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O Papel das Relações Informacionais na Auto-organização Secundária

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O Papel das Relações Informacionais na

Auto-organização Secundária

ALFREDO PEREIRA JR Departamento de Educação, UNESP

BOTUCATU, SP apj@ibb.unesp.br

MARIA EUNICE Q. GONZALEZ Departamento de Filosofia, UNESP

MARÍLIA, SP gonzalez@marilia.unesp.br

Resumo: No processo de auto-organização secundária (caracterizado por Debrun,

1996), as relações de dependência mútua entre os componentes de um sistema desem-penham um papel central. Neste artigo, analisamos os princípios que caracterizam a dinâmica temporal na geração de tais relações de dependência, focalizando a dimen-são informacional. Inicialmente distinguimos a relação informacional da relação causal, e identificamos as dimensões organizacionais e os sub-processos que com-põem tal dinâmica. Caracterizamos quatro modalidades de informação que julgamos relevantes no processo de auto-organização secundária: a) a informação estrutural, herança da auto-organização primária, que é necessária para a reprodução e manuten-ção da organizamanuten-ção dos sistemas complexos; b) a informamanuten-ção ambiental, constituída a partir de uma troca de sinais dos sistemas com o ambiente externo; c) a informação contextual, que se encontra presente em trocas internas de sinais, possibilitando que cada parte dos sistemas monitore a atividade das demais, e d) a informação antecipa-tória, em que os sistemas - a partir da atividade de seus componentes - estabelecem metas e o modo como alcançá-las. Argumentamos que tal dinâmica se expressa em termos de processos não-lineares de três tipos: cooperativos, estacionários e conflituo-sos, a partir dos quais emergem novos padrões organizacionais.

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1. INTRODUÇÃO

De acordo com Debrun (1996, p. 34-48), um processo de auto-organização comporta três fases, sendo que as duas primeiras corres-pondem à auto-organização primária e a terceira à auto-organização

secundária. As duas primeiras fases foram amplamente analisadas por

Debrun (1996), Haken (2000), Gonzalez e Haselager (2005), entre outros; a terceira, que constitui o foco deste ensaio, tem sido pouco pesquisada na literatura.

No processo de auto-organização primária, diversos elementos com histórias independentes interagem entre si, às vezes por força do acaso, formando um novo sistema. Em tais circunstancias, transfor-mações abruptas geram instabilidade, a qual faz com que elementos que anteriormente participavam de antigos processos ou sistemas venham a constituir diferentes sistemas. Em tais situações, relações são criadas entre elementos distintos compondo a estrutura e a organi-zação de novos sistemas.

Como foi ressaltado por Debrun (1996), na primeira fase da au-to-organização primária ocorre uma ruptura na história do sistema, em decorrência de um encontro fortuito de linhas causais, ou – no caso da dinâmica de vida de um ser humano – de uma decisão individual ou coletiva que não se segue de regras previamente estabelecidas. O acaso, entendido como o cruzamento de linhas causais com histórias independentes, desempenha um papel fundamental nesse primeiro estágio do processo; uma nova identidade começa a se esboçar consti-tuindo-se um dentro e um fora.

A segunda fase do processo de auto-organização primária é marcada por uma “endogeneização”, na qual a distinção entre o

den-tro e o fora se acentua. Dessa forma, o acaso, que tem participação

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proces-so; as possíveis histórias carregadas inicialmente pelos integrantes do novo sistema são esquecidas “neutralizadas, redefinidas ou subordi-nadas ao movimento global do processo” (Debrun, 1996). Nessa etapa o novo sistema adquire uma relativa estabilidade própria.

Na terceira fase do processo de auto-organização, que Debrun denomina auto-organização secundária, ocorre a cristalização de uma forma ou identidade, o que indica que uma “organização foi alcançada ou está para ser alcançada” (Debrun, 1996). Neste trabalho, investi-gamos conceitos que possibilitam um entendimento desta fase, ou seja, estudamos a dinâmica da auto-organização secundária. Consi-deramos que os sistemas nos quais ocorre a auto-organização secun-dária podem ter diferentes origens, inclusive por meio de processos de engenharia conduzidos parcialmente por um agente externo, desde que tais origens não lhes subtraiam as condições de auto-organização.

