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Bruno Snell - A Cultura Grega e as Origens Do Pensamento Europeu

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A Cultura Grega e as Origens

do Pensam ento Europeu

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Coleção Estudos Dirigida por J. Guinsburg

Equipe de realização - Tradução: Pérola de Carvalho; Revisão técnica e de provas: Luiz Alberto Machado Cabral; índice onomástico: Rose Pires; Sobrecapa: Adriana Garcia; Foto do autor: Luciana Suzuki; Produção: Ricardo W. Neves e Raquel Fernandes Abranches.

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Bruno Snell

A CULTURA GREGA E AS

ORIGENS DO PENSAMENTO

EUROPEU

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Título do original em alemão

Die Entdeckung des Geistes

Copyright © 1955 Claassen Verlag GmbH, Hamburgo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro)

Snell, Bruno, 1896-1986

A Cultura Grega e as Origens do Pensamento Europeu / Bruno Snell ; [tradução Pérola de Carvalho]. - São Paulo : Perspectiva, 2005. - (Estudos ; 168)

Título original: Die Entdeckung des Geistes. Ia reimpressão da Ia edição de 2001 ISBN 85-273-0262-9

1. Cultura - Grécia 2. Filosofia antiga 3. Grécia - Religião 4. Grécia - Vida intelectual 5. Literatura grega - História e crítica 6. Pensamento I. Título II. Série

01-3484 CDD-306.420938

índices para catálogo sistemático: 1. Grécia Antiga : Cultura : Vida intelectual

Sociologia 306.420938 2. Grécia Antiga : Vida intelectual : Cultura : Sociologia 306.420938

r edição - 1 a reimpressão

Direitos reservados em língua portuguesa à EDITORA PERSPECTIVA S.A. Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025 01401-000 - São Paulo - SP - Brasil Telefax (11) 3885-8388

www.editoraperspectiva.com.br 2005

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igumario

Nota de Edição IX

Sobre Bruno Snell - Trajano Vieira. XIII

Introdução. XVII

1. O Homem na Concepção de Homero 1

2. A Fé nos D euses Olím picos 23

3. O Mundo dos D euses em H esíodo 41

4. O Despontar da Individualidade

na Lírica Grega Arcaica 55

5. O Hiño Pindàrico a Z e u s . SI

6. Mito e Realidade na Tragédia Grega 97

7. Aristófanes e a E sté tic a . 117

8. Saber Humano e D ivino 135

9. As Origens da Consciência Histórica 151 10. Máximas de Virtude: Um Breve Capítulo da

Ética Grega 163

11. Sím ile, Comparação, Metáfora, Analogia; a Passagem da Concepção M ítica ao Pensamento L ógico 195 12. A Formação dos Conceitos Científicos

na Língua Grega 229

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viu A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO... 14. A Descoberta da “Humanidade” e Nossa

Posição ante os Gregos 257

15. O Jocoso em Calimaco 273

16. A Arcàdia: Descoberta de uma Paisagem Espiritual 287

17. Teoria e Prática 311

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Nota de Edição

Para respeitar as transcrições constantes do original e facilitar o acesso imediato a elas, as palavras gregas foram devidamente trans- literadas para o português pelo revisor técnico da tradução, Luiz Alberto Machado Cabral, autor destas.

NORMAS PARA A TRANSLITERAÇÃO DE TERMOS E TEXTOS GREGOS Letra

grega

Nome Pronúncia erasmiana Transliteração

A, a alfa a (longa ou breve) a: á a é p e ia : asébeia

B, ß beta b b: pXérceiv: blépein

r > Y gama g* g: YiyvaxTKio: gignosko

A, 8 delta d d: ôpocKcov: drákõn

E, e épsilon e [breve, fechada (ê)] e: eí5co/\,ov: eidolon

z,C dzeta dz z: Z eúç: Zeús

H, T| eta e [longa, aberta (é)] é: fi0oç: êthos

© ,e teta th (inglês this) th: Gojióç: thymós

i , t iota i (longa ou breve) i: iÔ eív: idem

K, K capa k k: KocKÍa: kakía

A,X lambda 1 1: XeÚGGZiv: leússein

M,ja my m m: p év o ç: ménos

* O g {gama) é sempre pronunciado como em guerra, mesmo diante de e, ti, i. Ex. Yryvíbcncío: guignõsko (conhecer). No entanto, diante de y, k, %, Ç ele é transliterado e pro­ nunciado como o nosso n. Ex.: ãyyekoç: ánguelos (mensageiro).

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X A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO... N, v ny csi 0 ,o ómicron n, n pi p.p Z, a, ç** sigma T, T tau Y hípsilon <t>, cp phi x,% khi T, \\f psi n , co omega n X (sempre com som de cs)

o [breve, fechada (o)] P r(comoem duro) s (nunca com som de z) t ü (longa ou breve) f ch (alemão machen) ps o [longa, aberta (ó)] n: vópiopa: nómisma x:Çévoç:xénos (csénos) o: öXßioq: ólbios p: Tcaiöeia: paideía rh (inicial): pfjpa: rhema r: Scopov: down s: aK^rjpóç: sklêrós t: Tipf): time y: bßpiq: hybris u: voíiç: noüs ph: cpi^ia: philia kh: xa tpe: khdire ps: \]/t)xf|: psykhê o: àç: hõs

** Essa última forma do sigma (n) é empregada apenas quando ele se encontra no final de uma palavra. Ex.: Xóyoç: lògos {palavra, discurso). Em posição intervocàlica, a forma é sempre (a): pofiaa: mousa (pronuncia-se muça): musa.

*** O Y, V (ihípsilon) pronuncia-se como o ¿i do alemão (ex. Müller) e só pode ser transliterado por y quando estiver em posição vocálica. Ex. vßpiq: hybris (ultraje), ôúvcqiiç: dynamis (força). Nos outros casos, deve ser transliterado pelo u: am óv: autón (ele); voôç: noüs (mente, espírito).

NOTA 1 - É preciso marcar a distinção entre as vogais longas rj/co das breves correspondentes e/o, sem o que torna-se impossível distingüir a diferença entre palavras transliteradas como yépocç: guéras (privilé­ gio) e y ip a q : güeras (velhice). Desta forma, na transliteração, devemos assinalar as vogais longas (ri/co) pelo sinal T|0)ç: êos (aurora).

NOTA 2 - Os ditongos são formados pela adição das sem ivogais i e u às outras vogais.

NOTA 3 - Os espíritos são sinais ortográficos colocados sobre toda vogal inicial das palavras e sobre o í> (ípsilon) e o p (rô) iniciais (sempre marcados pelo espírito rude e transliterados por hy e rh). Há o espírito doce ou brando (’), que não tem influência alguma na pronúncia, mar­ cando apenas a ausência de aspiração, e por isso não é levado em conta na transliteração: a p e n r arete (excelência, virtude); e o espírito rude ou áspero (*), que marca a aspiração e é pronunciado como o h do inglês: fiôovfj: hêdone (prazer). Se uma palavra começa por um ditongo, o espí­ rito deve ser colocado sobre a segunda vogal, seja ele rude ou brando.

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Ex.: aiÔcòç: aidõs (sentimento de honra, vergonha); Eopíoicco: heurfskö (encontrar por acaso, descobrir).

