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Uma nova visão mundial do oceano

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Academic year: 2021

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Uma nova visão mundial

do oceano

Ex-Presidente da República, Presidente da Fundação Mário Soares

Mário Soares

O artigo faz um balanço positivo – embora assinalando lacunas, sobretudo quanto aos aspectos institucionais – do caminho percorrido desde a elaboração, pela Comissão Mundial Independente para os Oceanos (CMIO), do Relatório “O Oceano – Nosso Futuro”, apresentado em 1998 ao Secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan. Salienta o longo processo para se alcançar o reconhecimento formal, pela comunidade mundial, da necessidade de instrumentos fundamentais para a eficaz governação e desenvolvimento sustentável do Oceano. O Novo Regime do Oceano deverá ser inspirado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, mas integrando as recentes evoluções, em termos científicos, tecnológicos e ambientais, bem como a crescente explo-ração dos recursos marinhos. O texto destaca a actualidade de algumas sugestões formuladas no Relatório da CMIO, nomeadamente quanto a novas formas de cooperação abertas à participação de todas as partes interessa-das, ao estatuto do Alto Mar, como espaço sob tutela pública, à utilização dos Mares num contexto de paz e segurança, a criação de um Observatório Mundial dos Assuntos do Oceano, como sistema independente de informação e análise neste domínio. O artigo termina com um apelo para que o acompanhamento e a implemen-tação de uma Estratégia Nacional para o Oceano sejam assegurados ao mais alto nível institucional, com o envolvimento activo da sociedade civil e dos grupos de interesse com vista a mobilizar a adesão dos cidadãos.

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The article makes a positive analysis – although highlighting omissions especially with regard to institutional aspects – of the path taken since the preparation by the Independent World Commission for the Oceans (CMIO) of the Report “The Ocean – Our Future”, presented in 1998 to the Secretary General of the United Nations, Kofi Annan. It highlights the long process to achieve formal recognition by the World Community of the need for fundamental instruments for the effective governance and sustainable development of the Ocean. The New Regime of the Ocean should be inspired by the United Nations Convention on the Law of the Sea, but including recent progress in scientific, technological and environmental terms, as well as the growing use of marine resources. The text points out the current situation of some suggestions made in the CMIO Report, specifically with regard to new forms of cooperation open to the participation of all interested parties, to the statute of the High Seas, as a space under public tutelage, the use of the Seas within the context of peace and security, the creation of a World Observatory of Ocean Affairs as an independent system of information and analysis in this area. The article ends with an appeal for the monitoring and implementation of a National Strategy for the Ocean to be made at the highest institutional level, with the active involvement of civil society and of interest groups aimed at mobilising the adhesion of citizens.

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ara quem tenha acompanhado o lon-go processo nelon-gocial conducente à assinatura (1982) da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e à sua entrada em vigor, em 1994, e seguido atentamente os desenvolvimen-tos ulteriores, o processo oferece um balanço positivo e, apesar das lacunas observadas, é encorajador. Confirma, uma vez mais, quanta persistência é necessária para que ideias e con-ceitos inovadores sejam formalmente reconhe-cidos pela comunidade mundial e integrados em instrumentos fundamentais, como a Con-venção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).

Aqueles que estiveram activamente envolvi-dos na criação e nas actividades da Comissão Mundial Independente para os Oceanos (CMIO) – à qual presidi e de que foi coordena-dor o Prof. Mário Ruivo – e, como nós, tive-ram a honra de apresentar publicamente o Re-latório “O Oceano – Nosso Futuro”1 na altura

da Exposição Mundial de Lisboa, em 1998, es-tão em condições de analisar o caminho percor-rido, desde então, para dar forma ao Novo Re-gime do Oceano, o qual deverá ser inspirado na Convenção, sem dúvida. Porém, aberto à evo-lução que, na última década, teve lugar graças ao progresso da investigação científica e tecno-lógica como fonte de conhecimento do Oceano e das suas aplicações para fins de desenvolvi-mento e dinâmica económica, com os impac-tos ambientais que todos conhecemos. Entre estes avultam, pelas suas consequências, as va-riações climáticas, derivadas do efeito de estufa, susceptíveis de afectarem os grandes processos naturais do planeta e com fortes implicações para a Humanidade.

