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A TERRITORIALIZAÇÃO DO TRABALHO DE MULHERES EM EMPRESAS TERCEIRAS: VIDA COTIDIANA E PATRIARCADO

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 275 Dezembro/2015

A TERRITORIALIZAÇÃO DO TRABALHO DE MULHERES EM

EMPRESAS TERCEIRAS: VIDA COTIDIANA E PATRIARCADO

WOMEN WORK TERRITORIALIZATION OF PROVIDING

SERVICES OUTSOURCED ENTERPRISES: EVERY DAY LIFE

AND PATRIARCHY

LAS MUJERES TRABAJAN TERRITORIALIZACIÓN EN

EMPRESAS TERCERAS: LA VIDA DIARIA Y PATRIARCADO

Carmen Lúcia Costa

1

clcgeo@gmail.com

RESUMO

O presente trabalho é produto de pesquisas que analisam o processo de feminização no mundo do trabalho como parte de uma estratégia de precarização crescente e profunda do sistema capitalista para com os trabalhadores e trabalhadoras. Neste trabalho o recorte é o trabalho feminino em empresas terceirizadas que prestam serviços na área de limpeza e segurança na cidade de Catalão, interior de Goiás, enfocando este processo associado ao crescente número de trabalhadoras neste ramo da economia formal. O objetivo é identificar como a precarização alcança e precariza a vida cotidiana das trabalhadoras, ao mesmo tempo em que abre a perspectiva de superação das atuais relações de gênero baseadas no patriarcado. A análise constrói-se a partir de um diálogo teórico no campo do marxismo e da pesquisa empírica com trabalhadoras através de questionários, entrevistas e diário de campo. A principal constatação é a de que as trabalhadoras servem de mão de obra barata para a expansão da acumulação de capital e degradação do humano na sociedade atual, mas também encontram no trabalho assalariado um caminho para a redefinição das relações patriarcais estabelecidas.

Palavras-chave: trabalho, terceirização, feminização. ABSTRACT

This work is the product of research that analyzes the feminization process in the world of work as part of a strategy of precariousness of the labor in capitalist system towards workers. In this work the cutout is women's work in companies providing outsourced services that working with services in cleaning and security area in the city of Catalão - Goiás, focusing on the process associated with the growing number of women in this sector of formal economy. The objective is to identify how the precariousness reaches and became precarious everyday life of working women at the same time opens the prospect of overcoming current gender relationships based on patriarchy. The analysis is built from a theoretical dialogue in the field of Marxism and empirical research on women working through questionnaires, interviews and note in a field diary. The main finding is that women workers serve as cheap labor for the expansion of the accumulation of capital and human degradation in modern society, but also are at wage labor a path to redefine the established patriarchal relations.

Key words: work, outsourcing, feminization

1

Professora Adjunta da Universidade Federal de Goiás - Regional Catalão - Unidade Acadêmica de Geografia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFG/Regional Catalão.

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 276 Dezembro/2015

RESUMEN

Este trabajo es el producto de la investigación que analiza el proceso de feminización en el mundo del trabajo como parte de una estrategia de aumento de la inseguridad y el sistema capitalista en profundidad hacia los trabajadores. En este trabajo el recorte es el trabajo de las mujeres en las empresas que prestan servicios externalizados en la limpieza y el área de la seguridad en la ciudad de Catalão, interior de Goiás, centrándose en el proceso relacionado con el creciente número de trabajadores mujeres en esta rama de la economía formal. El objetivo es identificar como la precariedad alcanza y precariza la vida cotidiana de mujeres al mismo tiempo, se abre la perspectiva de la superación de las relaciones de género actuales basadas en el patriarcado. El análisis se construye a partir de un diálogo teórico en el campo del marxismo y de la investigación empírica en el trabajo a través de cuestionarios, entrevistas y diario de campo. La principal conclusión es que los trabajadores mujeres sirven como mano de obra barata para la expansión de la acumulación de capital y la degradación humana en la sociedad moderna, sino que también están en el trabajo asalariado un camino para redefinir las relaciones patriarcales establecidos.

Palabras clave: trabajo; outsourcing; feminización

INTRODUÇÃO

O artigo apresenta algumas considerações sobre o mundo do trabalho da mulher a partir de pesquisas desenvolvidas no Grupo Dialogus– Estudos Interdisciplinares em Gênero, Cultura e Trabalho/UFG/CNPq, especificamente sobre trabalho feminino em empresas terceirizadas na cidade de Catalão no sudeste goiano. Este artigo apresenta, ainda, resultados de um projeto realizado no estágio pós-doutoral na Universidade de Juiz de Fora e que analisa o direito à diferença na reprodução do urbano, com ênfase no papel da mulher, o patriarcado e as transformações no mundo do trabalho. A tese que sustentamos é a de que a feminização é uma estratégia de precarização do mundo do trabalho e que esta precarização alcança a vida das trabalhadoras, reconfigurando as relações no espaço reprodutivo, precarizando a vida cotidiana. Neste sentido, a discussão se realiza a partir do mundo do trabalho e do patriarcado com enfoque para a terceirização e a relação destes elementos com a feminização em curso. Leituras sobre a temática em autores como Marx, Engels, Luxemburgo, Harvey, Hirata, Chamon, Silva, Santos, Saffioti, Scott, Lefebvre, Massey e outros/as, em várias obras, embasam a discussão. A análise é, também, uma somatória de experiências em diferentes pesquisas a partir de dados coletados através de questionários e entrevistas com várias trabalhadoras e na participação no movimento feminista onde convivemos com os problemas cotidianos enfrentados pelas trabalhadoras no espaço urbano, principalmente.

