• Nenhum resultado encontrado

A REORGANIZAÇÃO DAS HUMANIDADES FRENTE AOS DESAFIOS DO SÉCULO XXI. Mestrando em Ensino de História Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A REORGANIZAÇÃO DAS HUMANIDADES FRENTE AOS DESAFIOS DO SÉCULO XXI. Mestrando em Ensino de História Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

A REORGANIZAÇÃO DAS HUMANIDADES FRENTE AOS DESAFIOS DO SÉCULO XXI

Lucas William de Araújo Borges

Mestrando em Ensino de História – Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

lucasbkamei@gmail.com

Resumo

Esse artigo tem por objetivo apresentar a correlação entre as diferentes formas de gestão e de vivência histórica e social do recente século XXI e o lugar social das Ciências Humanas na produção de impactos na vida em sociedade, tendo como princípio o diálogo entre seus sujeitos e objetos de pesquisa como alternativas para a compreensão dos processos sociais que constituem o atual contexto.

Palavras-chave: Humanidades; Ideal; Utopia; Pluralidade; História do tempo presente.

“Le réel quelques fois desaltere l’espérance. C’est pourquoi, contre toute attente, l’espérance survit”.1

René Char

I. INTRODUÇÃO

1 O real, algumas vezes, mata a sede da esperança. É por isso que, contra toda espera, a esperança sobrevive. (Trad. Livre)

(2)

O século XXI, em sua breve história recente, tem se demonstrado um século de constante desafios geracionais, uma vez que percebemos um enrijecimento das relações sociais baseado num ataque a diversidade cultural e a pluralidade étnica-racial promovida por uma guinada política da extrema direita nas grandes democracias ao redor do mundo. A abordagem que buscar permear a discussão evidencia cada vez mais, sobretudo na concepção preconceituosa nacional de cunho velado, uma disparidade se comparado a perpetuação de reforços alienantes do discurso da branquitude que visa impor-se ainda hoje, neste momento, sobre uma identidade cultural plural. Esse esforço permeia questões sensíveis politicamente falando e, que se não combatidas, acabam por enfraquecer as novas gerações no engajamento e percepção da luta por justiça e reparação histórica.

Assim sendo, não seria possível abordamos o conteúdo de História da África tendo como fim uma educação para as relações étnico-raciais sem abranger o papel dos historiadores em questões de sensibilidade histórica e combate à um conhecimento ideológico alienante existente. Logo, não é possível abordamos a questão teórica dessa relação e fecharmos nossos olhos para a presença de tal sensibilidade histórica racial presentes na burocracia ou no patrimônio como formas de expressão próprias de uma sociedade em constante construção. Muito embora a história e educação para as relações étnico-raciais se demonstrem com afinco em organizações sistêmicas de grupos em alguns casos, em face de uma determinada conjuntura as manifestações desses mesmos grupos tendem a ser renovada ou recriada nas escalas global e local. É justamente esta resistência presente nesses grupos que instaura sua legitimação de poder e é o seu apelo à sensibilidade identitária que valida seu lugar de fala. Quando nos propomos a pesquisar um assunto, este só pode partir de um olhar do presente sobre o passado. Ao discorrer sobre o objeto da história é também preciso reconhecer o lugar de onde se fala e o comprometimento da fala. Os estudos concernentes a temática da negritude tem, cada vez mais, alcançado destaque na academia brasileira e prestado um enorme papel no desbaratamento de paradigmas sociais que ainda insistem em contrapor-se, em pleno século XXI, a pluralidade cultural presente na sociedade brasileira, uma vez que cabe ao historiador escolher, recortar, analisar e fazer a criticidade das fontes. Nesse sentido a nossa compreensão deve passar de uma visão científica fragmentada – do fazer história, fazer

(3)

escrutínio metódico do passado ser capaz de gerir uma produção que une a prática do seu discurso.