Os principais conceitos aqui abordados são os de processos,

padrão e informação. Não pretendemos nos aprofundar na discussão

destas noções em si mesmas (o conceito de informação foi anterior-mente discutido em Pereira Jr e Gonzalez, 1995), mas principalanterior-mente aplicá-las ao estudo dos fenômenos de auto-organização, distinguindo diferentes tipos de processos e modalidades de informação que de-sempenham papel central no entendimento da auto-organização se-cundária.

Nos processos de auto-organização secundária, a interação en-tre os componentes de um sistema pode dar lugar à emergência de relações e funções que incorporam traços ou memórias de suas traje-tórias constitutivas, as quais denominamos padrões. A geração de padrões pode ocorrer tanto na dimensão causal (aqui entendida como causa eficiente) – em que as dependências entre as partes do sistema se manifestam de modo mecânico ou determinístico – quanto na di-mensão informacional – a qual possibilita uma maior flexibilidade e

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integração entre os componentes do sistema. Na seção seguinte, dis-cutimos a distinção entre estas duas dimensões.

Consideramos a dimensão informacional como sendo de cen-tral importância para o entendimento da dinâmica da auto-organização secundária. Nesta perspectiva, as mudanças organizacio-nais resultam de processos nos quais diversos padrões, internos e externos ao sistema, se entrecruzam e geram novos padrões que deli-mitam a sua identidade.

Propomos, aqui, uma distinção entre quatro modalidades de in-formação, que chamamos de estrutural, ambiental, contextual e

ante-cipatória. A partir delas, procuramos ilustrar a dinâmica não-linear de

fluxos informacionais presente em diferentes modalidades sistêmicas que caracterizam a auto-organização secundária. A modelagem deste tipo de dinâmica informacional requer ferramentas, inter e/ou trans-disciplinares, que demandam um processo de elaboração mais avan-çada do que aquela que nosso conhecimento atual possibilita. Deste modo, nos limitaremos à apresentação de um esquema teórico, no qual distinguimos e analisamos diferentes modalidades de informa-ção, e as categorias gerais na quais os processos podem ser enquadra-dos, deixando para investigações futuras uma abordagem mais deta-lhada do tema.

2. DIMENSÕES CAUSAL E INFORMACIONAL

Em trabalho prévio (Pereira Jr. e Gonzalez, 1995), propusemos que as relações informacionais, entre dois ou mais sistemas, não se opõem às relações causais entre os mesmos, mas podem se superpor, constituindo uma “causalidade de segunda ordem”, na qual os padrões organizacionais estabelecidos se tornam correlacionados. Neste senti-do, a relação informacional se estabelece entre padrões

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organizacio-nais presentes em sistemas distintos. No presente trabalho, chamamos a atenção para uma importante distinção a ser feita entre as noções de causalidade e informação.

As relações causais (restritas aqui à causa eficiente) podem ter um caráter determinístico, no sentido que as leis e princípios da natureza, em certas condições, exigem (de forma necessária) que a ocorrência de um certo estado de coisas, em uma parte da natureza,

produza um outro estado de coisas, em uma outra parte da natureza

(ou na mesma, em um tempo subseqüente).

Tal caráter de imposição necessária nem sempre se aplica à causalidade, haja vista a existência da “causalidade estatística” (Sal-mon, 1987), segundo a qual a ocorrência de um evento apenas

aumen-ta a probabilidade da ocorrência de um novo evento, como no

exem-plo clássico da afirmação “fumar causa câncer”. Com se sabe, há muitos casos de pessoas que fumam intensivamente durante toda sua vida e não contraem tal patologia, embora também se saiba – a partir de outros casos, mais numerosos, que fumar é um sério fator de risco para o desencadeamento do processo cancerígeno.

Na causalidade estatística, há a intervenção de um componente de acaso, que corrói o caráter determinístico decorrente da obediência estrita às leis e princípios da natureza, introduzindo um aspecto de

contingência, que se derivaria da natureza última das próprias leis e

princípios físicos, e/ou das condições iniciais e de contorno nas quais se estabelece o processo em questão. Neste sentido, pode-se alegar, relativamente ao exemplo apresentado, que “fatores genéticos” (con-siderados como condições iniciais), e “fatores ambientais” (por exem-plo, o tipo de alimentação e atividade física, considerados como con-dições de contorno) seriam decisivos, no sentido de se deflagrar (ou não) o processo cancerígeno no fumante.