O debate torna-se necessário no atual momento de reestruturação produtiva em que a feminização do mundo do trabalho aparece como estratégia de precarização,

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 277 Dezembro/2015 colocando as mulheres em maior número no mercado de trabalho, porém em empregos parciais, temporários, terceiros, informais, ou seja, como mão-de-obra mais barata que é convocada a dar a sua contribuição para a superação de mais uma crise do capital. Com isso, cresce também o número de mulheres chefes de família e outras cujo salário é superior ao do homem ou a única fonte de renda das famílias, fatos que apontam para uma reestruturação das relações de poder e, consequentemente, de gênero.

Os resultados apresentados são produto de pesquisas com trabalhadoras de empresas terceirizadas de Catalão através da aplicação de cinquenta questionários e a realização de vinte entrevistas, além de anotações em diário de campo e acompanhamento da vida cotidiana de dez trabalhadoras em diferentes bairros da cidade. Todo o trabalho foi realizado fora do espaço de trabalho – na casa ou em lugares previamente marcados com as trabalhadoras – e com aprovação do comitê de ética da UFG.

GÊNERO E O MUNDO DO TRABALHO

Muitas são as transformações no mundo do trabalho na sociedade atual. O trabalho, quando existe, é cada vez mais precário, informal, temporário o que atormenta a vida de quem vive da venda da força de trabalho e traz instabilidade para as famílias, para os jovens, para os idosos, para homens e mulheres em todo o mundo.

O movimento perverso de busca de lucros coloca homens e mulheres trabalhadores/as em situação cada vez mais precária de vida, seja dentro ou fora das fábricas – isso quando há a oportunidade de uma vaga neste segmento. No Brasil, por exemplo, o desemprego é de 8,1% no final do ano de 2015 (IBGE) e mais de trezentos mil postos de trabalho formal foram cortados no mesmo ano (IBGE) e estes dados apontam para uma realidade difícil: está cada vez mais raro o emprego formal, com carteira assinada. Além da indústria, também o comércio, o setor de serviços, o setor público apresentaram quedas nos postos de trabalho consideráveis em todo o mundo, fazendo com que o trabalhador e a trabalhadora procurem outras estratégias de sobrevivência, como o emprego informal, por exemplo.

Neste cenário, a luta pelo emprego ou por outras formas de se conseguir uma fonte de sobrevivência acirra ainda mais a fragmentação da classe trabalhadora, colocando os que estão empregados sob a pressão de um exército de reserva cada vez maior. Esta situação tem contribuído para perdas de direitos trabalhistas historicamente conquistados com

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 278 Dezembro/2015 muitas lutas e para condições de trabalho cada vez mais precárias, com mais adoecimento do/a trabalhador/a, menos tempo de lazer e para a família, mais produtividade com menores salários, menor poder de compra, etc. Em tempos assim, a discussão de gênero faz-se ainda mais necessária uma vez que as mulheres tem aumentado sua participação na população economicamente ativa, embora ainda ganhem 74,5% do salário do homem (PNAD/IBGE), fato que, juntamente com outros elementos, reconfigura as relações de poder estabelecidas. Para tal, o recorte é o trabalho formal com carteira assinada em empresas terceirizadas.

Gênero é uma construção histórica do que é feminino e masculino, dentro da ordem do patriarcado que estabelece as relações entre homens e mulheres a partir da dominação e da exploração, seja no campo do trabalho ou das relações sexuais, estabelecendo uma heteronormatividade, um lugar para homens e mulheres, um conjunto de regras e padrões a serem seguidos dentro da lógica do patriarcado entendido por Saffioti (2013) como a conversão da diferença sexual em diferença política, produzindo uma dominação masculina na forma de conceber, perceber e viver o mundo. Ainda de acordo com Scott gênero,

[...] tem duas partes e diversos subconjuntos, que estão relacionados, mas devem ser analiticamente diferenciados. O núcleo da definição repousa numa conexão integral entre duas proposições: (1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre a mudanças nas representações de poder, mas a mudança não é unidirecional. (SCOTT, 1990, p.86)

Assim, a categoria coloca-se como necessária para o entendimento das transformações no mundo do trabalho e das relações de poder. Uma das formas de poder estabelecido é o patriarcado que é anterior ao modo de produção capitalista, no entanto, persiste enquanto prática para justificar a exploração da mulher no espaço produtivo e na extração de mais-valia social no espaço reprodutivo. Para tal, o patriarcado estabelece uma diferença espacial entre o público – lugar do homem e do exercício do poder - e o privado – lugar da mulher. De acordo com Raffestin (1983, p.52) o poder mais perigoso “é aquele que não se vê, ou que não se vê mais porque acreditou tê-lo derrotado, condenando-o a prisão domiciliar.” A prisão domiciliar é o lócus da reprodução das relações de gênero desiguais com base no patriarcado e lugar, por determinação, da mulher que “aparece” como vencida nesta relação. Mas como lembra o autor “o poder está em todo lugar; não

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 279 Dezembro/2015 que englobe tudo, mas vem de todos os lugares” (1983, p.52), ou seja, em toda relação há poder e se há dominação, há resistência, enfrentamento, luta.

