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Adoção em movimento : grupos de apoio, famílias adotivas e campo (i)legal

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FLÁVIO RODRIGO FREIRE FERREIRA

ADOÇÃO EM MOVIMENTO:

Grupos de Apoio, famílias adotivas e campo (i)legal

CAMPINAS 2015

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Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Doutorado em Ciências Sociais

FLÁVIO RODRIGO FREIRE FERREIRA

ADOÇÃO EM MOVIMENTO:

Grupos de Apoio, famílias adotivas e campo (i)legal

ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Lygia Quartim de Moraes

Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA E APROVADA PELA COMISSÃO JULGADORA.

CPG, 14/04/2015.

CAMPINAS 2015

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R E S UM O

ADOÇÃO EM MOVIMENTO: Grupos de Apoio, famílias adotivas e campo (i)legal

Esta tese tem como objetivo estudar as diferentes formas de adoção praticadas no Brasil, especialmente a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente. Trata-se de um momento crucial, por iniciar uma fase de regulamentação sistemática da chamada “adoção legal”. Para tanto, partimos da perspectiva construída e operacionalizada pelas associações criadas por pais e mães adotivas, denominadas Grupos de Apoio à Adoção. A adoção é uma relação social, envolvendo tensões entre práticas e leis, como se evidencia no caso desses Grupos. Por meio da descrição da realidade vivenciada em um Grupo de Apoio à Adoção atuante na cidade de Natal/RN, foi possível conhecer a existência de uma rede articulada que se apresenta como movimento nacional de Grupos de Apoio à Adoção. As entidades que constituem essa rede foram formadas com orientações e objetivos comuns, inspirados pelas ideias expressas quando da fundação do movimento. Encontramos semelhanças e diferenças entre o contexto local e o movimento nacional. Com efeito, a visão de mundo que orienta as ações em âmbito local constitui um fator importante, dada a relação estreita que se estabelece entre leis e Grupos, com destaque para a formulação e aprovação da Lei Nacional de Adoção. Essa mobilização com funcionamento organizado foi responsável por criar um repertório conceitual que afirma a noção de “família adotiva” enquanto categoria política. Para concluir, defendemos que os Grupos atuantes em um movimento nacional organizado são produtores e produzidos pela regulação nacional, configurando, portanto, um campo político-legal da adoção de crianças no país.

Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente; Grupo de Apoio à Adoção;

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ABSTRACT

ADOPTION ON THE MOVE: Support Groups, adoptive families and (i) legal field.

This thesis aims to study the different forms of adoption practiced in Brazil, especially from the Statute for Children and Adolescents. This is a crucial moment, due to the initialization of a systematic regulatory phase of the “legal adoption”. Therefore, we start from the perspective built and operated by the associations created by parents and adoptive mothers, called Adoption Support Groups. Adoption is a social relation, involving tensions between law and practice, as noticed in the case of these groups. Through the description of reality experienced in an active Adoption Support Group in Natal / RN, it was possible to know the existence of an articulated network that presents itself as national movement of Adoption Support Groups. The entities that make up this network were formed with guidelines and common goals, inspired by the ideas expressed when on the movement foundation. We found similarities and differences between the local context and the national movement. Indeed, the worldview that guides actions at the local level is an important factor, given the close relationship established between laws and groups, with emphasis on the formulation and approval of the National Law of Adoption. This mobilization with organized operation was responsible for creating a conceptual repertoire that affirms the notion of “adoptive family” as a category policy. Finally, we argue that the active groups in an organized national movement are producers and produced by national regulation, setting thus a political-legal field of children adoption in the country.

Keywords: Statute of the Children and Adolescents; Adoption Support Group; National

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R E S UM É

ADOPTION EM MOUVEMENT: GROUPES D’APPUI, FAMILLES ADOPTIVES ET CAMP LEGAL (ET INEGAL)

Cette thèse a l’objectif d’étudier les différentes façons d’adoption pratiquées au Brésil, surtout à partir du Statut de l’Enfant et de l’Adolescent (Estatuto da Criança e do Adolescente). Il s’agit d’un moment crucial, car c’est le début d’une phase de règlementation systématique de la dite « adoption légale » . Pour ce faire, nous sommes partis de la perspective construite et mise au point par les associations appelées Groupes d’Appui à l’Adoption. L’adoption est une relation sociale, comprenant des tensions entre pratiques et lois, tel que l’on peut observer dans le cas de ces Groupes. Par le moyen de la description de la réalité vécue au sein d’un Groupe d’Appui à l’Adoption agissant dans la ville de Natal/RN, il a été possible de connaître l’existence d’un réseau articulé qui se présente en tant que mouvement national de Groupes d’Appui à l’Adoption. Les entités qui constituent ce réseau ont été formées avec des orientations et objectifs communs, inspirés des idées exprimées lors de la fondation du mouvement. Nous avons trouvé des ressemblances et des différences entre le contexte local et le mouvement national. En effet, la vision de monde qui oriente les actions dans le contexte local constitue un facteur important, vu la relation étroite qui s’établit entre les lois et les groupes, surtout en ce qui concerne la formulation et l’approbation de la Loi Nationale d’Adoption. Cette mobilisation de fonctionnement organisé a été responsable de la création d’un répertoire conceptuel affirmant la notion de « famille adoptive » comme cathégorie politique. Pour conclure, nous défendons que les groupes agissant en un mouvement national organisé sont producteurs et produits par la règlementation nationale, configurant, ainsi, un camp politico-légal de l’adoption d’enfants dans le pays.

Mots-clés : Statut des enfants et des adolescents; Groupe d’Appui à l’Adoption ;

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S U M ÁR I O

INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO 1 – QUANDO O CAMPO É UM MOVIMENTO: ADOÇÃO NOS GRUPOS DE APOIO ... 11

1.1. Reflexões teóricas: adoção ... 13

1.1.1. Grupo e lei ... 16

1.2. Sobre “afeto” e pesquisa campo ... 23

1.3. Comentários acerca das fontes ... 33

CAPÍTULO 2 – PRÁTICAS DE “ADOÇÃO” DESCONSIDERADAS NA LEGISLAÇÃO ... 35

2.1. Circulação de crianças e o (des)interesse das camadas médias ... 41

2.2. Adoção à brasileira: temor e reprodução ... 46

2.3. Uma revoada de cegonhas? ... 52

2.4. Criança deixada na porta: “adoção exposta” em Natal ... 56

2.5. Marcos basilares para uma adoção moderna ... 62

2.6. Leituras sobre uma tríade complexa ... 67

2.6.1. A voz de uma mãe biológica ... 70

2.6.2. Reivindicações de uma mãe adotiva... 75

2.6.3. Desabafo de um filho adotivo ... 78

CAPÍTULO 3 – “O GRUPO REALIZA O ENCONTRO ADOTIVO”: EXPERIÊNCIA E VISÃO DE MUNDO DE UM GRUPO DE APOIO À ADOÇÃO ... 83

3.1. Como nasce um GAA ... 86

3.2. “Um Grupo precisa de muitas mãos” ... 94

3.3. Lideranças: presidência e diretorias ... 96

3.4. A importância dos voluntários ... 102

3.5. Um repertório de atividades ... 104

3.6. A sede do Grupo ... 105

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3.8. Eventos de adoção ... 117