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Já nos processos informacionais, não se trata apenas da intro-dução de um fator de contingência, mas também da existência de pos-sibilidade de comunicação entre os componentes de um sistema e destes com o ambiente externo. Tal comunicação se faz através de

sinais, os quais podem deflagrar diversos resultados possíveis nos

seus receptores. No contexto biológico – como discutiremos mais à frente – esses sinais podem ter um significado construído através de um processo de co-evolução entre os sistemas vivos e seus ambientes.

Um exemplo, muitas vezes citado pelo Prof. Debrun (comuni-cação pessoal), é o do sinal de trânsito. Uma luz vermelha indica que o motorista deva parar o veículo, mas ele não é destituído da liberdade de atravessar o cruzamento com o sinal vermelho aceso (o que even-tualmente pode ser justificado, por exemplo, quando se verifica a ausência de outros veículos com os quais se poderia colidir, e conside-rando a importância de não parar, tendo em vista a urgência em se levar um paciente para o hospital, ou o risco de um assaltante abordar o carro parado).

Entendemos que a dimensão informacional se distingue da cau-sal – tanto da caucau-salidade determinística quanto da probabilística – por introduzir um fator de possibilidade de escolha; a saber, o estabe-lecimento de comunicação entre dois sistemas, através de sinais emi-tidos e recebidos, a partir dos quais se abrem alternativas de ação para o sistema receptor. Além disso, a presença do ruído, entendido como interferências diversas no processo de transmissão de mensa-gens, pode contribuir para a desorganização das funções do sistema, eliminando ou gerando novos padrões de ação.

Exemplos da distinção acima são brilhantemente apresentados em Gibson (1979), através do estudo do conceito de “affordance”. Grosso modo, affordances são relações de dependência mútua que se estabelecem entre organismos e meio ambiente, as quais indicam

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possibilidades de ação apropriada para a sobrevivência dos mesmos. Assim, no ambiente terrestre, Gibson investiga os padrões luminosos que indicam possibilidades de ação (affordances) para os diversos tipos de caminhar humano: em condições de luminosidade adequadas, terrenos planos ou ligeiramente inclinados possibilitam (afford) o passo estável, enquanto que terrenos muito irregulares, ou mesmo aqueles bastante arenosos, exigem um caminhar diferenciado que terá que ser desenvolvido com muita atenção para que o equilíbrio seja mantido.

Em condições adequadas de luminosidade, temperatura, umi-dade do ar, etc., os organismos se locomovem, evitando choques a-bruptos, graças, em grande parte à comunicação entre as diversas espécies. Essa dinâmica auto-organizada da locomoção será interrom-pida com a presença de ruídos quando, por exemplo, uma nuvem densa de fumaça invade o ambiente alterando a funcionalidade respi-ratória, visual e olfativa dos organismos impedindo a detecção de affordances. Em tais circunstancias, o organismo, caso sobreviva, terá que encontrar ou criar, ao longo do tempo, novos padrões informacio-nais que possam desempenhar o papel de affordances nos vários pla-nos de sua corporeidade.

Dada a natureza relacional, evolutiva e histórica das affordan-ces, que são construídas através da ação dos organismos no seu meio, a compreensão das mesmas pressupõe uma perspectiva ecológico-informacional distinta do plano estritamente físico. Nessa perspectiva, o universo físico se transforma em universo (biologicamente signifi-cativo) de ação, também conhecido como ecossistema ou nicho. Gra-ças à ação auto-organizada dos organismos, que carregam a sua histó-ria evolutiva, estruturas informacionais (affordances) são chistó-riadas, as quais imprimem uma dimensão ecológica ao seu entorno. Essa nova dimensão ontológica da ação dos seres vivos comporta não apenas

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estímulos físicos, ou informação destituída de significado, mas

siste-mas informacionais significativos. É justamente no interior desses sistemas prenhes de histórias que estímulos físicos adquirem signifi-cado graças à sua funcionalidade no estabelecimento de moradas para as inúmeras formas de vida; é nesse sistema informacional significati-vo que as affordances figuram como elemento central.

Entendemos que a dimensão ecológica das affordances ilustra a nossa hipótese sobre a natureza das relações informacionais, caracte-rizadas como um tipo de “causalidade de segunda ordem”: elas se situam na encruzilhada dinâmica dos padrões ambientais emergentes de relações causais (de primeira ordem), estabelecidas no meio, e dos pa-drões de ação, evolutivamente constituídos nos diversos organismos.