O espaço privado é historicamente construído como o reino das mulheres que cuidam da família para garantir o trabalho do homem e a reprodução dos filhos; é também “... um lugar de submissão às regras industriais e a ‘dona de casa’, uma reprodutora da lógica do capital.” (Nogueira, 2006, p.171). No entanto, a reestruturação produtiva e do mundo do trabalho no capitalismo tem colocado em questão os lugares, uma vez que a mulher é cada vez mais “chamada” a ocupar o espaço público, no entanto sem assumir o poder ou Poder como aponta Raffestin (1983) e, de preferência, sem mudar as relações estabelecidas pelo patriarcado. Hirata (2002) aponta o aumento da feminização do mundo do trabalho com a permanência do maior número de mulheres em postos de trabalho precarizados, terceirizados, em tempo parcial, subcontratações, informalidade e outros, reproduzindo a lógica da dominação e da exploração.

Chamon ao refletir sobre a situação da mulher na sociedade capitalista argumenta que existem dois aspectos que justificam o poder e a subordinação nas relações de gênero. Para a autora,

O primeiro desses aspectos – o poder – está diretamente relacionado à disponibilidade de oportunidades que os homens têm para adquirir e intensificar o poder pessoal. Já as mulheres lhes garantem, com o seu trabalho na esfera privada, as condições de subsistência, o que transforma a diferença em desigualdade.

O segundo aspecto dessa questão dá-se pela legitimação das relações de dominação masculina e subordinação feminina. A legitimação é instituída, por uma percepção ideológica e assume a característica de verdade universal que confere a essas relações a aparência de imutáveis. Tais relações passam a integrar o sistema de crenças e o imaginário social de contextos culturais diferenciados. (CHAMON, 2005, p. 26/27) É contra estas questões de dominação, subordinação e exploração que se constrói uma luta por reconhecimento e emancipação no movimento feminista que surge e se consolida como um dos mais expressivos do século XX. “Os estereótipos das relações de gênero eram fortemente demarcados, e o ideal de feminilidade se enclausurava nos restritos limites da vida doméstica, nas mais diferentes classes sociais.” (CHAMON, 2005, p.39). A luta é ampliada à medida que as mulheres ocupam os postos de trabalho no mundo industrial e no setor de serviços, estabelecendo outras atribuições no espaço produtivo, inclusive a de chefe de família, responsável por prover e manter os lares em muitas famílias. Neste contexto, “era necessário construir um ‘ser mulher’ um ‘sujeito feminino’ que fosse capaz de identificar as suas especificidades e lutar para que elas fossem consideradas

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 280 Dezembro/2015 enquanto tal.” (Nogueira, 2006, p.218). Assim, o movimento feminista se consolida e amplia as suas bases de luta, incorporando as questões de etnia, renda, escolaridade, e identidades de gênero em sua pauta, contribuindo para uma ampliação do debate sobre a situação da mulher e de outras identidades. Cada vez mais as mulheres lutam por direitos iguais com respeito à diferença, às necessidades específicas, inclusive no mundo do trabalho.

Nos dias atuais ainda são muitos os desafios na luta pelo direito à diferença e o respeito à diversidade para a construção da igualdade de gênero e para tal é necessário a inserção desta categoria junto a classe e também as questões étnicas. O espaço, produto destas relações de poder, então, pode ser entendido a partir da proposta de Massey:

Primeiro, reconhecemos o espaço como produto de inter-relações, como sendo constituído através de interações, desde a imensidão global até o intimamente pequeno. (...) Segundo, compreendemos o espaço como a esfera da possibilidade da existência da multiplicidade, no sentido da pluralidade contemporânea, como a esfera na qual distintas trajetórias coexistem; como a esfera, portanto, da coexistência da heterogeneidade. Sem espaço, não há multiplicidade, sem multiplicidade não há espaço. Se espaço é, sem dúvida, o produto de inter-relações, então deve estar baseado na existência da pluralidade. Multiplicidade e espaço são co-constitutivos. Terceiro, reconhecemos o espaço como estando sempre em construção. (...). Jamais está acabado, nunca está fechado. (Massey, 2009, p.29).

