PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: O CASO DOS PROFESSORES SUBSTITUTOS DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE J ANEIRO. Viviane Dias – Uerj – diasviviane01@hotmail.com Melissa Machado – Uerj – melissagmac@yahoo.com.br Resumo O estudo analisa o trabalho docente no Brasil considerando o atual contexto dos processos de reestruturação produtiva em curso, em especial, o processo de precarização do trabalho que atingiu as Instituições de Ensino Superior. Para a análise realizaramse pesquisas documentais, estatísticas e bibliográficas sobre trabalho contemporâneo, trabalho precário e seus desdobramentos no trabalho docente; tendo como campo empírico a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Discutese em que medida o patamar alcançado pelas mudanças de ordem políticosócioeconômica e pela precarização pôde ser evidenciado no trabalho do professor universitário, com enfoque mais especifico, no trabalho do professor substituto. Entende o processo de precarização como caracterizado pelas formas de sub contratação, trabalho em tempo parcial ou temporário com efeitos significativos nos direitos trabalhistas. Apresenta uma melhor compreensão do professor substituto no contexto das reformas de viés neoliberal que atravessaram as IES públicas, concluindo, diante das análises, que na Uerj são amplamente utilizadas formas flexibilizadas de gestão, contribuindo para o crescimento do número de contratos temporários, precários, o que trouxe aumento da insegurança desses trabalhadores.
Introdução.
Este trabalho tem por objetivo expor alguns resultados de uma investigação que tem como enfoque o trabalho docente nas instituições de ensino superior, mais especificamente o trabalho do professor substituto. Ele se insere na pesquisa “Trabalho Docente: políticas e subjetividades” coordenada por Deise Mancebo 1 e na qual somos bolsistas 2 . O campo empírico desta investigação foi a Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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Profª. Drª. Deise Mancebo, professora titular do Departamento de Psicologia Social da Uerj, atuando no Programa de Pósgraduação em Políticas Públicas e Formação Humana.
Para a pesquisa utilizouse análises quantitativas e qualitativas, através da realização de levantamentos de dados documentais, estatísticos e bibliográficos sobre o trabalho contemporâneo, trabalho precário e seus desdobramentos no trabalho docente perpassando uma consolidação do referencial teórico e pesquisa de campo. Para a pesquisa de campo, ainda em andamento, foram realizadas entrevistas semidirigidas individuais com professores substitutos da Uerj.
Neste trabalho, pretendese discutir em que medida o patamar alcançado pelas mudanças de ordem políticosócioeconômica e pela precarização pôde ser evidenciado no trabalho do professor universitário, com enfoque mais especifico, no trabalho do professor substituto. Entendendo o processo de precarização como caracterizado pelas formas de sub contratação, trabalho em tempo parcial ou temporário com efeitos significativos nos direitos trabalhistas, buscamos apresentar uma melhor compreensão do professor substituto no contexto das reformas de viés neoliberal que atravessaram as IES públicas e particularmente a Uerj.
1. Capitalismo: br eve contextualização
No último século, no período posterior à Segunda Guerra Mundial, especialmente entre as décadas de 50 e 60, vimos o modo de produção capitalista atingir sua fase mais estável e de maior crescimento. O capitalismo tem sua hegemonia alcançada no momento em que se colocam em cena novas configurações do mundo de trabalho, sendo este um sistema historicamente eficaz. Na configuração do capitalismo, merece destaque o período compreendido entre o final da Segunda Guerra e meados da década de 1970, mesmo que restrito aos países industrializados, pois seus efeitos foram atingidos em escala mundial, ainda que isto não signifique um acesso à riqueza para a maior parte da população do mundo.
Após esse período teve início uma crise mundial, com conseqüências sociais muito graves. Durantes os últimos 30 anos, ou seja, no início da década de 70, houve um esgotamento do modelo de acumulação fordistakeynesiano (tanto como forma de
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organização do trabalho como modo de regulação sócioeconômica). Deflagrase uma crise, em âmbito planetário, materializada pelo colapso do socialismo real, pelo esgotamento do Estado do BemEstar Social e do modelo fordista de acumulação e regulação social. A reestruturação tem como base a microeletrônica e a busca por novos meios que possibilitem a elevação da produtividade. Também a partir da década de 80, as empresas ocidentais tentaram incorporar, de diversas formas, algumas inovações tecnológicas e organizacionais difundidas com o avanço do ideário japonês. A implementação deste conjunto de inovações ao longo desta década foi denominada de reestruturação produtiva.