3.8.1. Dia Nacional da Adoção... 119

3.8.2. Chá beneficente Amigos do GAA ... 120

3.8.3. Natal do GAA ... 123

3.9. Pequeno perfil adotivo ... 124

3.10. Pretendentes à adoção ... 126

3.11. Mães que entregam ... 130

3.12. Defesa de uma bandeira: adoção consentida ... 135

CAPÍTULO 4 – O MOVIMENTO NACIONAL DOS GRUPOS DE APOIO À ADOÇÃO ... 139

4.1. Os Grupos em movimento ... 142

4.2. O papel da fundação Terre des Hommes ... 154

4.3. Mudança nos rumos: criação da ABTH ... 160

4.4. Um princípio norteador: a Nova Cultura da Adoção... 163

4.5. A importância dos Encontros na Adoção ... 171

4.6. Associação de Grupos: adoção via ANGAAD ... 182

4.7. Produção do conhecimento no campo político da adoção ... 191

CAPÍTULO 5 – A CONSTRUÇÃO DE UM CAMPO LEGAL DA ADOÇÃO ... 197

5.1. ECA: novos tempos, novos rumos ... 202

5.2. Adoção no Novo Código Civil ... 209

5.3. “Melhor interesse” como princípio operacional ... 214

5.4. Debate em torno de uma Lei Nacional de Adoção ... 219

5.5. Frente Parlamentar e PL nº 1.756 ... 221

5.6. O que há de “novo” na Nova Lei Adoção ... 234

5.7. Os passos para adoção ... 238

5.8. As credenciais da adoção ... 240

5.9. Cadastro Nacional ... 242

5.10. Uma nova Frente Parlamentar ... 246

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CAPÍTULO 6 – A VIVÊNCIA DIÁRIA NA FAMÍLIA OU “AQUILO QUE NÃO SE PODE

PERDER COM O MOVIMENTO” ... 257

6.1. Conquistas do movimento ... 260

6.2. “Busca ativa” e adoções necessárias ... 264

6.2.1. Tardia ... 268

6.2.2. Inter-racial ... 272

6.2.3. Doentes/necessidades específicas ... 275

6.3. Atitude adotiva ... 279

6.4. Família é quem cuida! ... 283

6.5. Uma família substituta? ... 288

6.6. A história se repete? ... 290

6.7. Quando a lei se distancia das práticas ... 291

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 295

REFERÊNCIAS... 303

ANEXOS ... 318

ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido ... 318

ANEXO B – Cópia de um dos boletins editados pela fundação Terre des Hommes, de janeiro de 1996 ... 319

ANEXO C – Cópia do folder-convite do Primeiro Encontro de Grupos de Apoio à Adoção, realizado em maio de 1996 ... 320

ANEXO D – Cópia do Estatuto Social da ANGAAD ... 322

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Dedico esta tese a todas as famílias militantes da causa e lideranças dos Grupos de Apoio à Adoção; às mães biológicas que um dia deram seus filhos para adoção; e a todos os filhos e filhas adotivas que acolheram e foram acolhidos pela eficácia de um sentimento.

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A G R A D E C I M E NT O S

Uma característica aparentemente simples, mas que considero bela no ser humano advém da sua capacidade de construção coletiva. Não obstante a escrita de um trabalho acadêmico resultar do esforço solitário, o produto que ora se materializa deve ser considerado como resultado de uma atividade eminentemente coletiva. Por isso, a tarefa de agradecer talvez seja uma das mais difíceis. Mesmo correndo risco de cometer alguma injustiça esquecendo alguém, faço questão de agradecer nominalmente às pessoas e instituições que de algum modo serviram como força e fonte de inspiração, fazendo-se cruciais antes e durante os quatro anos de doutorado.

Os anos vivenciados no ambiente acadêmico da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) foram decisivos para o processo permanente de amadurecimento intelectual e crescimento pessoal. Sou profundamente grato a todos e todas que fazem o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e o Programa de Doutorado em Ciências Sociais.

À minha orientadora, professora Maria Lygia Quartim de Moraes, que sempre conduziu o processo de orientação de maneira firme, sincera, estimulante e generosa. Para que se faça justiça, afirmo ser impossível mensurar o aprendizado que tive ao longo desses anos. O apoio seguro e constante na reta final também foi fundamental. Permanece meu eterno agradecimento pela confiança e carinho em mim depositados.

Aos professores e professoras com quem travei diálogo, especialmente aqueles que contribuíram de diferentes formas e momentos: Guita Grin Debert, Adriana Gracia Piscitelli, Valeriano Mendes Ferreira Costa, Vanessa Rosemary Lea, Regina Facchini e Mariza Corrêa.

Aos sempre disponíveis ex-secretária e atual secretário do Programa: Maria Rita Gandara, profissional que combina seriedade com um sorriso sincero e cortês; e seu sucessor Reginaldo Alves, que manteve o padrão de compromisso que requer o trabalho. Aos funcionários/as da biblioteca do IFCH, pelos atendimentos sempre disponíveis.

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Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pois a pesquisa somente foi possível graças ao fomento concedido. Além disso, sem a bolsa de doutorado eu não teria condições materiais para permanecer vivendo em Campinas.

A Sabrina Finamori e Betina Stefanello, pelos comentários precisos sobre o projeto durante o Seminário de Tese na área de Estudos de Gênero.

No Exame de Qualificação contei com a leitura atenciosa de Maria Filomena Gregori e Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, a quem agradeço pelas importantes críticas e sugestões, fundamentais para o andamento da pesquisa e formato final da tese. Igualmente, agradeço às professoras pelo aceite para composição da banca: Claudia Fonseca, Lucila Scavone, Maria Filomena Gregori e Sabrina Finamori.

Aos amigos e amigas ingressantes na turma de doutorado em Ciências Sociais 2011: Victor Kanashiro, Betina Stefanello, Maíra Kubík, Bruna Mantese, Fábio Bacchiegga, Vivian Marina, Maryanne Galvão, Maya Valeriano, Aldenor Ferreira, Raquel Duaibs, Maria de Fátima, Camila Capacle e Paola Gambarotto.

Às colegas do grupo de pesquisa “Família, Gênero e Sociedade”, especialmente a Taís Viudes, Maíra Kubík, Danielle Tega e Kênia Herrera, com quem partilhei angústias e reflexões, responsáveis pelo florescer de novas ideias. Ainda agradeço às colegas Bruna Bumachar e Larissa Nadai pelos diálogos frutíferos.

Aos demais amigos/as da UNICAMP, que tornaram mais ameno o tempo de convívio na cidade (infelizmente um nordestino morando em Campinas ainda pode se deparar com situações hostis): Francisco Áraos, Thiago Jacaúna, Marcílio Lucas, Victor Kanashiro, Mário Massini e Flávio Mendes. Ao casal amigo, Alfeu Sguarezzi e Tassia Fraga. Ao amigo Júnior “Uruoca”. Aos amigos natalenses, Anaxssuel Fernando e Wagner Rodrigues, e à caicoense mais campineira que conheço, Leina Medeiros, agradeço pela carinhosa recepção e amizade que se fez constante. Ao amigo de mútuas leituras Gilson Rodrigues.

Aos amigos e amigas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), no campus João Câmara e campus Canguaretama; assim

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como aos responsáveis pela gestão de pessoas do instituto que concederam justa liberação na reta final da escrita da tese.

Aos colegas do Departamento de Antropologia da UFRN e do grupo de pesquisa Cultura Identidade e Representações Simbólicas-CIRS, especialmente à Professora Julie Cavignac pelo constante incentivo.

Ao meu filho, já não tão pequeno, Dante Gabriel, que desde a graduação tem suportado minhas ausências regulares principalmente nos momentos dedicados à escrita.

À minha companheira Ana Kalliny. Durante os anos de convivência temos partilhado momentos alegres e também dos mais difíceis. Agradeço pelas leituras atenciosas e por termos suportado juntos a pressão das duas teses. Espero que nossa parceria afetivo-acadêmica dure por muitas primaveras.