Neste sentido, entendemos que a proposta para uma Geografia feminista coloca o desafio de analisarmos o espaço com o recorte de gênero e com a perspectiva da mudança, da possibilidade posta de superação das relações de poder desiguais estabelecidas hoje. Como desafio neste caminho, pesquisamos se a inserção da mulher no mercado de trabalho altera as relações patriarcais de produção e reprodução do espaço urbano, e, em caso de alterações, como estas se colocam. Entender que os sujeitos que produzem espaço tem gênero e raça contribui para o avanço da superação da forma privada de apropriação deste espaço na luta de classes.

Hirata (2011) em estudo realizado sobre as condições da trabalhadora na sociedade atual no Brasil, na França e no Japão, ressalta que as mulheres ganham menos que os homens, trabalham em cargos com pouco reconhecimento, sem muitas expectativas de ascensão profissional e sem o respeito aos direitos conquistados. A autora argumenta,

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 281 Dezembro/2015 ainda, que quando cruzamos estes dados com os dados referentes a salários e etnia observamos que a maioria de mulheres pobres é negra e chefe de família.

Hirata (2011, p.14) argumenta, ainda, que

Do ponto de vista das transformações da divisão sexual do trabalho, pode se dizer que tal processo é bastante importante, porque aponta para uma diversidade muito grande de formas de trabalho no momento atual. O processo de globalização tornou mais nítida a diversidade, pois justamente nesse processo as desigualdades entre os sexos, entre classes sociais e entre raças aparecem de uma maneira mais visível. Elas são dimensões importantes a serem analisadas em relação com os movimentos de precarização, pois apontam para um movimento simultâneo de concentração de riqueza e aumento da pobreza.

Neste sentido, observamos que, mesmo após anos de luta pela emancipação e pelo direito à inserção no mercado de trabalho, estes elementos tornam-se centrais no movimento de precarização cuja uma das dimensões é a feminização do mundo do trabalho, colocando milhares de mulheres em todo o mundo em situação de miséria, de abandono, de sem teto, de chefe de famílias sem emprego ou em empregos parciais, ainda mais precarizados. No mundo do trabalho, a precarização alia-se ao patriarcado, colocando as mulheres em jornadas duplas, em papéis múltiplos, atribuições variadas que sobrecarregam e ampliam a exploração, restringindo o tempo reservado à família, ao descanso, ao lazer e aos estudos.

Ainda de acordo com a autora, “o aumento do emprego feminino a partir dos anos noventa é acompanhado do crescimento simultâneo do emprego vulnerável e precário, uma das características principais da globalização numa perspectiva de gênero.” (HIRATA, 2011, p.14). Concordando com Hirata é que argumentamos que a feminização é também um instrumento de precarização do mundo do trabalho, contribuindo para o rebaixamento geral de salários. Associada a outras formas de reestruturação e precarização do mundo do trabalho a feminização é acompanhada por terceirização, contratos temporários, entre outros que colocam a classe trabalhadora em condições difíceis e aumentam a miséria, principalmente entre as mulheres.

Dentre as diferentes ocupações no mundo do trabalho que as mulheres vêm assumindo algumas possuem características ainda mais perversas, baseadas no patriarcado e na heteronormatividade que estabelece o que é lugar de mulher – ou profissão de mulher – e lugar de homem. A docência é um destes “lugares de mulher”, assim como os vários postos em empresas terceiras na área da limpeza, alimentação, confecção e outros.

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 282 Dezembro/2015 O mundo do trabalho tem cada vez mais participação de trabalhadoras, o que não significa que a mulher só agora se insere no espaço produtivo. Como nos lembra Rosa Luxemburgo (2011, p. 493) “A mulher do povo teve de trabalhar sempre pesado desde sempre.” Nos campos e nas cidades o trabalho da mulher é fundamental para a produção das condições gerais de produção e instrumento de mais valia social com o trabalho doméstico, realizado sempre o tempo todo, sem remuneração, sem reconhecimento, sem direitos trabalhistas, situação sustentada pelo patriarcado e pela divisão sexual do trabalho.

Heleieth Saffioti (2013) nos mostra que ao longo da História o trabalho da mulher é sempre necessário na produção das riquezas da sociedade. Em alguns tempos e espaços diferentes, mas sempre imprescindível. Em casa ou no espaço produtivo as mulheres estão sempre trabalhando e no modo de produção capitalista o seu trabalho é explicado da seguinte forma pela autora:

Sempre que haja necessidade premente de baixar os custos da produção, seja em virtude de atravessar a sociedade o período de acumulação originária, seja pela necessidade de elevar seu ritmo de crescimento econômico, o recurso ao emprego maciço da força de trabalho feminina tem-se revelado extremamente vantajoso para os empreendedores capitalistas. (SAFFIOTI, 2013, p. 332)

Desta forma, na reestruturação produtiva o trabalho da mulher é exigido para ocupar os cargos com pior remuneração à medida que as crises de colocam, apontando para um crescimento da participação feminina nos postos de trabalho, porém ainda em menor quantidade em empregos com melhor remuneração ou cargos de chefia, demonstrando claramente a persistência do patriarcado. Hirata argumenta que,