Em resposta à crise do capital começam a surgir outros modelos considerados mais “flexíveis” e melhor adequados às novas exigências capitalistas de um mercado cada vez mais globalizado. É neste cenário que surge o chamado “padrão de acumulação flexível”, no qual à reestruturação produtiva articulamse a ascensão das políticas neoliberais e o processo de globalização.
Esse padrão de acumulação flexível se opõe à característica de rigidez do modelo fordista. Segundo Harvey essa idéia se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. É elucidativa esta longa citação do autor:
[...]a acumulação flexível é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracterizase pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços
financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças nos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores com entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas [...] esses poderes aumentados de flexibilidade e mobilidade permitem os empregadores exercerem pressões mais fortes de controle do trabalho [...] (HARVEY, 1996, p.140)
Dentre as novas formas de organização surgiram alternativas ao taylorismo fordismo, considerado muito rígido. Emerge em várias partes do mundo, diante da
aceleração do progresso técnicocientífico, uma mudança do paradigma tecnológico com a chamada tecnologia da informação.
Vários ajustes foram estabelecidos ao sistema produtivo, e dentre os principais estava a implantação de inovações tecnológicas e organizacionais oriundas, sobretudo, do chamado modelo japonês de produção. Essa modalidade de produção flexível em massa vem sendo implantada nos países de capital industrial mais avançado, até mesmo no Brasil.
1.1 Mundo global: um processo ideológico
Para entender a nova realidade deste modo de produção reestruturado, é preciso compreender o que muitos autores definem como processo de globalização. Vale lembrar que nos últimos anos muito tem se falado em “globalização” da produção industrial. Alguns autores apontam este processo para a busca, pelas empresas multinacionais, por maiores taxas de lucro, com a extensão da sua presença por regiões geográficas e econômicas que oferecem forças de trabalho com salários baixos e menos dispêndios com benefícios sociais. Outros vêem a globalização como um tipo específico de projeto político (HARVEY, 2004). Para este autor, a globalização é como um processo que há muito tempo está presente na história do capitalismo. Em sua análise, o autor indica que:
O capitalismo tem recorrido repetidas vezes à reorganização geográfica (tanto em termos de expansão como de intensificação) como solução parcial para as suas crises e seus impasses. Assim, ele constrói e reconstrói uma geografia à sua imagem e semelhança. Constrói uma paisagem geográfica distinta, um espaço produzido de transporte e comunicações, de infraestruturas e de organizações territoriais que facilita a acumulação do capital numa dada fase de sua história, apenas para ter de ser desconstruído e reconfigurado a fim de abrir caminho para uma maior acumulação num estágio ulterior. Se, portanto, a palavra “globalização” significa alguma coisa relativa à nossa geografia histórica recente, é bem provável que designe uma nova fase de exatamente esse mesmo processo intrínseco da produção capitalista de espaço (HARVEY, 2004, p.801).
Este autor argumenta que o termo globalização ascende num momento de profunda reorganização geográfica promovida pelo capitalismo, afinal uma organização territorial e de sistemas de lugares ligados por meio de uma divisão “global” do trabalho e das funções é apropriada à própria dinâmica de acumulação. Pontua que o capitalismo está sempre
movido pelo ímpeto de acelerar o tempo de giro do capital, assim como sentese instigado a eliminar todas as barreiras espaciais.
No entanto, as mudanças estruturais pelas quais passou o modo de produção capitalista, proporcionadas pela (1) desregulamentação financeira com passagem de um sistema global hierarquicamente organizado e centralizado para um sistema mais descentralizado, coordenado pelo mercado; (2) um grau concentrado de mudanças tecnológicas definido pelo ritmo acelerado de transferências e imitação de tecnologias entre as, e dentro das, diferentes zonas de economia mundial; (3) revolução da informação, produzindo mudanças na organização do consumo e da produção; (4) pelo custo e transporte de mercadorias e pessoas também trouxeram mudanças para a concepção do termo “globalização”.
Vinculado a uma nova fase do capitalismo multinacional, o atual processo de globalização diz respeito às profundas mudanças no campo econômico, político, sociocultural e tecnológico, caracterizando, assim, o contexto histórico em que vivemos. Esse processo tem sido analisado através de molduras políticoideológicas que acabam em julgamentos moralizantes, tornam seu entendimento fragmentado e não evidenciam suas contradições.