Em geral, o rigor e a metodologia histórica são sempre questões fundamentais para aqueles que se julgam artesãos do cimento historiográfico. Não menos importante, porém, está o andarilho que caminha, não de forma solitária, sobre o conhecimento histórico asfaltado. Digo que não é solitária a viagem, porque caminha guiando. Mas só guia até certo ponto. Chega o momento em que o grupo que lhe acompanha prossegue viagem. Como será sem ele? Não se sabe. Só caberá às utopias do andarilho prevê-la. Um novo grupo se aproxima, uma nova caminhada se inicia e, o que ele tem é o cimento e a força em suas pernas pra caminhar sobre. Qual seria sua preocupação? A de hoje? Talvez ajudar a cimentar o caminho de seus pares que ainda precisam sujar seus pés na estrada batida que leva ao mesmo destino. Enquanto isso, os artesãos insistem na produção de cimento pra caminhos que só eles pisam.

Da reflexão nasce o papel do cientista das humanidades. Aquele que não só tem a oportunidade de produzir cimento, mas de também conhecer os viajantes.

Instrumentalizar a História possibilita compreender o passado de forma empírica e também explicar os caminhos percorridos até aqui, possibilitando assim a interpretação no presente com relação ao que subsiste do passado. Sobre as várias interrelações temporais existentes no tempo presente e, até mesmo, daquelas que justificam as desigualdades sociais e o status quo.

Se for verdade, as Humanidades pode nos ajudar na construção de uma sociedade plural, quando busca compreender os processos que contribuem ou não historicamente para o presente e os caminhos que poderão ser instituídos, a partir daí, desta compreensão do passado-presente, para projeção e construção de uma sociedade futura com futuros diversos daqueles naturalizados pelo establishment, logo, para além de questões de estética e moral. Nesse sentido a essência só é conhecida em retrospecto, ou, como poderíamos afirmar, dentro uma compreensão histórico-crítica, uma vez que a construção das Ciências Humanas é, ao mesmo tempo, material e imaterial, visível e invisível, moldando e sendo moldada pelos atores sociais.

(4)

O extremismo e o fanatismo intelectual ao longo dos séculos têm impossibilitado de variadas formas a compreensão das diferentes maneiras de vivência social e, sobretudo, a socialização dos diferentes.

Em geral a busca do ideal é o ponto central que iguala o tecnocrata e o revolucionário na aplicação de medidas que possam amenizar os sofrimentos sociais implicando, porém, a sobreposição do ideal sobre o real. Tal concepção gera como produto impactos na vida em sociedade e diante dessa imanência se estabelece a crítica que abarca a todos nós se tornando cada vez mais necessário a revisão dos objetos das Humanidades a fim de perceber como eles nos permitem compreender as dinâmicas e processos socais que constituem o contexto atual.

Se contemplarmos a escala será possível verificar os fatos. No âmbito local, de onde falo – Poços de Caldas, sul de Minas Gerais - essa expressão está manifesta na Festa de São Benedito, em razão de tal poder social e cultural, o CONDEPHACT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Turístico de Poços de Caldas achou por bem instituí-la como Patrimônio Imaterial do Município, criando mecanismos legais de proteção e salvaguarda através da abertura do processo de Registro Cultural de Bem Imaterial2. A pandemia do Covid-19 acabou por cancelar a festa de expressão da cultura negra expondo a problemática da monotemática representação da cultura africana local. Na esfera nacional ao mesmo tempo que observamos falas da caráter racista de Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, sob o espectro de ataque a movimentos negros, negação da existência do racismo no Brasil e crença de uma benevolência no sistema escravista colonial vemos também sucessivos ataques cibernéticos invasivos a intelectuais do movimento negro em plataformas de eventos online de universidades brasileiras durante debates relacionados às questões raciais e de gênero, como Unicamp, UFRJ, UFMT, entre outros. Ampliando ainda mais a escala estão as

2Com marco oficial desde 1904, a festa popular é considerada uma das mais antigas do sul de Minas, além de estar intimamente ligada à história da cidade. São treze dias de devoção expressos através das procissões, danças, cantos tradicionais, missas e rituais envolvendo as manifestações dos ternos de congos e caiapós, como a retirada dos caiapós do mato e o cortejo dos mastros. A data oficial da festa, 13 de maio, também configura feriado municipal como Dia de São Benedito.