NOTA 4 - Os sinais de acentuação são colocados sobre cada pa­ lavra para indicai* a sílaba acentuada. Há três acentos: o agudo ( ' ), o grave ( v) e o circunflexo ( ~ ), sempre transliterado por (A). O acento agudo pode ser colocado sobre as três últimas sílabas de uma palavra, o circunflexo (perispômeno) somente sobre as duas últimas e o acento grave apenas sobre a última (quando a palavra seguinte for acentuada). O acento, assim com o o espírito, é sempre colocado sobre a segunda letra dos ditongos e é desse m odo que os termos gregos devem ser transliterados para o português: n aiòú a: paideía (educação, instrução, cultura do espírito).

NOTA 5 - Quanto aos sinais de pontuação, a vírgula e o ponto

gregos têm o mesmo valor que em português. N o lugar dos nossos dois pontos e do ponto e vírgula, os gregos empregavam um ponto alto (•) e o

ponto e vírgula em um texto grego (;) corresponde ao nosso ponto de interrogação. O ponto de exclamação não era conhecido, embora seja empregado em algumas edições.

NOTA 6 - Algumas vezes o i {iota) é subscrito, isto é, é colocado embaixo da vogal que o precede. Ex.: oc, ri, cp, são por a i, qi, coi. So se coloca o iota subscrito sob vogais longas mas ele não é pronunciado (pronúncia erasmiana). Quando a vogai precedente for maiúscula o iota não é subscrito, mas adscrito (no entanto, continua não sendo pronun­ ciado nem acentuado): evAi§qç: {Hades), Na transliteração o iota é sem­ pre adscrito e só a indicação de que a vogal final é longa é que permitirá a correta identificação da palavra grega.

Ex. para diferenciar cpíÃoi: phíloi (amigos), de (pito: phílõi (ao ami­ go). up,aç: timáis (pelas honras, dativo instrumental), de xijiocç: timãis

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Sobre Bruno Snell

Coube à geração de Bruno Snell (1896-1986) - de que fazem parte autores com o Karl Reinhardt, Hermann Frankel, W olfgang Schadewaldt, Kurt von Fritz, Walter F. Otto, Paul Friedländer - a difícil tarefa de suceder o mais ilustre helenista alemão do início des­ te século: Ulrich von W ilam ow itz-M oellendorff (1848-1931). Não só por sua presença tentacular nas mais diversas áreas dos estudos clás­ sicos, com o por sua severa e inabalável orientação teórica, precoce­ mente definida (recorde-se, por exem plo, o m odo bastante negativo como recebeu, no início de sua carreira, O Nascimento da Tragédia

de Nietzsche), W ilam owitz ocupou posição única no ambiente acadê­ mico alemão. Alguns estudos recentes têm chamado a atenção para esse fato1, abordado também por Bruno Snell numa conferência pro­ ferida em 1932 (“Filologia Clássica na Alemanha dos A nos Vinte”)1 2, a qual permaneceu inédita por muito tempo, em razão dos aconteci­ mentos políticos da época. Snell com enta o tipo de trabalho então realizado na Alemanha, sob influência do positivism o de W ilamowitz: grande parte dessas obras caracterizam-se pelo afã classificatorio e pela erudição inesgotável, responsáveis pela articulação de informa­ ções colhidas dos mais diferentes campos. A o elogiar a ambição de projetos com o a Real-Enzyklopädie, o Thesaurus Linguae Latinae ou

1. Leia-se, por exemplo, a reedição de Geschichte der Philologie de Wilamowitz, acompanhada de notas e estudo de Albert Henrichs; Stuttgart and Leipzig, Teubner, 1998. Há também a coletânea de ensaios, organizada por Hellmut Flashar, Altertumswissenschaft

in den 20er Jahren: Neue Fragen und Impulse, Stuttgart, Franz Steiner Verlag, 1995.

2. Incluída em II cammino del pensiero e della verità - Studi sul linguaggio greco

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XIV A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO...

o monumental Index da obra aristotélica de Bonitz, Snell emprega' várias vezes o termo “abnegação” para definir a atitude intelectual d e , seus autores, decorrente da “concepção de trabalho com o dever”, “de­ rivada historicamente do estado burocrático prussiano”

Embora com elegância, Snell nota que, do ponto de vista críti­ co, o alcance dos trabalhos filiados a essa tradição ficou muitas vezes aquém do esperado. Hugh Lloyd-Jones lembra igualmente que as li­ m itações do método cientificista adotado por esses helenistas foram registradas desde cedo no círculo de Stefan Georg3 Procurando supe­ rar essas lim itações, Werner Jaeger, herdeiro da cadeira de grego que pertencera a Wilamowitz, em Berlim (1921), tentou redefinir os ru­ m os dos estudos helenísticos alemães. Contudo, seu “humanismo”, fundamentado numa visão idealizada da Grécia, que acentuava o va­ lor supremo da polis em relação à vida dos cidadãos, teve desdobra­ m entos negativos no ambiente político da época. Não será equivoca­ do afirmar que o conservadorismo do aútor de Paidéia foi uma das causas de ele não ter exercido maior influência sobre seus compa­ nheiros de geração. Observo que sua biografia tem sido objeto de aná­ lises duríssimas, com o o leitor poderá verificar a partir de um traba­ lho coletivo publicado há poucos anos4

Snell fala da importância que a análise estilística com eçava a ter, na década de 20, nos trabalhos de seus colegas. O conceito de “forma interna”, retomado de W ilhem von Humboldt e utilizado em função do “estranhamento radical” da estrutura da obra de arte, passa a orientar diversas interpretações, com o a de Hermann Fränkel (Eine Stileigenheit der frühgrieschischen Literatur, 1924), que elege, com o traço distintivo da literatura grega arcaica, a noção aristotélica de “elocução encadeada” (léksis eiromene), ou a de Reinhardt, que, em seu livro sobre o filósofo helenístico Posidônio (Poseidonios, 1921), procura identificar aspectos genuínos de sua obra, conhecida a partir de referências secundárias. O autor acrescenta ainda que os novos m étodos de abordagem filológica buscaram inspiração nos estudos arqueológicos, obrigados muitas vezes, pela carência de dados histo­ ricam en te o b je tiv o s, a fundam entar suas a n álises no cam po da estilística.

A obra do próprio Snell que, nesse m esm o período (1924) realizava pesquisas em Roma (Deutsches Aecheologisches Institut) e em Pisa, exibe semelhante preocupação teórica. Penso não tanto em seu extraordinário trabalho com o editor de Baquílides, Pindaro e do

Thesaurus Linguae G raecae, do qual foi fundador, quanto em sua

3. Greek in a Cold Climate, London, Duckworth, 1991, p. 152.

4. Werner Jaeger Reconsidered, William Calder III (org.), Illinois Classical Studies, 1992.

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vasta obra de comentador da literatura grega, à qual o leitor brasileiro terá finalmente acesso, graças à iniciativa da Editora Perspectiva. Entre os estudiosos do pensamento grego arcaico, desconheço outro livro tão discutido quanto A Cultura Grega e as Origens do Pensamento Europeu, graças à originalidade de algumas de suas teses. D o m esm o modo, creio ser difícil encontrar um estudo helenístico escrito com igual elegância e despretensão. Snell adota um m étodo que pode ser chamado de lexical: destaca certos vocábulos recorrentes na obra de escritores gregos, exam ina-lhes o uso específico, compara-os com ou­ tros termos de sentido semelhante.