A globalização contemporânea se caracteriza pela crescente concentração de renda e exclusão social, face à subordinação dos Estados Nacionais a interesses meramente econômicos. As mazelas e desigualdades geradas por esse sistema são justificadas como précondições de um ajuste que traria a nível mundial uma utópica nova era de paz e um novo padrão de relações sociais, bemestar e prosperidade.
1.2. Transfor mações no mundo do trabalho.
O capitalismo traz consigo muitas contradições, algumas delas relacionadas ao mundo do trabalho.
Muitos impactos se deram na esfera do trabalho devido à reestruturação política em tempos de revolução tecnológica e globalização da economia. Diante dos sinais de esgotamento do padrão de acumulação do capital e em meio à crise estrutural vivida pelo capitalismo, o paradigma tayloristafordista passa a conviver ou até mesmo ser substituído
por modelos mais flexíveis, adequados às exigências capitalistas de um mundo cada vez mais globalizado. O processo de reestruturação das atividades produtivas, principalmente a partir da década de 1970, inclui novas formas de organização e gestão da força de trabalho.
Procurando encontrar uma resposta para a crise já avançada, o capital investiu num modelo de acumulação flexível, na qual o avanço tecnológico exerce papel central, cujo principal representante é o toyotismo japonês. No Ocidente, surge a ideologia neoliberal como uma resposta à crise, através de uma reorganização do capital. Ocorre a privatização do Estado, desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, seguido de reestruturação da produção e do trabalho. O novo sistema é capaz de promover um rápido atendimento às flutuações de mercado, é extremamente flexível, seja em relação à tecnologia, seja em relação à administração do espaço e tempo.
O processo de reorganização da economia mundial e as transformações técnico organizacionais não só têm afetado as condições, os meios e as relações de trabalho, como também estão associados à construção de novas formas de representação das noções de trabalho, qualificação, competência e formação profissional.
No Brasil, desde o início da década de 1990, várias transformações ocorreram nos diferentes setores da economia, e conseqüentemente, é possível observar realidades diferenciadas, heterogêneas, contraditórias, mostrando que não é possível concluir, que o caráter inovador das atuais transformações na base do trabalho se expressa por ganhos de qualificação por parte dos trabalhadores. Mas, ainda que se observe a combinação e a sobrevivência de várias estratégias de qualificação e requalificação do trabalho, houve a emergência de um "novo perfil de qualificação da força de trabalho".
Vista por muitos como inevitável dentro da racionalidade do mercado, essa reestruturação, no entanto, tem trazido graves problemas sociais quanto ao nível de emprego e à garantia dos direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo do século XX.
Os índices de desemprego se tornam elevados em muitos países do mundo, e é possível notar a aplicação de uma política de desmantelamento da ação do Estado nas áreas sociais. Nos países subdesenvolvidos, a flexibilização das relações de trabalho só faz aumentar o mercado de trabalho informal e o desemprego.
O trabalho não é menos qualificado, pelo contrário, na maior parte das situações, exige do trabalhador conhecimentos múltiplos para dominar as novas “ferramentas”. Os
avanços tecnológicos, diferentemente do que se possa pensar, levaram à diminuição do tempo necessário de trabalho, devido à automação, sem, contudo, a equivalente diminuição da quantidade de trabalho; tendo as tarefas se multiplicado, em vista do mesmo fator. (BULARD, APUD MANCEBO, 2006).
Para dar conta das novas demandas, nasce um trabalhador mais qualificado, “participativo”, multifuncional, polivalente. Produzse novas performances para o trabalhador, que vêm afetando sua organização, na qual trabalhos em equipes são valorizados, bem como a “competência” pessoal é incentivada.
Na estrutura de produção o trabalho sofre mudanças de ordem quantitativa e qualitativa no emprego e nas práticas de gestão do trabalho, como: uma tendência à profissionalização do trabalho; aumento do grau de qualificação dos trabalhadores com conseqüente aumento no nível de escolaridade; e desenvolvimento de estratégias de gestão do trabalho, com vistas à estabilização do vínculo empregatício.
