

Nessa imagem, é possível perceber que há ao centro uma mesa, na qual estão expostos livros que tratam de maneira geral acerca da Pedra do Reino. Não há um recorte temático para a exposição dessas obras. São trabalhos de autores e áreas diversas, indo desde obras raras, como por exemplo a primeira edição d’A Pedra do Reino do escritor Ariano Suassuna, a cordéis de autores locais ou trabalhos de conclusão de curso. O critério de escolha é basicamente a Pedra do Reino.

Ao chão, estão principalmente esculturas que representam as formações rochosas da Pedra do Reino, que está localizada na Serra do Catolé em São José do Belmonte. A Pedra do Reino é o cenário tanto do movimento sebastianista, já que eram nessas rochas que os sebastianistas faziam seus sacrifícios; e é também cenário da festa da Cavalgada, pois a cavalgada que nomeia a festa tem como ponto de chegada esta mesma Pedra.

No teto, bandeiras que são representações das bandeiras elaboradas por Ariano Suassuna no livro Romance d’A Pedra do Reino. No total estavam expostas no ano de 2011 seis bandeiras, organizadas de duas em duas, que são gravuras retiradas da obra de

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Suassuna. Entre as quais, duas eram cópias do “Escudo do Principado do Brasil que ladeava o Rei” (SUASUUNA, 2010, p. 175). Duas eram representação do “Escudo de armar de Dom Pedro Dinis Quaderna 12º Conde da Pedra do Reino e 7º Rei do Quinto Império e do Quinto Naipe do Sete-estrelo do Escorpião” (SUASSUNA, 2010, p.671). Uma, era a réplica da “Bandeira do Anjo que vinha na Cavalgada do Rapaz-do-cavalo-branco” (SUASSUNA, 2010, p. 387). E, a que vinha na primeira fileira para quem adentrava pela única porta do Memorial, era o “Escudo do mando do Rapaz-do-Cavalo-Branco” (SUASSUNA, 2010, p. 61).

Na parede de fundo, uma tapeçaria que retrata um desenho também elaborado por Suassuna, presente em Pedra do Reino, descrita como:

Segunda gravura feita por Taparica sobre as Pedras do Reino e com meu Bisavô aproximado, tudo a partir do desenho do padre. Vê-se, perfeitamente, com absoluto rigor histórico, a coroa de prata dos Quadernas, montada sobre um chapéu de couro (SUASSUNA, 2010, p. 159).

Mais uma vez, é possível perceber que Suassuna é uma referência constante nas paredes do Memorial. Sendo um cruzamento de narrativas, da perspectiva da literária, Suassuna é o autor que mais aparece, o que indica sua importância para o Memorial e para o festejo. Com isso, não se está apontando o Memorial ou a festa como partes da obra de Suassuna, ou que qualquer um dos dois sejam armoriais4, mas perceber que a narrativa

literária parte da apropriação da Associação em relação à obra, e não, necessariamente, ao que o autor pretende com seu trabalho. Na mesma foto é possível ver o brasão da Associação esculpido em mármore e a bandeira da Associação.

Ademais, entre as obras presentes no acervo do Memorial, está um quadro de autoria do multiartista, Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano Suassuna. Essa tela estava localizada na parede de entrada, pelo lado de dentro, de forma que o visitante, provavelmente, só a veria quando estivesse de saída. A imagem abaixo foi registrada em 2019, contudo, a obra já estava presente, e no mesmo local em 2011 e 2012.

4 Segundo Newton Júnior, o movimento artístico armorial é “[...] a arte que defende uma arte erudita que,

baseada no popular, é tão nacional quanto a arte popular, elevando-se à importância desta e conseguindo manter, com ela, uma unidade fundamental para combater o processo de vulgarização e descaracterização da cultura brasileira” (NEWTON JÚNIOR, 2008, p. 16).

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Foto 3 - Tela de Manuel Dantas Suassuna

Fonte: Registro da autora no ano de 2019

Ademais, Suassuna aparece em outros cenários, para além da literatura. Em 2019, havia um espaço dedicado ao escritor paraibano, no qual apareciam recortes de jornal, fotos, e um diploma de Cavaleiro Honorário a Suassuna.