(5)

manifestações contra o preconceito racial no movimento “Black lives matter”3, após a

morte brutal do negro George Floyd por um policial branco nos Estados Unidos, e a derrocada de monumentos históricos associados ao comércio escravocrata europeu.

Todos esses fatores só nos fazem perceber o quão sensível historicamente é o assunto que tratamos e o quão atual ele permanecerá sendo. Vemos aí, então, a história local de fundamental importância dentro do Ensino de História na contemporaneidade buscando rejeitar as abordagens totalizantes, valores universais ou grandes narrativas históricas. Nesse espaço de discussão valoriza uma visão do homem como agente social, econômico e político da História, não uma parcela da população, mas a totalidade das pessoas. O saber escolar, com base na história local, assim permite ao estudante as conexões entre o local, regional, nacional e global através do tempo.

Segundo Jörn Rüsen, perante os inevitáveis reveses da vida, existem circunstâncias em que somos levados a buscar na história elementos para construir uma argumentação. Quando o processo cognitivo possibilita o “reforço da capacidade de inserir e utilizar interpretações históricas” (2001, p. 110), pode-se falar de competência narrativa. A partir disso fica clara a relevância de um ensino que seja decolonial e promotor de uma afirmação identitária étnica-racial. Em tal conjuntura, a tentativa de ampliar a capacidade dos sujeitos de narrar historicamente e também as competências envolvidas neste ato configuram-se como uma das atribuições primordiais do ensino de história. Logo, a competência para interpretação histórica é a capacidade de vincular passado, presente e futuro dentro de uma rede explicativa com faculdade de sentido das ações na ocorrência hodierna.

Para tal resultado a implementação de leis afirmativas na área do ensino são de vital importância, como é o caso da lei Nº. 10.639, de 09 de janeiro de 2003 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Ainda que de

3 Black Lives Matter (em português: "Vidas Negras Importam") é um movimento ativista internacional, com origem na comunidade Afro-americana, que campanha contra a violência direcionada as pessoas negras organizando protestos em torno da morte de negros causada por policiais, e questões mais amplas de discriminação racial, brutalidade policial, e a desigualdade racial no sistema de justiça criminal dos Estados Unidos.

(6)

forma precária pode-se observa, de início, a movimentação em torno da preparação docente nos cursos de graduação na adaptação da grade curricular. Em minha experiência como aluno da graduação pude perceber a dificuldade de tal implementação quando da História da África e História da Cultura Afro-Brasileira ainda carecia de especialista da área, sendo a função exercida por um remanejamento de professores de Moderna e Contemporânea. Portanto a ausência central das discussões naquele meu momento acabou por dificultar minha práxis pedagógica para além das discussões do material didático e da livre iniciativa acadêmica, como o ingresso no mestrado de Ensino em História (ProfHistória 2020).

II. AS HUMANIDADES E A BUSCA DO IDEAL

Assim sendo, o que está em jogo na construção das Humanidades no século XXI? Parece-me que a vocação do cientista social deve ser mais do que uma distração narrativa, antes, deve ser continuamente a condução da atenção do leitor/apreciador/estudante em direção ao que é mais importante: a construção de uma cosmovisão a partir de um homem livre conhecedor de sua autonomia sob à luz da interpretação histórica a ser buscada na cultura, que é viva e reflete elementos possíveis de serem decodificados e percebidos nesse olhar pretérito sobre um possível futuro. E é aqui que o leitor/apreciador/estudante se enxerga como aquilo que ele mesmo faz de si.