(...) o trabalho estável e com laços empregatícios formais é reservado aos homens, que ocupam os cargos de chefia, ao passo que as diferentes modalidades de trabalho precário e sem responsabilidades são atribuídos às assalariadas. Da mesma forma, nos diferentes círculos (ou cascatas) de subcontratação, os mais periféricos contam principalmente com mão-de-obra feminina, enquanto os mais centrais, em que a correção de forças é menos desfavorável, empregam mão-de-obra masculina. (Hirata, 2007, p. 98)

Esta realidade pode ser observada na cidade em que realizamos nossas pesquisas – Catalão no sudeste goiano – à medida que a nova territorialização industrial levou para esta cidade empresas de grande porte como montadora de veículos, indústrias de mineração, fertilizantes e outras. Associado a isto o avanço da terceirização reconfigurou o trabalho

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 283 Dezembro/2015 feminino na cidade no sentido de uma maior inserção das mulheres em empregos formais e informais.

Cabe lembrar, ainda, que estas transformações colaboram para uma situação em que homens e mulheres disputam vagas no mercado de trabalho e, muitas vezes, as mulheres ainda são acusadas de se apropriarem dos empregos de pais de família, acirrando uma disputa patriarcal, onde novamente, a culpa é da mulher. No ano de 2015 tivemos um momento de demissão em massa de trabalhadores/as de uma montadora de carros na cidade, mais de duas mil, entre elas várias mulheres, chefes de família e algumas trabalhadoras de empresas terceirizadas. Homens, chefes de família também estão vivendo momentos difíceis no atual cenário econômico, onde a estabilidade parece não ser permitida aos mesmos que vivem o terrorismo de perder o emprego a cada dia, terrorismo que alcança a vida cotidiana e transforma as relações de uso e apropriação do espaço.

TRABALHO E VIDA COTIDIANA: AS TRABALHADORAS DE EMPRESAS TERCEIRIZADAS EM CATALÃO – GOIÁS

Algumas perguntas nos motivam em nossas pesquisas: Como a precarização do trabalho alcança a vida das trabalhadoras? Ao alcançar a vida cotidiana precariza-a também? No caminho da busca de respostas e elementos para o fortalecimento da luta feminista realizamos algumas pesquisas que nos fornecem dados sobre a realidade de algumas trabalhadoras. Mulheres que trabalham na educação, em indústrias, no comércio, em casas, em empresas prestadoras de serviços compõem o universo das pesquisas realizadas em projetos compartilhados com estudantes de graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Goiás em Catalão. A seguir apresentamos algumas considerações elaboradas a partir destas pesquisas, em especial uma com trabalhadoras terceirizadas do setor de limpeza de empresas que prestam serviços na cidade.

O rápido crescimento do setor de prestação de serviços aponta uma tendência do processo de reestruturação produtiva – no final dos anos 1990 – que dilapida direitos trabalhistas e flexibiliza as relações de trabalho. Era uma resposta do capital a crise iniciada ainda no pós-guerra. De acordo com Antunes,

Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 284 Dezembro/2015 direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal (...).(ANTUNES, 1999, p.31)

Estas ações possibilitaram a flexibilização das relações de trabalho onde proliferam os contratos temporários, o part time, a subcontratação, o emprego em domicílio, e as terceirizações, inclusive no âmbito do Estado, que passa a ser avaliado como ineficiente e dispendioso. Esta leitura permite um amplo processo de privatização e terceirização de atividades fornecidas pelo Estado em nome de uma política de redução de gastos cuja verdade era a abertura de novos nichos para a reprodução do capital, como nas áreas de limpeza, segurança, transporte, alimentação e o crescimento de uma massa de empregados temporários sobre os quais pesa a incerteza e a insegurança de um contrato de trabalho temporário. A educação também passa a ser um setor com crescente número de contratos temporários e tem alguns serviços terceirizados.

O discurso de eficiência sustentou a necessidade de abertura de novos nichos de mercado ao capital, possibilitando a inserção de novas empresas em espaços onde o Estado era autossuficiente, como na educação e na saúde. Na educação, ao pesquisar sobre a realidade de Goiás (Costa, 2012 e Costa e Vale, 2013) apontam que o Estado adotou ao longo do século XX a prática dos contratos temporários e já no início do século XXI a terceirização de serviços como limpeza e segurança. Nesta mesma pesquisa observa-se como o crescimento de empregos temporários e a terceirização comprometem a qualidade dos trabalhos, principalmente em sala de aula. Este caminho é seguido pelas Universidades que aumentam o número de contratos temporários e terceiriza alguns serviços.

