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Coulon, Alain. Etnometodologia.

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DOUTDR41/450 2

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09.

1

Alain Coulon

30 - 3k 3dvul-E,

ETNOMETODOLOG1A.

Tradução de

Ephraim Ferreira Alves

\'OZES

Petrópolis 1995

(2)

Presses Universitaires de France, 1987

108, boulevard Saint-Germain

75006 Paris

Sumário

C : = 1/1 I'. 1 hfl 5,1 1 ) e . . . e." I.5 I >... rtr: 4,55 5

Título do original francês:

liethnométhodologie

Direitos de publicação em

língua portuguesa no Brasil:

Editora Vozes Ltda.

Rua. Frei Luís, 100

25689-9'00 Petrópolis, RJ

Brasil

FICHA TÉCNICA; COORDENAÇÃO EDITORIAL: Avelino Grosai EDITOR: Antônio De Paulo

•%ri.

COORDENAÇÃO INDUSTRIAL: José Luiz Castro

• • EDITOR DE ARTE:

.r.C» Ornar Santos

C.

h . EDITORAÇÃO:

Editoração e organização literária: Jaime A. Clasen Cl

Revisão gráfica: Revitec S/C -4 •

Diagramação: Josione Furiati hW, Supervisão gráfica: Valderes Rodrigues (11.•

rY

5,15

ISBN 2 13 04356-4 (edição francesa)

.51

ISBN 85.326.1411-6 (edição brasileira)

44.

tre I/ I

Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100. Petrópolis, RJ — Brasil — CEP 25689-900 Tel.: (0242)43.5112 — Fax.: (0242)42-0692 — Caixa Postal 90023

End. Telegráfico: VOZES — Inscr. Est. 80.647.050 CGC 31.127.301/0001-04,

em abril de 1995.

Introdução

Capítulo I — Os Precursores

1. Parsons e a teoria da ação 2. Schütz

3. O interacionismo simbólico

Capítulo II — História do Movimento Etnometodológico 1. 1949: crimes inter-raciais e definição da

situação

2. 1952:

a tese de Garfinkel

3. Cicourel e a constituição da "rede" 4. A difusão intelectual

5. 1967: o livro fundador 6. O crescimento do movimento 7. A difusão no exterior

Capítulo III — Os Conceitos-chave da Etnometodologia.

1. Prática, realização 2. A indicialidade 3. A reflexividade 4. A accountability 5. A noção de membro

Capítulo IV — Sociologia Leiga e Sociologia Profissional 1. Conhecimento prático e conhecimento

científico

2. O ator social não é um idiota cultural

3. Objetivismo e subjetivismo

4. O método documentário de interpretação 5. Um experimento 7 9 9 10 14 19 19 20 21 22 24 25 27 29 29 32 38 42 47 49 52 53 53 55 58

BU-

oo

1

27

5

Li9-3

(3)

v. rxyiutiett pf011881Unal .10

7. O raciocínio sociológico prático e a análise de

conversação 72

Capítulo V

Questão de Método

79

1. A postura de "indiferença etnometodológica" 79 2. A provocação experimental 82 3. A contribuição metodológica de Cicourel 83 4. Etnometodologia, etnografia constitutiva e

so

c

iologia qualitativa 85

Capítulo VI

O Trabalho de Campo

93

1. A educação 96

2. A delinqüência juvenil 104

3. A vida de laboratório 109

4. A burocracia 112

Capítulo VII

Críticave Convergências

115

1. Um ataque violento 116 2. Um contra-senso 119 3. Uma seita? 122 4. Tentativa de síntese 125 5. Marxismo e etnometodologia 126 Conclusão 129 Bibliografia 131 (ft, sio

Introdução

A

etnometodologia é uma corrente da sociologia

ame-ricana, surgida nos anos 60, que se instalou

inicial-mente nos

campi

da Califórnia. Conquistou em

seguida outras universidades americanas e européias,

particularmente inglesas e alemãs. No entanto, a

etno-metologia era praticamente desconhecida do públi -co

francês até a difusão de alguns textos fundadores e de

comentários que começam a se multiplicar. Todavia,

mais de vinte e cinco anos depois da publicação da obra

fundadora de Harold Garfinkel,

Stuties in

Ethnome-thodology,

ainda não se acha traduzida em francês. As

raras traduções de textos etnometodológicos estão

dis-persas em algumas revistas.

A importância teórica e epistemológica da

etnome-todologia se deve ao fato de efetuar uma ruptura

radical com modos de pensamento da

sociologia tradi- cional. Mais que teoria constituída, ela é uma perspec- tiva

de pesquisa, uma nova postura

intelectual.

A entrada da etnometodologia em nossa cultura anuncia uma verdadeira reviravolta de nossa tradição sociológica. Essa mudança ocorre com uma ampliação do pensamento social. Dá-se hoje maior importância à compreensão que à explicação, à abordagem qualitati-va do social que à quantofrenia das pesquisas socioló-gicas

anteriores.

A pesquisa etnometodológica se organiza em torno

da idéia segundo a qual todos nós somos "sociólogos em

estado prático", segundo a bela fórmula de Alfred

Schütz. O real já se acha descrito pelas pessoas. A

(4)

linguagem comum diz a realidade social, descreve-a

e

ao mesmo tempo a constitui.

Contra a definição dtirkheimiana da

sociologia

construída a partir da ruptura com o senso comum, a

etnometodologia mostra que temos à nossa disposição

a

possibilidade de apreender de maneira adequada

aquilo que fazeinos para organizar a nossa existência

social. Analisando as práticas ordinárias no aqui e

agora sempre localitado das interações, ela vem

so-mar-se a outras correntes mantidas à margem da

sociologia oficial, em particular a sociologia de

inter-venção que leva também em conta o fato de todo o

grupo social ser capaz de se compreender a si mesmo,

comentar-se, analisar-se.

A corrente que vamos aqui apresentar não é uma

escola marginal. Segundo Richard Hilbert, existe

mes-mo um vínculo muito estreito entre a etnometodologia

e as sociologias de Durkheim e de Weber'. A

etnometo-dologia não

é

um ramo separado do conjunto da

pes-quisa em ciências sociais. Pelo contrário, acha-se em

relação,

mediante múltiplas ligações, com outras cor-rentes que, como o marxismo, a fenomenologia, o exis-tencialismo e o interacionismo, alimentam a reflexão contemporânea sobre a nossa sociedade. 2

1. Richard A. Hilbert, The Classical Roais of Ethnomethodology. Durkheim,

Weber, and Garfinkel, Chapel. Hill, University of North Carolina Press,

1992.

2. As traduções, salvo indicação em contrário, são de minha lavra. Agradeço a Harold Garflnkel a autorização para traduzir certas passagens de Studies In Ethnomethodology, bem como, pela mesma razão, a Basil -131ackwell-LtcL, editor-da-segunda-ediç-ão dessa-obra.

Capítulo I

Os Precursores

Admite-se de modo geral que as

duas fontes

princi-pais da obra de Garfinkel,

mas não de todos

os

etno-metodólogos,

sejam as obras

de Talcott Parsons e

Alfred

Schütz.

Estes são dois autores mais ou

menos contemporâneos, mas com itinerários diferentes.

Par-sons nasce nos EUA e desenvolve uma imponente

obra que rapidamente influencia o pensamento social

ame-ricano.

Schütz, ao contrário, emigra para

os EUA

quando já tinha quarenta anos, em 1939, e exerce por vinte anos, até falecer em 1959, influência bem mais discreta. Não é universitário, salvo no fim da vida. Mas dá conferências, publica muitos artigos, e hoje se ava-lia sempre mais o seu papel na sociologia contemporâ-nea. A isto vem somar-se a influência do interacionismo

simbólico.