Essa abordagem parte de uma idéia que tem sido alvo de críticas constantes: uma noção determinada só existe se existe o termo que a designa. Se em Homero não ocorre uma palavra com o significado de “consciência” (psykhé só se refere à alma do morto) ou de “corpo”

(soma só é empregado com o sinônimo de cadáver), se, em lugar do último termo, o poeta utiliza vocábulos que identificam as partes do corpo, é porque, segundo Snell, na poesia épica não há noção abstrata de sujeito, nem visão global de corpo. Conceitos com o “espírito”, “su­ jeito”, “consciência” e “corpo” teriam sido introduzidos lentamente na história cultural grega. Na época homérica, prevaleceria um con­ junto de palavras referentes a órgãos determinados, responsáveis por funções específicas (thymós, phrén, nóos etc.). Os críticos dessa tese multiplicaram-se nos últimos anos5 Não é possível deduzir, com base no fato de uma palavra não ser utilizada, que não exista o sentido que ela designa. Trata-se de um argumento ex sdendo. Vários autores ob­ servam que Homero emprega o pronome de primeira pessoa - ego - , que pressupõe, de algum m odo, a noção de identidade, estruturadora do sujeito. Cabe registrar, contudo, que nem todos os estudiosos rejei­ tam a colocação de Snell, preferindo retomá-la de outro ângulo. É o caso, por exem plo, de Joseph Russo e Bennett Simon, para os quais esse recurso literário não decorreria da ausência da noção de sujeito, mas da própria tendência de a poesia oral representar de maneira objetiva estados subjetivos6 Tal explicação, formulada em termos de comunicação poética, mostra que o livro de Snell não se mantém e s­ tático com o um monumento, mas vivo e aberto a releituras.

5. Veja-se, por exemplo, Richard Gaskin, “Do homeric heroes make real decisions?”.

Classical Quarterly 40 (1990), 1-15; R. W. Sharpies, ‘“ But why has my spirit spoken

with me thus?’ : Homeric decision-making”, in Homer, Ian McAuslan & Peter Walcot (orgs.), Oxford University Press, 1998, 164-170; Paula da Cunha Correa, Armas e Varões - A

Guerra na Lírica de Ar quilo co, Unesp, 1998, parte I.

6 “Psicologia omerica e tradizione epica orale”. Quaderni Urbinati di Cultura

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XVI A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO...

Várias o b jeçõ es apresentadas, em bora p ertinentes, não desqualificam o livro de Snell, mas nos obrigam a lê-lo com maior cuidado, relativizando, por exem plo, o uso que faz do conceito de evolução literária. Há particularidades poéticas que antes resultam de diferenças genéricas do que da evolução literária, fato nem sempre considerado pelo autor. Entretanto, seria um erro pensarmos que os gêneros mantiveram-se im permeáveis na Grécia ou que a questão da influência literária tenha sido m enos dinâm ica do que nos aponta Snell. Se - apenas para citar um exem plo - sabemos hoje que o gêne­ ro lírico é tão arcaico quanto o épico, isso não nos permite concluir que Homero não tenha influenciado poetas com o Arquíloco, Baquílides ou Pindaro. Lembro, a esse respeito, que Pindaro nomeia Homero explícitamente na 7a Neméia, atribuindo à sua extraordinária quali­ dade poética a manutenção de certos mitos ao longo da tradição (“há algo de sagrado em suas mentiras”). Cabe notar também que no final do século V a. C. a poesia incorporou de tratados de retórica então em v o g a o term o tékhne, com o se n tid o de “h a b ilid a d e literária” (Aristófanes, Rãs, 762, 770, 780, 850).

Um livro pode virar clássico quando até autores consagrados que dele discordam não conseguem deixar de m encioná-lo. A Cultura Grega e as Origens do Pensamento Europeu comprova isso. Outro helenista notável, Bernard Knox, ao refutar a idéia de Snell sobre a ausência de unidade no homem homérico, faz a seguinte ressalva: “Tudo isso não significa, evidentem ente, que a análise cuidadosa de Snell da linguagem homérica deva ser rejeitada; sua abordagem lexical traz à luz diversos aspectos do pensamento e do sentimento homérico”7 Acrescentaria que essa luz se irradia sobre muitos outros períodos da literatura grega, abordados neste livro que, concebido inicialm ente com o um projeto unitário, acabou sendo escrito ao longo dos anos, resultando num conjunto de ensaios admiráveis.

Trajano Vieira

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Introdução

O pensamento nas suas formas lógicas, com uns a nós, europeus, surgiu entre os gregos e tem sido, a partir dessa época, considerado como a única forma possível de pensamento. Tem ele, sem dúvida alguma, um valor determinante para nós, europeus, e, quando o em ­ pregamos nas especulações filosóficas e científicas, liberta-se de toda a relatividade histórica e tende para valores incondicionados e dura­ douros, numa palavra, para a Verdade; ou melhor, não apenas tende para ela com o atinge o Duradouro, o Incondicionado e o Verdadeiro. E no entanto, esse pensamento é algo de historicamente “devindo”, e isso por mais comumente que pensem os. Habituados que estam os a atribuir-lhe um valor absoluto, ju lgam os poder autom aticam ente encontrá-lo também no pensamento dos outros. Embora uma inter­ pretação mais acertada da história tenha, entre o fim do século XVIII e o início do XIX, levado à superação da concepção racionalista de um “Espírito” idêntico a si m esm o, todavia ainda hoje fecham os o caminho para o entendimento do mundo grego, interpretando as obras gregas primitivas com um espírito excessivam ente próximo de nossas concepções modernas; e, com o a ilíada e a Odisséia, que pertencem à fase inicial do mundo grego, falam a nós de forma tão imediata e com tanta força nos penetram, facilmente nos esquecem os de que o mundo de Homero é fundamentalmente diferente do nosso.

Para podermos acompanhar, através do primitivo mundo grego, o processo que conduz à formação do pensamento europeu, precisa­ mos compreender bem com o “surgiu” o pensamento entre os gregos. Os gregos não som ente conquistaram, valendo-se das formas de pen­ samento já conhecidas, nova matéria para a reflexão (a ciência e a filosofia, por exem plo) e ampliaram alguns m étodos já conhecidos

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XVIII A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO...

(por exem plo, o método da lógica); mas eles efetivam ente criaram o que nos chamamos de “pensamento”: a alma humana, o espirito hu­ mano foram eles que descobriram, e a base dessa descoberta foi uma nova concepção do homem. Esse processo, a descoberta do espírito, m anifesta-se a nós através da história da poesia grega e da filosofia, a partir de Homero; as formas poéticas da épica, da lírica, do drama, as tentativas de um entendimento racional da natureza e da essência do homem representam as etapas desse caminho.

Quando falamos em “descoberta do espírito”, a expressão tem um valor diferente de quando dizem os, por exem plo, que Colombo “descobriu” a América: a América existia m esm o antes de sua desco­ berta; o espírito europeu, ao contrário, assumiu existência no mo­ mento em que foi descoberto. Ele só existe quando se torna conscien­ te no homem. E no entanto, não está errado falarmos aqui em “desco­ berta” O espírito não é “inventado” da maneira que o homem inven­ ta um instrumento apto a melhorar o rendimento de seus órgãos físi­ cos, ou um m étodo para o estudo de determinados problemas. N ão é coisa que possa ser arbitrariamente pensada e que se possa construir adaptando-a ao objetivo, com o na descoberta, nem está geralmente dirigida, com o a descoberta, para um determinado objetivo: em certo sentido, existia m esm o antes de ser descoberta, mas de forma diferen­ te, não “com o” espírito.