A fórmula ser-livre significaria então determinar-se a escolher, tornando o homem livre para pensar e conceber seus próprios paradigmas. O conteúdo da consciência histórica me parece ser constituído e moldado, então, pela narrativa histórica que conecta a interpretação do passado, a compreensão do presente e a projeção de um futuro.

A dicotomia entre real e ideal está diretamente relacionada a produção/ação. É necessário distinguir assim, o mundo que existe do mundo das ideias uma vez que, todo pensamento humanista é romântico, e, ao ser tratado assim, é posto de lado, por não ser tangível ao assunto técnico, que passa a ser o qualificador.

(7)

Apesar dos desastres do pensamento tecnocrático no decorrer do tempo ele continua sendo um lugar de estabelecimento. A questão seria, porque então, diante de problemas como a pandemia do novo corona vírus que acabam por revelar as mazelas sociais, o pensamento humanista é de pronto dispensado? Quanto mais se relacionados às áreas da saúde/Ciência Biológicas.

Se buscarmos lançar um olhar para o século XVIII veremos a base da organização da nossa sociedade, onde o Humanismo configurou-se como fundamento para a estruturação das ideologias. É na expressão revolucionária francesa que encontramos o homem de direitos e não o homem de responsabilidade. Na nossa forma de organização social atual esse homem de responsabilidade ainda se apresenta como uma exceção. É certo que teremos um mundo pós-covid19 para construir e se tivermos um pouco de disposição de pensar com outras lógicas talvez consigamos fugir um pouco do autoritarismo que sempre busca se apresentar, seja ele de que espécie for.

Em geral a tendência de revisionar modelos e práticas sociais pelos indivíduos e pelos Estados passa pelo problema de se pensar no imediatismo das questões, que quase sempre impulsiona o resgate de recursos que nos são familiares, impossibilitando-nos assim de pensar num futuro ao longo prazo.

Existe uma relação íntima entre o conhecimento e o poder dentro da coletividade. Logo, ao refletir sobre os temas próprias do papel das Humanidades no contexto circunscrito o discurso que ordena a sociedade é sempre o discurso daquele que detém o saber. É possível ver então o sujeito como aquele que está sempre determinado pelas ideias emanadas pelos superiores, ou seja, pela classe que domina ideologicamente determinada sociedade. Para Foucault, o conceito de saber é diferente do conceito de conhecimento. Enquanto o conhecimento corresponde à constituição de discursos sobre classes de objetos julgados cognoscíveis, isto é, à construção de um processo complexo de racionalização, de identificação e de classificação dos objetos, o saber designa o processo pelo qual o sujeito do conhecimento, ao invés de ser fixo, sofre uma modificação durante o trabalho que ele efetua na atividade de conhecer. Pode-se dizer que o conhecimento é molar, mais denso e estagnado, enquanto o saber é molecular, sutil e em constante mudança. O saber está intimamente ligado ao conceito de poder, tanto o poder molar

(8)

quanto o molecular, pois o poder tramou e ainda trama com o saber. Talvez o melhor exemplo da relação entre Saber e Poder seja, se aproveitando do contexto, a Medicina, pois, sendo detentora saber médico, ganha poderes sobre a vida e a morte dos demais sujeitos, leigos.

O pensamento autoritário não é somente aquele que se identifica num desejo, vontade e disposição para estender uma única forma de pensamento para toda a sociedade. É sobretudo aquela forma de pensamento na qual separa-se o mundo real do mundo ideal, de modo que nunca será possível colocá-los em contato. A sociedade, a realidade, o país, as pessoas estão sempre inadequados em relação ao ideal. Essa separação do mundo das ideias e do mundo real estabelece um paradoxo intransponível se levado as últimas consequências, uma vez que, se trabalhamos a partir de um mundo ideal, absolutamente, sempre haverá uma discrepância em relação àquilo que existe.