1. Parsons e a teoria da ação

Parsons foi uma figura dominante da sociologia

ame-ricana do século XX'. Em oposição à corrente

geral do seu tempo,

reabilitou

..

a _sociologia teórica

de matriz

européia integrando

em

sua teoria

dã_Wáo

Os

traba-liiOs deDiik

-heim,, Weber, Pareto, etc. nra-

ao mesmo

1. Para uma exposição do seu pensamento, consulte-se particularmente T.

Parsons et alii, 1951: 7btuards a General Theory of Action, Cambridge, Masa., Harvard University Presa; T. Parsons 1963: The Structure of

Social Action, Nova York, Free Press; em francês: Eléments pour une

(5)

_ - ...•••••••••vv.&•V, ,7%•1.4. U9./0,1 VaillellW

de ar

BLEadapresentava particularmente a vantagem

de reunir a sociologia propriamente dita, a psicologia

social é a antropologia. Ali se formou toda uma geração

de sociólogos

americanooãiqúiiiiii_g.

Segundo

Parsons,as motivações dos atores

sociais são

integradas em

moleRa normativos_ que regulam _

as

condutas

e as

apreciações recíprocas. Assim se explica

a

estabilidade dáordem social e sua reprodução em

cada encontro entre os indivíduos. Compartilhamos

valores ue nos transcendem e_ governam.. Temos a

tendência, para ,evitar angústia e castigos, a nos

con-formarmos com as

regras

da vida em comum.

Mas como é que acontece que respeitemos em geral

essas regras da vida em comum sem refletir sequer?

Parsons recorreu ,a Freud para explicar essa

regulari-dade da vida social. Freud mostrou que no decurso da

educação as regras da vida em sociedade são

inte-riorizadas pelo indiViduo e constituem o que ele

deno-mina o "super-ego", isto é, uma espécie de tribunal

interior. Esse sistema interiorizado governa, segundo

Freud e Parsons, os nossos comportamentos e até

mesmo os nossos pensamentos.

Para a nossa co.m_unicação sempre nos servimos de

sím6-6-1-6-s, que tomam sentido

.,

em totalidades como

a

linguagem, que preexiste a nossos encontros, como

sistema_de-referência

e'corrio recurso eterno,

inekaurf;

vel e estável. A etnometodologia

vá'i colocar o probFein -ii

de outro modo: a_relação entre ator e situação não se

od-è ei

-V---=ã--i1.CaTeúdos culturais nem a regras

,

mas será

produzida por .processps_de . interpretação.

Dá-se aí

uma mudança de paradigma sociológico: com a etno:

inetodologia_se_passa__de um paradigma normativo

para um paradigma interpretativo.

2. Schütz

Alfred Sch

estudou ciências sociais na Univer-

sidade deiena no começo deste século. Tomou como

ponto

de 'partida uma reflexão sobre Max 'Weber, para

elaborar a sua primeira obra publicada

em 1932 2 .

usserl

que lhe propôs

o

cargo

de assistente. Schütz declinou a oferta, mas

conservou relações de

trabalho com Husserl até sair

definitivamente do país, em 1938, fugindo do regime

nazista. Depois de passar um ano em Paris, instala-se

definitivamente nos EUA, onde morre em 1959.

So-mente

após a morte é que se tornou um clássico da

sociologia, mas

desde os anos 40

ele ministra

conferên-cias

em Nova Iorque, onde conta entre seus

ouvintes

Peter Berger, Thomas Lückmann.

Voltemos porém à obra de

1932 _que funda a

feno-rnenobj—

ja social.

Max Weber, embora lhe tenha sublinhado

a

impor-tância,

não clarificou a noção de Verstehen -

o

com-preender

em contraste com o explicar,

Erkltiren -

que

se refere ora ao

conhecimento do senso comum,

ora a

um método específico das ciências sociais.

Schütz

vai

desenyolyer

o primei ro .

significado do

Verstehen-P p

ro-

o

estudo

dos processos de interp_tetação_que_utilir__

zamos em nossa

vidã-

de-vs6--"Cria para dar sentido

a

noss~s e às dos outros. Aqui reside

provavelmen-te a idéia central, o aporprovavelmen-te essencial de Schütz. Como

o sublinha Patrick Pharo, é "a idéia simples que

se

encontra em

Schütz, mas também de certo modo em

Wittgenstein", segundo a qual

"a

compreensão se acha

sempre já

realizada nas.

_atividA.U8—mais_urric~s

da vida ordinária" (p. 160) 3.

Como

o observa Schütz, "a

linguagem cotidiana çsconde_tado_um__tesoura_de_tipQs_

e características pré-constituídos, de essência social,

que

abrigam 65nteu os.inexploradasr. O

mu-RO social

de Schütz é o da vida cotidiana:vivida por pessoas que

2. At Schütz, 1932: Der Sinnhafte Aufbau der sozialen Welt, Wien, Springer

( 1960); trad. ingl.: The Phenomenology of the Social World. Evanston, Illinois, Northwestern University Press 1967, e Londres, Heinemann 1972.

3. E Pharo, 1985: "La description des etructures formelles de l'activité sociale", em: Décrire: un impératif?, Paris, EHESS, t. 2, p. 159-174.

(6)

não têm interesse teórico, a priori, pela constituição do

mundo. Este murtdo_sociaLémminuiidPiiiriiiiibje- tio,

mundo de rotinas, em que a maioria dos aiiii -dirrida

cotidiana são em geral ,realizados maquinalmente.

A

realidade parece mattiral e sem problemas. Para

Schütz a realidade social é

"a soma total dos objetos e dos acontecimentos do mundo

cultural e social, vivido pelo pensamento de senso

co-mum de homens que vivem juntos numerosas relações

de interação. É o mundo dos objetos culturais e das

instituições sociais em que nascemos todos nós, onde nos

reconhecemos...

'Desde o princípio,n6s,

os atores no

çenário social,

vivemos o mundo como um mundo a-O

mesmo

tempo de a.tura naturali -,-fião como um

mundO15-fiV----a-db--iiiás- iiitesübretiVo, ou seja, que nos é

cornum_,que nos 6dad -6-6ü -i¡iie é potencialmente

acessí-vel a cada um deriéS. E" isso implica a intercomunicação,

e a

Os

homens

nunca têm, seja lá no que for,

Qxperiên-cias idênticas, mas supõem ,que

elas sejam idênticas,

?azem como

se fossem idênticas, para todos os fins

práticos. A experiênçia subjetiva de um indivíduo é

inacessível a outro indivíduo. Os próprios atores

ordi-nários, que no entanto não são filósofos, sabem que não

vêem jamais os mesmos, objetos de maneira comum:

não se colocam no mesmo ponto de observação desses

objetos e não têm as mesmas motivações ou os mesmos

objetivos, as mesmas intenções, para observá-los.

Nin-guém vê a mesma coisa, quando vai assistir a uma

partida de futebol, quer esteja sentado nas tribunas

centrais quer nas arquibancadas. Todo mundo sabe tão

bem disso que se aceita, para assistir a uma mesma

partida, que os preços sejam diferentes porque a

qua-lidade do espetáculo, ou Mais exatamente a quaqua-lidade

4. A. Schütz, 1962: Concept and Theory Formation in the Social Sciences, em: Colleeted Papem p. 48-66, Ten Haag, Martinus Nijhoff. Trechos da obra de Schütz foram coligidos e traduzidos em francês: A. Schütz, 1987:

chercheur et le quoddieis, Paris, Méridien, Klincksieck.

do olhar, difere conforme o ponto

de vista. No entanto,

estarão

todos de acordo em dizer

que todos os

especta-dores

acompanharam a mesma partida. Em

princípio,

o fato de os atores não verem a mesma coisa

deveria

impedir toda possibilidade de um real conhecimento

intersubjetivo. Este, porém, não é o caso

graças a duas

"idealizações" usadas pelos atores: a da

possibilidade

da troca de pontos de vista de um lado (pode-se trocar

de lugar e mudar assim os ângulos de visão) e da

conformidade do sistema de pertinência de outra parte

(todos os espectadores supõem que os outros tenham

vindo assistir à partida pelas mesmas razões que eles,

que se interessam por ela do mesmo jeito ou pelo menos

se interessam por ela empiricamente, de modo

idênti-co, e isto apesar de suas diferenças biográficas).