Apresentam-se aqui duas dificuldades terminológicas. Um a diz respeito a um problema filosófico: se dissermos que os gregos desco­ brem o espírito e, ao m esm o tempo, pensamos que só no m omento em que é descoberto conquista ele existência (em linguagem gramatical, poder-se-ia dizer que o “espírito” não é. apenas um objeto implícito, mas também explícito), isso demonstra que a forma por nós emprega­ da não passa de uma metáfora, mas metáfora necessária a uma ex ­ pressão que traduz exatamente o nosso pensamento. D o espírito só podem os falar de forma metafórica.

Também por isso a mesma dificuldade apresentam as outras e x ­ pressões de que nos servimos neste arrazoado. Se falarmos, da con ­ cepção ou do conhecim ento que o homem tem de si, também nesse caso as expressões “concepção” e “conhecim ento” não terão o m esm o valor de quando as usamos com o significado de “conceber algo” ou “conhecer um hom em ”, porque nas expressões “conceber e conhecer a si m esm o” (desta forma é que usaremos essas palavras), o “si m es­ m o” existe exatamente apenas enquanto concebido e conhecido1 Se dissermos o espírito “revela-se”, se, portanto, encararmos esse pro­ cesso não sob um ângulo humano, com o resultado da ação do

ho-1. Sobre essa “adaptação” do emprego metafórico da língua, cf. J. König, Sein und

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mem, mas com o fato m etafísico, a expressão “ele se revela” não sig­ nificará o m esm o que se dissermos: “um homem revela-se”, querendo dizer que ele se dá a conhecer. O homem permanece sempre o m es­ mo, tanto antes quanto depois de sua revelação; já o espírito só adqui­ re existência na medida em que se revela, em que entra no mundo das aparências ligado ao indivíduo. M esm o se considerarmos a “revela­ ção” no sentido religioso da palavra, o resultado será o mesmo: Uma epifania de Deus pressupõe a existência de D eus, ainda que Ele não se revele. Mas o espírito revela a “si m esm o” no sentido de que, com isso, adquire existência (isto é, explica-se) através do processo histó­ rico; só na história o espírito se revela, ainda que nada p ossam os dizer da sua existência fora da história ou fora do homem. D eus reve­ la-se num único ato, ao passo que o espírito só às vezes e de forma limitada, só no homem e obedecendo às diferentes formas individuais. Se, porém, segundo a concepção cristã, D eus é espírito e se, por conseguinte, fica difícil conceber Deus, isso pressupõe uma concep­ ção do espírito que foi o mundo grego o primeiro a atingir.

Com as expressões “auto-revelação” ou “descoberta” do espírito não pretendemos referir-nos a nenhuma especial posição m etafísica nem falar de um espírito errante, fora da história e a ela preexistente. As expressões “auto-revelação” e “descoberta” do espírito não dife­ rem muito, quanto ao significado, uma da outra. Poder-se-ia, talvez, dar preferência à primeira expressão, ao nos referirmos à primeira época, isto é, ao tempo em que o conhecim ento ocorre sob a forma do mito ou da intuição poética, e falar em “descoberta” quando nos refe­ ríssemos aos filósofos, pensadores e cientistas, mas seria im possível traçar aqui uma linha limítrofe definitiva (cf. cap. 11). Por duas ra­ zões parece-me oportuno, neste estudo, valermo-nos da segunda ex ­ pressão: não são, com efeito, os aspectos isolados dessas m anifesta­ ções do espírito que nos interessam, e sim o fato de que o conhecido possa ser também comunicado aos outros, visto que para a história só conta o que se pode transformar em bem comum; veremos, com efeito, que muitas coisas, que ainda não haviam sido descobertas, já tinham penetrado na língua falada. Também as descobertas podem cair no es­ quecimento e, em particular, as que se referem ao mundo do espírito só podem conservar seu valor no tocante ao saber, quando mantidas em contínua atividade. Muitas coisas, por exemplo, caíram no esquecimento na Idade Média e tiveram de ser redescobertas, mas também então coube ao mundo antigo facilitar a operação. Em segundo lugar, preferimos fa­ lar de “descoberta do espírito” em vez de “revelação”, visto que, como veremos pelas fases isoladas desse processo, é com dor, angústia e traba­ lho que o homem atinge o conhecimento do espírito. 7tá0£ipá0oç, “da dor nasce a sabedoria”, o dito vale também para a humanidade, mas em sentido diferente do que vale para o indivíduo, pois este aprende com o

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XX A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO...

mal a precaver-se contra outro mal. O mundo poderá adquirir maior sabedoria mas não precavendo-se contra o mal, porque, se o fizesse, estaria fechando o caminho que o leva a uma sabedoria maior.

N ão é p o ssív e l, em todo o caso, separarmos radicalm ente o^ ilum inism o racional da iluminação religiosa, o ensinamento da con­ versão, e entender a “descoberta do espírito” com o o mero achado e desenvolvim ento de idéias filosóficas e científicas. Pelo contrário, muitas das contribuições fundamentais dadas pelos gregos ao desen­ volvim ento do pensamento europeu apresentam-se sob formas que, com o veremos melhor em seguida, estamos habituados a associar à esfera religiosa mais do que à história cultural2. A ssim , é o convite à conversão, à volta ao que é essencial e autêntico que se faz ouvir ao lado da exortação a um voltar-se para o novo; e assim o grito que sacod e e desperta aq ueles que dorm em , prisioneiros do mundo exterior, pode assumir tons quase proféticos, toda vez que o exija a conquista de uma forma particular de conhecimento e de uma nova profundidade da dimensão espiritual. Tudo isso, porém, só se inclui em nosso discurso na medida em que interessa àquele processo con­ tínuo de conscientização que é possível construir através da história da antigüidade.

A outra dificuldade terminológica está relacionada com um pro­ blem a da história do espírito. Se dizem os que o espírito foi descoberto pelos gregos só depois de Homero e assim adquiriu existência, sabe­ m os que aquilo que chamamos de “espírito” foi por Homero concebi­ do de forma distinta; isto é, que o “espírito” existia, de certa maneira, também para ele, mas não com o “espírito” Isso significa que a ex­ pressão “espírito” é uma interpretação (a interpretação exata, do con­ trário não poderíamos falar de “descoberta”) de algo que antes fora interpretado de outra forma e, por isso também, de outra forma exis­ tia (qual seria ela, o estudo de Homero o demostrará). Mas é sim ples­ mente im possível captar esse “algo” com os m eios que a nossa língua nos oferece, dado cada língua interpretar as coisas diferentemente, conform e as palavras de que dispõe. Toda vez que queremos explicar pensamentos que se acham numa língua diferente da nossa, temos de dizer: a palavra estrangeira tem, em nossa língua, este significado, e ao m esm o tempo não tem. Maior se torna a incerteza quanto mais afastada da nossa estiver a língua considerada e quanto maior for a distância existente entre nós e seu espírito. Se quisermos, pois, expri­ mir na nossa língua o conceito expresso na língua estrangeira (e é essa a tarefa do filólogo), não nos resta outra coisa a fazer, se quiser­ m os evitar formas vagas, senão estabelecer, num primeiro momento,

