2 ‐ Conceitos Fundamentais de mecânica dos meios contínuos
2.1 Noção de partícula de meio contínuo e hipótese do continuum
A matéria é intrinsecamente corpuscular sendo constituída de átomos, moléculas, iões etc. A matéria é constituída de partículas de massa típica m, têm diâmetro típico L, chocam entre si percorrendo uma distância típica d (livre percurso médio=lpm) no período de tempo (período entre colisões=pec) e portanto têm velocidades a nível microscópico u=d/. Além disso existem N moléculas por unidade de volume.
Para um recipiente com moléculas diatómicas de oxigénio (O2) em condições PTN (pressão p=1 atm,
temperatura T=15ºC=288K) tem‐se: m=5.3x10‐26 kg, L=3x10‐10m=3A (Angstrom), d=lpm=6.3x10‐8m ~200 L , u~500ms‐1 , =pec=1.26x10‐10 s. , N=2.5x1025 moléculas/m3=41 mol/m3 (1 mol=6.023x1023 partículas). 1mol de partículas de x unidades de massa atómica tem uma massa de x gramas (equivalente grama).
Definamos densidade para um volume cúbico de aresta x: v=(x)3 ou seja
x=(Massa em v)/ v.
2.1
Verificando o gráfico de
x, observamos que para x da mesma ordem do livre percurso médio,
x acusa variações microscópicas. Para x>>lpm, atinge‐se um patamar sem grandes variações a um certovalor típico x* que se define como a dimensão de uma partícula de meio contínuo. A partícula mantem
a sua densidade durante o período de tempo t*=x*/u que é a escala temporal mínima de uma partícula de meio contínuo. Para x >> x*, o valor de
x acusa variações macroscópicas. Na maior parte dos casos x*~200 lpm~10‐6m=1m, t*~200 pec~10‐8s. O volume da partícula de meio contínuo será V*~10‐18m3. No caso do O2 apresentado existem n~3x107 partículas numa partícula cúbica de fluido (de aresta x*).
A densidade do fluido é definida como:
numa superfície (domínio 2D) pode definir‐se densidade areolar (massa/área). Se estiver distribuída ao longo de uma curva (domínio 1D), define‐se densidade linear (massa/comprimento).
Hipótese do contínuo físico
A hipótese do contínuo físico consiste em admitir que a matéria é constituída de partículas de meio contínuo. Cada partícula é um sistema físico ao qual estão associadas certas grandezas A e se pode aplicar a mecânica, a termodinâmica e o electromagnetismo. O espaço pode descritizar‐se em valores da ordem de x* e o tempo da ordem de t*. Poderemos diferenciar o campo A no espaço e no tempo aproximando as derivadas por razões incrementais: * *
~
;
~
A
A
A
A
x
x
t
t
2.3 Apesar da discretização é legítima a aplicação do cálculo integral e diferencial. A densidade varia de modo contínuo ao longo do meio e por isso é caracterizada por um campo escalar sobre o domínio físico ocupado por este. No caso de a densidade ser uniforme (meio homogéneo) a densidade em cada ponto P do espaço ocupado pelo fluido é constante ou seja (P)=0.Há meios materiais que não satisfazem a hipótese do contínuo. Exemplos: meio muito rarefeito na alta atmosfera onde o lpm é da ordem de 10cm à altitude de 100km. Aí aplica‐se a teoria cinética dos gases
rarefeitos em que as trajetórias são balísticas tendo a forma de parábolas. Movimento de um meio contínuo
A cada partícula de meio corresponde um determinado centro de massa P (equivalente ao baricentro ou
centro de massa do peso para g=cte. sobre o meio).
A velocidade da partícula de meio contínuo centrada em P é a velocidade média das moléculas dessa partícula de meio‐ Essa velocidade média define‐se como velocidade do meio contínuo v P( ) em P. O meio diz‐se estar em repouso macroscópico se a velocidade é nula ou seja v P( )0, P onde é o domínio espacial preenchido pelo meio. O repouso macroscópico não significa repouso microscópico. A velocidade pode ser variável de ponto para ponto do meio como por exemplo no escoamento de um fluido. Desse modo a aplicação em cada instante t e pontoP : v P( )é um campo vetorial contínuo em todos os instantes e pontos com excepção eventualmente de pontos, linhas ou superfícies isoladas (ex. na fronteira do recipiente que contem o fluido). Admite‐se igualmente que as primeiras derivadas espaciais e temporal são contínuas. Tal propriedade é a necessária para definir aceleração e taxa de deformação.
2.2 Variáveis extensivas e intensivas.
Um sistema constituído por um meio contínuo é caracterizado por variáveis extensivas ou aditivas, isto é cujo valor depende da quantidade de massa do sistema ou extensão espacial do sistema.
Uma variável física A é aditiva se o respectivo valor associado A à união S1S2 de dois sistemas S1 e S2 é a
soma dos valores associados a cada sistema i.e:
1 2
1
2 A S S A S A S2.4
Exemplos: Massa total, massa de um componente específico, volume de sistemas 3D, área de sistemas 2D, comprimento de sistemas 1D, energia, momento linear, momento angular, entropia, carga eléctrica, número de nucleões (protões e neutrões). As variáveis extensivas crescem de forma monótona crescente com a massa.
Existem variáveis não extensivas B. As dimensões físicas destas podem ser: a) o quociente entre variáveis extensivas, ou b) uma variável extensiva por unidade de tempo. Estas são variáveis intensivas e portanto não variam de forma monótona crescente com a quantidade de massa ou com a extensão do sistema (volume, área).
Exemplos: velocidade, aceleração, temperatura, pressão, densidade, densidade parcial (massa de componente específico por unidade de massa), campo elétrico etc.