A partir das distinções conceituais acima propostas, torna-se pouco operante a separação tradicionalmente estabelecida entre pro-cessos causais determinísticos ou probabilísticos, de um lado, e, de outro, processos informacionais significativos. Assumimos que pro-cessos presentes em sistemas complexos possuidores de um nicho incorporam, em maior ou menor grau, a dimensão de necessidade da causalidade determinística, a dimensão de contingência da causalida-de probabilística, bem como a dimensão causalida-de possibilidacausalida-de causalida-de ação presente na comunicação informacional significativa.

Em resumo, consideramos que a causalidade (em suas duas modalidades) e a informação constituem dimensões complementares dos processos estudados no domínio da ação. Conseqüentemente, na construção do conhecimento a respeito da evolução temporal de sis-temas complexos, possuidores de um nicho, o estudo de uma com-plementa o estudo da outra, particularmente no que diz respeito às propriedades emergentes de sistemas que se auto-organizam.

A dimensão informacional adquire relevância central para os sistemas que se auto-organizam, pois é a partir da interferência de

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fluxos de informação que se estabelecem padrões informacionais (affordances) através dos quais o próprio sistema guiaria sua evolução temporal, justificando desse modo a utilização do prefixo “auto”. Em contraste, os sistemas considerados “hetero-organizados” seriam jus-tamente aqueles que têm sua evolução guiada principalmente por agentes externos.

O raciocínio acima nos leva ainda a conjeturar que, se os siste-mas estudados tivessem apenas a dimensão primária da causalidade (eficiente) – ou seja, se fossem desprovidos da dimensão informacio-nal – então eles seriam guiados exclusivamente pelas forças da neces-sidade e do acaso, lhes faltando recursos para estabelecer, de modo imanente, suas próprias metas e estratégias para alcançá-las.

3. A COMPLEXIDADE ORGANIZACIONAL INCORPORADA NOS SISTEMAS VIVOS

Para exemplificar os diversos aspectos envolvidos no processo de auto-organização secundária de um sistema complexo (Bresciani Filho & D’Ottaviano, 2000; Haken, 2000), faremos inicialmente refe-rência aos sistemas vivos (vide também discussões prévias em Pereira Jr. et al. 1996, e Pereira Jr. et al., 2004). Estes sistemas são usualmen-te caracusualmen-terizados como possuindo várias dimensões organizacionais, cada uma delas contendo componentes que interagem, formando uni-dades funcionais, as quais possibilitam a emergência de proprieuni-dades que não são observadas isoladamente nos componentes. No caso dos seres vivos, temos, nessa perspectiva, os seguintes planos organiza-cionais superpostos:

– moléculas que interagem entre si formando células; – células que interagem entre si formando tecidos; – tecidos que interagem entre si formando órgãos;

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– órgãos que interagem entre si formando sistemas fisiológicos; – sistemas fisiológicos que interagem entre si formando orga-nismos;

– organismos que interagem entre si formando coletividades (populações);

– populações que interagem entre si formando ecossistemas. A distinção entre as camadas organizacionais acima indicadas tem para nós um caráter metodológico, sendo importante para a iden-tificação dos diferentes tipos de processos e modalidades de informa-ção. Não ignoramos a possibilidade de que as diversas formas de or-ganização incorporem também um caráter ontológico, mas não jul-gamos conveniente apresentar aqui extensos argumentos a respeito desta questão (para um estudo mais detalhado desse tópico ver Gon-zalez et al, 2004). Uma linha de argumentação neste sentido seria que, uma vez que o estudo científico do sistema vivo requer diferentes recursos para a realização de experimentos endereçando as inúmeras dimensões organizacionais, poderíamos inferir que a distinção entre elas estaria baseada na interação do sujeito cognoscente com o seu objeto de estudos, a qual ocorreria – ao menos em parte – em um domínio externo à mente de tal sujeito.

Na análise de um sistema complexo como o sistema vivo, po-demos, a partir da distinção entre camadas organizacionais, distinguir

tipos bem conhecidos de (sub) processos, a saber:

a) processos internos “horizontais”, que ocorrem entre elemen-tos de um mesmo plano organizacional;

b) processos internos “verticais”, que envolvem interações en-tre planos organizacionais.

c) processos de interação do sistema com o ambiente, através dos quais partes de ambos, produzem efeitos que se espalham pelo sistema, que passa, então, a ser entendido como um todo.