2. Cf., sobre esse ponto, Werner Jaeger, Die Theologie der frühen grieschischen

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valores aproximativos, eliminando, em seguida, aquelas expressões da nossa língua que não correspondem às estrangeiras. Som ente esse procedimento negativo poderá fixar os limites da palavra estrangeira. Mas mesmo assim fazendo, permanece em nós a convicção de que essa expressão estrangeira possa ser, apesar de tudo, por nós compreen­ dida, isto é, de que podemos preencher essa expressão assim delim i­ tada com um sentido vivo, ainda que não possam os traduzir esses sentido para a nossa língua. Pelo m enos em relação ao grego, não precisamos, sob esse aspecto, ser demasiado céptico: trata-se, no fun­ do, de nosso passado espiritual, e o que diremos em seguida talvez valha para demonstrar que o que é, num primeiro m omento, conside­ rado com o inteiramente estranho a nós é algo m uito natural, pelo menos muito mais sim ples do que as com plicadíssim as concepções modernas, e que dele podemos participar não só com a lembrança, mas também no sentido de que essas possibilidades estão conservadas dentro de nós m esm os, e podemos nelas buscar os fios condutores das várias formas do nosso pensamento.

Se, em seguida, dissermos que os homens homéricos não tinham nem espírito nem alma e, por conseguinte, ignoravam muitas outras coisas, com isso não estamos querendo afirmar que não pudessem alegrar-se ou pensar em alguma coisa, e assim por diante, o que seria absurdo; queremos dizer que essas coisas não eram interpretadas com o ação do espírito e da alma: nesse sentido, pode-se dizer que, no tempo de Homero, não existiam nem o espírito nem a alma. Conseqüente­ mente, o homem dos primeiros séculos não podia conceber nem m es­ mo o “caráter” do indivíduo. Também aqui não se pode naturalmente dizer que as grandes figuras dos poemas homéricos não tenham linhas bem determinadas, ainda que as formas grandiosas e típicas nas quais se efetuam suas reações não sejam representadas explicitadamente com o “caráter” em sua unidade espiritual e volitiva, isto é, com o espírito e como alma individual.

Naturalmente “algo” já existia em lugar daquilo que os gregos da idade mais tardia conceberam com o espírito ou com o alma - nesse sentido, os gregos de Homero naturalmente possuíam um espírito e uma alma; seria, todavia, um contra-senso dizerem que tivessem es­ pírito e alma, visto que o espírito, a alma só “existem ” quando deles se adquire consciência. A exatidão term inológica é, n esses proble­ mas, ainda mais importante do que geralmente se exige em investiga­ ções filológicas; demostra-nos a experiência que muito facilm ente se pode cair em erro nesse campo.

Se quisermos acentuar o lado especificam ente europeu na evolu­ ção do pensamento grego, não é necessário, por exem plo, contrapô-lo ao mundo oriental: pois, por mais que os gregos tenham assimilado muitas concepções e muitos elem entos das antigas civilizações

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orien-XXII A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO...

tais no campo de que ora nos ocuparemos, eles são indubitavelmente^ independentes do Oriente. Com Homero passamos a conhecer o pri­ m itivo mundo europeu através de obras de poesia tão completas que' podem os arriscar até m esm o conclusões ex silentio. Se em Homero não se encontraram muitas coisas que, segundo nossa concepção mo­ derna, deveriam absolutamente ali se encontrar, cumpre-nos pensar, que ele ainda não as conhecesse, tanto mais que tais “lacunas” apare­ cem intimamente ligadas entre si e, em contraposição, muitas são as coisas que se nos apresentam e que desconhecem os mas, valendo-se delas para preencher essas lacunas, chegam os a formar um conjunto sistem ático. Gradativamente, mais exatamente segundo uma ordem sistemática, vai-se revelando no curso de evolução grega aquilo que deu origem à nossa concepção de espírito e de alma e, portanto, filosofia, à ciência, à moral e - mais tarde - à religião européia.

N ossa busca do significado do mundo grego não percorre os mes­ m os caminhos trilhados pelo classicism o: não aspiramos a descobrir uma humanidade perfeita e, portanto, desligada da história; quere­ mos, ao contrário, pesquisar o valor histórico do que os gregos reali­ zaram. Assentado sob um ponto de vista histórico* esse estudo não? leva necessariamente à relativização dos valores: pode-se de imediatos estabelecer se uma época produziu obras de peso ou medíocres, algo: de profundo ou de superficial, algo que tenha valor para o futuro ou que seja de breve duração. A história não é um escorrer e flutuar ilimitado::, existem apenas determinadas possibilidades do espírito a que correspondem apenas poucos pontos nos quais se manifesta algo de novo e de importante,? e apenas formas limitadas nas quais ele se apresenta.

O estudioso de ciências naturais ou o filologo poderão obter seus conhecim entos em tranqüila meditação: as descobertas dos g reg o s/ de que ora nos ocupamos, ao contrário, apoderam-se do ser do ho­ m em e apresentam-se em forma de experiências vivas. A paixão com?: a qual se impõem não é apenas algo de individual, no sentido de que poderia assumir uma forma qualquer; com o expressão histórica de uma conscientização do espírito, está ligada, de um lado, ao clima histórico em que surge e, de outro, à forma na qual o espírito se con­ cebe a si m esm o. Veremos, neste estudo, com o certos fenôm enos espi­ rituais primitivos se apresentam sempre em novas formas e fixam, cada vez de maneira diferente, o conhecim ento que o homem tem de si. O lado histórico e o lado sistemático desse processo deveriam ser postos em igual evidência num estudo da história do espírito, tal com o a entendem os nós. Isso, naturalmente, aumenta as dificuldades da explanação, visto ser im possível seguirm os sim ultaneam ente dois filões: a linha histórica e o evoluir de determinados temas que irão concluir-se num sistema. D aí a forma mais adequada ser a do ensaio, onde se pode pôr em relevo ora uma ora outra tendência. A parte

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sistemática será enfatizada principalmente no capítulo 12, relegada que foi a um segundo plano entre os capítulos 1 e 9, aos quais coube focalizar o lado histórico3

Não é nossa intenção dar uma interpretação e fazer uma exp osi­ ção sobre os poetas e filósofos gregos ou m esm o tornar conhecidos a variedade das formas e o original vigor da arte primitiva grega, ou, de modo geral, estabelecer teorias mas, sim, chegar a conhecim entos exatos no que se refere à história do espírito: certamente, para formu­ lar resultados de modo tal que, no caso de não serem exatos, só possam ser contestados com base em fatos positivos (e não com outras “concep­ ções”), é necessário recorrer a abstrações4 Para avançarmos neste sóli­ do terreno da demonstração foi, além disso, necessário - pelo m enos não vi outro caminho possível - reduzir e limitar o problema da e- volução do mundo grego ao problema que se pergunta: o que conheciam os gregos sobre si mesmos e o que ainda não conheciam?5. Muita coisa (o que há de melhor e mais importante, dirá, talvez, alguém) permane­ cerá, com o tema assim impostado, fora de consideração, sacrificada ao “método” Pois o fato de que o homem tenha conhecim entos, que conquiste nesse campo algo de novo, não é um fato que se possa seguir e precisar com o método que se empregaria toda vez que se quisesse considerar seu sentimento, sua em oção religiosa, seu senso de beleza, de justiça e assim por diante. Esses fatos da consciência só podem ser levantados por m eio de pacientes e repetidos confrontos e, embora consistam, no fundo, de coisas bastante simples, e até m esm o lineares, a necessidade de descobrir as diferenças mais importantes e determiná- las com precisão leva-nos às vezes à esfera do abstrato.