À minha mãe Edileusa e meu pai Edivaldo, que mesmo entendendo bem pouco, quase nada daquilo que faço, são responsáveis por tudo que sou. À minha irmã Francisca, meu irmão Jorge, minha cunhada Genilma e meus sobrinhos Gustavo e Aldair. Ao meu sobrinho-irmão Bruno César e à mais nova integrante da família, sua filha Pérola. A todos os primos e primas com origem nordestina que vivem na cidade de Indaiatuba, agradeço pelos encontros cordiais.

Como filho do bairro de Lagoa Seca, não poderia deixar de agradecer a todos da família Bento, que quando eu ainda era ainda pequeno me acolheu em “circulação”, especialmente à minha tia-mãe Conceição, tia Zélia, tia Zenilde e tio Antônio Bento.

Aos amigos-irmãos que sem saber, em Natal, contribuíam com minha estada em Campinas: Diogo Moreno, Ribamar Junior, Wesley Brito, Juarez Brito e Mauricio Alves.

À amiga Samara Freire e ao Melquisedec Fernandes, que em momentos distintos se dispuseram a enviar material bibliográfico que não estava ao meu alcance.

Os anos de contato com o tema da adoção foram cruciais para a tessitura desta tese. Nesse sentido, é preciso lembrar os principais sujeitos que guiaram os caminhos que segui. Agradeço a todos os membros e participantes do Projeto Acalanto Natal/RN, especialmente às lideranças: Rejane Bruno (ex-vice-presidente da ANGAAD), seu esposo Marcos

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Fernandes e filhos; Eunice Maciel; Fabiana Fontes e seu esposo Claudio; Roberta Assunção (por toda atenção dispensada) e seus pais Roberto e Lueli; dona Virginia; e a dedicada secretaria da entidade, Suylene Tatiane. Igualmente agradeço de modo especial a todos aos demais representantes de Grupos e lideranças do movimento nacional de Grupos de Apoio à Adoção, na pessoa de Paulo Sérgio dos Santos (Projeto Acalanto/SP, fundador e vice-presidente da ANGAAD), Mariza Velho D’Ângelo (GAANNF/RJ e ex-vice-presidente da ANGAAD), Maro Mannes (Bendito o Fruto – Jaraguá do Sul/SC e conselheiro ANGAAD), Silvana Moreira (Ana Gonzaga/RJ, diretora jurídica ANGAAD e IBDFAM), Suzana Schettini (GEAD-Recife/PE e Presidente da ANGAAD), Hália Pauliv (Adoção Consciente – Curitiba/PR e conselheira ANGAAD), Shirley V. Swaan (Laços de Ternura – Santo André/SP e assessora jurídica ANGAAD) e Vera Cardoso (GEAA/GO e conselheira ANGAAD).

Esta tese surgiu como um sonho e agora encontra seu lugar no mundo real, por isso faço questão de dividir os frutos que vierem com todos aqueles, citados ou não, que torcem pelo sucesso de minha trajetória acadêmica: recebam um sincero e afetuoso abraço de agradecimento!

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“Quem muito se evita, se convive!” (João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas).

“Wusiwana i ku yendza ka mamana” [“A verdadeira desgraça é a ausência da mãe”]. (Povo Changana, Moçambique).

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L I S T AS D E I L US T R AÇ Õ E S

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L I S T A D E T A B EL A S E Q U A DR OS

QUADRO 1 – Reunião de Pais: ano 2013... 112

QUADRO 2 – Reunião de Pais: ano 2014... 113

QUADRO 3 – Calendário de eventos (2013 e 2014) ... 118

QUADRO 4 – Grupos de Apoio à Adoção por estados ... 150

QUADRO 5 – Histórico dos Encontros Nacionais ... 174

QUADRO 6 – Crianças/adolescentes disponíveis por UF ... 245

QUADRO 7 – Pretendentes habilitados por UF ... 245

QUADRO 8 – Cruzamento de dados ... 247

QUADRO 9 – Crianças/adolescentes disponíveis por faixa etária ... 269

QUADRO 10 – Crianças/adolescentes disponíveis por raça/cor ... 273

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L I S T AS D E S I GL A S E A B R E VI AT U R A S

ABTH Associação Brasileira Terra dos Homens

ACAPA Associação Catarinense de Pais Adotivos

AGAAESP Associação dos Grupos de Apoio à Adoção do Estado de São Paulo

AMB Associação dos Magistrados Brasileiros

ANGAAD Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção

ATE Adoção Tardia e Especial

CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002

CeCIF Centro de Capacitação e Incentivo à Formação

CEJA Comissão Estadual Judiciária de Adoção

CF/1988 Constituição Federal de 1988

CNA Cadastro Nacional de Adoção

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CNCA Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CONADOTE Congresso Online de Adoção

CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

CT Conselho Tutelar

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

ENAPA Encontro Nacional de Grupos de Apoio à Adoção

FEBEM Função Estadual do Bem Estar do Menor

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GAARC Grupo de Apoio à Adoção de Rio Claro

IBDFAM Instituto Brasileiro de Direito de Família

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LNA Lei Nacional de Adoção

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MP Ministério Público

MONACI Movimento Nacional das Crianças “Inadotáveis”

NCA Nova Cultura da Adoção

NCC Novo Código Civil

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

ONG Organização Não-Governamental

OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PL Projeto de Lei

SEDH Secretaria Especial dos Direitos Humanos

SDH Secretaria de Direitos Humanos

SOFIA Serviço de Orientação à Família Adotiva

Suas Sistema Único de Assistência Social

TDHIF Terre des Hommes International Federation

TJ Tribunal de Justiça

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

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I N T R O D U Ç Ã O

A pertinência em tratar do tema da adoção de crianças envolve diretamente o interesse das famílias que optam por esse tipo de vínculo, assim como aquelas que procuram entregar seus filhos. É fato que hoje existem espalhadas por todo país entidades constituídas principalmente por pais adotivos que falam com legitimidade em nome da adoção. A discussão sobre a origem e o funcionamento dessas entidades não inaugura a realidade social analisada nesta tese, apenas confere visibilidade a um campo envolto por múltiplos interesses, em que predomina a perspectiva da família adotiva.

Assim, para desnudar esse campo, decidimos refletir sobre adoção de crianças a partir da institucionalização e organização da adoção no Brasil no contexto posterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), questão considerada ampla e nevrálgica. Para nortear o caminho, formulamos como hipótese a ideia de que os Grupos de Apoio à Adoção se configuram como atores institucionais importantes para compreender a adoção no país.

O trajeto percorrido para compreender o fenômeno social da adoção foi marcado por várias possibilidades surgidas ao longo da pesquisa. No entanto, a escolha por trilhar o caminho vivenciado pelas entidades de pais e mães adotivas se mostrou consideravelmente fértil, interessante e “afetado”. Primeiro, pela representatividade que possui enquanto sociedade civil organizada militando em prol de uma causa; e, segundo, pela capacidade de se moldar e atuar ante as regras legais existentes. Essa dupla característica permitiu a formulação de conceitos e de um saber próprio, produzido em consonância aos anseios de pais e mães adotivas. O campo militante que ajuda a operar o sistema de adoções no país é formado pela confluência entre várias áreas do conhecimento, com destaque para Psicologia, Direito e Serviço Social, além do saber jurídico especializado de juízes e promotores. A esse rol de conhecimentos soma-se a vivência diária na família adotiva, constituindo assim um campo acadêmico-militante muito bem articulado e atuante na esfera da adoção.