Con-sideradas em conjunto, essas duas idealizações

com-põem "a_tese_gP_ral_da reciproctdade_das_perspediva.s"

que marca o caráter social da estrutura do mundo-vida

de cada um.

Essa. çiescrição de Schütz __permite compreender

como mundos

experienciais

"privados",

singulares,

po-dem ser transcendidos em um mundo comum: é

me-diante esSaid-UitSid-eilliz4ões que vejO- a mesma coisa

que meus companheiros de partida, inclusive aqueles

que, não tendo ido até o estádio, assistem o jogo pela

televisão. Vemos juntos a mesma partida, a despeito

de nossos lugares diferentes, de nossas diferenças de

sexo, de idade, de condição social, etc. Igualmente, "nós

dois vemos o mesmo pássaro voando, apesar. de.nosias

diferenças de posição no espaço, nossas diferenças de

Sexo e de idade, e a despeito do fato de você ter a

intenção de caçá-lo ao passo que eu quero

simplesmen-te admirá-lo".

Por este processo de permanente ajuste, expresso

nessas duas idealizações, os atores são capazes de

dissipar as suas divergências de percepção do mundo.

A "atitude natural" esconde uma extraordinária

capa-cidade de tratar os objetos e, de modo mais geral, as

ações e os acontecimentos da vida. social, em vista de

(7)

inanuer um mundo comum. Ela implica igualmente

uma capacidade de interpretação tal que o mundo já

se acha descrito par seiis membros.

3.

O interacionismo simbólico

01drafonta-da-striqmetodologia,é o inter_acionig19

simbólico. Encontra a sua primeira origem na "Escola

de Chicago" 6 , cujos principais representantes são

Ro-bert Park, Ernest ,Burgess e William Thomas 6. Essa

corrente de pensamento popularizou o uso.dos

métodos .

qualitativos na pesquisa de campo,

método_s_ade.qua-dospara estudar a realidade social, em particular as

reviravoltas sociais rápidas provoCadas pelo

cresci-mento urbano de Chicago. O interacionismo simbólico'

se move na'contracorrente da concepção durkheimiana

do autor. Durkheirn, embora reconhecesse a

capacida-de do ator para capacida-desérever os fatos sociais que o cercam,

acha que essas descriçõàs são por demais gagas, muito

ambíguas, para que o pesquisador possa usá-las de

modo científico, sendo tais manifestações subjetivas

não

subordinadas aliás ao domínio da sociologia. Ao

invés, o,interacionismo simbólico afirma que a

concep-ção que os . atores fazem ,para si domundo social

cons-títui em última análise o objeto essencial da pesquisa

sociológica.

5. Cf. Alain Coulon, L'Ecole de Chicago, Paris, PUF (1992], 2 1993 ("Que

saia-je?", n. 2639).

6. R.E. Park e E.W. Burgess 1921: Introduction to the sciences of Sociology, Chicago, University of Chicago Presa; W.I. Thomas e F. Znaniecki, 1918-1920: The Polish Peasant in Europe and America. Chicago, Chica-go University Presa (New , Yrkk, Knopf, 1927). W. Thomas foi um dos primeiros a usar em sociologia materiais biográficos e autobiográficos em seu monumental estudo (mais de 2.200 páginas) feito em conjunto com F. Znaniecki, sobre os camponeses poloneses exilados na Europa e na América.

7. Quem pela primeira vez formulou a expressão "interação simbólica" foi Blumer (1937). Sobre o interacionismo, cf. H. Blumer, 1969: Symbolic

Interactionism. Perspective and Method, Chicago, University of Chicago

Presa. Em francês, cf. Arlitelm Strauss: Miroirs et masques. Une

intro-duction à l'interactioniàme. Paria, A.M. Métailié 1992.

As criticas. metodológicas_dos sinteracionistas-são -

radicais. Rejeitam o modelo da pesquisa quantitativa

e suas conseqüências sobre a concepção do -Figni.—eda

causalidade nas ciências -S-Oeiais. Um confieClinento

Sociológico adequado não1Yeíd-e-fia ser elaborado pela

observação de princípios metodológicos que procurem

extrair dados de seu contexto a fim de torná-los

obje-tivos. A utilização

de

questionários, de entrevistas, de

escalas de atitude, de cálculos, de tabelas estatísticas

etc., tudo isso cria uma certa distância, afasta o

pes-quisador,

em nome da própria objetividade, do mundo

social que deseja estudar. Esta concepção cientificista

-produz evidentemente um curioso modelo do ator, sem

relação com a realidade social natural em que

este KJ vive.

() autêntico conhecimento sociológica_nos_é_conce:

dido na experiência imediata, nas interações de todos

Os- aias. Deve:sé-iiii primeiro lugar levar em conta o

ponto de vista dos atores, seja qual for o objeto de

estudo, ois é através do sentido que

eles_a_trauLem_aos_ objetos,___saituações, aos árnbol9s

que

os_cercam,

que

os atores constroem seu

mundo

social.

No conjunto, a sociologia negligenciou a importân-cia dos aportes metodológicos e teóricos do interacio-nismo simbólico, visto em geral com certo desprezo, como

uma empreitada de tipo jornalístico', sem

um verdadeiro

estatuto científico. Quando muito lhe

reco-nheceram

uma utilidade eventual de pesquisa preli-

8. Robert Park, um dos primeiros fundadores da Escola de Chicago, era um ex-jornalista. É primeiramente um aluno de Simmel, em Berlim. Tem quarenta e nove anos quando começa a lecionar Sociologia na Universi-dade (1913). Mas não renega o seu passado de jornalista. A seu ver, o

sociólogo é uma "espécie de super-repórter, informa de maneira um pouco mais precisa e com um pouco mais de distância que a média". As

pesquisas e sondagens sociológicas não são para ele, em seu conteúdo e

em suas técnicas, mais que formas superiores de jornalismo: "A ciência é simplesmente um pouco mais persistente em sua curiosidade, um pouco mais exigente e exata em suas observaç5es do que o senso comum" (Park e Burgess, 1921: op. cit,, p. 188).

(8)

minar. Tbdavia o interacionismo se acha bem ancorado

na tradição de pesquisa anglo-sax8nia, e continua

exercendo. Uma certa influência, como se pode ver em

particular nos estudos: sobre o desvio social.

É considerável o interesse do

interacionismo

sim-bólico, não apenas porque insiste..no_papel. criativo

desempenhado

pelot atores na_construção.de sua vida

C."--""-cran

oti a, mas também pela sua atenção aos

porm—erio-res dessa construção, Também não se deveria crer que

o interacionismo não passe afinal de uma "sociologia

selvagem", sem hipóteses teóricas. Ela tem, seu apoio

em uma tradi ão teórica bem .viva, segundoa__qual

os

obj e. os sociais

são.construidos. O

signifiàaasociaLdos

objetos se deve ao 1 -ato

de lhes darmos sentido no

decurso de nossas

interações. E se alguns desses

ifg:

nificados gozam de estabilidade no tempo, devem ser

renegociados a cada nova interação.

Define-se

a

inte-ração como uma

ordem negociada, temporária, frágil,

que deve ser permanentemenieieConstruídka.fim_de

inter

p

retar o mundo. Este

cou

nstr tiv.Luno,

que tem

afinidaes com o ramento de K. Marx, vai aparecer

tanto na fenomenolOgia social como

sob uma

outra

forma na etnometodologia.

A teoria da atribdção de rótulos —

labeling theory

— que faz parte, do interacionismo simbólico, leva ao

extremo essa orientação segundo a qual o mundo social

não

é dado

mas

construído

"aqui e agora".

Os indivíduos são por exemplo "rotulados" como

desviantes. O desvio não é mais considerado como uma

"qualidade", uma característica própria da pessoa, ou

ainda como algo produzido pelo desviante. Pensa-se

que o desvio é ao contrário criado por um conjunto

de

definições instituídas,

pela

reação do social a atos

mais

ou menos marginais, em suma, acredita-se que o

des-vio é o

resultado ou a conseqüência de um juízo social.