Para poder salientar com clareza os traços característicos da e v o ­ lução espiritual da Grécia, procurei limitar-me a poucas citações, parte das quais, o mais das vezes, reaparece no desenvolvim ento do tema; busquei, igualmente, colocar o quanto possível em plena luz as etapas mais importantes.

3. Aprofundei esses problemas, que vão além do filosófico, em meu livro Der Aufbau

der Sprache, 1952.

4. Infelizmente, tais cuidados não impediram que, no curso da ulterior discussão sobre esses problemas, houvesse quem continuasse com freqüência a afirmar, o mais das vezes em tom de indignação humanística, que não se pode negar aos heróis homéricos “espírito” e “alma”, “caráter” e “responsabilidade” Não me consta, porém, que se tenha feito qualquer tentativa que desse importância aos fatos aqui indicados e não se limitasse a expor o velho modo de ver. Tudo acaba, assim, desembocando numa briga de palavras em que não se levam em conta as dificuldades terminológicas expostas supra, na pp. XVIII e ss., e em relação às quais cf. também o que está dito infra, nas pp. 15 e ss., a propósito da palavra Gopóç.

5. Supõe-se, com isso, que eles também tenham expressado o que conheciam, coisa, naturalmente, que nem sempre acontece (cf. infra, por exemplo, p. 6, nota 6); para os fins de nosso estudo, no entanto, parece-nos inútil aprofundar a questão.

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XXIV A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO...

O ponto de partida é, naturalmente, a concepção que Hornero- tem do homem. Dado que Homero representa o degrau mais distante’ e, portanto, a nós o mais estranho da helenidade, foi necessàrio (e por isso o primeiro estudo exorbita um pouco dos limites que m e impus nos outros) apresentar de m odo preciso o que nele existe de estranho e prim itivo, coisa que não se podia fazer sem ter presentes certos conceitos do primitivo pensamento grego, ou seja, explicar algumas palavras da língua homérica. Mas visto que era mister, a esse propó­ sito, primeiramente esclarecer algumas questões delicadas acerca do significado das palavras, acentuou-se aí, mais do que nos outros capí­ tulos, o lado técnico-filológico. O capítulo sobre os deuses olímpicos quer mostrar com o, na religião homérica, delineou-se o primeiro es­ boço desse novo mundo construído pelos gregos. A construção histó­ rica é apresentada sobretudo através das expressões mais importantes da grande poesia: o surgimento da lírica e da tragédia, e a passagem da tragédia à filosofia (a crítica do com ediógrafo Aristófanes ao ulti-' m o poeta trágico grego, Eurípides, ilustra o valor dessa passagem)/ Os ensaios que se seguem , a saber, os que tratam das m áximas nun rais, das comparações e da formação do conceito no campo das ciêiK cias naturais, acompanham o desenvolvim ento do pensamento grego sobre o homem e sobre a natureza. Os capítulos sobre a “humanida? de” e sobre Calimaco, examinam o problema da transformação do objeto da conquista espiritual em “objeto de cultura” O capítulo 16 demonstra, trazendo com o exem plo as Éclogas virgilianas, com o o mundo grego teve de sofrer uma transformação para tornar-se acessí­ vel às mentalidades européias; o subseqüente focaliza uma tendência fundamental do pensamento grego que é de atual interesse também para a situação do nosso tempo. Compostos no decorrer destes últi­ m os dezenove anos, a maioria sob forma de conferências, e publica^ dos alguns, num primeiro m omento, isoladamente, estes ensaios es- tavam, todavia, destinados, desde o início, a ser apresentados numa única obra. Muitas foram as m odificações inseridas nas partes isola­ das, especialm ente no mais antigo desses estudos (o capítulo XII), e, onde nos pareceu necessário, convalidaram-se as afirmações median­ te notas de rodapé.

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i . O Homem na Concepção

de Homero

Com Aristarco, o grande filólogo alexandrino, estabeleceu-se um princípio fundamental para a interpretação da língua homérica: o de evitar traduzir os vocábulos homéricos segundo o grego clássico e pro­ curar escapar, nessa interpretação, da influência das formas mais tardias da língua. Princípio esse que se revelou de uma utilidade ainda maior do que previra Aristarco. Se interpretarmos Homero atendo-nos puramente à sua língua, poderemos também dar uma interpretação mais viva e original de sua poesia e permitir que, entendidas no seu verdadeiro sig­ nificado, as palavras homéricas recuperem o antigo esplendor. O filólogo, à semelhança do restaurador de um quadro antigo, poderá ainda hoje remover em muitos pontos a escura pátina de poeira e verniz ali deposita­ da pelo tempo e assim devolver às cores aquela luminosidade que osten­ tavam no momento da criação.

Quanto mais distanciamos o significado das palavras homéricas das da era clássica, mais evidente se torna para nós a diversidade dos tempos e mais claramente entendemos o progresso espiritual dos gregos e sua obra. Mas a essas duas direções - a da interpretação estética, que busca a intensidade da expressão e a beleza da língua, e a histórica, que se interessa pela história do espírito - uma ainda se acrescenta, especial, de caráter filosófico.

Na Grécia nasceram concepções relativas ao homem e ao seu pensa­ mento claro e diligente que influíram de modo decisivo na evolução eu­ ropéia dos séculos posteriores. Temos a tendência de considerar o que foi acrescentado no século V com o válido para todos os tempos. Prova do quanto Homero está longe disso é sua linguagem. Já de há muito se des­ cobriu que numa língua relativamente primitiva as formas de abstração ainda não estão desenvolvidas, mas que em com pensação existe uma

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2 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO...

abundância de definições de coisas concretas, experimentáveis pelos seni tidos que pareceriam estranhas numa língua mais evoluída.