Sirelli ao abordar o processo de desregulamentação no serviço público na Universidade de Juiz de Fora em Minas Gerais, argumenta:

Tendo como uma de suas principais diretrizes o enxugamento da máquina estatal, apoiou-se nas privatizações, publicizações e terceirizações para reduzir o número de servidores públicos. O mecanismo da terceirização ancorou-se no discurso depreciativo do servidor público, adicionado à bandeira da modernização, qualidade e redução do Estado. (SIRELLI, 2009, p. 132)

Outra característica da reestruturação produtiva é o crescimento da participação feminina no mercado de trabalho. Estudos como os de Nogueira, Saffioti, Santos, Harvey, Antunes, Hirata apontam que as mulheres aumentaram a participação no mercado de trabalho ocupando, principalmente, os postos de trabalho terceirizados, temporários, part

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 285 Dezembro/2015 time, configurando uma feminização como estratégia de precarização do mundo do trabalho. Corrobora com este argumento Ferreira e Lemos:

O processo de reestruturação produtiva ocorrido nas últimas décadas, com a proposta de disseminação de novas tecnologias de informação, bem como de práticas novas de gestão e controle do trabalho, foi um dos grandes fatores potencializadores da maior inserção das mulheres no mercado de trabalho. As forças produtivas se alteraram substancialmente com a lógica de acumulação flexível do capital. As lutas pela emancipação feminina, a queda da taxa de fecundidade e a melhora do nível escolar propiciada pela transformação cultural ocorrida no Brasil a partir de 1970, o que elevou o número de mulheres nas universidades, também permitiram maior participação feminina no mercado de trabalho; elas puderam sair da esfera privada do lar e adentrar nas relações produtivas do trabalho. Cabe ressaltar que, de modo geral, a inserção feminina veio associada a uma lógica de precariedade. Assim, em muitos casos, as mulheres se inserem no mercado de trabalho na perspectiva das subcontratações, de empregos temporários e terceirização. (FERREIRA e LEMOS, 2011, p. 35/36):

Observamos, então, que há uma estratégia de precarização em curso do trabalho, mas que para a mulher tem um peso diferente em função do patriarcado. Mais uma vez as mulheres são “chamadas” a ocuparem os postos de trabalho, precarizados, mas que aparecem como a oportunidade de emancipação pela via do consumo. Cabe lembrar, ainda, que os postos de trabalho onde mais cresce a participação feminina estão em setores que vem sofrendo uma profunda perda de prestígio social – como a educação – ou na construção civil que abre postos de emprego com salários cada vez mais baixos.

De acordo com Costa (2012, 2013) o trabalho precário alcança e transforma a vida cotidiana destas trabalhadoras. Em estudo realizado com trabalhadoras da educação em Goiás observou-se o processo de adoecimento entre as trabalhadoras, a falta de tempo de lazer, o acúmulo das tarefas domésticas com as do mundo do trabalho e outras dificuldades enfrentadas por estas trabalhadoras, como a extensão do mundo do trabalho produtivo no espaço reprodutivo, invadindo a vida cotidiana e tomando o espaço do lazer, do descanso, da família. Esta realidade acontece em função da especificidade do trabalho docente onde uma grande parte do trabalho é realizado fora da escola.

Avançando nas reflexões, procurando avaliar como a precarização do mundo do trabalho alcança a vida cotidiana de trabalhadoras de empresas terceirizadas em Catalão, realizamos uma pesquisa com trabalhadoras de empresas terceirizadas que prestam serviços na área de limpeza, segurança e manutenção. Neste artigo apresentamos alguns dados das entrevistas realizadas com trabalhadoras de empresas que prestavam serviços na cidade de

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 286 Dezembro/2015 Catalão nos anos de 2013 e 2014. Foram aplicados cinquenta questionários a trabalhadoras e realizadas vinte entrevistas e alguns dados levantados reforçam as questões apontadas até aqui.

A prestação de serviços terceirizados cresceu consideravelmente em todos os setores na cidade no final do século XX com a chegada de grandes indústrias do ramo automobilístico, de extração de minérios e setores da educação, como a Universidade Federal de Goiás, universidades privadas e o Senai. Cabe ressaltar que os trabalhos terceirizados criam uma divisão entre trabalhadores/as no mesmo lugar, sendo que alguns são funcionários públicos com estabilidade e outros direitos trabalhistas assegurados, enquanto os/as trabalhadores/as das empresas terceiras sofrem com a insegurança no trabalho e ausência de direitos trabalhistas. Desta forma temos duas categorias de trabalhadores/as que dificilmente se unem em torno de uma luta trabalhista comum, atingindo, assim, os objetivos de fragmentação da classe trabalhadora.

Observamos que a maioria de contratos de trabalho em empresas que prestam serviços na área de limpeza, por exemplo, é de mulheres reforçando a tese de que às mulheres cabem os trabalhos mais precários na sociedade atual, principalmente os terceirizados e os na área da limpeza. Também é comum nestas áreas que a supervisão dos trabalhos realizados seja de um homem, reforçando a cultura patriarcal. Nos levantamentos realizados mais de 70% do quadro de trabalhadores são mulheres que estão diretamente envolvidas na realização de atividades de limpeza.