Valor específico mássico e volúmico
Valor específico mássico ou densidade mássica da grandeza extensiva A é o quociente entre o valor da gradeza extensiva e a massa sobre a qual essa massa se distribui:
A/m=(Valor de A)/(Massa)=a
2.5
Valor específico volúmico ou densidade volúmica da grandeza extensiva A é o quociente entre entre o valor de A volume do sistema:
(Valor específico volúmico) = A/V= (Valor de A)/(Volume)= a’ = a = (A/m)(m/V) = (Valor
específico mássico) X (densidade)
2.6
Se o domínio do meio contínuo for bidimensional (2D) ou unidimensional (1D), definem‐se as grandezas equivalentes de valor específico areolar e valor específico linear ou seja (A/área) e A/comprimento
Exemplos: 1) Valor específico mássico do momento linear = (massa X velocidade)/ (massa) = velocidade =v (ms‐1). Valor específico volúmico de momento linear =v 2) valor específico mássico de energia cinética: 1/ 2 v2 (Joule/kg). Valor específico volúmico de energia cinética: 1 2 2 v
(Joule/m3). Para referência escalares são tensores de ordem zero, vetores são tensores de ordem 1 e o equivalente a matrizes quadradas são tensores de ordem 2.Valores integrados de grandezas extensivas
A grandeza extensiva A pode ser avaliada num meio contínuo macroscópico de dimensões finitas (ex: momento linear da água em escoamento num rio). Para tal é necessário calcular o integral dea(P,t)
sobre um domínio .dv
Valor integrado de uma grandeza extensiva no meio
A
a
2.7
O domínio pode ser estático (ex. secção 3D de uma tubagem em repouso) ou móvel (volume que acompanha uma nuvem em movimento ou o volume que acompanha uma determinada massa de fluido (ex. nuvem tóxica libertada por uma central fabril). O domínio preenchido pelo fluido é assim em geral variável no tempo: =(t). Um volume no interior do domínio do escoamento sobre o qual é relevante calcular certas grandezas extensivas A ou a sua variação temporal dA/dt, é denominado de volume de
referência ou de controle.
2.3 Coordenadas Eulerianas e Lagrangeanas
Cada partícula ou porção de fluido (fluid parcel) em movimento (escoamento) descreve uma determinada trajetória r t
durante um determinado intervalo de tempo [t0,t1] onde r t
é o vetor posição da partícula no instante t[t0,t1]. No instante inicial t0 , cada partícula está na sua posição inicial:
0;
0r t
R
R
2.8
O vetor posição depende do tempo e da posição inicial ou seja
r
representa‐se em termos de dependência nas variáveis independentes na forma:r
r t R
,
. O domínio espacial inicial 0
preenchido pelo fluido transforma‐se no domínio pelo escoamento num instante posterior genérico tt0.
Axioma da continuidade: A função
r
r t R
,
é invertível em cada cada
instante t.
Este axioma permite exprimir a posição inicialR
R t r
,
da partícula que no instante t passou porr
. As coodenadas lagrangeanas funcionam como a identificação de cada partícula.Qualquer campo tensorial T, associado a um escoamento pode ser descrito de duas formas, uma dual da outra:
As coordenadas
x y z
, ,
r
do espaço físico R3 são as coordenadas Eulerianas ou locais. Permanecem associadas aos pontos do espaço físico. As coordenadas iniciais
X Y Z
, ,
R
das partículas são as coordenadas Lagrangeanas, materiais ou substanciais. Permanecem associadas às partículas.Axioma da permanência
O Jacobiano da transformação de coordenadas Lagrangeanas para Eulerianas é o quociente entre o volume v(t) da partícula no instante t e o volume V=v(t0) da partícula no instante inicial t0. O axioma da
permanência permite afirmar que o jacobiano J é finito e maior que zero, o que equivale a dizer que a matéria nem se distende infinitamente (J=) nem se contrai infinitamente (J=0).
0, ,
( )
( )
det
; 0
, ,
( )
x y z
r
v t
v t
J
J
X Y Z
v t
V
R
2.10
Em domínios 2D o jacobiano é
,,
x y J X Y .A massa
m
da partícula de fluido mantém‐se constante como requisito da definição de partícula de fluido. Essa massa m é considerada infinitesimal e portanto ser assumida como um diferencial do ponto de vista do cálculo infinitesimal. Assim tem‐se a relação entre a densidade inicial 0 =(t0) da partícula e a densidade da mesma partícula no instante t: 0 0( )
0( )
( )
( )
( ) logo
0( )
m
cte
v t
t
v t
t J v t
t
J
2.11
Axioma da diferenciabilidade
As coordenadas
r
Eulerianas e as coordenadas LagrangeanasR
são diferenciáveis pelo menos 3 vezes no espaço e tempo, (tantas quantas as necessárias para a aplicação do formalismo da mecânica dos meios contínuos). Excepção feita para alguns pontos, linhas ou superfícies de medida nula em R3. Tal é o caso das fronteiras correspondentes a paredes de reservatórios, condutas, obstáculos do escoamento etc.
Domínio material é um domínio no espaço que é formado sempre pelas mesmas partículas de fluido.
Define‐se assim linha material (domínio a 1 dimensão, exemplo: colar de pérolas), superfície material (domínio a 2 dimensões, exemplo: folha de papel) e volume material (domínio a 3 dimensões: exemplo: esponja, balão cheio de água). Os volumes materiais dos fluidos deformam‐se sendo sempre formados pelas mesmas partículas. Como corolários do axioma da continuidade e da diferenciabilidade, as partículas de fluido vizinhas (separadas) permanecem vizinhas (separadas). Uma linha material permanece uma linha bem como uma superfície material permanece uma superfície. Eventualmente há ruptura da linha em pontos isolados ou da superfície em linhas isoladas.