Quando apresentámos o Relatório da CMIO ao Secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan e, seguidamente, este documento foi levado à atenção da Assembleia Geral, a par da convergência sobre muitas das conclusões e linhas de acção propostas, houve – como de resto seria de esperar – dúvidas e, mesmo, re-servas por parte de alguns sectores mais tradi-cionais quanto a algumas das ideias inovado-ras nele contidas para a governação e o desenvolvimento sustentável do Oceano, num contexto de respeito pelo Direito

Internacio-nal, pela equidade e pela solidariedade entre Estados e Povos.

Mencionarei, pela sua actualidade, alguns dos pontos tratados e das sugestões formuladas no Relatório da CMIO:

i) O apelo para “avançar com o processo de mudança e inovação no seio do siste-ma das Nações Unidas” e para que se promova “o mais brevemente possível uma Conferência das Nações Unidas sobre a questão dos Oceanos”, que per-mita fazer o ponto da situação e identi-ficar linhas de acção visando formas avançadas de cooperação.

ii) Medidas que contribuam para a utiliza-ção dos Mares para fins pacíficos, cha-mando a atenção para que, na situação actual, a “liberdade ilimitada das forças navais e o seu próprio entendimento dos interesses de segurança se revele contraditório com a promoção da paz e da segurança nos oceanos e se oponha ao poder regulamentador dos Estados costeiros”.

iii) Tendo em conta que “a paz e a seguran-ça nos oceanos seriam seguramente fa-vorecidos pela aplicação efectiva das dis-posições da Convenção e dos seus acordos de aplicação por todos os Esta-dos”, sublinhava-se que “o Alto Mar não pode ser apropriado por nenhum Estado, e que deve ser reservado para utilizações benéficas e de interesse para a comunidade mundial”. Considerou--se, assim, que “o conceito mais adequa-do para o Alto Mar parece ser o de espa-ço de tutela pública”. Reconheceu-se, porém, que “na aplicação daquele con-ceito ainda há muito que esclarecer”, dei-xando, assim, aberto um vasto espaço de negociação preferencialmente no âm-bito da Organização das Nações Unidas. iv) Afirmou-se, ainda, que para uma eficaz governação do Oceano “institucional-mente a Assembleia-Geral continua a ser o fórum competente para analisar os de-senvolvimentos gerais relacionados com o Direito do Mar”.

v) Com vista a contribuir para o desenvolvi-mento do novo sistema de governação do

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oceano, concluiu-se ser necessário estabe-lecer arranjos institucionais que promovam a participação e o envolvimento de todas as partes interessadas na causa do Oceano, facilitando o acesso à informação e a parti-cipação nos processos de decisão. Nesta perspectiva, foi proposta “a criação de um Observatório Mundial dos Assuntos do Oceano para acompanhar, de forma inde-pendente, o sistema de governação do Oceano e manter uma vigilância contínua e permanente sobre aspectos relevantes dos Assuntos do Mar”. Projecto que conse-guimos, ulteriormente, levar até à fase de elaboração de estudos preparatórios (for-mulação de objectivos, funções e estrutura operacional) e que aguarda condições que permitam iniciar projectos-piloto para tes-tar a funcionalidade do sistema. Estes-tará o Governo português preparado para aju-dar à criação deste Observatório, ao servi-ço da Comunidade Mundial de modo a anunciá-lo quando da Presidência Portu-guesa da União Europeia?

Ao fazer este balanço da situação, tenho pre-sente o processo global, em curso, respeitante aos Assuntos do Oceano, o qual, entre outros desenvolvimentos significativos, tem sido pau-tado, nos últimos anos, pela inclusão regular deste tema na Agenda da Assembleia-Geral das Nações Unidas, centrado sobre o Relatório pe-riódico do Secretário-geral, fazendo regularmen-te o ponto da situação numa perspectiva inregularmen-ter- inter-sectorial. Neste contexto, é de notar a atenção dedicada e a urgência em melhorar a troca de informações e a coordenação em Assuntos do Oceano entre as Agências especializadas e os Programas do sistema das Nações Unidas, bem como incentivar a cooperação e a parceria em projectos de interesse mútuo. Em particular, com base em áreas oceânicas bem definidas, en-quadradas numa visão sistémica e ecológica e tendo como objectivo o desenvolvimento sus-tentável. Nesse aspecto, seria útil criar-se uma

task force para acompanhar os próximos

desen-volvimentos e aconselhar os decisores políti-cos que têm a responsabilidade de decidir.