E o que sublinha Howard Becker:

"O desvio não é a qualidade do ato cometido por alguém, mas antes a conseqüência da aplicação, por outros, de

regras e sanções a um `ofensor'. O

desviante é uma

pessoa a quem este

rótulo

,

pôde ser aplicado

com

suces-so.

O comportamento desviante é

o

comportamento

de-signado como tal"9.

Noutras palavras, um indivíduo não

vem a ser um

desviante pelo mero fato de realizar uma

certa ação. O

desvio não é inerente ao comportamento.

O desviante é aquele que é

assumido, definido,

isolado, designado e estigmatizado. Esta

é uma das

idéias mais fortes da teoria

da designação: pensar que

as

forças do controle social, designando certas

pessoas

como desviantes,

as confirmam

como desviantes por

causa do estigma que se apega a

essa designação. A tal

ponto que se chegou a dizer que o

controle social,

paradoxalmente, gerava e reforçava os

comportamen-tos desviantes, ao passo que foi instituído para

origi-nalmente

combatê-los, canalizá-los

e reprimi-los: a

pessoa se torna assim como á descrevem'''.

Para os etnometodólogos, que às vezes

se vão

ins-pirar

na teoria da atribuição de rótulos, o

desvio não

se definirá unilateralmente como desobediência a

nor-mas. Nele se há de ver o efeito

de uma construção

social, uma produção ao mesmo tempo

daqueles que se

ocupam com os desviantes e os rotulam

e dos próprios

desviantes que se rotulam como tais, confirmando por

seus comp "rtamentos

ulteriores a. atribuição social

inicial do rótulo.

9. Howard Becker, 1963: Outsiders: Studies in the Sociology aí Deviance. Nova York. The Free Press, p. 9 (Trad. francesa: Outsiders. Etudes de

Sociologie de la déviance, prefácio de.J.-M. Chapoulie, Paris, A.-M Métailié 1985.

10. Este fenómeno tem alguma semelhança com o da predição em fa mil ia, aplicando-se ao desempenho escolar dos filhos e ao nível escolar que se supõe que serão capazes de alcançar. Trata-se em muitos casos de uma verdadeira atribuição, e os filhos não fazem mais que realizar a predi-ção-proclamação dos pais: "...ele não vai passar do Primeiro Grau...". O mesmo se aplica sem dúvida quando se diz por exemplo a respeito de um aluno: "não é bom em matemática". A criança logo fica convencida disso, e seu desempenho logo alcança efetivamente o nível atribuído, realizan-do assim a profecia familiar.

????

(9)

Capítulo: II

História do Movimento

Etnometodológico

A.

etnometodologia começa com os trabalhos do soció-logo Har9.1.d.Garfinkel, Nascido em 1917, faz os seus

estudos

doutorais em 1946, na Universidade..de_Har-yard, sob a direção

de

Talcott Earsons, Ao mesmo tempo se inicia na fenomenologia, lê Edmund Husserl, Aaron Gurwitsch, Alfred Schütz e Maurice Merleau :

Ponty, que sobre ele vão exercer enorme influência.

1. 1949: crimes inter-raciais e definição

da situação

Publica o seu primeiro trabalho em 1949'. Trata-se de um artigo sobre os homicídios inter e intra-raciais e sobre OE processos e condenações que lhes estão

relacionados. Garfinkel toma emprestada de William Thomas a idéia segundo a qual os atores tomam parte ativa na "definição da situação". Dizer que os atores de um fato social, por ocasião de suas interações, "definem a situação" significa que definem sempre em sua vida cotidiana as instituições em que vivem. Como irá su-blinhar mais tarde Ervin Goffman, deve-se definir o "quadro"para compreendê-lo e agir. Contrariamente

1. H. Garfinkel, 1949: Research Note on Inter- and Intra-Racial Homicides,

(10)

à

sociologia, que procura saber como os indivíduos

agem em situações já definidas fora deles e

preexisten-tes a suas interações,

á etnometodologia vaLtentar. 1

compreender_como_é..que ros individuoa vêern, descra- /

y_em

e_propãem_eni_conju'into

uma

definição da. situa- !"

242—

2. 1952: a tese de Garfinkel

Em 192, Garfinkel defende a sua tese de

doutora-mento'. Parsons exerceu sobre ele uma influência

de-cisiva e ele jamais deixará de reconhecê-lo. No entanto,

de modo algum pode ser chamado "discípulo" de

Par-sons, no sentido de seguimento que geralmente se liga

a esta noção. Mas sempre reconhecerá a sua dívida,

como escreverá mais' tarde lembrando que seus

traba-lhos

"encontram a sua origem na leitura

dos escritos de Talcott Parsons, Alfred Schütz, Aaron Gurwitsch e Ed-mund Husserl... O'trabalho de Parsons de modo parti-cular até hoje impressiona pela profundidade e pela precisão do seu raciocínio sociológico prático quanto às tarefas constitutivas do problema da ordem social e de sua solução" (Studies,

p.

Depois de ter defendido a tese, Garfinkel obtém um

cargo na Universidade de Ohio e depois, em 1954, na

Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA),

onde sempre lecionará. Entre esses dois cargos, tem

2. D.H. Zimmerman e D.L. Wieder, 1970: Ethnomethodology and the Problem of Order: Comment on Denzin, in J.D. Douglas (Ed.), Under. standing Eueryday Life, Lorkdres, Routledge & Kegan Paul, p. 285.295. 3. H. Garfinkel, 1952: The Perception of the Other: A Study in Social Order,

Ph.D. Dissertation, Harvard University.

4. H. Garfinkel, 1957: Studies in Ethnomethodology, Englewood Cliffs, NJ, Prentice Hall. Esta obra, considerada "a Bíblia" da etnometodologia, foi reeditada em 1984 em Cambridge, Polity Press. Doravante será citada como Studiet. Dela se encontrara alguns extratos traduzidos em Argu-

mente ethnométodologiques, Problèmes d'dpientmologie en seieneee aoeía• te" III, Paris, CEMS-EHESS, s.d. (1984], 174 p., obra que daqui em

diante será mencionada como argumenta.

ensejo de efetuar uma pesquisa sobre os

jurados de.

tribunais. Na UCLA, Garfinkel fiea conheCendo

Dell

Hymes, que é um dos fundadores da etnologia

da

comunicação. Trabalha nessa altura no Instituto

Na-cional

das Doenças Mentais e se consagra a trabalhos

no contexto da Escola de Medicina da UCLA. Ali

é

levado a se interessar pelo "caso Inês", um

transexual

que

constituirá o objeto de um dos estudos

mais

céle-bres

de Garfinkel.

Influencia nesse período um pequeno

grupo de

estudantes da UCLA. Em 1956, Garfinkel

publica um

estudo

sobre as "cerimônias. de. degradação" 5 .

Encon-tra

-

se

nesta publicação uma orientação

que evoca um

tema desenvolvido já por Jean-Paul Sartre, quando ele

opunha filosofia essencialista e filosofia existencialista.

Com

efeito, Garfinkel critica o conceito das

"essências"

que,

diz ele, não &conceito científico mas um

construto

da. vida cotidiana. Esse construtivismo, que tem

ínti-ma relação com o e o interacionismo

simbólico, torna:-se a. esta. altura um tema central da

etnométodologikem_astado_nascente. Em 1959,

Gar-finkel toma parte no IV Congresso Mundial de

Socio-logia de Stresa, onde faz uma comunicação que será

publicada, e cujo título deixa ver claramente as suas

preocupações intelectuais 6.

3.

Cicourel e a constituição da "rede"

Em 1955,

Aarão Qicourel, que irá desempenhar um

pap el_decisiv_o_na_história_sla-etnometadologi a, obém

seu título

de Mestre na UCLA. Mais tarde

publica, em

1963, com John Kitsuse, um estudo sobre os decisores

5. H. Garlinkel, 1956: Conditions of Successfull Degradation Ceremonies,

American Journal of Sociology, 61, p. 420-424: trad. francesa em Socié• tés, Paris, Masson 1985, 5, vol. I.