Muitos autores têm voltado sua atenção para analisar as principais mutações no mundo do trabalho. Entre eles, está Ricardo Antunes que, num esforço de síntese aponta as principais tendências do mundo do trabalho, determinadas pela crise estrutural, entre elas:
· redução do proletariado estável e estabilizado, devido a reestruturação produtiva do capital, dando lugar a formas mais desregulamentadas de trabalho, reduzindo o conjunto de trabalhadores estáveis que se estruturavam por meio de empregos formais;
· de forma oposta ao que foi apontado anteriormente, observase um aumento significativo do novo proletariado fabril e de serviços, em escala mundial, presente nas diversas formas de trabalho precarizado. Estes são os terceirizados, subcontratados, parttime, entre outras formas semelhantes;
· significativa feminização do mercado de trabalho, principalmente no universo do trabalho temporário e desregulamentado;
· crescimento do setor de serviço, com visível submissão à racionalidade do capital e à lógica dos mercados;
· crescente exclusão dos jovens e trabalhadores considerados idosos pelo capital; · expansão do trabalho em domicilio, permitida pela desconcentração do processo
precarização do trabalho e avanço da horizontalização do capital (ANTUNES, 2004, p.336341).
Em suma, na esfera da produção fica cada vez mais evidente um cenário crescentemente globalizado, de abertura de mercados e de forte competição internacional, as unidades produtivas de grande porte ficam mais “enxutas” e aumentam a produtividade; a atividade produtiva passa a exigir trabalhadores polivalentes, flexíveis às determinações mercadológicas; a parcela do trabalho fora do foco principal da empresa passa a ser subcontratada a outras empresas (ou terceirização); o setor industrial perde volume frente ao setor de serviços e a flexibilização das atividades produtivas leva também a um aumento da precarização dos contratos de trabalho; na esfera sindicalista, o desemprego e a informalização corroem grandemente o poder de agenciamento das instituições sindicais.
2. A Universidade Brasileira e o Trabalho Docente.
Na lógica do capital, as instituições de ensino superior (IES) têm refletido as transformações pelas quais vem passando o mundo do trabalho. Funcionam nos moldes de controle de qualidade para provar “produtividade”, como empresas que visam à geração de lucros. Neste novo cenário, a universidade e o trabalho docente ganham novas características para atender às demandas do mercado de trabalho e produzir conhecimento que possam ser aplicados para propiciar geração de lucros para o setor privado.
Os investimentos públicos nas IES, na maior parte das vezes, priorizam os interesses do mercado. Como aponta Mancebo (2007)
As instituições de ensino superior são “convidadas” não só a se adaptar às novas composições trabalhistas, como também ajustar seu produto às exigências mais recentes do capital. Assim, o cotidiano da universidade e a conformação das atividades docentes se vêem duplamente atingidos pela organização produtiva emergente (MANCEBO, 2007, p.76).
Um novo modelo gerencial vem sendo adotado pelas IES, em conformidade à flexibilidade, ao produtivismo e ao individualismo. O atual modelo de flexibilização de gestão se justifica pela exigência de ampliação do sistema, tomando como regra o menor custo. Isso fica visível ao se observar as colocações de Rodrigues Dias (2004) acerca da
análise sobre a educação superior feita pelo Banco Mundial em documento lançado há dez anos. Segundo o autor, no documento o Banco Mundial fala objetivamente da educação superior e de seu papel na economia, propondo: a privatização da educação superior; a cobrança de matrículas; a criação de cursos mais breves, não universitários, sendo mais flexível à demanda do mercado; não mais fazer das universidades centros de pesquisa. (RODRIGUES DIAS, 2004, p. 899).
Ainda sobre o papel do Estado, além da diminuição dos investimentos, Mancebo (2004) observa que desde os governos passados, é possível assistir a uma mudança nas políticas educacionais de acordo com as transformações do mercado. Esse fato trouxe e traz algumas repercussões desastrosas para a educação, tais como a deterioração das condições de trabalho na educação superior; desarticulação do ensino em relação à dinâmica social; mercantilização do conhecimento e produções acadêmicas, com uma submissão da universidade ao mercado; desvalorização das atividades de extensão; um modelo de avaliação que prioriza a quantidade de produção, incentivando a competitividade; e diminuição da capacidade crítica que a universidade deve ter, entre outras conseqüências. (MANCEBO, 2004, p.858859).
No que diz respeito ao trabalho docente, vemse observando uma crescente precarização do trabalho deste profissional, além da flexibilização de suas tarefas e uma nova relação estabelecida com o tempo de trabalho.