Mas, o que significa a busca do ideal? Negar o que está sendo feito? Sempre partir do ponto que estamos equivocados ou de que sempre há algo diferente que precisa ser colocado? Ao mesmo tempo temos degradações do pensamento autoritário, como aquele que diz que tudo que existe precisa ser moldado a partir daquele ideal, legitimando assim a violência de variados cursos. De imediato quando colocado esse paradigma platônico em ação no nosso cotidiano é possível perceber que quando esse discurso fica evidenciado têm-se claramente a dificuldade de lidar com o que existe. E o que existe de fato? Desigualdade social, favelas e periferias, ideologias diversas, pensamento partidários e apartidários. Realidade que uma vez distante do ideal se apresenta como alvo de destruição.

Uma crença, mais do que qualquer outra, é responsável pela matança de indivíduos nos altares dos grandes ideais históricos – justiça, progresso, a felicidade das futuras gerações, a missão ou emancipação sagrada de uma nação, raça ou classe, ou até a própria liberdade, que exige os sacrifícios dos indivíduos para a liberdade da sociedade. Tal crença é de que, em algum lugar, no passado ou no futuro, na revelação divina ou na mente de um pensador individual, nas declarações da historia ou da ciência, ou no coração simples de um homem bom não corrompido existe uma solução final. (Berlin, 2002, p.268)

(9)

Ao lado de uma dificuldade de modular o ideal observa-se uma negação do real. Tal distinção é a base de todo tipo de idealismo seja de que natureza for. As tempestades ideológicas do século XX produziram um fazer/desfazer em nossa capacidade de compreender. Assim sendo, esta, quando estamos orientados por esse tipo de idealismo, fica reduzida, porque só o fazemos a partir de uma referência ou a partir de um conjunto de valores próprios. Tendo-se porém, como pressuposto o pluralismo, a diversidade e a incomensurabilidade entre os importantes e desejáveis valores e propósitos da vida, a liberdade é caracterizada pela escolha.

Em torno de tais percepções, interpretando o passado, compreendendo o presente para então projetar um futuro podemos nos perguntar o que tornaria humano os homens ou em que consiste as humanidades a fim de inverter a ordem da qual se estabelecem as ideias. Não se estabelecer a partir de um conjunto de ideias, mas a partir daquilo que os homens construíram.

Escrever sobre a África, por exemplo, não é tarefa fácil. Mais ainda, informar e registrar fatos sobre o presente e o passado, os conflitos entre a tradição e a modernidade, a oposição entre o mundo autóctone e o mundo estrangeiro ocidentalizado. E identificando as dificuldades de um continente gigantesco que busca crescer por intermédio de sua cultura, em matéria de decisivos resultados que vem coletando nas tradições orais e pouco documentadas, a fim de contribuir com os novos ideais de formação e educação fica confirmada a imensidão de tamanha empreitada.

Vários escritores e historiadores tem posto em evidência que o imenso continente com tamanha diversidade cultural em suas etnias, começa a nos mostrar as gigantescas divergências naturais entre seus Estados. A língua, por exemplo, é um elemento de primeira importância para a nacionalidade. “O mapa linguístico da África é um puzzle em que as línguas étnicas ou nacionais africanas e as línguas deixadas pelo colonizador se sobrepõem terrivelmente” (KI-ZERBO, 2002, p. 419). Assim, há uma dificuldade pragmática aos objetivos de inserção da educação.

Por outro lado, outro elemento muito consistente é o choque histórico de primeira grandeza – guerra e crise diplomática – seja uma ideologia, seja uma infraestrutura

(10)

tecnoeconômica. Os antagonismos econômicos são um fator de dissociação ainda mais poderoso, pois os estados afrontam-se na concorrência como vendedores das mesmas matérias-primas, como candidatos à industrialização e como importadores de produtos manufaturados. Obstáculos resultantes de antagonismos políticos, sociológicos e ideológicos são dessa forma consideráveis.

A escravidão sangrou o sistema social e introduziu um sistema econômico que rompia o padrão de vida africano na maioria das vezes, reduzindo os africanos a meros servos e escravos. O comércio escravista foi um sistema de integração econômica unindo caminhos da Europa, África e América, por pelo menos mais de três séculos.