6. H. Garfinkel, 1969: Aspecto of the Problem of Common Seno e Knowledge

of Social Structures, em: 7)-arutactions of the Fourth World Congress of Sociology, Milão, Stresa 4, p. 51-65.

(11)

em matéria de educação'. No ano seguinte vem

a público a sua nova obra sobre o

método e a

medida em

sociologia s. Em 1965 anima, com Garfinkel, um

semi-nário informal. Ali se encontram Harvey Sacks, Law-rence Wieder, Don H. Zimmermann, bem como diversos etnólogos, entre os quais Michael Moerman, Bennetta Jules-Rosette e Carlos Castaileda. De 1965 a 1966 se acha em Berkeley, onde forma um bom grupo de estudantes como Roy Turner, David Sudnow. Fica então alternando seu magistério entre Berkeley e Los Angeles onde continua lecionando Garfinkel. Nesse mesmo período, Harvey Sacks começa a desempenhar um importante papJ.Ein 1962-1963 organiza o grupo de_Berkeley, que se dedica a trabalhar.em cima. das publicapes de Garfinkel. Neste grupo se encontram el Schegloff, David Sudnow e Roy Turner. Todos se deslocam, na Califórnia, de um campus para o outro, formando aquilo de Nicolas Mullins (p. 192-193) vai apresentar corno uma, "rede" 9 . Todavia o centro dessa rede, sempre segundo Mullins, parece que está na UCLA, em torno de Garfinkel, apesar dos talentos organizacionais de, Cicourel, cujo centro de Santa Bár-bara ganha sempre mais importância. Don H. Zimmer-mann vem unir-se a este centro com Sudnow em 1965; faz a sua defesa de tese doutoral no ano seguinte. 4. A difusão intelectual

No_ final_.dos anos 60, o -caráter aparentemente anti-sociológicoda.etn.omatodologia,começa a manifes-tar-se mais claramente, em um consfeVEiTecrise da sociologia e de um movimento estudantil contestador e de contracultura.''Torna-se visível a ruptura,_Parti-

7. A. Cicourel e J. Kitsuse, 1963' The Educational Decision.Makers, India-napolis, Bobbs-Merrill.

8. A. Cicourel, 1964: Method and Measurement in Sociology, Nova York, Free Press.

9. N. Mullins, 1975: Theories and Theory Groups in Contemporary

Anaeri-can Sociology, Nova York, Harper & Row.

cularmente com o funcionalismo-estrutural de Talcott

Parsons e de Robert Merton que dominara a

geração .

precedente de sociólogos. No entanto, a

etnometodolo-gia se

desenvolve sempre no seio dos departamentos

a

s_universidades-e até, de modo mais_

de.. sociologiã amplo,

das

organizações nacionais e internacionais da sociologia, com suas revistas, seus congressos, ainda que a etnometodolo a continue em • osi 7. -

mente marginaLno_s_e_u_feudo_californiano. Nesse mo-mento

os caminhos intelectuais

da etnometodologia

começa a il

m

saraurapúblico_mais_amplo,

com a ascensão concomitante_dalenomenologia_social. Al-fred Schütz morrera em 1959. Deixou uma obra rela-tivamente dispersa. Acha-se reunida nos Collected Papers, editados por Maurice Natanson em 1962 com-pondo o primeiro volume. Peter Berger e Thomas Luckmann publicam a sua famosa obra sobre a cons-trução social da realidade em 1966, traduzida em francês vinte anos depois w . Os mesmos autores conti-nuam a publicação dos Collected Papers em 1968.

Ao mesmo tempo se vai desenvolver em torno de Cicourel uma orientação cognitivista fortemente mar-canPelas pesquisas lingüísticas. Cicourel trabalha principalmente_com_JohuGumperz, um Pf-nnlingiliata

Empreendem-se estudos sobre a aquisição da lingua-gem e

da

copmpetência interpretativa das crianças. Sacks, por seu turno, dedica-se a trabalhos que vão levar à v_ertente, conv ers cioni s ta

dg_

etnom_e_to dologi a

Segundo Mullins a r- . - • *e

etodo-logia compreezde, PM 1964, R5_

Ao mesmo tempo, Garfinkel publica artigos impor-tantes, entre os quais "Trust", um artigo sobre a con-

10. E Berger e T. Luckmann, 1986: La construction sociale de la réalité, Paris, Méridiens Klincksieck, trad. de The Social Construction of

Rea-lity, Garden City, Doubleday 1966. Tradução brasileira: Petrópolis,

(12)

fiança, em 1963 11 . Alguns de seus trabalhos, dispersos,

vão ser coligidos nos

Studies in Ethnomethodology

que

Garfinkel resolve publicar sob a pressão, dizem, de

circunstâncias universitárias e do seu círculo em 1967.

5. 1967: o livro fundador

No Prefácio dos

Studies,

Garfinkel revela q_ue

in-versão de perspectivaá as suas pesquisas

o

levaram: "Contrariamente a certas formulações de Durkheim, que ensina que'a realidade objetiva dos fatos sociais

é o principio fundamental di sociologia, iremos

titulo de programa de pesquisa, que para os membros que fazem sociologia o fenômeno fundamental é_a_reali :_

dade objetiva dos._latos_upiajs, enusggo_realização

contínua das atividades combinadas da vida cotidiana

dos membros que utilizam, coriSiabranda-os como co-nhecidos e eçrlinnTií, processos ordinários e engenho-sos, para essa realização" (p. VII).

Os fatos sociais não se nos impõem a nós,

contra-riamente ao que

afirma Durkheim, como

realidade

objetiva. O postulado da sociologia vem

a ser

então, com Garfinkel: devem-se considerar

os fatos

sociais como realizações práticas. Çlâtgisocial

não

é um objeto

estável, mas

o produtn

(In

rontínua_atividade dos_.hp.n.

meus, que

aplicam,seuR conhecimentos, processos,.re 7.

gras de comportaniento„em_suma, uma metodologia

leiga cuja análise constitui a verdadeira tarefa

do

sociólogo.

No ano seguinte, a Crítica e

a

contra-ofensiva dos sociólogos principiain com um artigo

de

J.S. Cole-man12.

11. H. Garfinkel, 1963: A Conception of, and Experimenta with. "Trust" as a Condition of Stable, Concerted Actions, em: O.J. Harvey (Ed.), Moti-vation and Social Interaction, Nova York, Ronald Press.

12. J.S. Coleman, 1968: Review Symposium on H. Garfinkel's Studies in

Ethnornethodology, American Soclological Reuiew, 33, p. 122.130.

6.

O crescimento do movimento

No final dos

anos

60, forma-se uma

nova geração

nos

campi

californianos

e começam a

se multiplicar as.

defesas_de_tese, sobretudo em Santa Bárbara_emtorns

de

Ci_w_ur_e

Lawrence Wieder defende

sua tese em

1969; Hugh Mehan em 1971

defende tese sobre as

interações educativas em uma sala de aula 13 ;

Marshall

Shumsky, no ano seguinte, uma tese sobre os

grupos

de encontro californianos

(encounter groups) a partir

da experiência que tem desses grupos enquanto ani-mador";

Robert

McKay defende a sua simultanea-mente,

bem como Kenneth Leiter, Kenneth

Jennings, Schwartz, David Roth e outros. Segundo Pierce Flynn

(1991,

p. 44), dezesseis teses de orientação

etnometo-dológica foram defendidas em Santã-13 r entre

1 67 e 197215 . Em1972-, 5-0—etnOnietodólogosse acham, recenseadoS;

Esses anos de expansão e de florescimento do mo-vimento são da mesma forma caracterizados por im-portantes publicações. Não é possível citar todas. Mencionemos, quanto ao essencial, além dos Studies,

a obra de David Sudnow sobre

a administração

hospi-talar da morte 16 , a de Cicourel sobre a delinqüência juvenil" e no mesmo ano a de Peter McHugh sobre a definição da situação 18 . Deve-se acrescentar o apareci-

13. H. Mehan, 1971: Accomplishing Understanding in Educational

Set-tings, Unpublished Ph.D., University of California, Santa Bárbara.