Homero emprega, por exemplo, uma grande quantidade de verbo! que descrevem o ato de ver: ópôcv (horân), íÔeív (idein), ^ ebooeiv (le ú sse in ), àG petv (athreín), GeocaBoti (theâsthai), OKETTceoGal (sképtesthai), oooeoGoa (óssesthai), ÔevôíTiXeiv (dendílein), ôépKeoOocf (dérkesthai), TcocTiTodveiv (paptaínein). Destes, vários caíram em desuse) no grego subseqüente, pelo menos na prosa, vale dizer na língua viva; por exemplo ôépKeoGoa, À,eboGeiv, ôooEoGca, TiocTreaíveiv1. E para subsf tituí-los encontramos apenas duas novas palavras depois de Hornero! ß?iE7i£iv (Blépein) e Gecopeiv (theorein). Pelas palavras caídas em desusé podemos ver quais as necessidades da língua antiga que se tornaram estranhas à língua mais recente. ôépKeoGoa (dérkhesthai) significa: ter um determinado olhar. ôpáKCOV (drákon), a seipente cujo nome deriva dê ôépKeoGoa, é assim chamada porque tem um “olhar” particular, sinistrò! É chamada de “vidente” não porque veja melhor que as outras e suá vista funcione de modo especial, mas porque nela o que impressiona é d ato de olhar. Assim a palavra ôépKeoGoa indica, em Homero, não tanto $ função do olho quanto o lampejo do olhar, percebido por outra pessoáij Diz-se, por exemplo, que Gorgo tem um olhar terrível, que o javali enfili recido expele fogo pelos olhos (irop òcpGoc^poíoi õeôopKoòç). É uma mal neira muito expressiva de olhar; e a prova de que muitos trechos dj poesia de Homero readquirem sua particular beleza somente quando nos damos conta do verdadeiro valor dessa palavra, nós a encontramos na Odisséia, V, 84-158: (Odisseu) tcóvtov èny àxpvyexov ôepKéoKeto ôaKpua Xeißcov. ôépKeoGoa significa “olhar com um olhar particular- resultando do conjunto que se trata de um olhar cheio de saudade, qtie Odisseu, longe da pátria, lança de além mar. Se quisermos traduzir em sua plenitude todo o significado da palavra ôepKéoKeto (e é mister trat duzir também o valor do iterativo), eis que nos tornamos prolixos e sentimentais: “olhava sempre com saudade...”, ou então: “seu olhar per­ dido vagava sempre” sobre o mar. Tudo isso está contido pouco mais oi

menos numa única palavra - ôepKéoKE^o, verbo que dá uma imageir exata de um modo particular de olhar, como por exemplo, em alemão, aí palavras glotzen (= arregalar os olhos) ou starren (= fixar) que determi­ nam um particular modo de olhar (pelo menos de maneira diferente d £ costumeira). Também da águia se pode dizer: ò^woctov ÔépKEToa, “olh<

I. A palavra conservou-se na Arcàdia: ^ e ú a ei ópõe é reportada como gloss KXevcopicov no Diogenian-Exerpt (linha 26), editado por Kurt Latte in “Philol.”, 80

1924, 136 e ss. Latte apoia-se também no documento de Tegea (IG, V, 2, 16, 10, cf. XVI 25). Poderíamos ainda citar as palavras ai)yáÇ opai e ?iáco = ßA.£7tco, mas elas são dema siado raras para que possamos dar-nos conta de seu exato significado (cf. Friedrich Bechtel

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com olhos muito penetrantes”, mas também aqui se faz referência não tanto à função dos olhos, na qual costumamos nós pensar ao dizer “olhar agudamente”, “fixar algo com um olhar agudo”, quanto aos raios do olho, penetrantes como os raios do sol, que Homero chama de “agudos”, visto que atravessam todas as coisas com o arma afiada. 8épK£o0oa é em seguida usado também com o objeto externo, e então o presente signi­ fica aproximadamente “seu olhar pousa sobre um objeto’’ e o aoristo, “seu olhar cai sobre algo”, “dirige-se para alguma coisa”, “ele lança a alguém um olhar”, o que se patenteia sobretudo nos com postos de 8épK£o0ai. Na Iliada, XVI, 10, diz Aquiles a Patroclo: “tu choras com o uma menininha que quer que a mãe a pegue ao colo”, 8aKpuÓ£Gacc Sé jxiv

7toxi8épK£TCxi,

õcpp’ àvéÃrjToci. Chorando, ela “volta o olhar” para a mãe para que esta a pegue ao colo. N ós, alemães, podemos traduzir a contento esse significado com a palavra blicken. Blicken significava originariamente “irradiar”; a palavra tem afinidade com Blitz (= re­ lâmpago), blaken.

Mas o alemão blicken tem um significado mais amplo do que a palavra grega ßÄeraiv, que, na prosa mais tardia, substitui a palavra SépK£o0ai. De qualquer modo, na expressão homérica SépKecôott, não se considera tanto o ver com o função quanto com o a faculdade parti­ cular que têm os olhos de transmitir aos sentidos do homem certas impressões.

O mesmo vale também para outro dos verbos citados, caídos em de­ suso na língua subseqüente.

rcarcTotíveiv

(paptaínein) é, ele também, um modo de olhar, de olhar em torno procurando alguma coisa com olhar circunspecto ou com apreensão. Também ele indica, portanto, com o

8épK£G0ai,

um modo de olhar; não se apoia na função do ver com o tal. Característico é o fato de que esses dois verbos (à exceção apenas de

8épK£G0ai,

em trecho de época mais tardia) jamais são encontrados na

primeira pessoa:

8épK£G0ai

e

mm aívetv

são, portanto, atos que se obser­ vam nos outros e ainda não se sentem como ato próprio. Já com o verbo À£-óaaco, o caso é diferente. Etimologicamente, tem afinidade com Ãeaxóç, brilhante, cândido, e, de fato, dos quatro exemplos da Ilíada nos quais o verbo tem objeto no acusativo, três referem-se ao fogo e às amias luzentes. Ele, portanto, significa: olhar alguma coisa que brilha. Significa, ade­ mais: “olhar ao longe”. A palavra tem, portanto, o m esm o valor do ver­ bo alemão schauen { - olhar) no verso de Goethe: “Zum Sehen geboren, zun Schauen bestellt” (“Nasci para ver; olhar é minha tarefa”). É um modo de olhar com mirada altiva, alegre, livre, àeóctgeivencontra-se com bas­ tante freqüência na primeira pessoa, distinguindo-se, por isso, de

8épK£G0ai

e

TUXTixalveiv,

“atos” de ver que se captam sobretudo nos outros, àewgeiv

(leússein) indica evidentemente determinados sentimentos que experimen­ tamos no ver, sobretudo no ver detenni nadas coisas. Confirma-se isso tam­ bém pelo fato de em Homero encontrarem-se expressões como

Tepnófxevoi

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4 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO...

A roooow iv (Od., V ili, 171), T£Tocp7t£TO Xewacov (//., XIX, 19), %ccipcov ouvckoc... k ix j a e (Od., V ili, 200), nas quais se expressa a alegria qué acompanha o Asuoceiv; nunca o verbo 7&òôgziv é usado com referência a coisas aflitivas e assustadoras. Também essa palavra recebe, portanto," seu sentido específico do modo de ver, de ver algo que está além da fun­ ção do ver e dá ênfase ao objetivo visto e aos sentimentos que acompa-~ nham o ver. O mesmo podemos dizer do quarto verbo relativo ao ato dè ver e que caiu em desuso no período pós-homérico: oaoeoOai (óssesthai)] Esse verbo significa ter alguma coisa diante dos olhos, mais particular^ mente, ter algo de ameaçador diante dos olhos; passamos, assim, ao sig-4 nificado de “pressentir” Também aqui, o ver é determinado pelo objeto é pelo sentimento que o acompanha.

Observamos que, em Homero, também outros verbos que significam “ver” recebem o significado autêntico da atitude que acompanha o ver, ou do momento afetivo. 0£áo0oa (theâsthai) significa, aproximadamente: ver escancarando a boca (como gaffen ou schauen, no alemão meridional; as­ sim na frase: da schaust Du etc. = ficas aí olhando). E por fim os verbos ópav (horân), iSeív (ideín),

o\|/£G0oci

(ópsesthai), mais tarde reunidos num único sistema de conjugação, demonstram que antes não se podia indicar com um só verbo o ato de ver, mas que existiam vários que ocasionalmente designavam um modo particular de ver2. Até que ponto seja possível deter-' minar, também no que diz respeito a esses verbos de Homero, o significado primitivo, não é assunto que possamos resolver aqui, pois exigiria expose ção mais ampla.