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Em sistemas fracamente hierárquicos – como aqueles que se auto-organizam – podemos distinguir, também, dois tipos de proces-sos verticais:

1) A causação ascendente, pela qual elementos de camadas hierárquicas “inferiores” influenciam, ou possibilitam a emergência de padrões informacionais, também conhecidos como parâmetros de ordem nas camadas hierárquicas “superiores” (Haken, 2000);

2) A causação descendente, em que elementos de camadas hierárquicas “superiores”, constitutivas dos parâmetros de ordem, influenciam ou restringem (unslave) o comportamento dos elementos das camadas “inferiores” (Haken, 2000).

Nos processos horizontais, consideramos que os elementos pre-sentes em cada camada contenham suas próprias determinações cau-sais. Porém, quando os mesmos se encontram, e passam a interagir sistematicamente, novos padrões funcionais podem emergir, os quais, por intermédio de um processo de causação ascendente, influenciam elementos da camada organizacional superior. Estes, por sua vez, retroagem sobre os componentes das camadas inferiores, via causação descendente, gerando modificações estruturais nos seus sistemas constitutivos. Assim, por exemplo, os genes interagem entre si, de-terminando a produção de um pool de proteínas, as quais engendram funções celulares, que por sua vez retroagem sobre a regulação da expressão gênica, alterando o perfil de proteínas produzidas, que por sua vez alteram as funções executadas, e assim por diante (vide Perei-ra Jr. et al., 1996).

As hipóteses sobre a dinâmica da auto-organização propostas por Debrun (1996) contribuem para o entendimento destes processos, bem como de seu encadeamento na evolução sistêmica. Em especial, a sua noção de ajuste, caracterizado como um tipo de relação de mu-tualidade que se constitui no embate de forças, muitas vezes

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antagôni-cas, entre elementos de um sistema, possui inestimada relevância teórica. O seu exemplo do velho casal (protótipo de tantos casais) – que, na somatória do embate de infindáveis brigas, acaba por estabe-lecer uma identidade comum (a ser perpetuada ao longo das histórias familiares) – ilustra a complexidade dos (sub) processos envolvidos no embricamento de padrões informacionais inerentes à constituição, evolução e estabilidade de sistemas auto-organizados.

Nos sistemas complexos, cada sub-processo pode conter tanto a dimensão causal-determinística quanto a informacional. Atribuímos à dimensão informacional a riqueza do processo de auto-organização secundária, ao possibilitar a interação entre os diversos componentes e unidades funcionais, sem prejuízo dos “graus de liberdade” dos siste-mas. Desta interação, se formam padrões globais de interferência, que direcionam a evolução sistêmica de modo imanente, fazendo emergir novos padrões de organização.

Introduzimos, na próxima seção, uma distinção entre quatro modalidades de informação, que julgamos desempenhar um papel central nos processos de auto-organização biológica, em geral, e tam-bém, em particular, em processos de auto-organização em sistemas humanos.

4. MODALIDADES DE FLUXOS DE INFORMAÇÃO PRESENTES NA AUTO-ORGANIZAÇÃO SECUNDÁRIA

Como hipótese de trabalho, postulamos quatro tipos de infor-mação que julgamos presentes na Auto-Organização Secundária. Observamos que os tipos não são excludentes, isto é, em determina-dos casos pode haver intersecção entre os domínios especificadetermina-dos:

a) Informação Estrutural: uma herança da auto-organização primária; é o conjunto de padrões necessários para a reprodução da organização do sistema, como por exemplo o DNA para o ser vivo, ou