14. M. Shumsky, 1972: Encounter Groups: A Forensie Scene. Unpublished

Ph. D. University of California, Santa Bárbara.

15. P. Flynn, 1991: The Ethnomethodological Movement. Semiotic Interpre-tations, Berlin, Nova York, Mouton-de Gruyter. Nesta obra, Pierce Flynn

distingue quatro gerações de etnometodólogos entre 1950 e os anos '80.

16. D. Sudnow, 1957: Passing on: The Social Organization of Dying,

Englewood Cliffs, NJ. Prentice Hall.

17. A. Cicourel, 1968: The Social Organization of Juvenile Justice, Nova

York, Wiley.

(13)

7. A difusão no exterior

mento em 197U de um importante artigo de Don Zim-mermann e Melvin Pollner sobre o mundo cotidiano como fenômeno", artigo às vezes considerado como a apresentação mais sistemática, para aquela época, da postura etnometodológica, em oposição à da sociologia padrão. Esses autores mostram que a sociologia pro-fissional tem suas raízes na sociologia leiga, que aí vai

buscar seus "recursos" que usa de maneira não crítica e que toma até como temas (topics) de seus trabalhos. Elaboram depois a noção de corpus contingente (occa-sional corpus), que define o conjunto das práticas instituintes que caracterizam uma situação localizada.

A partir dosanos "70, a etnometodologia começa a cindir-se ernidbil---griipos: o dos analistas de conversa-ção que tentam descobrir em nossas conversas as reconstruções contextuais que perMitem lhes dar um sentido e dar-lhes continuidade; e o dos sociólogos para osq-i-ia-i-i-ii-S--fronteiras reconhecidas de sua dis-ciplina se acham circunscritas aos objetos mais tradicionais que a sociologia estuda, como a educação, a justiça, as organizações, as administrações, a ciência.

A despeito de ou talvez por causa desses vínculos mantidos com a atividade sociológica habitual, a_e_tn.o,

metodologia' vai constituir o ob'eto em 1975 de novo ataque espetacular da parte dectewrs os então

Presidente da Associação Americana U -S-d-ciologia20 . Ele vai apresentar a coj -rente etnorretodolóa_como uma s-eita. --dujo desenv—Olvimento poderia a-nie_ago o futuro-a-é-lb-da as,ociplogia americana. A esses ataques

Don Zimmerman de um rc-i-croeHugh Mehan e Houston Wood, de outro, vão responder no ano seguinte. 21

19. D.H. Zimmermann e M. Pollner, 1970: The Everyday World as a

Phenomenon, em: J.D. Douglas (Ed.), Understanding Everyday Life,

Londres, Routledge & Kegan Paul, p. 80-103.

20. L.A. Coser, 1975: Presidential Address: Two Methods in Search o!' a

Substance, American Sociological Reuiew, 406 (dez.), p. 691-700.

21. H. Mehan e 1-1. Wood, De-secting Ethnomethodology, p. 13-21; D.H.

Zimmerman, A Reply to Professor Coser, The American Sociologist, 11

(fev.), 1976, p. 4-13.

A partir

desse momento a etnometodologia

começa-a ter i____Im_realimpacto além da Califórnia. Vai instalar-se na costa te com uma nova geração (Alan Blum, McHug , Robert McKay, George Psathas, Jeff Coulter) que conquista postos universitários nos departamen-tos de sociologia das Universidades de Nova Iorque ou de Boston. Vai ultrapassar também as fronteiras dos

EUA, chegando à Inglaterra, em Londres e Manches-ter, onde se concentra um número importante de_etno,

metodólogos, entre os quais Rod Watson, John Heritage, Douglas Benson, John Hughes, Wesley Scharrock, Bob Anderson, John Lee; na Alemanha encontramos o grupo da Universidade de Bielefeld. O avanço é bem mais lento em países como a Itália onde

se observa no entanto o lançamento em 1984 de uma coletânea de textos traduzidos 22 .

Na França, foi preciso esperar dez anos para que a etnometologia encontrasse o seu lugar na paisagem cultural francesa. As primeiras publicações vão surgir ern 1973 23 . Em 1981, Christian Bachmann, Jacqueline Lindenfeld e Jacky Simonin publicam uma obra inti-tulada Langage et communications sociales (Hatier) que consagra um capítulo à etnometodologia. Somente dez anos depois é que são defendidas algumas teses de inspiração etnometodológica 24 . E recentemente, fora das grandes publicações sociológicas oficiais, algumas

22. P.P. Giglioli e A. Dal Lago, 1983: Etnometodologia, Bologna, Il Molino.

23. N. Herpin, 1973: Les sociologues américains et le siècle, Paris, PUF,

"Sup"; E. Veron, 1973: Vers une logique naturelle des mondes soxiaux,

Communications, 20.

24. P. Paperman, 1982: Le travou!: routines et ruptures du sens cornmun,

tese de doutorado de 3 2 ciclo, Université de Paris VIII; L. Pierrot, 1983:

Interactions sociales et procédures cognitiues de production de sens. Le trauail pour les femmes immigrées, tese de doutorado de 3 9 ciclo,

Uni-versité de Provence; A. Ogien, 1984: Positiuité de la pratique.

L'interuen-tion en psychiatrie comme argumentaL'interuen-tion, tese de doutorado de 3' ciclo, Université de Paris VIII.

BIBLIOTECA

dois grupos de etnometodo

(14)

revistas dedicam um dossiê à Etnometodologia

(cf.

Bibliografia no fim do volume), A partir dos meados

dos anos '80, ela é ensinada na

Maison des Sciences de

l'Homme,

em Paris, e em várias universidades,

parti-cularmente Paris VII (Etnologia) e Paris VIII

(Ciên-cias da Educação e Sociologia), 'Dolosa e Nice.

Capítulo III

Os Conceitos-chave da

Etnometodologia

A

etilnletadologialorjou para si, com Garfinkel,

um

vocabulário particular. Mas nem sempre é

novo,

pois

ora toma de empréstimo alguns de seus tersos_

alhu-res:

a indicialidade da lingiUstica,

a reflexividade

da

fenomenologig, a noção de -membro de

Parsons: ora

retoma termos

da linguagem corrente

modificando-lhes o sentido. É o que acontece, por exemplo,

com as

noções de prática ou de

accountability.

Mas o que

acima de tudo impressiona, na etnometodologia, é a

complementaridade e a solidariedade de seus

concei-tos. Vamos apresentar aqUi - os mais acessíveis

para

quem descobre a etnometodologia.

1. Prática, realização

Desde as primeiras linhaá

do Primeiro Capítulo

dos

Studies,

intitulado "O que é

a etnometodologia?",

Garfinkel

nos indica que seus, estudos

"abordam as

atividades rá_tigas,

as

circunstânciasprá-ficas e o raciocmo sociológico prático, como ternale

--

e—

stUdoempíïiéc-i:C-o-n-c-ed—

en-do às atividades corriqueiras

da vida cotidiana a mesma atenção que habitualmente se presta aos acontecimentos extraordinários, tentaremos compreendê-los como fenômenos de direito pleno".

(15)

V(.4 1./U.J. a ao

atividades práticas e, em particular, o raciocínio

prá-tico, quer seja profissional ou não.

Let_nonetedologia é a pesquisa empírica dos mé-

__

_

todos que os indivíduos

utilizampar-aTdar sentido e

_

ao

mesmo tempo realizar as suas ações de todos os dias:

comunicar-se, tomar decisCies,

racioéinar."12-araPietno-metodblUg-os, a etnometodologia será, portanto, o

estu-do dessas atividades

cotidianas, quer sejam triviais ou

eruditas, considerando que a própria sociologia deve

ser considerada como uma atividade prática. Como

observa Georgersathas, a etnometodologia se

apre-senta como "uma

práticasbcial reflexiva que procura

explicar os métodos,cle todas as práticas sociais,

inclu-sive_os_seus_próprias n-iétoros" 1 .if

cIL:ere)-

o-s nisto

dos sociólogos qüe geralmente consideram o saber do

senso comum como.