Foto 4 – Diploma de Cavaleiro Honorário

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Ariano é figura presente, mas não é possível determinar somente a partir do Memorial que sentidos a Associação toma ou nega a partir do movimento literário do armorial. A festa da Cavalgada à Pedra do Reino, por explorar muitas linguagens, poderia indicar mais elementos para se perceber como Suassuna está presente em São José do Belmonte e quais foram as suas influências estéticas, artísticas ou literárias.

Da Narrativa Histórica

Na quinta foto, exposta abaixo, é possível observar na parede, do lado esquerdo para o direito, em primeiro plano uma série de imagens de D. Sebastião.

Foto 5 – Visão da parede do lado direito do Memorial

Fonte: Registro da autora no ano de 2011

D. Sebastião é o rei português cujo desaparecimento na batalha de Alcácer-Quibir dá origem ao sebastianismo. Há ao menos quatro imagens do monarca em diferentes fases de sua vida, além da foto do suposto túmulo em Portugal, abaixo mostrada.

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Foto 6 – Suposto Túmulo de D. Sebastião

Fonte: Registro da autora no ano de 2019

Nesse mesmo plano, havia também uma cópia do jornal Diario de Pernambuco que publicou o ofício do prefeito de Flores dirigido ao presidente da província de Pernambuco a respeito do movimento sebastianista em 16 de junho de 1838.

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Foto 7 – Diario de Pernambuco em 16 de junho de 1838

Fonte: Registro da autora no ano de 2019

No mesmo painel, está a foto de Francisco Rego Barros, que, como explica a legenda abaixo do retrato, era o presidente da província de Pernambuco à época do movimento sebastianista. Ainda, a foto do major Manoel Pereira, que foi responsável por sufocar o movimento sebastianista. A seguir, foto da legenda que fala sobre Manoel Pereira.

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Foto 8 – Descrição do Major Manoel Pereira da Silva

Fonte: Registro da autora no ano de 2011

É importante perceber que há o registro fotográfico e explicação de quem foi o major Manoel Pereira. Contudo, os sebastianistas são colocados como uma massa de fanáticos, sem haver fotos ou maiores explicações sobre quem eram.

“[...] a rememoração implica um ‘esquecimento’” (ELIADE, 1963, p. 103). O esquecimento que o Memorial invoca na sua narrativa é acerca dos sebastianistas. Esse posicionamento se coaduna com as perspectivas invocadas na historiografia oficial, como explica Débora Clemente (2012):

Da outra parte, ainda hoje não tivemos acesso a depoimentos ou qualquer outro registro dos próprios sebastianistas sobre o movimento de Pedra do Reino. Se há uma ou outra menção às representações dos sebastianistas ao fato histórico, são sempre mediadas pelo discurso dos potentados, a exemplo dos documentos oficiais e do memorial de Leite (CLEMENTE, 2012, p. 48).

Somadas a essas imagens, foram agregadas outras com o passar dos anos. Durante visita ao Memorial fora do período festivo, foi possível perceber que foram colocadas fotos

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da capela onde os irmãos do Major Manoel Pereira, Cipriano e Alexandre, foram sepultados, além da casa onde residiam, conforme pode ser visto abaixo.

Foto 9- Capela onde foram sepultados Cipriano e Alexandre

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Foto 10 – Casa do Major Manoel Pereira

Fonte: Registro da autora no ano de 2019

Ainda, a partir da pesquisa de Clemente (2012), é possível registrar uma série de documentos listados pela pesquisadora e que não constam no Memorial, como o ofício do presidente da província de Pernambuco para o Ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos em 30 de junho de 1838. Ou mesmo a carta do vigário de Serra Talhada ao padre Correa, publicada no Diario de Pernambuco em 18 de junho de 1838. Ainda, o ofício do Palácio do Governo de Pernambuco dirigido ao juiz da comarca de Flores, no qual se pedia “[...]celeridade no processo a que foram submetidos os sobreviventes de Pedra do Reino, em atenção ao Imperial Aviso de 08 de agosto de 1838 [...]” (CLEMENTE, 2012, p. 58). A busca documental de Clemente (2012) estava no sentido de compreender como os sebastianistas eram representados e mesmo se havia algum registro feito por eles próprios acerca do movimento da Pedra Bonita. Como a pesquisadora destacou em seus estudos, ainda não foi possível encontrar toda a documentação referente ao movimento

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sebastianista, como, por exemplo, a devassa do processo e o julgamento daqueles que sobreviveram.