Ao partir da visão dominante que circula entre as entidades, percebemos a negação de um componente comum: a “circulação de crianças” (adoções postas na esfera do

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ilegal). Destacamos que as práticas de adoções consideradas ilegais resultaram de uma construção social reforçada pela necessidade de criar um contraponto que tornasse fértil o terreno da adoção. Por exemplo, na linguagem dos grupos, práticas de adoção como a “circulação de crianças” (FONSECA, 1995) se tornaram ilegais. No entanto, tais práticas continuam a ocorrer e serem formalizadas, com o passar do tempo, através das adoções diretas. Assim mostramos que, apesar dos grupos negarem essas práticas, precisam conviver com elas por estas encontrarem raízes entre as chamadas classes populares, que por sua vez possuem uma diferente visão de mundo. As concepções e práticas em torno do abandono, família, vínculo e cuidado entre as camadas populares são exemplos de um funcionamento distinto. Logo, reduzir a ocorrência de práticas consideradas ilegais em torno da adoção entre sujeitos pertencentes às camadas populares significa mais crianças disponíveis para adoção legal.

Entre todas as situações descritas a partir do primeiro capítulo, é impossível negar que relações sociais se estabeleceram, vidas e histórias se conjugaram ao longo dos anos de convivência. Com a visão moderna implantada pela nova legislação pós-Constituição Federal de 1988 (CF/1988), algumas práticas não foram reconhecidas pela esfera legal. Assim, sinalizamos para quais seriam os momentos fundantes que marcaram a emergência política da adoção. Enfatizamos ainda, no capítulo segundo, a compreensão relacional acerca da adoção que perpassa toda a tese, ao contemplar a tríade: mãe biológica, família adotiva e filho adotivo, indicando para uma quantidade significativa de mulheres que optam por não se submeter à impessoalidade compulsória que permeia adoção legal realizada atualmente pelo Estado. A legislação em vigor resultou de uma construção social que relegou ao plano da invisibilidade importantes vozes consideradas imprescindíveis para compreender de modo relacional o contexto da adoção. Assim, limitados à orientação legal, os Grupos não reconhecem as práticas tradicionais que “burlam” a lei, mas que são de grande relevância para compreender o que se passa entre os mais diversos segmentos da sociedade.

Em relação às particularidades inerentes à adoção em um Grupo específico localizado na cidade de Natal, foi possível afirmar que a adoção de crianças pode ser vista

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como produto de uma rede local de solidariedade, nesse caso, com duas influências importantes: do espiritismo religioso de orientação kardecista, bem como da escolha por parte de mulheres que decidem entregar os filhos diretamente sem a intervenção do Estado – representado pelo Poder Judiciário.

Ao descrever a vivência da adoção nesse Grupo, foi possível afirmar que as dinâmicas locais e nacionais estão completamente imbricadas e remontam a um mesmo conjunto de articulação. Contudo, o contexto em Natal é marcado pela existência de importante singularidade que faz parte da história de formação da cidade. Trata-se da prática histórica das “adoções expostas” (crianças deixadas na porta) que integra a história e as práticas locais influenciando a atuação do Grupo de Apoio à Adoção1 na cidade. Nesse sentido, com relação ao trabalho desenvolvido pelo Grupo também foi possível observar outras particularidades, como, por exemplo, a defesa eminente da adoção direta (ou consentida) e a proteção à maternidade (mães biológicas). O Grupo possui muitos elementos em comum com os demais Grupos, mas é preciso destacar que uma descrição sistemática pode trazer luz ao que de específico e particular existe em cada entidade, como a sua história de formação, o contexto de surgimento, a organização interna e principalmente o perfil atendido por essas organizações.

Pensar sobre adoção de crianças de forma tão aproximada permitiu visualizar os contornos de um sistema institucional complexo que tem como principal protagonista os GAAs, articulados por um modo peculiar de mobilização e representados por uma entidade de abrangência nacional, a Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD). Como visto ao longo do capítulo quarto, os GAAs são entidades da sociedade civil que reúnem pais e mães adotivos para compartilhar vivências na adoção. Esse tipo de organização existe no Brasil desde meados de 1960. Contudo, foi somente em um contexto político determinado que os Grupos devidamente formalizados começaram a se reunir objetivando também intervir institucionalmente nos direcionamentos da questão.

1 Oficialmente a sigla é GAAD, contudo utilizaremos a nominação mais frequente utilizada entre as

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Desse modo, a proposta implicitamente levada a cabo pelo movimento nacional dos GAAs buscou unificar o “saber local” (GEERTZ, 2004) produzido pelos vários Grupos vinculados à entidade, e integrantes do movimento. Tarefa considerada bastante complexa, sobretudo porque agregou uma diversidade de compreensões acerca de valores humanos sobre a família, os laços de parentesco e mesmo, de modo geral, sobre a vida. Contudo, construiu-se uma unidade em torno da situação frágil e quase impraticável em que se encontrava a adoção legal em meados da década de 1990. Foi necessária uma ação política articulada com vários setores da sociedade para poder direcionar os rumos da adoção no país. Como visto, a rede formada por GAAs cresceu e conseguiu alcançar resultados consideráveis, resultando em uma construção coletiva que envolveu diferentes atores sociais. Para compreender como ocorreu a formação dessa articulação nacional de Grupos, foi preciso resgatar o surgimento e a influência externa trazida para o Brasil por meio de uma instituição de origem internacional.

No contexto inaugurado com a CF/1988, no início da década de 1990, foi possível observar mudanças progressivas na esfera da adoção de crianças. Nesse sentido, a intervenção de uma instituição de origem suíça, a fundação Terre des Hommes, mostrou-se profundamente relevante para a formação de iniciativas pontuais através da criação de GAAs no âmbito local das cidades brasileiras, assim como para a formulação de uma ação conjunta por meio da criação de um movimento organizado de abrangência nacional. Juntamente a essa rede, foi criada uma agenda política nacional responsável por colocar adoção na esfera pública dos acontecimentos. Por conseguinte, os estudos sobre adoção, com ênfase nos aspectos psicológicos e da legislação, foram cruciais para fundamentar esse processo de organização coletiva.

O princípio da Nova Cultura da Adoção (NCA), formulado sob a articulação da Terre des Hommes e seguido como diretriz pelos GAAs, representa, a nosso ver, o maior exemplo de como essa mobilização coletiva ocorreu de forma entrelaçada com a produção do conhecimento sobre adoção. Ao longo de nossa análise foi possível visualizar um repertório de conhecimentos produzidos em torno de um campo acadêmico-militante que opera politicamente na esfera institucional em função da adoção. Esse campo é formado por

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profissionais de diversas áreas e conta principalmente com a experiência de quem vive adoção no interior das famílias adotivas e se ocupa do fazer dos Grupos. Assim, se conjugam a experiência vivida na família adotiva junto aos saberes originários em âmbito acadêmico voltados para a chamada proteção à infância. A reunião dos saberes citados se conjuga e se manifesta na produção de um conhecimento específico acerca da adoção, utilizado politicamente como verdade. Por meio de um olhar aproximado sobre essa produção foi possível identificar as minúcias da estreita relação entre o lugar da vivência na adoção conjugado com a área de formação ou atuação profissional.

O saber produzido é compartilhado anualmente durante os Encontros Nacionais dos Grupos de Apoio à Adoção (ENAPAs) e nos demais encontros, que podem ser regionais ou mesmo estaduais, dependendo do local onde aconteçam. Como visto, trata-se de espaços onde a política interna dos Grupos acontece, assim como onde se apresenta publicamente o resultado dos consensos, formulados através de propostas direcionadas aos poderes públicos, com destaque na presente tese para o diálogo com o Poder Legislativo federal.