:j.~-ia

dologi_a___Eu

—r----iiiriWirsTp_re=as. e: vo- ::-bitip ortamento s-cl

e-senso comum_como os constituintes necessários . de

"todo_comportamento socialmente organizado".

Os etnometodólogos têm a pretensão de estar mais

perto das realidades correntes da vida social que os

ouro

s

5-rna-se necessária uma volta à

experiência, e isto exige modificar os métodos e as

técnicas de coleta

,

dos dados bem como da construção

teórica. Os etnometociólogos trabalham efetivamente

com a hipótese que os fenômenos cotidianos se

defor-mam quando exarninadps através da "grade da descri:

ção científica". As descrições sociológicas ignoram a

experiência prática do ator, considerado como um ser

irracional. Os-etnometodólngos rejeitam

as

hipóteses

tradicionaio• da sociologia—sobre a .realidade„_social,

Segundo eles,

os

sociólogosupõem a priori que um

sistema estável de normas e significações partilhadas

pelos atores governa toda sistema social. Os conceitos

1. G. Paatha.s, 1980: Approaches to the Study of the World of Everyday Life, Human Studies, 3, p. 3-17.

da sociologia, assim como as normas,

as regras, as

estruturas, provêm

do fato de que a construção do

dispositivo sociológico

pressupõe

a existência

de

um_

mundo significante

exterior

e indepenente

rapes ..sopais. --P--ara- a sociologia essas

hipóteses se

tornam -de fato recursos implícitos.

O que a saciologia chama de "modelos" é

conside-rado pela etnometodologia como "as

realiza_ções_contí-nuas. dos .atores". Para a etnometodologia, mesmo

quando os

fatos os contradizem, os sociólogos dão um

jeito para encontrar explicações que se conformem a

suas hipóteses preestabelecidas, em particular a da

"constância do objeto". A

etnometodologia substitui

esta

hipótese da "constância do obj_etQ" pela

de

"proces-so".

"Onde

outros vêem dados, fatos, coisas, a

etnometodo-logia vê um processo através do qual os traços da

apa-rente estabilidade da organização social são

continua-mente criados" 2.

Em um artigo que se tornaria célebre,

Garfinkel e

Sacks afirmam

(p.__353)_que__"os. fatos _sociais_,são_ as

realizações dos membros".. A

realidade social é

cons-tantemente criada pelos atores,.não_é_um..dado_pree ;

xlstente. dor

esse motivo, por exemplo, a

etno-~agia dá

tanta atenção

ao

modo como os

mem-brostomar deEiões. Em vez de fazer a hipótese, que

os atores seguem regras, o

interesse

da

etnometodolo-gia é pôr em evidência os_métodospelsts_quais

nq }-1f.nríN9

"atualizam". essaoregras. E o que as faz observáveis e

descritíveis. As atividades práticas dos membros, em

2. M. Pollner, 1974: Sociological and Common-Sense Modele of the Labeling Process, in: R. Urner (Ed.), Ethnomethodology, Harmondsworth, Pen-guin Books, p. 27-40.

3. H. Garfinkel e H. Sacks, 1970: On Formal Structures of Practical Action, em: J.C. McKinney e E.A. Tiryakian (Eds.), Theoretical Sociology: Perspectives and Deuelopments, Nova York, Appleton-Century-Crofts, p. 337-366.

sociologia "antiga"

(16)

/i

suas atividades concretas, revelam as regras e os

mo-dos

de proceder. Noutras palavras,. a observação

aten-ciosa

e a análise

dos _processos apli

cados

nas ações

permitiriar

ri'Or

em

evidAiiCia os modos..de.

proceder

pelos quais os..at-o-i'es. interpretam constantemente

a

realidade social, inventam a vida em uma.permanente

briélaagm,...~rtanto de importância capital

ob-servar

como os atores de senso comum o produzem e

tratam a informação nos seus

contatos e como utilizam

a linguagem como um recurso. Em suma,

como fabri-

cam um mundo "racional" a fim de nele poderem viver.

ti

:-

2. A indicialidade.

A vida

sociaLse constitui através_dalinagen:

não

a dos gramáticos, e dos lingüistas, mas a da

vida de

todos os dias.

Uma pessoa =versa com

as outras,

recebe ordens, respondaa perguntas,

ensina,

descreve

livros de sociologia, vai ao mercado para as compras,

compra e vende, .mente e trapaceia, toma parte em

reuniões, faz entrevistas, tudo isso usando a mesma

lingua. A partir dessa constatação

é que se

desenvolve

a interrogação etnometodológica sobre a linguagem.

Os sociólogos usam em suas pesquisas, em suas

descrições e interpretações da realidade social, os

mes-mos recursos lingüísticos que o homem ordinário, a

linguagem comum. Os sociólogos passam o tempo "à

procura de remédios para as propriedades indiciais do

discurso prático" 4 . Epta idéia, as expressões da

lingua-gem ordinária são indiciais, não encontra sua orilingua-gem

na etnometodologia. As expressões indiciais são

ex-pressões, como por exemplo "isto",

"eu", "você", etc.,

que tiram o seu

sentido do próprio contexto.

Constituí-ram já há muito tempo o objeto da preocupação dos

4. Garfinkel e Sacks, 1970: On Formal Structures of Practical Action, op.

cit., p. 339.

lógicos e dos lingüistas.

Podem-se definir como

indicia-lidade todas as determinaçõeS que se ligam a uma

palavra, a

uma situação. Indicialidade é um termo

técnico,

adaptado

da lingüística. Isto

significa que,

embora uma palavra tenha uma significação

trans-si-tuacional,

tem igualmente um

significado distinto em

toda situação particular em que é usada Sua

com-

preensão profunda passa por "características

indicati-»5

vas

e exige dos indivíduos que "vão além da

informação

que lhes é dada".

Isto designa portanto

a incompletude

natural

das

palavras,

que só ganham o seu sentido

"completo"

no

seu contexto deprodução,quando são

"indexadas"

a

uma situação de intercâmbio lingüístico. E ainda: a

indexação não esgota a integralidade do seu

sentido

potencial. A significação de uma palavra ou de uma

expressão provém de fatores contextuais como

a

bio-gr~o_locutor, sua intenção imediata, a

relação

única que mantém com seu ouvinte, suas conversações

passadas. O mesmo se diga quanto às conversas ou

quanto aos questionários utilizados em sociologia: as

palavras e as frases não têm o mesmo sentido para

todos, e no entanto o tratamento "científico" que o

sociólogo é levado a fazer dessas conversas faz como se

existisse uma homogeneidade semântica das palavras

e uma

adesão comum dos indivíduos ao seu sentido. A

linguagem natural é um

recurso

obrigatório de toda

pesquisa sociológica.

Para Garfinkel, as características

das expressões

indiciais devem ser estendidas ao conjunto da

gem. Segundo a sua convicção, o conjunto da

lingua-gem natural é profundamente indiciai, na medida em

que, para cada membro, o significado de sua

lingua-gem cotidiana depende do contexto em que esta lingua-

5. Y. Bar Binai, 1954 (abril): Indexical Expressions, Mind 63, 250, p. 359-387.

(17)

~kr F" LULU!,

sentido independentemente das suas condições de

uso

e de enunciação.

Wilson

e

Zimmerman (p. 57-58) 6 dão o exemplo

desta palavra enigmática,

rosebud,

pronunciada por

Kane em seu leito de morte, em

Citizen Kane,

o filme

de Orson WelleS. O filme é inteiramente construído em

torno da buscado significado dessa palavra, o autor do

roteiro nos arrasta para diversos caminhos que logo se

verificam serem impasses e, no momento em que se vai

renunciar, como as personagens do filme, a

compreen-der, pode-se entrever, nos últimos segundos do filme,

apalavra escrita

.no-pequeno--trenó.-de Kane, quando

criança que acaba de ser lançado ao fogo pelos

encar-resad.Qs_darmiciEi4a.-Só então é que se pode

compreen-der o sentido

ç

o caráter pungente dessa última palavra

de Kane, depois de se perder em interpretações

intermi-náveis e não satisfatórias, presos nos meandros do

caráter irremediavelmente indicial do discurso e da

ação'.