Uma palavra mais recente para “ver”, isto é, 0£cop£iv (theõreín); não era, na origem, um verbo, mas deriva de um substantivo, de 0£copó| (theõrós), e deve, portanto, significar “ser espectador” Mais tarde, po­ rém, refere-se a uma forma do ver e significa então “ficar olhando”; “observar”. Não se enfatiza, por conseguinte, neste caso, o modo de ver; o sentimento que o acompanha, e nem mesmo o fato de que se vê um determinado objeto (ainda que num primeiro momento talvez se tratas­ se exatamente disso): em geral, com 0£cop£iv não se indica um modo determinado ou afetivo de ver e sim, uma intensificação da verdadeira e autêntica função do ver. Isto é, enfatiza-se a faculdade que tem o olho de captar um objeto. Esse novo verbo exprime, portanto, exatamenté aquilo que nas formas primitivas ficara em segundo plano, mas que constitui o essencial.

Os verbos da época primitiva formam-se prevalentemente segundo os modos intuitivos do ver, ao passo que mais tarde é a verdadeira e autêntica função do ver que determina exclusivamente a formação do verbo. As diferentes maneiras do ver são, mais tarde, indicadas por meio de

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5 adjuntos adverbiais. TtccTnaívco tran sformar- se-á em TtepißÄETiopai, “olhar em torno” (Ely mol. Magnum) etc.

Naturalmente, também para os homens homéricos os olhos serviam essencialmente para “ver”, isto é, para captar percepções ópticas; mas o que nós acertadamente concebemos como a verdadeira função, com o a parte “positiva” do ver, não era para eles o essencial; mais que isso: se não tinham um verbo para exprimir essa função significa que dela nem sequer tinham conhecimento.

Afastemo-nos por um momento dessas considerações para nos per­ guntarmos que palavra usava Homero para indicar o corpo e a alma.

Já Aristarco observava que a palavra acopa (soma), que mais tarde significará “corpo”, jamais se refere, em Homero, aos viventes3: acòpa significa “cadáver” Mas que palavra usa Homero para indicar o corpo? Aristarco4 achava que ôépaç (démas) seria, para Homero, o coipo vivo. Mas isso só vale para certos casos. Por exemplo, a frase “seu coipo era pequeno” está assim redigida em Homero: pncpòç fjv ôépaç; e a frase “seu coipo assemelhava-se ao de um deus” é expressa deste modo: ôép aç àGaváxoioiv õpoioç fjv. Todavia, ôépaç é um paupérrimo substituto da palavra “corpo”: encontra-se apenas no acusativo de relação. Significa “de figura”, “de estrutura”, limitando-se, por isso, a poucas expressões como ser pequeno ou grande, parecer-se com alguém, e assim por diante. Nisto, porém, Aristarco tem razão: entre as palavras que encontramos em Homero a que, mais que todas, corresponde à forma mais tardia acopa é a palavra ôápaç. Mas Homero também tem outras palavras para indicar o que chamamos de coipo e que os gregos do século V designam com acòpa.

Se dizemos: “Seu corpo enfraqueceu”, isso equivale, traduzido em língua homérica, a ÃéÀ/ovTO y m a ; ou então “todo o seu corpo tremia”: y m a

Tpopéovxar,

e ainda: à nossa expressão “o suor trans­ pirava do corpo” corresponde em Homero:

íôpcoç

èie

peÃécov

eppeev. A frase “seu corpo encheu-se de força” é assim expressa por Homero:

TCÃfjaGev

8 ’

apa ot péÃe’

èvxòç

àÃKfiç.

E aqui temos um plural, ao

passo que, segundo os nossos conceitos lingüísticos, seria de esperar um singular. A o invés de “corpo”, fala-se de “m em bros”; y m a (güía) são os membros enquanto m ovidos pelas articulações5, já

péÃea

(mélea), os membros enquanto recebem força dos m úsculos. A lém disso, existem em Homero, sempre dentro dessa linha, as palavras a\|/ea (hápsea) e p á0ea (rhéthea). Mas podem os aqui pô-las de lado; a y e a encontra-se apenas duas vezes na Odisséia em lugar de y m a ;

3. Karl Lehrs, Aristarchi 3a ed., 86, 106. 4. Idem, 86 e ss.; Plut, Poes. Horn., c. 124.

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6 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO...

pá0ea é, de resto interpretado erroneamente nesse significado, como! se poderá ver em seguida.

Prosseguindo no jogo de transportar não a língua de Homero para a nossa, mas a nossa língua para a homérica, descobrimos outros modos de: traduzir a palavra “corpo” Como devemos traduzir “ele lavou o próprio corpo”? Homero diz: %póa ví

Ç

eto

.

Ou então, como diz Homero, “a espada penetrou em seu corpo”? Aqui Homero usa ainda a palavra xpcbç (khrés)v

Çícpoç %poòç òvqAfte. Nas referências a essas passagens. Acreditou-se que %pd)ç significasse “corpo” e não “pele”6

Mas não há dúvida de que %pcbç, na verdade, seja a pele; não, natural­ mente, a pele no sentido anatômico, a pele que se pode destacar e que seria o ôépjxoc {dèrma), e sim a pele como superfície do corpo, como invólucro, como portadora da cor, e assim por diante. Na realidade, %p6ç assume! numa série de frases, ainda mais decisivamente, o significado de “corpo”’

7iepi

xpol ôógeto%aXKÓv, isto é, “ele cingiu em tomo ao busto a couraça”

(literalmente, em tomo à pele).

Parece-nos estranho que não haja existido uma palavra que expri­ misse o significado de corpo como tal. Das frases citadas que podiam ser empregadas naquele tempo para corpo em lugar da expressão mais tar^ dia acopa (soma), somente os plurais y m a (güia), \iÉ \za (mélea) etc?? permanecem indicando a corporeidade do corpo, visto que x p á ç é ape4 nas o limite do corpo e ôápaç (démas) significa estatura, corporatura, & só o encontramos no acusativo de relação. A prova de que, nessa época, o corpo substancial do homem foi concebido não como unidade mas com o pluralidade aparece até mesmo no modo com o a arte grega arcai­ ca delineia a figura do homem.

Fig. I Fig. 2

6. Essa parece ser uma antiga interpretação de Homero. De fato, ao que parece, já Pindaro, quando menino aprendia na escola que %pcbç corresponde, em muitos lugares, a acopa. Quando (Pind. 1,55) diz de Filotetes: òcoôeveí pèv xpcoxi ßaivoov, “aqueles que se ia com sua débil pele”, já tem a noção do “corpo vivo”, e também conhecerá, portanto, a palavra correspondente acopa, mas evita-se (não só aqui como em outros trechos), por não estar consagrada pela dicção poética. Se uma interpretação tardia de Homero diz que xpcoç, em Homero, é sempre a “pele”, e jamais o “corpo” (K. Lehrs, Quaest. ep., 1837, p. 193), isso significa que a palavra fora anteriormente interpretada como “corpo”. Mesmo o fato de que Pindaro use (Nem., 7,73) ymov no singular demonstra que ele já possuía a concep­ ção de “corpo” Também essa é uma substituição poética de acòpa.

Referências

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