Paralelamente, no âmbito da União Euro-peia, têm-se verificado desenvolvimentos po-sitivos conducentes a uma nova Política

Co-mum de Pescas, à entrada em vigor da Directi-va-Quadro sobre a Água que articula as bacias hidrográficas com a zona costeira e, mais re-centemente, a adopção de uma Estratégia Ma-rítima Europeia – considerada como o pilar ambiental para o oceano. Nesta perspectiva, é particularmente relevante o “Green Paper – Towards a future Maritime Policy for the Uni-on: A European vision for the oceans and seas”, elaborado sob a liderança do comissá-rio Joe Borg, em debate público até meados de 2007. Qual será a contribuição portuguesa, expressa em propostas concretas? Espera-se que este processo conduza à formulação de uma política comum europeia competitiva e virada para o futuro, apoiada no conhecimen-to científico e na inovação, tendo como objec-tivo um desenvolvimento económico e social em harmonia com o ambiente.

Deste breve panorama concluirei que se, por um lado, é preciso “dar tempo ao tempo” é importante, por outro lado, estimular uma in-tervenção activa e coerente da sociedade civil, motivada pelos princípios, valores e práticas da democracia.

Nesta perspectiva, cabe-nos prosseguir as ini-ciativas tomadas desde 1998, período fulcral para a dinamização dos Assuntos do Oceano em Portugal, conducente à formulação de uma Estratégia Nacional para o Oceano – para os mais tradicionalistas, para o Mar – ou, se vol-tássemos a usar uma expressão dominante na Era das Descobertas, para o “Mar Oceano”. Estratégia cujo conteúdo foi recentemente apro-vado na sequência de breve debate público e que, nesta fase, terá como instrumento uma Comissão de Coordenação Interministerial que garantirá “de modo permanente” a articulação intergovernamental “mantendo as competên-cias e áreas de acção vertical e sectorial de cada tutela” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 451/2006, de 15 de Novembro de 2006).

Embora aquém do que seria de esperar quan-to aos aspecquan-tos institucionais, estamos con-fiantes que se ultrapassará a fragmentação secto-rial que tem caracterizado este sector. Urge, pois, aproveitar as condições favoráveis ao aprofun-damento e implementação da Estratégia, as-sim como o debate sobre o “Green Paper”, mediante um envolvimento activo da

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socieda-31 de civil e dos grupos mais directamente

interes-sados, para que se possa ultrapassar a mera co-operação baseada na complementaridade de mandatos e estabelecer formas apropriadas de coordenação. Este processo, dada a natureza transversal das questões do Oceano, requer que a futura estrutura de acompanhamento seja es-tabelecida sob a égide da Assembleia da Repú-blica ou a nível do Primeiro-ministro.

Trata-se de um processo que requer um am-plo debate público e a adesão dos cidadãos para que venha a ser mobilizador

constituin-1 Comissão Mundial Independente para os

Ocea-nos. O Relatório da Comissão Mundial Independente para os

Oceanos: O Oceano, Nosso Futuro. Cambridge University Press, 1998, 247 pp.

do, assim, um verdadeiro projecto nacional, como expressámos há alguns anos. Vemos agora, com satisfação, que esta ideia foi assu-mida na Resolução do Conselho de Ministros. Esta, com efeito, visa assegurar o desenvolvi-mento sustentável do Oceano e torná-lo com-patível com a salvaguarda do ambiente, res-peitando os direitos das gerações vindouras e garantindo que “Portugal se mantém na van-guarda da nova abordagem dos Assuntos do Mar a nível europeu, através de uma participa-ção esclarecida, eficaz e abrangente”.

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