Destarte, foi possível compreender que o movimento nacional dos Grupos se coloca como defensor e principal entusiasta em prol da causa da adoção legal, realmente apoiando que todo processo de adoção possa ser legalmente constituído – ou seja, desse modo foi possível perceber que os Grupos possuem uma percepção sobre a legalidade. Essa característica presente nos Grupos pode ser explicada através do seu momento de formação fortemente vinculado à legislação e rejeitando todas as práticas então consideradas ilegais. Foi preciso contrapor-se a um tipo de prática existente (adoção à brasileira) para se fortalecer internamente e se afirmar institucionalmente perante os poderes do Estado.

No âmbito da legislação situamos a adoção na esfera moderna. No Brasil a mudança de paradigma que subjaz os instrumentos regulatórios de adoção ocorreu a partir do final de 1980 e início dos anos 1990. A partir de então foi possível visualizar um conjunto que reúne as principais normas de adoção. Desse modo, ao observar a interação entre os Grupos e esse conjunto da legislação que versa sobre adoção foi possível perceber a aplicação da linguagem do “dever ser” ou da “imaginação”, no sentido usado por Clifford

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Geertz (2004). Essa interação foi verificada, de diferentes modos, através da observação sistemática da relação entre os Grupos e o ECA; o Código Civil Brasileiro de 2002 (CC/2002); e a Lei Nacional de Adoção (LNA), de 2009. De modo geral, mostramos ainda, no quinto capítulo, a complexidade que as leis possuem, assim como a composição legal moldada pelos legisladores por meio de um ir e vir hermenêutico (GEERTZ, 2004).

Como o movimento nacional das entidades de pais e mães adotivas surgiu em meados dos anos 1990, a relação com o ECA serviu como parâmetro fundante para todas as ações. Ou seja, estudar e conhecer o Estatuto foi primordial para as lideranças dos Grupos, na fase de formação do movimento, poderem agir e, posteriormente, elaborarem novas propostas. O movimento se estabeleceu à sombra do novo paradigma que regula a infância, trazido com o Estatuto.

Não obstante ter conservado a base com relação aos fundamentos aplicados à adoção, o Novo Código Civil, publicado em 2002, trouxe algumas mudanças consideráveis que foram recebidas de forma crítica pelos Grupos. As lideranças do movimento observaram que alguns artigos do CC/2002 podiam causar um choque de interpretação em relação ao ECA. Assim, logo entenderam que era preciso continuar seguindo os princípios do Estatuto e principalmente garantir que a justiça continuasse a interpretar os casos com base nele e não no CC/2002. Foi através dessa interação crítica que as lideranças conceberam a ideia de propor, no âmbito do Congresso Nacional, uma lei nacional exclusivamente voltada à adoção.

Entretanto, durante o longo período de articulação e mobilização visando uma transição para uma lei exclusiva, o princípio do “melhor interesse da criança”, inaugurado com o ECA, foi mantido. O que significa uma continuidade no conjunto da normatização legal citada no quinto capítulo, situando-o entre os aspectos normativos e as práticas que tencionam os aspectos normativos, como por exemplo a adoção consentida ou mesmo um pânico moral quanto a violação da criança – sujeito de direitos. Assim, as leis mudam, mas o princípio permanece. Desse modo, o “melhor interesse” encontra-se relacionado à operacionalidade da legislação, influenciando a “linguagem da decisão” (GEERTZ, 2004) que consequentemente conduz a um desfecho prático, proporcionado pela deliberação dos juízes.

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Demonstramos ainda que o encontro entre o movimento nacional e um representante do legislativo federal foi fundamental no processo de discussão e aprovação da LNA. Os detalhes acerca da motivação do deputado são cruciais para compreender esse contexto político. Podemos assim afirmar que a maior parte dos Grupos formados por uma visão de mundo vinculada às camadas médias da sociedade (VELHO, 1989), puderam formatar suas concepções e interesses em uma lei geral universalmente válida. A mobilização de frentes parlamentares também mereceu destaque no debate legislativo empreendido sobre o tema.

Em relação ao seu conteúdo, a LNA trouxe mudanças significativas, principalmente porque se voltou de forma prioritária para o processo de desinstitucionalização de crianças abrigadas, que tem infringido o direito à convivência familiar e comunitária. Nesse sentido, a LNA estabeleceu prazos com maior rigor e normatização tanto para as instituições de acolhimento institucional, conhecidas como abrigos2, e para o Poder Judiciário, assim como promoveu a regulamentação do Cadastro Nacional de Adoção. Outra consequência em ter sido aprovada uma lei exclusiva sobre adoção foi a sua efetividade quanto à aplicação, ou seja, um cumprimento rigoroso dela. Ao contrário do contexto vivenciado no início da década de 1990, atualmente uma parte significativa dos magistrados tem interpretado a lei com rigor, e consequentemente impedindo a realização das adoções consentidas (diretas).

De modo geral, a tese tratou de expedientes voltados a um tipo de mobilização coletiva em prol da adoção legal. Ao longo da sua trajetória, o movimento nacional dos Grupos foi articulando ações voltadas à construção de instrumentos normativos no âmbito da legislação. Assim, mostramos como na esfera da relação entre os Grupos e a legislação pós-CF/1988 existe um movimento de dupla constituição, ou seja, os GAAs foram formados dentro do contexto de uma orientação legal – o ECA – e aproximadamente uma década depois contribuíram ativamente com a formulação de outra norma, a LNA. Nesse sentido, podemos pensar que o movimento encontrou uma forma de conseguir que suas concepções

2 Os abrigos são instituições que seguem o modelo de casas-lares na maior parte com formato de ONG’S,

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de mundo fossem ratificadas, fazendo com que essas concepções sejam respectivamente o lado abstrato e o lado prático da mesma razão constitutiva (GEERTZ, 2004).

Os Grupos em movimento produziram uma legislação centrada em sua atuação e consequentemente cheia de paradoxos, pois como foi construída sem o diálogo com as mães biológicas, contribuiu para a não resolutividade do problema da grande quantidade de crianças institucionalizadas, conforme se propôs.

O diálogo entre o movimento, como espaço político, e a esfera familiar não deve ser secundarizado. Assim, no capítulo sexto, partimos das tensões entre a vida na família adotiva e atuação política nos Grupos, por entendermos a necessidade de situar a análise na relação entre o movimento e a família adotiva. De modo geral, visualizamos como o repertório conceitual e seu contexto de produção em relação com a legislação possui implicação no domínio das relações familiares. Dito de outro modo, percebemos, ao longo das reflexões no sexto capítulo, que o conjunto de normas legais repercute nas condutas sociais (ZARIAS, 2008).

Na primeira parte do referido capítulo, apresentamos as conquistas políticas do movimento, de modo relacional com os instrumentos conceituais elaborados no interior dos Grupos e voltados a facilitar os processos de adoção. Durante a análise ficou evidente a ênfase dos grupos direcionada para as crianças disponíveis para adoção e com maior dificuldade para serem inseridas numa família substituta.

Na segunda parte do capítulo sexto, centramos a análise no conceito de “Atitude Adotiva”, cunhado por lideranças de um Grupo de Apoio e levado para o movimento nacional. A categoria se mostrou fundamental para pensar, por exemplo, como a noção de “sangue” é ressignificada através da adoção. De modo complementar, os grupos também utilizam a linguagem do cuidado, ou seja, “família é quem cuida”. Nesse sentido, conseguimos visualizar como os discursos sobre a família adotiva, baseados na constituição de vínculos socioafetivos, são utilizados politicamente. Desse modo, percebemos que a categoria “filiação socioafetiva” apoia-se em pressupostos teóricos próximos aos cunhados pela antropóloga Janet Carsten (2001), onde a relação de filiação é criada e consolidada na vida diária. Afeto, tomado enquanto vínculo e sentimento, constitui-se como elemento

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fundamental na construção de laços de parentesco, demostrando que a adoção cria relações através da esfera jurídico-legal e não pelo sangue. Concluímos que o laço de filiação é construído socialmente e legitimado pelo Direito, e não necessariamente o inverso. Visualizamos ainda na adoção o componente da repetição nas histórias pessoais. Trata-se de sujeitos que têm a adoção como dimensão central em suas vidas, pela tradição ao longo das gerações familiares ou simplesmente pelo fato de terem sido adotados (e então quando adultos também resolveram adotar). Para finalizar o último capítulo, retomamos a relação entre práticas sociais e legislação, mostrando que há um medo entre os Grupos do retorno da não adoção, ou seja, da negação das adoções através da manutenção do segredo. Assim, a reflexão buscou pensar como as leis se distanciam das práticas.