O primeiro estudo sobre o movimento sebastianista de Pedra Bonita é o de Attico Leite5, feito mais de 30 anos após o fato. Ademais, a documentação oficial de governo, como bem apontou Clemente (2012), retrata os sebastianistas da mesma forma que Leite (1903), como fanáticos e facínoras. Nesse sentido, é importante observar que os sebastianistas não aparecem na historiografia oficial, e menos ainda no Memorial. Assim, evidencia-se que são os sebastianistas, e não o sebastianismo, o esquecimento invocado no Memorial da Pedra do Reino. Enquanto o Major Manoel Pereira é retratado, João Antônio, João Ferreira ou Pedro Antônio, que são os principais líderes do movimento sequer são citados. “A historiografia dá voz aos potentados enquanto silencia os sebastianistas de Pedra do Reino” (CLEMENTE, 2012, p. 56). O Memorial, nesse sentido, ratifica essa perspectiva.

Dos registros expostos no Memorial da Pedra do Reino, há um ao qual se quer dar destaque. É uma tela que reproduz o desenho feito pelo padre Francisco José C. de Albuquerque, que esteve na Pedra do Reino após o fim do movimento sebastianista com o intuito de enterrar os corpos. Como esclarece Valente (1963), essa estampa foi produzida pelo padre José Correia de Albuquerque e reproduzida diversas vezes, por exemplo, na versão publicada por Leite (1903), e em Costa (1908), que fez uma reprodução em tamanho original.

5 Em 1845, o norte americano Daniel Kidder registrou o movimento sebastianista em seu livro

Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil Províncias do Norte. Contudo, ele não fez um estudo

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Foto 11- Reprodução da estampa produzida pelo padre Francisco José Correia

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Foto 12 – Quadro (reprodução) do desenho feito pelo padre Francisco José Correia

Fonte: registro da autora no ano de 2011

De maneira geral, o que se percebe é que há ênfase do Memorial como uma construção de narrativa para a festa da Cavalgada à Pedra do Reino. No tocante ao movimento sebastianista que ocorreu no século XIX no que hoje se denomina Pedra do Reino, percebe-se uma supressão da narrativa dos sebastianistas em favor dos que sufocaram o movimento. Por exemplo, não aparecem os documentos do julgamento daqueles que fizeram parte do movimento sebastianista.

O rei português D. Sebastião, por exemplo, tem mais destaque que os sebastianistas. É importante lembrar que a narrativa acerca do movimento diz pouco sobre quem eram, suas origens de classe, histórias de vida ou mesmo se eram negros ou brancos. Há indícios que apontam vagamente, mas mesmo estes poucos fragmentos não são apresentados no Memorial sobre os sebastianistas. Ademais, são apresentados como um grupo de fanáticos que uma engendraram uma tragédia local.

Aqui, quer-se destacar as faltas. A primeira falta está no silenciamento da historiografia oficial, dado que Clemente (2012) não encontrou certos documentos. E a segunda é que, mesmo sendo pouco o que Clemente (2012) já encontrou sobre os

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sebastianistas nada disso está no Memorial. Os sebastianistas, ao contrário dos potentados, não aparecem. Só aparecem nas gravuras e sendo retratados, a partir de figuras ou desenhos, e descritos, com base nos documentos, como fanáticos religiosos. O sombreamento está, portanto, em mostrar quem eram os sebastianistas. A luz deste artigo está direcionada para o fato de que os sebastianistas não são representados como pessoas, sequer se sabe quem são, não há fotos, registros de cor/raça, família etc. Os sebastianistas constituem uma memória que se quer esquecer.

Da narrativa sobre a festa da Cavalgada

Por outro lado, um registro que não se quer perder diz respeito a festa da Cavalgada à Pedra do Reino, organizada pela Associação. Voltando o olhar para a foto anterior (da parede do lado direito do Memorial), é possível ver um segundo painel. Nele, estão os registros da primeira cavalgada, que não tinha o cunho festivo que tem atualmente.

Foto 13 – A primeira cavalgada à Pedra do Reino

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O registro apresenta o problema de ser uma foto de uma outra fotografia, o que provoca uma distorção de luz e sombras na imagem.