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os programas que tornam possível a simulação computacional de uma rede neural;

b) Informação Ambiental: é o conjunto de padrões constitutivos dos nichos ou dos ambientes físico, biológico e cultural dos organis-mos; este tipo de informação se situa, portanto, no plano da interação “horizontal” entre o organismo e seu ambiente, podendo desencadear processos “verticais” no interior do sistema, os quais são caracteriza-dos como adaptativos (quando o sistema se ajusta a uma situação externa) e/ou proativos (quando o sistema procura ajustar as condi-ções externas a suas próprias determinacondi-ções)

c) Informação Contextual: é o conjunto de padrões de informa-ção que os sub-sistemas possuem sobre as propriedades e/ou do

esta-do esta-dos demais sub-sistemas. O conceito de informação contextual foi

introduzido por Phillips e Singer (1997) no estudo da dinâmica cere-bral, mas ele pode ilustrar também outras situações. Nas diversas camadas de organização dos sistemas vivos, há trocas de sinais (quí-micos, elétricos) que alteram ou modulam a atividade de uma célula a partir do recebimento de informação a respeito da atividade de outras células. A informação contextual circulante entre os componentes de um determinado sistema resulta da história física e biológica do uni-verso, sendo, portanto, muitas vezes de difícil apreensão para o obser-vador externo (vide, por exemplo, as interações informacionais ex-tremamente complexas que ocorrem entre o íon de cálcio e as células nervosas ou musculares). Este tipo de informação pode desencadear fenômenos coletivos cujas conseqüências atingem outros patamares organizacionais;

d) Informação Antecipatória: este tipo de informação diz res-peito aos elementos que cada componente do sistema possui a respei-to das metas a serem atingidas pelo mesmo. No processo de aurespei-to- auto-organização, consideramos – em consonância com Debrun (1996) –

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que as metas não são dadas a priori, mas são estabelecidas pelo pró-prio sistema no seu percurso de consolidação. Nos diversos planos organizacionais dos sistemas biológicos encontram-se disponibiliza-das informações que dão suporte aos processos adaptativos como a sobrevivência e reprodução do organismo. Quando este tipo de infor-mação é projetado para as diversas camadas organizacionais, estados

disposicionais podem ser gerados, os quais desempenham um papel

central na evolução sistêmica dos organismos. Tais estados disposi-cionais se caracterizam por relações potenciais que, em condições apropriadas, possibilitam a atualização ou materialização de eventos (Ryle, 2000). Ainda que pouco se saiba sobre o estatuto ontológico dos estados disposicionais, exemplos como os da solubilidade de sais em água; da fragilidade de vidros que se quebram com o impacto de determinadas forças; do crescimento de certos microorganismos em ambientes luminosos específicos, da tendência ao consumo de produ-tos amplamente divulgados pela mídia, entre outros, ilustram a sua aplicação na física, na química, na biologia e na sociologia.

A compreensão do alcance destas dimensões informacionais no comportamento humano constitui um objeto de grande interesse para a presente pesquisa. A emergência de novas características em siste-mas auto-organizados bio, psico e socialmente, que caracterizam entre outros a pessoa humana, tem sua principal origem no próprio proces-so, por meio da interação espontânea entre os elementos, como já assinalava Debrun:

O sujeito auto-organizador permanece “nele próprio” durante as operações de reestruturação. Ele efetua um trabalho de si sobre si. [...] As condições de partida (a própria existência do organismo, o contexto biológico, social e cultural dentro do qual atua), assim como o intercâmbio – energético, material, informacional, simbólico – com o ambiente, desempenham um

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papel importante, mas apenas coadjuvante: seja através de de-safios (ruídos, competição ameaçadora); ou de recursos, atuais e potenciais, que proporcionam; ou de alvos que surgem em resposta aos desafios (DEBRUN, 1996, p. 25-26, grifo do au-tor).

O estudo dos processos de auto-organização que ocorrem no sistema de vida de uma pessoa, dada a sua imensa complexidade, está apenas se iniciando. Pereira Jr et al. (2002) identificaram domínios de atividades humana que compõem sub-sistemas inter-relacionados, cada qual com determinações próprias (família, corpo, trabalho, lazer, sociabilidade, transcendência) Uma das hipóteses desses autores é que as interações entre os sub-sistemas que compõem o sistema da vida mental de uma pessoa seriam marcadas por uma busca de satisfação, relativa a um padrão de referência – constituída na sua história de vida. Essa busca impulsionaria a dinâmica interativa entre os sub-sistemas da vida mental do indivíduo. Dessa interação, que constitui um processo de auto-organização secundária, emergem padrões glo-bais do sistema, correspondendo à saúde mental, ou a crises, que po-dem conduzir ao transtorno mental.