A precarização do trabalho docente é definida articulandoa às novas formas de trabalho, cada vez mais desregulamentadas, tendo como principais características a redução de salários, diminuição dos direitos trabalhistas, intensificação da jornada de trabalho, entre outras formas de exploração. Ela pode ser observada até mesmo nas grandes universidades públicas, onde proliferam as (sub)contratações temporárias de professores, pagos por hora aula ministrada em turma de graduação.
Mancebo (2007) aponta algumas causas para crescente aumento do trabalho precário nas IES, assim como algumas conseqüências deste processo:
O aumento do trabalho precário nas universidades públicas apresenta como causa primeira a progressiva erosão do volume de recursos públicos destinados ao
financiamento da universidade. O enxugamento orçamentário gera,
indubitavelmente, inúmeros efeitos danosos, e um deles recai na contratação de novos docentes, quer para o atendimento minimamente adequado ao crescimento
quantitativo e qualitativo de cursos e alunos, quer para a reposição paritária das vagas geradas por aposentadorias, óbitos, desligamentos voluntários e afastamento de docentes. Assim, a contratação de professores substitutos vem sendo uma saída econômica para o sustento das universidades, que infelizmente se naturalizou no cotidiano de diversas unidades, sendo mesmo incentivada acriticamente por muitos (MANCEBO, 2007, p.77).
O uso recorrente dos contratos mais ágeis e econômicos, como os “temporários”, na maior parte das universidades públicas brasileiras reflete a adoção de um novo modelo gerencial nas instituições de educação superior, que reproduziu no âmbito universitário um mercado de trabalho flexível.
Os docentes das IES, portanto, foram atravessados pelo conjunto dessas modificações que ocorreram no campo do trabalho, pelas novas exigências que se colocam para as universidades e também pela diminuição da participação do Estado no financiamento da educação superior.
Desta forma, entendese que a proposta de flexibilização da gestão das instituições de acordo com o perfil do mercado favoreceu o crescimento desses contratos de trabalho mais ágeis e econômicos.
3. Trabalho precário na Universidade do Estado do Rio de J aneiro.
Na tentativa de uma melhor compreensão do trabalho docente no contexto das reformas de viés neoliberal e de problematizar a forma como os docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro se ajustam a este cenário reestruturado, bem como suas relações e suas formas de resistência e enfrentamento, foram observadas sistematicamente as situações de trabalho e a saúde dos docentes dessa universidade, considerando alguns fatores como número de empregos, situação funcional, carreira, jornada, condições de trabalho, organização do trabalho e tipos de gestão, bem como o levantamento estatístico realizado que, em conjunto, forneceram uma noção clara das reestruturações pelas quais a universidade vem passando.
Na pesquisa de campo, foram utilizados dados estatísticos obtidos pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O levantamento estatístico histórico pôde nos fornecer uma noção clara das reestruturações pelas quais a Uerj vem passando. No período investigado, entre 1994 e 2007, averiguase que o corpo docente da universidade
apresentou grande fragmentação. Desta forma, destacase o fato de que na UERJ, em 2007, (data de realização do último levantamento sistemático realizado) havia 2980 docentes, contratados por regimes de trabalho diferentes, sendo 22,30% de professores contratados em regime de substituição (os quais entendemos como contratos precários). Também é possível observar um aumento considerável de 73,37% no quadro desses professores, entre 1994 e 2007, em contraposição ao quadro de docentes efetivos, que aumentaram apenas 17,13%. Apesar do incremento do quadro de professores contratados como substitutos, houve uma diminuição do número de professores visitantes em 21,51%, conforme tabela abaixo.
Tais dados, foram coletados no sistema DataUerj e forneceram uma noção clara das reestruturações pelas quais a universidade vem passando. Observamos uma alarmante proliferação de (sub)contratações temporárias de professores, que enfrentam condições precárias de trabalho
.