As trabalhadoras que participaram da coleta de dados exercem funções na área da limpeza e vigilância/manutenção de ambientes de trabalho. O grande número de mulheres nestes postos de trabalho mostra, também, um prolongamento das atividades do espaço reprodutivo no espaço produtivo, como atividades com pouco reconhecimento e carregadas do estereótipo de “trabalho feminino”, portanto, também, pior remunerado. Um trabalho realizado no espaço privado e historicamente desvalorizado como a limpeza, agora é reproduzido no espaço produtivo, com o mesmo desmerecimento de ser um trabalho inferior e “de mulher”, portanto, menos valorizado, com salários mais baixos. De acordo com Abramo,

A manutenção e reprodução das desigualdades existentes entre homens e mulheres no mundo do trabalho são influenciadas por vários fatores, derivados da divisão sexual do trabalho e de uma ordem de gênero (que inclui não só trabalho, mas também todas as outras dimensões da vida social), que destinam à mulher a função básica e primordial de cuidar da

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 287 Dezembro/2015 vida privada e da esfera doméstica, e ao mesmo tempo atribui a esse universo um valor social inferior ao mundo “público” (e desconhecem por completo seu valor econômico). Para as mulheres, isso significa não apenas uma limitação de tempo e de recursos para investir na própria formação e no trabalho remunerado, como também está fortemente relacionado com uma subvaloração (econômica e social) do trabalho feminino na sociedade. (ABRAMO, 2007, p.26)

Desta forma as atividades ligadas ao espaço privado são (re)siginificadas enquanto necessidade do capital no seu processo expansionista, mas se colocam no espaço público ainda com desprestígio e com baixas remunerações, como, por exemplo, o trabalho doméstico remunerado, as atividades de limpeza, a alimentação, os cuidados com crianças e idosos e outros. De acordo com Costa,

Ao longo do processo histórico as tarefas de homens e mulheres foram estabelecidas de forma que ao homem sempre coube atividades com melhor remuneração e status em função, também, do seu papel de provedor da família. o trabalho realizado por mulheres sempre esteve mais ligado ao mundo privado, e assim, invisibilizado, desvalorizado, escondido e diminuído, compondo o que Lefebvre (2011) descreve com a componente da miséria da vida cotidiana. Esta característica ajuda-nos a compreender melhor como na atual sociedade algumas atividades ainda concentram mais trabalhadoras que trabalhadores, como a limpeza, a educação, beleza e outros ramos como a enfermagem e alimentação, além do trabalho doméstico assalariado. (COSTA, 2015, p.03)

Outros dados corroboram com a realidade apresentada como a escolaridade e a faixa salarial da família das trabalhadoras pesquisadas onde 80% delas possuem apenas o ensino fundamental completo e nenhum possui ensino superior. Este quadro se repete em outras empresas pesquisadas sobre o trabalho feminino, como mostra, por exemplo, Nogueira (2009) e Hirata (2011) em funções com menores salários. Mesmo o nível de escolaridade tendo aumentado nos últimos anos no país, as mulheres que ocupam os postos de trabalho com piores salários ainda estudam menos, como observamos nos dados levantados. No caso destas trabalhadoras, a educação formal não foi uma possibilidade, pois elas sempre tiveram que trabalhar desde muito cedo – em casa e fora de casa – o que não permitiu um investimento em educação.

A baixa qualificação é também um obstáculo para a busca de um emprego melhor, que possibilite o aumento salarial. Muitas trabalhadoras, em entrevistas, argumentam que gostariam de ter outro emprego, com menos atribuições e menos cansativo, mas não possuem escolaridade exigida para conseguirem uma vaga no comércio, por exemplo.

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 288 Dezembro/2015 Desta forma, o ciclo se estabelece: não há tempo para a qualificação que seria um caminho para a conquista de um trabalho melhor remunerado e, assim, permanecem neste lugar exercendo atividades com pouca remuneração e reconhecimento, aprisionadas a uma realidade de exploração intensa.

Carneiro e Costa (2015) abordam o caráter contraditório que o trabalho apresenta na vida das mulheres: de um lado a inserção no espaço público, no mundo do trabalho, mas em condições precárias e com os trabalhos domésticos, em grande parte, ainda tidos como atributos apenas das mulheres. De outro lado, a construção da emancipação que se dá, também pelo salário, no trabalho na visibilidade que este dá; em várias entrevistas as trabalhadoras afirmam que, mesmo sendo difícil acumular funções, ainda preferem o trabalho fora de casa, por este ser mais reconhecido e pelas possibilidades que o salário apresenta, como a de participarem ativamente das decisões da família. Neste sentido Scott afirma: “Na medida em que essas referências estabelecem distribuições de poder (um controle ou um acesso diferencial aos recursos materiais e simbólicos), o gênero torna-se implicado na concepção e construção do próprio poder.” (Scott, 1990, p. 88). As trabalhadoras afirmam que o trabalho assalariado permite mais autonomia, mais reconhecimento e mais poder no lar.

Os dados sobre a idade das trabalhadoras demonstram que a maioria tem mais de 35 anos (83%) e deste total 70% têm mais de 45 anos, reforçando dados nacionais que apontam que a maior parte das vagas nestes setores são ocupadas por mulheres acima dos trinta anos, sem muito estudo e sem uma perspectiva de melhorar na carreira. Muitas são trabalhadoras que criaram os filhos primeiro e depois entraram ou retornaram no mercado de trabalho, tendo, também, abandonado os estudos para assumir tais funções e, muitas não acreditam que poderiam conseguir uma colocação melhor no mercado, como no comérico ou no chão de fábrica de alguma indústria na cidade.