Portanto, para concluir, verificamos que, graças ao diálogo estabelecido entre os Grupos e o conjunto recente da legislação, é que existe atualmente, na esfera institucional do país, um sistema legal de adoções consolidado e principalmente organizado, porém repleto de entraves e paradoxos.

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C A P Í T U L O 1

Q u a n d o o c a mp o é u m mo v i me n t o : a d o ç ã o n o s g r u p o s d e

a p o i o

Na verdade, Mariana era filha de Maria José e foi registrada com o nome de Rachel. A mãe a abandonara, recém-nascida, com um casal de vizinhos, seus pais de toda a vida, sem qualquer documento ou informação. Meses depois, precisando regularizar as vacinas e procurar uma creche, o casal a registrou como filha. Mudaram seu nome e pronto. Ela nunca soube de outra história […] (Andréa Pachá, A Vida Não é Justa)3.

A epígrafe anterior foi retirada de um livro de crônicas, escrito por uma magistrada brasileira com larga experiência em direito de família e se refere à descendência em uma família construída através de uma prática de adoção hoje considerada ilegal, assim como alude à questão do abandono infantil, conjugando duas questões importantes ao longo da tese. As reflexões propostas aqui envolvem diretamente a tentativa em decifrar o complexo sistema de adoção legal vigente no Brasil. Nesse contexto é fato que a adoção legal convive com práticas sociais informais de transferências de crianças. Assim, a presente tese propõe uma reflexão sobre a adoção de crianças no Brasil a partir da interseção entre o “legal” e o “ilegal”, quando após o início da década de 1990 o tema da adoção ganha contornos particulares. Com base na pesquisa de tese de Alexandre Zarias (2008), acreditamos que a separação entre as concepções sobre o que venha a ser legal e ilegal se encontra completamente associada a um marcador de classe.

Com efeito, o ano de 1990, momento em que ocorreu a publicação de uma nova normatização legal, se mostrou fundamental para pensar um campo institucional que emergiu em um cenário que incluiu novos atores e relações sociais diferentes daquelas anteriormente estabelecidas. Assim, para compreender essa relação ao mesmo tempo próxima e distante, escolhemos como foco empírico entidades da sociedade civil que se

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organizaram ao longo das duas últimas décadas para, entre outros objetivos, atuar em prol do incentivo à adoção legal: são os chamados GAAs. De modo que uma questão se fez necessária: qual seria a razão dessa busca constante por parte dos Grupos pelo incentivo às adoções legais? Até o final da década de 1990, foi marcante a presença no Brasil da prática conhecida como adoção “à brasileira”, que consiste em registrar o filho nascido de outrem como se tivesse nascido da mãe adotiva. Ou seja, em um contexto em que a “‘adoção à brasileira’ era a regra geral, os brasileiros usavam com frequência esse formato de adoção” (ABREU, 2002). Atualmente ela é considerada irregular, mas para registrar filhos adotivos, ocorria “com a cumplicidade dos responsáveis por sua execução” (COSTA, 1988, p. 89). As pesquisas citadas de Costa (1988) e de Abreu (2002) também foram responsáveis por conferir visibilidade a uma prática que na época era socialmente aceita, inclusive por magistrados representantes do Poder Judiciário. Em outra reflexão, Domingos Abreu ainda complementa: “A ilegalidade dessa forma de adoção era de certa maneira aceita por operadores do direito e, às vezes, até incentivada” (2001, p. 116).

A constatação anterior possui um caráter fundamental para ajudar a contextualizar o momento político-legal em que emergiram associações civis preocupadas em tornar institucional a prática das adoções legais, com vistas a garantir os direitos da família que optava por constituir-se através do vínculo de adoção. Nesse sentido, havia espaço propício para realizar uma atuação política que logo repercutiu através da criação de vários Grupos, culminando na fundação de um movimento nacional de GAAs.

Identificada a ausência frequente relacionada à aplicação da lei, os GAAs investiram numa busca incessante para modificar essa realidade, calcada em um tipo de valorização da adoção legal. Com efeito, os GAAs foram responsáveis por construírem uma forma de se contrapor a noção amplamente difundida de que as adoções no Brasil eram realizadas de maneira ilegal. Desse modo, empenharam-se intensamente na construção de um processo de “confiança” na justiça através do fortalecimento da crença na eficácia produzida pela lei. Nesse sentido, nos interessa particularmente compreender como ocorreu a produção dessa legalidade. Portanto, para fazer a leitura desse universo empírico se fez necessário utilizar algumas lentes teóricas exclusivamente voltadas à questão.

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1.1. Reflexões teóricas: adoção

A escolha em realizar pesquisa sobre adoção nos conduziu para uma bibliografia específica das ciências sociais que enxerga o quanto a prática de transferir crianças acompanha a história da humanidade. Também encontramos referências que destacam o contexto cultural em que a prática se realiza, ou seja, inserido no contexto sociocultural, a transferência pode ocorrer das mais variadas formas. Grande parte da produção antropológica clássica sobre adoção toma como ponto de partida a relação entre o fenômeno social da adoção e os estudos de parentesco, pois já foi consenso entre os pesquisadores que a adoção se tratava de um tipo de parentesco fictício que possui como modelo o parentesco real (PITT-RIVERS, 1968).

Na segunda metade do século XIX, o pensamento dominante na época não percebia que as diferentes formas de famílias se constituem enquanto sistemas culturais e que, portanto, o parentesco real é aquele legitimado no interior de cada cultura. Nesse sentido, a produção etnográfica ajudou a demonstrar a grande variabilidade de formas de organização social que conta com práticas de adoção enraizadas no âmbito da cultura. Por exemplo, de acordo com as reflexões de Terrel e Modell (1994), na sociedade havaiana a adoção era algo absolutamente frequente e principalmente distinguido pela informalidade, não existindo um termo sequer em língua nativa que traduzisse a denominação de filho adotivo. Contudo, foi somente com David Schneider, em A Critique of the Study of Kinship (1984), que emergiu uma renovação nos estudos de parentesco à luz de um novo olhar, abrindo caminho para reflexões posteriores que consistem em buscar apreender o que é “ser parente”, ou “estar relacionado a alguém”. Essa renovação inspirou, por exemplo, a definição de relatedness elaborada por Janet Carsten (2000; 2004) que “demonstra as maneiras como as pessoas criam similaridade ou diferença entre si próprio e os outros”, criando assim laços de parentesco.