Ainda, sobre a parede do lado direito do Memorial, o último painel apresenta as fotos das rainhas das cavalgadas e cavalhadas anteriores. Nesses dois painéis, o das primeiras cavalgadas e o das rainhas, é possível perceber a mudança na festa, que passa de um simples passeio equestre para um grande desfile, que tem como figuras principais a monarquia.

Foto 14- Rainhas da Cavalgada

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Foto 15- Rainhas da Cavalhada

Fonte: Registro da autora no ano de 2011

Destaca-se que não há um painel dos reis, mas há das rainhas das cavalgadas e cavalhadas. Isso indica a importância desse personagem na festa, já que é digna estar ali eternizada. Ademais, em 2019, verificou-se que vestido da rainha de 2013, foi doado à Associação e está exposto ao lado do mural de fotos. As particularidades da festa, seus personagens e sentidos devem ser explorados em estudo posterior, contudo não é central neste trabalho.

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Foto 16 – Parede do lado esquerdo do Memorial

Fonte: Registro da autora no ano de 2011

Na parede, é possível perceber, a partir do lado esquerdo, os panfletos de divulgação de algumas edições anteriores da festa da Cavalgada. Seguidos por recortes de jornal que abordam sobre a festa. Ao fim da parede, fotos dos presidentes que já estiveram à frente da Associação e abaixo de cada uma das fotografias, a legenda com o período de presidência. Por fim, fotos de membros da Associação que já faleceram. A Associação, portanto, expõe no Memorial sua perspectiva do que é a festa da Cavalgada à Pedra do Reino

Pensando a memória como composição da identidade, toma-se Métraux (2011):

[...] o pertencimento contribui para precisar a definição da comunidade [...] Comunidade que não se reduz a uma reunião de indivíduos, não se resume à soma das suas partes, mas surge como fruto de uma criação coletiva: criação comum de uma identidade, de um mito, de um projeto, de uma história, de um destino, de uma essência (MÉTRAUX, 2011, p. 220)

Aquilo que se procura esquecer também ressoa na construção da narrativa exposta no Memorial. Com isso, tem-se o intuito de explicar que a Associação elege uma narrativa

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dentre muitas possíveis daquilo que, enquanto grupo, eles querem mostrar. Afinal, o que a Associação coloca como sendo a sua construção da memória pode não ser ratificada por todos na cidade. Pode haver discordância, e onde essa discordância vai empregar sua voz? Ao contrário da Associação que banca um espaço próprio no qual emposta sua perspectiva, as dissonâncias podem não aparecer. Por outro lado, como pondera Gonçalves (2005, p.19), “os objetos que compõem um patrimônio precisam encontrar ‘ressonância’ junto ao seu público”. Seria possível que mais de vinte anos após sua criação, o Memorial se manteria se não houvesse alguma ressonância? Esse, porém, é um outro problema de pesquisa. Aqui, buscou-se perceber o que a Associação quer mostrar ou apagar na sua seleção narrativa.

Conclusão

Ao resgatar documentos, livros, artefatos, a Associação tece no Memorial uma narrativa para a festa e também para si. O Memorial é uma forma de rememorar a história da cidade, relembrar, como esquecimento, também os sebastianistas.

Aqui se buscou compreender o Memorial da Pedra do Reino como um espaço de memória e esquecimento em que uma narrativa acerca da Pedra do Reino é escolhida. Compreendendo que um arquivo não é uma repetição da história (FARGE, 2009), percebe-se como o Memorial percebe-se inpercebe-sere na construção que evoca a rememoração de parte da história da cidade de São José do Belmonte. Percebendo ainda que rememorar implica necessariamente certos esquecimentos, o Memorial integra um ideário cultural pensado pela Associação Cultural Pedra do Reino. Ainda, em se pensando a Associação como integrada por belmontenses que inscrevem na memória coletiva da cidade uma narrativa que pode convergir com suas memórias individuais. Assim, é do controle da memória a partir do arquivo que se está tratando (ASSMANN, 2011).

Pensar a narrativa escolhida para ser exposta no Memorial faz pensar, em última instância, a narrativa que se quer para a festa da Cavalgada à Pedra do Reino. Assim, o foco no Memorial da Pedra do Reino ajuda a pensar as transformações culturais, as rememorações e sentidos que são construídos continuamente por meio dessa festividade.

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Referências

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