Os dados coletados apontam que a maioria das trabalhadoras divide o lar com um companheiro (70%) o que nos mostra a necessidade crescente do trabalho da mulher na manutenção da casa e não apenas entre as que são chefes de família. Mesmo com dois ou mais membros da família trabalhando, a média salarial é baixa – 60% das famílias têm média salarial abaixo de três salários mínimos -, fato observado quando levantamos o número de moradores por domicílio, onde 55% das trabalhadoras afirmam possuir acima de quatro membros na família.

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 289 Dezembro/2015 Salários inferiores são pagos às mulheres, pois se entende que a renda obtida por elas é apenas complementar em relação à dos homens. Elas se inserem em postos de trabalho mais precários, sem qualificação e atípicos. Devem conciliar jornadas duplas de trabalho, ao passo que os fatores destinados à reprodução da força de trabalho, como as tarefas domésticas são tidos como de responsabilidade feminina. (FERREIRA e LEMOS, 2011, p. 47)

Todo este cenário de precarização interfere na forma de uso e apropriação da cidade, fato que pode ser observado, a princípio na forma que estas trabalhadoras deslocam-se para o local de trabalho e o tempo que dedicam a este. Identificamos que 94% gastam em média mais de meia hora para se deslocar de casa ao trabalho e 75% utiliza a bicicleta ou vai a pé para o trabalho. A não utilização do transporte público é justificada em função dos gastos com outros itens – alimentação, moradia, saúde -, da precariedade do serviço que não atende a todos os bairros em Catalão e, ainda dos horários, que nem sempre são compatíveis com as necessidades destas trabalhadoras, como, por exemplo, as que trabalham no turno da noite que se estende até o fechamento e limpeza dos prédios de sala de aulas, por volta das vinte e três horas. A última viagem do ônibus é às 22h40min, o que obriga as trabalhadoras a se deslocarem a pé ou de bicicleta até suas moradias, muitas vezes em ruas com precária iluminação pública, aumentando os riscos no trajeto, tornando-as vulneráveis à violência.

Os relatos das dificuldades enfrentadas pelas trabalhadoras revelam o lado de outra violência – o assédio moral. Muitas reclamam da forma como são tratadas por supervisores homens e muitas falam da invisibilidade que elas têm no ambiente de trabalho, ressaltando que entendem a importância do trabalho que realizam, mas que este é diminuído por outras pessoas que muitas vezes discriminam. Ainda é forte o entendimento de que limpar chão e lavar banheiro é uma atividade de mulher, por isso, vale menos, mesmo que todos precisem que este trabalho seja feito.

Ao serem questionadas sobre a possibilidade de não trabalharem fora de casa, muitas dizem que não tem escolha, pois precisa trabalhar e outras afirmam que o trabalho feito dentro de casa não tem valor, visibilidade, não empodera. De acordo com Hirata tornou-se “coletivamente evidente que uma enorme massa de trabalho é efetuada gratuitamente pelas mulheres, que esse trabalho é invisível, que é realizado não para elas mesmas, mas para os outros, e sempre em nome da natureza, do amor e do dever materno.” (HIRATA, 2007, p. 597) Neste sentido, o trabalho fora de casa é importante.

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Revista Pegada – vol. 16, n. 2 290 Dezembro/2015 Todas estas condições são uma demonstração da precarização do mundo do trabalho que alcança a vida cotidiana destas trabalhadoras, precarizando também a sua vida, retirando um tempo de lazer, descanso, convívio social, saúde e educação. Nesta relação contraditória, a emancipação se coloca como projeto feminista contra a sociedade patriarcal que oprime e explora as mulheres trabalhadoras. A mudança estabelecida pela conquista do trabalho no espaço público muda as relações de poder, as formas de uso e apropriação do espaço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trabalhos com baixa remuneração, parciais, pouco estudo e uma grande quantidade de horas destinadas ao deslocamento de casa até o trabalho e com as tarefas domésticas são elementos que sustentam a tese de que a precarização do mundo do trabalho alcança e precariza também a vida cotidiana, submetendo estas trabalhadoras à miséria cotidiana que limita os horizontes da emancipação. Ao mesmo tempo em que o trabalho abre a possibilidade da construção da emancipação, ainda são fortes a exploração e a alienação, no caso da mulher, reforçada pelo patriarcado.

A vida cotidiana é invadida pela precarização do trabalho através do medo da instabilidade no emprego, da ausência de recursos materiais para melhorar de vida, da miséria cotidiana de quem vive com pouco dinheiro, sem muitas perspectivas. Os relatos mostram como o capital apropria-se e reproduz o patriarcado para aprofundar as diferenças de classe, oprimindo mulheres por serem trabalhadoras e por serem mulheres, o patriarcado apropriado e reproduzido pelo capital para a manutenção da exploração de classe, da desigualdade.

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Recebido em: Novembro de 2015 Aceito em: Dezembro de 2015

Referências

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