Foram realizadas ainda entrevistas individuais, semidirigidas, com docentes da universidade (fase da pesquisa que se encontra ainda em andamento) e o critério básico para a escolha dos entrevistados que compõem a amostra: ser professor substituto na UERJ. Também levouse em consideração as faculdades e institutos que possuíam maior e menor número de professores contratados. Juntamente com a observação estatística, as entrevistas nos fizeram observar que o trabalho do professor universitário não passou imune às transformações da esfera laboral, trazidas pela globalização de forte viés neoliberal; seu trabalho foi flexibilizado e precarizado. Cor po docente da UERJ 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 População total 2391 2473 2511 2701 2593 2779 2723 2832 2795 2813 2837 2918 2959 2980 EFETIVOS Númer os 1915 1915 1970 1974 1991 2070 2132 2130 2207 2184 2218 2218 2228 2243 % da População Total 80,1 77,4 78,5 73,1 76,8 74,5 78,3 75,2 79,0 77,6 78,2 76,0 75,3 75,3 VISITANTES Númer os 93 128 62 126 102 148 69 87 107 69 82 73 74 73 % da População Total 3,9 5,2 2,5 4,7 3,9 5,3 2,5 3,1 3,8 2,5 2,9 2,5 2,5 2,4 SUBSTITUTOS Númer os 383 430 479 601 500 561 522 615 481 560 537 627 657 664 % da População Total 16,0 17,4 19,1 22,3 19,3 20,2 19,2 21,7 17,2 19,9 18,9 21,5 22,2 22,3
Mesmo não tendo sido concluída, as entrevistas permitiram a verificação clara da situação marginal em que se encontram os docentes contratados temporariamente. Os professores substitutos encontramse limitados em suas atuações às salas de aula, impedidos de pesquisa e extensão, de orientação de monografia ou projetos, desavisados das reuniões departamentais, desvinculados das discussões institucionais, são praticamente “impedidos” de manterem vínculos orgânicos com a universidade.
Seus salários são menores do que um docente efetivo (o equivalente a um professor auxiliar, independentemente do seu grau de qualificação), mesmo que sua carga horária seja similar ao professor do quadro permanente. O contrato deste professor é de um ano podendo ser renovado por mais dois, no entanto o cancelamento do mesmo pode se dar a qualquer momento. Nem mesmo o direito a férias está estabelecido no contrato.
Todos esses fatores provocam uma série de sentimentos, sensações, pensamentos que levam a uma atitude diferenciada do professor substituto em relação à instituição e aos demais docentes.
Porém, em seu discurso, apesar do professor estar ciente do seu trabalho precarizado (excluído do direito à pesquisa e extensão, bem como de alguns direitos trabalhistas), o professor substituto da Uerj afirma com orgulho a importância de trabalhar numa universidade pública, sendo esta vista como uma forma de ganhar pontos no currículo, e de adquirir experiência.
Paradoxalmente, os professores substitutos assumem uma posição de satisfação por trabalhar numa instituição pública como a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que sentem a angústia por terem que dar conta das novas formas de trabalho e atividades que lhes são propostas.
Diante desta posição paradoxal, Mancebo (2007) considera que “o trabalho docente constituise num lugar contraditório que suscita, a um só tempo, sobretrabalho e prazer; assujeitamento e captura acrítica dos envolvidos para as novas demandas colocadas para a universidade, mas também espaço para invenções, pensamento e crítica” (p.79). Nesse sentido, podese pensar que o encontro das subjetividades no âmbito da universidade, com a variedade de estimulações trazidas pelos recursos globais, somadas às demandas flexíveis dos campos do trabalho, fizeram com que se complexificassem as “exigências” comportamentais. No caso dos professores substitutos, tais exigências vêm sendo
significadas enquanto experiência necessária à vida e à carreira. Tratase de uma “curiosa” ressignificação subjetiva, obviamente reforçada e alimentada pela instituição e pelos que a habitam, para a intensa precarização do trabalho desse professor, submetidos a jornadas de trabalho mais intensas e extensas.
Diante das análises feitas pudemos observar mudanças na instituição pública de ensino, em especial na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, dando destaque: a precarização do trabalho docente, pois observouse um aumento significativo de (sub)contratações temporárias de professores; além de diferenças entre os docentes efetivos e contratados, especialmente quando se verifica a qualificação acadêmicocientífica, salários, direitos empregatícios e trabalho realizado, uma vez que os professores contratados são excluídos de atividades de pesquisa e extensão, exercendo apenas atividades de sala de aula. Houve ainda intensificação do trabalho e transfiguração das atividades docentes básicas: ensino, pesquisa e extensão; aumento do sofrimento subjetivo; neutralização da mobilização coletiva e aprofundamento do individualismo.
Diante dos resultados observados, é possível compreender as transformações pelas quais a Universidade do Estado do Rio de Janeiro vem passando, além de se observar a ampla utilização de formas flexibilizadas de gestão, contribuindo para o crescimento do número de contratos temporários, precários o que trouxe aumento da insegurança desse trabalhador.
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