No Brasil a produção acadêmica no campo das ciências sociais sobre o tema da adoção de crianças atualmente conta com importantes reflexões que buscaram em cada momento sistematizar questões relativas à vida moderna. Com efeito, percebemos que essa produção dialoga de forma profícua com o campo legal, assim como com as práticas

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sociais, às vezes permanecendo no entremeio dessa relação. O trabalho realizado pelos GAAs no âmbito prático também surge a partir dessa tênue fronteira situada entre o legal e o ilegal. Nesse sentido, usaremos como suporte principal para análise as reflexões inspiradoras da antropóloga Claudia Fonseca ao longo da sua vasta produção,4 assim como a tese anteriormente citada de Maria Cecília Costa (1988) com pesquisa realizada na década de 1980 entre as cidades do Rio de Janeiro e Curitiba, com enfoque nas camadas médias. A autora chamava atenção para a forma central ocupada por práticas como a adoção ilegal e a preservação do segredo sobre a origem das crianças. O livro de Domingos Abreu (2002), resultante de sua tese de doutorado com pesquisa realizada na intersecção entre Brasil e França sobre adoção internacional apresenta uma problematização dos casos de adoção à brasileira a partir do trabalho das cegonhas, mulheres dedicadas a intermediar as adoções. Duas teses que de forma tangencial perpassam a adoção: o trabalho de Anna Uziel (2002), com pesquisa que conduz a uma profunda reflexão sobre família e homossexualidade, abordando questões relacionadas à legislação; e a pesquisa de Martha Ramirez-Galvez (2003), que aborda as novas tecnologias reprodutivas e dialoga com a adoção enquanto alternativa propícia para superar o problema da infertilidade. Destacamos também a pesquisa de Márcia Pivatto Serra (2003), que realiza uma abordagem quantitativa original sobre os aspectos demográficos da circulação de crianças no Brasil. Outra tese que tangencia a adoção e será aqui utilizada como importante referência é o trabalho de Adriana Vianna (2002). Por fim, apenas dois trabalhos no campo das ciências sociais abordam de maneira específica as particularidades dos GAAs. A dissertação de Joice Vieira (2004) propõe uma reflexão sobre adoção nas camadas médias – a autora faz um estudo comparativo entre dois Grupos localizados no interior de São Paulo e sintetiza no interior de um capítulo toda a história e fazer dessas entidades. E um artigo publicado recentemente por Alessandra Rinaldi (2010), que focaliza o papel pedagógico dos GAAs no município do Rio de Janeiro.

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Principal referência no campo da antropologia para pensar adoção, faremos uso ao longo da tese de muitas de suas ideias publicadas ao longo de mais de uma dezena de artigos. Ver: FONSECA, 1995; 1999; 2001; 2002a; 2002b; 2003; 2004; 2006a; 2006b; 2006c; 2006d; 2009a; 2009b; 2011a; 2011b; 2012.

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Com efeito, essas leituras revelaram, sobretudo, o quanto no Brasil a adoção legal convive com formas tradicionais de transferência e circulação de crianças. Esse formato brasileiro foi construído com raízes fincadas na própria formação histórica do país.5 Não obstante as análises e leituras lançadas ao longo das pesquisas citadas, a adoção legal foi sendo construída institucionalmente de modo inverso e distante daquilo que acontecia na vida social, totalmente apartada das concepções contidas e expressadas através das práticas sociais. Na verdade trata-se de duas realidades significativamente diferentes, mas ao mesmo tempo bastante próximas: em uma delas as crianças convivem e são criadas por famílias diferentes daquela em que nasceu; na outra, a convivência tem que acontecer sob as regras e chancela do Estado. Assim, a “verdade biológica” foi transformada em uma “verdade jurídica”, ou seja, dessa maneira o vínculo da lei deveria imitar o vínculo por nascimento (WEINSTEIN, 1974), fazendo com que a criança seja novamente concebida, dessa vez através de um instrumento legal.

O interessante é que, ao acompanhar essa verdade jurídica, as práticas informais consideradas ilegais passaram a ser comumente desestimuladas entre as lideranças dos GAAs. Por exemplo, a “circulação de crianças” foi tratada de forma secundarizada pelos legisladores e a adoção à brasileira passou a ser duramente combatida. O fato é que a adoção ganhou uma definição jurídico-legal e passou a ser operacionalizada objetivando fazer valer uma vontade. De acordo com a leitura do jurista Valdir Sznick (1993, p. 45), adoção é “um ato jurídico capaz de criar um vínculo artificialmente”. O trabalho de Sznick discorre longamente sobre “a adoção”, a partir de uma visão histórica e jurídica do termo desde as sociedades antigas até o século XX. Nesse sentido o termo “adoção” tem sido suficientemente problematizado de forma genérica como herança de civilizações antigas e completamente descolado da vida social no mundo contemporâneo.

Com efeito, é preciso reconhecer que adoção evoca uma relação social que envolve vínculos afetivos e laços de descendência. Essa relação é constituída por diferentes atores sociais, e nesse sentido “deve-se, antes de qualquer coisa, mostrar que a adoção de

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uma criança está imersa em um espaço de relações sociais marcado por lutas e disputas” (ABREU, 2002, p. 13).

Destarte, é importante então mencionar que utilizaremos o termo “adoção” enquanto categoria êmica utilizada no interior de GAAs, para, assim, compreendê-la ao longo da tese enquanto um construto político, jurídico e científico, historicamente situado e ideologicamente construído (FINAMORI, 2012).

Certo de que o interesse inicial era com relação à adoção, e não diretamente relacionado aos Grupos, questionei como poderia compreender o fenômeno social em si, com todas as suas implicações a não ser pelo entendimento dos principais sujeitos envolvidos. É preciso lembrar que a reunião que hoje se configura como uma instituição (Grupo de Apoio à Adoção) tem uma história bem demarcada e um determinado contexto de surgimento. Assim, como foco empírico a tese se situa na esfera de atuação dos GAAs.

1.1.1. Grupo e lei

Uma constatação inicial que desde já tomamos como ponto de partida é o fato de o termo “adoção” ser bastante carregado de um conteúdo jurídico e formal. Assim, o debate que segue busca embasar teoricamente nossa proposta de relacionar as categorias utilizadas nos GAAs através do diálogo com a produção da legislação. Nesse sentido foi preciso abordar reflexões específicas da antropologia do direito, iniciando a partir de uma problematização sobre o que compreendemos acerca da noção que estamos aqui chamando de “grupo”. Desse modo, propomos aqui uma discussão que situe algumas das contribuições teórico-metodológicas que possibilitem realizar uma leitura mais próxima da realidade da adoção no país.

Amplamente estudada no âmbito das ciências sociais, a noção de “grupo social” remete de imediato a um tipo circunscrito de coletividade. Do ponto de vista teórico, o termo remonta a uma tradição antropológica anglo-saxã quando foi aplicado a contextos etnográficos bem delimitados. No entanto, para esse momento iremos nos referir a um tipo de organização coletiva unida por objetivos e sentimentos em comum, mas sem fronteiras demarcadas, pois em geral situam-se em ambientes urbanos e são formados por indivíduos

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pertencentes às camadas médias da sociedade que transitam em vários espaços. Por conseguinte, a formalização desses Grupos ocorreu como uma consequência da sua atuação que também se foi fazendo de forma política.

Com efeito, estamos nos referindo à noção de Grupo aqui entendida como uma reunião de pessoas que partilham de códigos, práticas sociais e consequentemente visão de mundo semelhante. Na verdade, mais do que códigos, esses sujeitos partilham diretamente um modo particular de constituição do arranjo familiar. Trata-se de pais e mães adotivas que resolveram fazer do encontro um espaço adequado para superar dificuldades e compartilhar vivências, de modo que essa característica é central para formação inicial de um grupo de pais adotivos. Do ponto de vista teórico escolhemos trabalhar com a ideia que os Grupos “são constituídos por um número determinado de membros que mantêm alguma forma de interação esperada entre si – quando não em termos de direitos e obrigações” (MAYER, 2010, p. 139). Ou seja, trata-se de associações de pais e mães adotivas que são letrados com expertise nas letras da lei.