Essa noção

de indicialidade foi transposta pela

etnometodologia para as ciências sociais. Ela, quer dizer que todas as formas simbólicas, como os enuncia-dos, os gestos, as regras, as ações, comportam uma

"margem de incompletude" que s6

desaparece quando

elas se produzem, embora as próprias compleções anunciem um "horizonte de incompletude" 8 . As situa-

6. T.P. Wilson e D.H. Zirnmerman, 1979-1980: Ethnomethodology, Sociology and Theory, Humboldt Journal of Social Relations, 7, 1, p. 752-88. 7. Observemos que as obras-primas de ficção, quer sejam cinematográficas

ou literárias, exploram sempre a indicialidade imensa, irredutível, da linguagem e das situações. Aqueles que são considerados ,como os me-lhores cineastas, ou os meme-lhores escritores, parecem saber explorar melhor esses fenômenos de indicialidade, isto é, aqueles que nos permi-tem, não saturando o seu relato, pôr em cena o nosso imaginário. 8. H. Mehan e H. Wood, 1975: The Reality of Ethnomethodology, New York,

Wiley-Interscience, p. 90.

ções sociais, aquelas que fazem

a vida de todos os

dias,

têm uma interminável indicialidade,

e o sociólogo se

acha diante de "uma tarefa infinita

de substituição

por

expressões objetivas das expressões indiciais" 9 .

Por isso

Garfinkel cita Husserl que falava

"de expressões cujo sentido não pode ser decidido por um ouvinte

sem que

necessariamente saiba ou presuma alguma coisa sobre a biografia e os objetivos do usuário da expressão, das circunstâncias do enunciado, do curso anterior da conversação ou da relação particular da interação atual ou potencial que existe entre o locutor e

o ouvinte"

(Studies,

p. 4).

Assim, diz-nos

P. Pharo,

"A indicialidade não se relaciona s6 com esses termos, chamados pelos lingüistas de dêicticos (isto é, indicado-res de pessoa, de tempo e lugar envolvidos na interação), mas de modo mais geral com todas as expressões da linguagem ordinária cujo sentido, enquanto ocorrência de palavras-tipos, não se pode nunca reduzir pura e simplesmente à significação 'objetiva' das palavras da expressão".

Uma expressão da linguagem corrente

foi

minucio-samente analisada por diversos etnometodólogos m :

trata-se da expressão "et caetera".. Ela

desempenha

muitas vezes a função de complemento de demonstra-ção, subentende: "Você sabe muito bem o que quero dizer, não preciso insistir, definir com precisão tudo

9. P. Pharo, 1984: L'éthnométhodologie et la question de l'interprétation, em: "Argumento ethnométhodologiques". Problèmes d'épistémologie en

sciences sociales, III, Paris, CEMS-EHESS, p. 145-169.

10. E. Bittner, 1963: Radicalism: A Study of the Sociology of Knowledge,

Americam Sociological Reuiew, 28, p. 928.940; A. Cicourel, 1970: The Acquisition of Social Structure: lbward a Developmental Sociology of Language and Meaning, em: J.D. Douglas (Ed.), Understanding Euery•

day Life, Londres, Rotledge & Kegan Paul, p. 136.168; H. Sacks, 1963: Sociological Description, Berkeley Journal of Sociology, 8, p. 1.16; trad. franc. Jacqueline Robert e Alain Coulon. Cahiers de recherche Ethno.

méthodologique, n. 1, abril de 1993, Laboratoire de recherche

(18)

aquilo que se relaciona com aquilo que acabo de dizer,

você pode facilmente completar por si mesmo,

conti-nuar

a

minha demonstração, encontrar outros

exem-plos para a miniia enumeração, et caetera". A regra do

"et caetera" exige que um locutor e um ouvinte aceitem

tacitamente e assumam juntos a existência de

signifi-cações e de compreensões comuns daquilo que se diz

quando as descrições são consideradas evidentes, e

mesmo que não, sejam imediatamente evidentes. Isso

manifesta a idéia de existir um saber comum

social-mente distribuído. A isso Cicourel deu o nome de

"caráter retrospectivo-prospectivo dos

acontecimen-tos", que se acha bem "significado" na regra do "et

caetera" e de suas sub-rotinas:

"Expressões vagas, ambíguas ou truncadas, são identi-ficadas pelos membros, que lhes dão significações con-textuais e transconcon-textuais, graças ao caráter retros-pectivo-prospectivo os acontecimentos que essas expres-sões descrevem. Os enunciados presentes dos fatos des-critos, que comportam nuances ambíguas ou previsíveis, podem ser examinados prospectivamente pelo locutor-ouvinte em seus sentidos potenciais futu-ros, supondo assim que a completude das significações e das intenções presentes

se

manifestará mais tarde. Ou então comentários passados podem de repente clarificar enunciados presentes. Os princípios de completude e de conexão permitem ao ator manter um sentido da estru-tura social, além do tempo dos relógios e do da experiên-cia, a despeito - Ido caráter deliberadamente vago, ou considerado tal, da informação transmitida pelos atores no decorrer de seus intercâmbios" 11 .

Para os ló 'cos as ex ressões indiciais_

são vistas

como In

nvenientes, pois

não permitem enunciar

pro-posições

gerais, 'ou

decidir

acerca

da verdade d.e- urna

coisa quandiá-iignoram as circunstâncias contextuais

de sua préaiifflO.,Daí,

mulids vezes,

os sociólogos

ten-tarem, e de modo ainda mais geral os que se dedicam

• 11. A. Cicourel, 1972: Cognitivo Sociology: Language and Meaning in Social

Interaction, Nova York, Free Prese, p. 87; a obra está disponível em

tradução francesa: La sociologie cognitiue, Paris, PUF, 1979.

às ciências antropo-sociais, extirpar as expressões

in-diciais,

a fim de substituf-lás por expressões

objetivas.

Mas trata-se de uma tarefa muito difícil, e mesmo

impossível, pois como decidir que esta

expressão é indi-ciai,

ao passo que aquela é objetiva? Por

isso Garfinkel,

mesmo que não tenha certamente introduzido

o con-ceito

de indicialidade, sugere que se

examine de

ma-neira

diferente:

as expressões indiciais

não constituem

expressões parasitas no &Correr de nossas

conversas

de-cada-diltr-SkTgel

t5--rriesCOi

n r rios e en

isdtuU-vos desse

discurso cons

ilTi25 graças

ao

seu uso.

A

linguagem cotidiana tem um.

senirdo ordinárioTiiie

as

pessoas não sentem dificuldade para

compreender.

A

inteligibilidade de nossos diálogos, mais

do

que sofrer

por sua natureza indiciai, dela depende, e é o

conheci-mento

das circunstâncias do` enunciado que

nos

permi-te

atribuir-lhes um sentido preciso. E assim,

ao invés

de criticar a linguagem ordinária porque

seria

incapaz

de explicar um certo númerO de princípios

metodológi-cos, Q.arfualceLse_propõe-esturlá-in

considerando o seu

caráter indiciai não como

um defeito, mas

como uma

de..s.uaiiirilicipaTãcaractgrísticas,procurando como

é

que_usamma linguagem

ordinária dando

sentido,

de

uma maneira rotineira.abanal,..à&expLes

'sães

Falar de indicialidade significa igualmente que o

sen-tido

é sempre local e não tem generalização possível,

contrariamente ao que nos desejariam fazer crer

as

ciências antropo-sociais.

Isto quer dizer que uma

palavra,

por suas

condições

de

enunciação, uma

instituição, por

suas condições de existência,

só podem ser

analisadas

tomando em conta as suas situações. Por conseguinte,

a análise dessas situações indiciais

nunca termina:

"Atentativa de limpar o mundo das expressões indiciais, que é uma tentativa de substituir por expressões obje- tivas as expressões indiciais, torna-se um tema de

des-

crição e análise ao invés de um esforço para

resolver o problema" 12.

12. D. Benson e J.A. Hughes, 1983: The Perspective of Ethnomethodology:

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