A formação do mundo atlântico é, antes de tudo africano, pois a sua construção se deveu a uma maciça participação africana, compreendendo-se que num comércio de produtos díspares, se incluía entre tecidos e outros objetos, carga humana, como se fossem também mercadorias circulantes.

Os países que foram colônias portuguesas, entre os quais pode-se destacar a Angola, tiveram como ambição não se limitar à simples ideia de livrar-se do colonialismo, mas elaborar um projeto de transformação socioeconômica. A guerra anticolonial promovida neste contexto com esse referencial ideológico visava muito mais do que expulsar os portugueses, visava romper com um sistema e plantar o germe de uma “luta pela libertação nacional”, no sentido mais profundo do termo.

Um dos maiores resultados da descolonização consiste, no considerável desenvolvimento dos estudos africanos fora da África, não somente nas universidades das antigas metrópoles coloniais, mas sobre tudo em numerosos países da África Oriental e Setentrional, nas Américas e na Ásia4.

III. O PRESENTE E A CONSTRUÇÃO DE UTOPIAS

(11)

O século XXI, em sua breve história recente, tem se demonstrado um século de constantes desafios geracionais. As injustiças, as opressões, da falsidade das relações humanas, da humilhação, da pobreza, do desamparo, isso tudo como profundamente humano e não deslocado do ideal, mas profundamente humano nos coloca diante de um humano em sofrimento, diante da dor do outro. O que torna os homens humanos? São esses valores que estão colidindo na verdade, com aqueles que o idealismo produziu. Diante de um humano em sofrimento o que fazemos? Diante da dor do outro qual é o ideal a ser buscado nas intelectualidades?

O contexto pandêmico atual escancara para todos nós, operadores das Ciências Humanas, nossa posição social em virtude de nossos discursos produzidos e na contribuição científica social o lugar próprio de onde falamos para que com esse esforço possamos alcançar uma justaposição entre uma história das ideais ou dos ideais e uma história econômica. As ideias tornam-se uma mediação entre o Espírito e a realidade sócio-política.

Se for verdade podemos recorrer a ideia de utilidade se nos encontrarmos engajados naquele papel que é próprio do cientista social e que não pode negá-lo. As tendências estruturais do capitalismo mudam a cada momento histórico e, é na prática social que os homens constroem sua subjetividade que está sempre referenciada às relações sociais em um momento histórico determinado e está intimamente ligada à produção da territorialidade. Para Jameson, grandes períodos de fermentação social, sem comando aparente e sem direção que demonstram distância entre a imutabilidade do sistema e a “inquietude turbulenta do mundo”, parecem criar um momento propício para a livre criação de utopias “na própria mente ou na imaginação política” (JAMESON, 2006, p.170). Nesse sentido, o pensamento de Bloch traz consistência ética e lógica para a possibilidade da utopia e para que a função utópica não seja considerada como mera fantasia quimérica, já que não se move por uma possibilidade vazia de um sonho abstrato pois está associada ao “possível real”.

O homem é alguém que ainda tem muito pela frente. No seu trabalho e através dele, ele é constantemente remodelado. Ele está constantemente a frente, topando com limites que já não são mais limites; tomando consciência deles, ele os ultrapassa. (BLOCH, 2005, V.1, p.243)

(12)

Bloch fala do utópico no sentido de ultrapassar o que nos é apresentado como curso natural dos acontecimentos. O estopim de grandes movimentos seriam as ideias na cabeça das pessoas. Existe a ilusão da busca do ideal que é extremamente perigosa, tal qual do pensamento autoritário que anula as possibilidade de diálogo, quando cada um julga ter um ideal superior ao do outro presente no discurso que evoca o “eles” e o “nós”, sendo que, uma abordagem social poderia propor que nós somos “eles” e “nós”. Ter o progresso como meta não abarca a pluralidade. O mundo pós-pandêmico pode ser capaz de nos fazer repensar os ideais, mas não aquele pensamento autoritário que buscará impor o ideal sobre o mundo real, antes, aquele que a partir do real será propositiva de ideal.