Os Grupos possuem status de associação formal, e no Brasil essas entidades sem fins lucrativos ficaram conhecidas como “organizações não governamentais”. Nesse sentido, os Grupos podem ser tratados como sinônimo de entidades e associações, pois “Manifestam uniformidade nos critérios de associatividade que fundamentam essas interações, sejam estas altamente informais ou constitutivas de uma corporação” (MAYER, 2010, p. 139).

Trata-se de coletividades organizadas e interdependentes que se reúnem em torno de uma causa política, construindo uma agenda de mobilização em torno da adoção. Um importante elemento é a família, cuja proteção é entendida como sendo um dever do Estado, acrescido do componente jurídico-legal “adotivo” que adquire status de reinvindicação política. O critério de associatividade para que o grupo seja inserido na dinâmica do movimento está basicamente relacionada à sua formalização ou constituição legal enquanto GAA.

Ainda em meados da década de 1990, os Grupos reunidos começaram a se identificar enquanto um “movimento”, assim se faz necessário problematizar a ideia de

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movimento. O termo é utilizado pelas principais lideranças nacionais. Não se trata de uma organização baseada caracteristicamente nas contribuições clássicas sobre os movimentos sociais, mas em um tipo de movimento que ocorre em âmbito nacional através da mobilização das entidades legalmente constituídas, que por sua vez representam os pais adotivos. Isso demandou a criação de uma entidade representativa formal que tivesse como principal atribuição mobilizar e organizar os Grupos do país. Às vezes se referem ao “movimento” como sinônimo da associação nacional. O movimento na verdade pode ser considerado como uma rede notadamente estruturada que apresenta lideranças e organização central bem coordenada.

Em relação à formalização, os Grupos também podem ser considerados nesse cenário como atores institucionais. A definição a seguir expõe os limites de tais entidades:

Grupo de Apoio à Adoção é toda a sociedade civil, sem fins lucrativos que desenvolve atividades voltadas ao Apoio e à Adoção e na busca de soluções para as questões relativas ao abandono de crianças e adolescentes, desenvolvendo trabalhos e reflexões para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária (Definição de ex-presidente da ANGAAD).

A formalização dos Grupos foi algo que ocorreu de forma gradativa, mas ainda no contexto da década de 1990. A citação anterior representa esse momento da organização com caráter formal. A entidade nacional que representa o movimento também se formalizou, no entanto conta com pessoas à frente, chamadas “lideranças” ou “dirigentes”. Sobre essa questão, “Barnes vislumbrou a rede como um campo social formado por relações entre pessoas” (apud MAYER, 2010, p. 141). Cada GAA possui um presidente tomado como uma liderança local. Esse ator social se torna uma referência quando se trata de adoção em determinado lugar. Em geral os Grupos dispõem de mecanismos legais de escolhas que obedecem a um conjunto de normas estatutárias para eleger esse representante. Contudo, no âmbito dessa rede “qualquer pessoa mantinha relações com várias outras, que, por sua vez, se ligavam, ainda, a outras” (MAYER, 2010, p. 142). Essa é uma fórmula que pode ajudar a explicar o rápido crescimento pelo qual passou o movimento no Brasil. Sob esse aspecto, o que nos interessa é o fato de existirem particularidades relativas à adoção exercida exclusivamente pelos GAAs.

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Nesse sentido, buscamos compreender como se constroem formas específicas de regulamentação a partir de uma condição legal, a adoção. No consagrado clássico da antropologia, O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa, Clifford Geertz se dedica detalhadamente a explicar acerca de um tipo importante de relação que se dá entre o local e o universal, ou seja, como “um ir e vir hermenêutico entre os dois campos, olhando primeiramente em uma direção, depois na outra, a fim de formular as questões morais, políticas e intelectuais que são importantes para ambos” (2004, p. 253). A intenção é aplicar a ideia à realidade da adoção, partindo dos Grupos de Apoio. Nesse sentido é preciso lembrar que o direito e a etnografia funcionam à luz de um saber local, pois ambos “se entregam à tarefa artesanal de descobrir princípios gerais em fatos paroquiais” (p. 249).

Por conseguinte, no diálogo aqui estabelecido com uma antropologia interpretativa, cujo fundador e principal expoente é Clifford Geertz, considero que os discursos, sobretudo o do nativo, não são apenas textos, e sim, práticas de sentido (WAGNER, 2010).

A legislação é a referência básica que orienta e define os contornos das ações judiciais. Com efeito, sob esse aspecto faremos referência a um princípio operacionalizado juridicamente apenas para exemplificar como se operam as leis criadas a partir da visão dos Grupos. Nosso interesse principal recai nas normas legais sobre adoção em vigor em período recente no Brasil, pois compreendemos que “‘o direito’, aqui, acolá, ou em qualquer lugar do mundo, é parte de uma forma específica de imaginar a realidade”; desse modo, a lei utiliza uma “linguagem da imaginação” (GEERTZ, 2004, p. 275).

Cabe advertir que o foco da tese não é propriamente a análise da legislação em si, mas a atuação dos Grupos na vivência protagonizada pela elaboração dessa regulação, ou seja, pensar como eles operacionalizam a questão jurídico-legal da adoção de crianças. Pois acreditamos particularmente que a legislação sobre adoção institui outra forma de acesso à filiação e constituição de vínculos familiares que são pensados e articulados através dos GAAs. As leis sobre filiação são uma construção social e uma forma de fazer a sociedade aderir a princípios ordenadores que contemplem a diversidade humana, valorizando modelos que deem vez ao afetivo (CADORET, 1999). Com efeito, os

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princípios ordenadores em geral, não conseguem contemplar a totalidade da diversidade existente na sociedade, fazendo com que a legislação fixe a preponderância de uma visão de mundo em detrimento de outras. Ainda que esse reconhecimento legal seja importante, é preciso frisar que o direito e os juristas tendem sempre a simplificar uma determinada realidade complexa, que tomam como referência (GEERTZ, 2004).

A articulação do movimento nacional de GAAs encontra razão de existir, por exemplo, no discurso de uma liderança do movimento que certa vez durante uma entrevista afirmou que “a lei e a justiça no Brasil é uma só”. Naquele instante tive a real dimensão da articulação consciente e intencional que existe entre a mobilização política e a produção dos dispositivos legais empreendida por um conjunto de forças. Existe uma relação consideravelmente imbricada entre os Grupos e um conjunto de saber jurídico que se expressa através do processo de composição das leis. Por conseguinte, o plano normativo se faz fruto de debates legislativos ocorridos anteriormente à produção da LNA.

O movimento nacional dos GAAs surge temporalmente em meados da década de 1990, atrelado às concepções advindas com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Posteriormente irá travar diálogo crítico com o conteúdo do Código Civil publicado em 2002 e ainda contribuir decisivamente com a formulação da LNA publicada no ano de 2009. Interessante observar que essa passagem de quase duas décadas significou no plano legal uma continuidade no modo de enxergar a criança, como também um período de intensa e produtiva mobilização em prol da causa da adoção.

A legislação escolhida para compor essa tese coincide com o momento surgido com a redemocratização do país pós-constituinte de 1988. Não obstante reconhecermos a importância contida no contexto político-legal anterior, focalizaremos no momento inovador emergido durante o início dos anos 1990, pois demarca o surgimento da atuação política devotada à causa da adoção, o que representa um deslocamento da adoção da esfera da vida privada para a pública, regulada pelo Estado. Não queremos com isso minimizar a extensa trajetória de disputas que envolveu a infância no Brasil, perpassando a questão da adoção ao longo do século XX. Esse reconhecimento é importante para situar o contexto atual surgido na virada da década de 1980 para o início dos anos 1990.

Referências

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