5. TRÊS TIPOS DE DINÂMICA AUTO-ORGANIZADORA

Nos sistemas complexos, os quatro tipos de informação acima identificados interagem de modo bastante complexo, durante o pro-cesso de Auto-Organização, gerando muitas vezes um propro-cesso não-linear, no qual os efeitos podem ter pesos desproporcionais em rela-ção a suas causas, em termos da magnitude das alterações efetuadas na dinâmica do sistema.

A partir de uma análise das formas de interação entre sub-sistemas discutidas no exemplo anterior, podemos fazer uma

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generali-zação, com vistas a distinguir três tipos de interação informacional – semelhantes aos tipos de jogos identificados por Von Neumann e Morgenstern (1944) – que caracterizam a dinâmica da auto-organização secundária:

a) Estacionária: uma dinâmica em que as ações de diversos sub-sistemas, perseguindo diferentes metas, terminam por se compensar na totalidade do sistema auto-organizado, gerando um padrão de organiza-ção estável, porém desprovido de manifestações de criatividade;

b) Conflituosa: uma dinâmica em que o conflito entre os sub-sistemas é danoso para o sistema como um todo, o qual passa então por transformações que ameaçam sua estabilidade. Ocorre aqui, entre outros aspectos importantes, uma falha na comunicação da informa-ção contextual, pois os diversos sub-sistemas não entram em acordo para se evitar tal conflito. Esta visão perpassa certas interpretações da teoria darwinista da evolução biológica, quando se coloca uma ênfase na competição por recursos escassos (“luta pela vida”) como motor das transformações que levam à extinção de algumas espécies e ao surgimento de outras (vide Pereira Jr. et al., 2004);

c) Cooperativa: uma dinâmica em que a cooperação entre os sub-sistemas se torna construtiva para o sistema como um todo; ela corresponde a uma diferente interpretação da teoria evolucionista, na qual se considera que as diversas formas de vida se empenham ativa-mente na adequação do ambiente às suas necessidades, para tal se associando, de diversas maneiras, com outras espécies que também procuram sua sobrevivência e satisfação de necessidades (Pereira Jr. et al., 2004). Nesta dinâmica, são utilizadas de modo eficaz a infor-mação contextual (permitindo o ajuste entre os sub-sistemas), a in-formação ambiental (possibilitando a adaptação ativa ao ambiente) e a informação antecipatória (realizando-se uma unificação ou ajuste de metas).

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A partir desta análise, podemos reelaborar o conceito de Auto-Regulação Dinâmica (ARD), que sucede o conceito clássico de Ho-meostase, como expressão dos processos de Auto-Organização em sistemas biológicos. A ARD se caracteriza pela não-linearidade, gera-da pela interferência entre os diversos padrões de informação, e pela flexibilidade, que advém da complexidade gerada pelo inter-cruzamento dos campos de possibilidades acima. Por exemplo, a par-tir do momento em que um componente de um sistema retifica sua informação antecipatória, ele se torna disponível para ajustes em suas funções, que não seriam admissíveis caso persistisse no padrão ante-rior.

6. COMENTÁRIOS FINAIS

Procuramos mostrar neste trabalho que os processos de auto-organização secundária envolvem relações plásticas de dependência mútua que denominamos relações informacionais. Argumentamos que tais relações permitem uma variedade de ajustes entre os compo-nentes de sistemas formados, originalmente, nos processos de auto-organização primária.

A dimensão informacional dos processos de auto-organização secundária foi diferenciada da dimensão causal linear através da indi-cação de camadas organizacionais constitutivas de quatro modalida-des: a) a informação estrutural; b) a informação ambiental; c) a infor-mação contextual e d) a inforinfor-mação antecipatória.

Argumentamos também que a dinâmica de auto-organização secundária se expressa em termos de processos informacionais coope-rativos, estacionários e conflituosos, a partir dos quais novos padrões organizacionais podem emergir. As idéias apresentadas neste ensaio constituem apenas um breve esboço de um estudo cujo domínio ainda

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se encontra amplamente inexplorado. Na próxima etapa de nossa pesquisa investigaremos a presença de processos de ajuste, em siste-mas de ação situada e incorporada, que envolvem aprendizagem no desenvolvimento da auto-organização secundária.

Agradecimentos: Os autores agradecem aos colegas do grupo CLE

de auto-organização e do GAEC pelas sugestões e críticas à versão anterior deste trabalho. Agradecem também ao CNPq pela bolsa de pesquisa de um dos autores.

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Referências

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