Compreender. Se tivéssemos uma explicação histórica poderíamos dizer qual é a saída para o impasse que nos encontramos, porque se possui uma lógica quem sabe conseguiríamos mover essa lógica em uma outra direção. O tal lugar de fala do cientista social, porém, sempre corre o risco de esta apoiada no ideal que acaba ocultando outras formas de entender.

Ao tentar se colocar a parte das ideologias vigentes o melhor que podemos fazer é, em geral, manter um equilíbrio precário que impeça a ocorrência de situações desesperadas.

Ao final, a melhor pergunta nos parece ser de fato o que queremos com as Humanidades? O pensamento não autoritário nos ensina a dialogar mesmo quando a falta da concepção de longo prazo produzir como consequência a miopia histórica. Em todos os casos, compreender o nexo entre passado e futuro é crucial para agir sobre o que está por vir.

Que os homens tenham consciência da história baseia-se, afinal, no fato de que seu próprio agir é histórico. Como usam intencionalidade, os homens inserem, pois, seu tempo interno (...) no contato com a natureza externa, na confrontação com as condições e as circunstancias de seu agir, nas suas relações com os demais homens e com si mesmos. Com isso, o agir humano é, em seu cerne, histórico. E ‘histórico’ significa aqui, simplesmente que o processo temporal do agir humano pode ser entendido, por princípio, como não natural, ou seja: um processo que supera sempre os limites do tempo natural. (RUSEN, 2001, p. 79)

(13)

Para Rüsen, todo conhecimento histórico desempenha uma função de orientação. Uma vez interpretado, o passado ganha, portanto, o status de uma história para o presente. Passam a orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo.

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ciência se faz na e com a sociedade. A maneira como compreendemos o passado é totalmente conectada com as expectativas de futuro. Nosso projeto de futuro afeta a forma como vemos o passado. O presente é uma espécie de ponto cego e o utópico é sustentado pelo sonho para a frente, não aponta para o agora e o busca o presente autêntico.

A possibilidade romper com o fatalismo e o determinismo histórico sustentando por ideais autoritários passa pelas mãos dos cientistas humanos ao possibilitarem nas perspectivas contemporâneas a proposição de utopias a partir de pressupostos mais radicais como práticas sociais anti-sistêmicas dentro de um espectro não autoritário interpretando e reinterpretando seus atos no convívio em sociedade. Na construção de um indivíduo social capaz de interpretar historicamente seus atos e se orientar na vida prática.

Prática docente e diversidade, duas categorias que exigem um exercício de reflexão intensa e desafiadora. Intensa pela complexidade com que o universo docente se apresenta e desafiadora porque nos instiga a ir além do que se sabe e do que se vivencia. O mais interessante disso é que ambas as categorias são muito amplas, não conseguimos defini-las, estrutura-las e conhece-las de forma categórica. Elas se transformam à medida que o nosso contexto social se amplia. Assim, elas também se modificam por meio das relações humanas, tão variáveis como nós.

Obviamente tal relação pode ser conflituosa no instante em que não se compreende o outro e nem o vê justamente como isso: outro. Mas é justamente esse conflito propositivo da formação do estudante que acaba por ser a nossa força motriz na docência do ensino médio. Compreendemos que a diversidade diz respeito à variedade, pluralidade e diferença. Se analisarmos o contexto em que vivemos, é possível perceber que são poucas as coisas não variáveis. Na realidade, raras são exatamente iguais. Sendo assim, pensar a diversidade na educação significa tornar visível o que está implícito em nossas relações

(14)

sociais. Quando relacionada à cultura (objeto nuclear da educação), a diversidade desnuda uma gama de elementos. Dessa forma, podemos perceber que estamos inseridos em um contexto social composto de elementos diversos. Daí o nosso esforço na educação, enquanto corpo pedagógico e docente, de explorar bem a temática da diversidade diante das relações humanas.

Na maioria das vezes, trabalhamos com padrões idealizados que não valorizam o diferente, e além do que, estamos tão acostumados a fazer tudo tão rotineiramente e de forma automática que nos limitamos àqueles métodos vistos como padrões disso ou daquilo.

Valorizar a diversidade na prática pedagógica é levar em conta que nem todos aprendem da mesma forma e no mesmo tempo. Por isso as múltiplas abordagens na construção do conhecimento têm sido tão importantes. As metodologias que adotamos são empregadas a fim de alcançar a maioria dos alunos. O processo ensino-aprendizagem precisa voltar-se, dessa forma, para todos os alunos e levar em consideração suas diferenças e, enquanto se aborda o passado histórico permitir a construção identitária de indivíduo ao passo que este se encontre como parte de sua própria humanidade cultural.

Nas palavras de Agamben5 “ser contemporâneo é responder ao apelo que a escuridão da época faz para nós”.

V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERLIN, Isaiah. Ainda Existe a teoria Política? In: HARDY, H. e HAUSHEER, R. (orgs.) Isaiah Berlin: Estudos sobre a Humanidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

BLOCH, Ernst. O Princípio Esperança. V2. Trad. Werner Fuchs. EDUERJ: Contraponto. Rio de Janeiro. 2006

5 SANSON, Cesar. Agamben: o pensamento como coragem. Revista Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 17 de julho de 2014. Disponível em:

(15)

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução Roberto Machado. 24.ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007.

_________________. A ordem do discurso. Aula inaugural no College de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. Edições Loyola, São Paulo, 2004.

GULDI, Jo e ARMITAGE, David. The History Manifesto. Cambridge: Cambridge University Press, 2014.

JAMESON, Fredric. A política da Utopia. In Contragolpes. Organização Emir Sader; Tradução Beatriz Medina. Seleção de artigos da New Left Review. Boitempo. 2006. São Paulo. (p.159 a 176)

KI-ZERBO, J. Para quando a África? Rio de Janeiro: Pallas, 2009.

KI-ZERBO, Joseph. História da África negra II. Portugal: Publicações Europa-América, 2002.

LAMBERT, Jean-Marie. História da África negra. Goiânia: LEART, 2001.

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência

histórica. Brasília: UnB, 2001.

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência

histórica. Brasília: UnB, 2001.

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de fenomenologia ontológica. Tradução de Paulo Perdigão. 5º ed, RJ: Vozes, 1997.

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de fenomenologia ontológica. Tradução de Paulo Perdigão. 5º ed, RJ: Vozes, 1997.

Referências

Documentos relacionados

Nesse sentido, o último capítulo propôs ações a serem executadas pela equipe gestora e docente, como o estudo das concepções de educação em tempo integral sugeridas

O Documento Orientador de 2013, dispondo sobre as atribuições do (a) professor (a) articulador (a) de projetos, determina que ele (a) deverá estar lotado (a) na unidade escolar,

Fonte: elaborado pelo autor. Como se pode ver no Quadro 7, acima, as fragilidades observadas após a coleta e a análise de dados da pesquisa nos levaram a elaborar

O caso de gestão estudado discutiu as dificuldades de implementação do Projeto Ensino Médio com Mediação Tecnológica (EMMT) nas escolas jurisdicionadas à Coordenadoria

O setor de energia é muito explorado por Rifkin, que desenvolveu o tema numa obra específica de 2004, denominada The Hydrogen Economy (RIFKIN, 2004). Em nenhuma outra área

Outras possíveis causas de paralisia flácida, ataxia e desordens neuromusculares, (como a ação de hemoparasitas, toxoplasmose, neosporose e botulismo) foram descartadas,

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

Este era um estágio para o qual tinha grandes expetativas, não só pelo interesse que desenvolvi ao longo do curso pelas especialidades cirúrgicas por onde