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Cartas Chilenas -Tomás Antônio Gonzaga

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Academic year: 2021

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Cartas Chilenas -Tomás Antônio Gonzaga

Obra: Cartas Chilenas

Estética: Arcadismo

Autor: Tomás Antônio Gonzaga

Gênero: Poesia

Biografia:

Nascido em Miragaia, freguesia da cidade portuguesa do Porto, em prédio hoje devidamente assinalado. Era filho de mãe portuguesa e pai brasileiro. Órfão de mãe no primeiro ano de vida mudou-se com o pai, magistrado brasileiro para Pernambuco em 1751 depois para a Bahia, onde estudou no Colégio dos Jesuítas. Em 1761, voltou a Portugal para cursar Direito na Universidade de Coimbra tornando-se bacharel em Leis em 1768. Com intenção de lecionar naquela universidade, escreveu a tese Tratado de Direito Natural, no qual enfocava o tema sob o ponto de vista tomista, mas depois trocou as pretensões ao magistério superior pela magistratura. Exerceu o cargo de juiz de fora na cidade de Beja, em Portugal. Quando voltou ao Brasil, em 1782, foi nomeado Ouvidor dos Defuntos e Ausentes da comarca de Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto, então capital da capitania de Minas Gerais. Um ano depois conheceu a adolescente de apenas quinze anos Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão, a pastora Marília em uma das possíveis interpretações de seus poemas, que teria sido imortalizada em sua obra lírica (Marília de Dirceu) - apesar de ser muito discutível essa versão, tendo em vista as regras retórico-poéticas que prevaleciam no século XVIII, época em que o poema fora escrito.

Durante sua permanência em Minas Gerais, escreve Cartas Chilenas, poema satírico em forma de epístolas, uma violenta crítica ao governo colonial. Promovido a desembargador da relação da Bahia em 1786, resolve pedir em casamento Maria Dorotéia dois anos depois. O casamento é marcado para o final do mês de maio de 1789. Como era pobre e bem mais velho que ela, sofreu oposição da família da noiva.

Apesar do pequeno papel na Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira (primeira grande revolta pró-independência do Brasil), é acusado de conspiração e preso em 1789, cumprindo sua pena de três anos na Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, tendo seus bens confiscados. Foi, portanto, separado de sua amada, Maria Dorotéia. Sua implicância na Inconfidência Mineira parece ter sido fruto de calúnias arquitetadas por seus adversários. Permanece em reclusão por três anos, durante os quais, teria escrito a maior parte das liras atribuídas a ele, pois não há registros de assinatura em qualquer uma de suas poesias. Em 1792, sua pena é comutada em desterro e o poeta é enviado a costa oriental da África, a fim de cumprir, em Moçambique, a sentença de dez anos de degredo.

No mesmo ano é lançada em Lisboa a primeira parte de Marília de Dirceu, com 33 liras (nota-se que não houve participação, portanto, do poeta na edição desse conjunto de liras, e até hoje não se sabe quem teria feito). No país africano trabalha como advogado e hospeda-se em casa de abastado comerciante de escravos, vindo a se casar em 1793 com a filha dele, Juliana de Sousa Mascarenhas (“pessoa de muitos dotes e poucas letras”), com quem teve dois filhos: Ana Mascarenhas Gonzaga e Alexandre Mascarenhas Gonzaga, vivendo depois disso, durante quinze anos, rico e considerado, até morrer em 1810, acometido por uma grave doença. Em 1799, é publicada a segunda parte de Marília de Dirceu, com mais 65 liras. No desterro, ocupou os cargos de procurador da Coroa e Fazenda, e o de juiz de Alfândega de Moçambique (cargo que exercia quando morreu). Gonzaga foi muito admirado por poetas Romantismo/românticos como Casimiro de Abreu e Castro Alves. É patrono da cadeira de número 37 da Academia Brasileira de Letras.

Suas principais obras são: Tratado de Direito Natural; Marília de Dirceu (coleção de poesias líricas, publicadas em três partes, em 1792, 1799 e 1812 - hoje sabe-se que a terceira parte não foi

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escrita pelo poeta); Cartas Chilenas (impressas em conjunto em 1863).

CONTEXTO HISTÓRICO

Tendo vivido de 1744 a 1810, Tomás Antônio Gonzaga participou de um século de conflitos e ambiguidades. Ele mesmo as viveu com sua formação intelectual feita na Bahia e em Coimbra, respirando na Universidade portuguesa um clima de conservadorismo, comparando ao de Londres e Paris, e participando no Brasil, de uma luta revolucionária, a Inconfidência Mineira de 1789.

Em sua obra pode-se sentir o espírito das oscilações que regeu o século XVIII, tecido na contradição entre indivíduo e o Estado, o absolutismo e as aspirações igualitárias, o racionalismo científico e o irracionalismo pré-romântico. Este foi o século de duas grandes revoluções: uma delas, de caráter tecnológico, científico e industrial, emergiu na Inglaterra; a outra, de cunho político e ideológico, eclodiu na França, embora ambas tenham desencadeado o surgimento de uma nova organização social burguesa de bases internacionais.

O surto transformador também penetra as fronteiras lusas, embora de modo diverso do que ocorreu na França e Inglaterra.

A pequena estatura Ibérica em face da Europa leva Portugal a considerar a questão sob os moldes do despotismo esclarecido, ou seja, uma forma de modernizar sem perder as completas rédeas de um poder estatal conservador.

Sob a égide do pombalismo, política centralizadora exercida pelo Primeiro Ministro de D. José, Sebastião de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, há um surto de reformas internas e externas.

Enviam-se estudiosos ao estrangeiro, criam-se novas indústrias e companhias de navegação que tornassem mais fácil o comércio com as colônias ultramarinas. Externamente, tenta-se um desenvolvimento mais integrado da Colônia Brasileira, pelo estímulo aos engenhos de açúcar em Pernambuco, pela expansão do crédito para estabelecimento manufatureiros na Bahia, pela extração de ferro em São Paulo e, até, pela Fundação de uma indústria de roupas, no Pará, destinada a suprir as tropas militares.

Contudo, no final da década de 80, as minas de ouro brasileiras começam a esgotar-se e o sistema luso se enfraqueceu. Ao lado disso, na década de 70 emergia no Brasil uma burguesia nacional cujos interesses se tornavam cada vez mais incompatíveis com os da coroa. Na região das Minas Gerais esta burguesia vai reter o foco de dissensão. Minas não só era a área mais populosa, em 1776, da América portuguesa, detendo a correspondente a 20% da população total, como também era a maior área de concentração demográfica do Brasil, além de apresentar um contingente majoritariamente urbano.

Esta população urbana era distribuída desigualmente, além de formada de estratos sociais muito diversificados, abrangendo desde negros escravos a contratadores, intelectuais, militares, comerciantes, representantes do clero e das oligarquias rurais.

É neste núcleo que vai emergir uma elite letrada, pouco numerosa, mas representativa, e em si mesma muito contraditória, pois formada pelo despotismo coimbrão e, simultaneamente, sofrendo a influência do impacto da nova ideologia liberal que adivinha da Europa e da América do Norte.

Tais fatores e a decisão portuguesa de cobrar impostos excessivos (a “derrama”) a uma comunidade já muito penalizada economicamente, promovem a preparação, em Vila Rica, de um levante, malogrado pela denúncia de Joaquim Silvério dos Reis: A Inconfidência Mineira.

Deste movimento participa Tomás Antônio Gonzaga, cuja atuação no evento está a merecer um estudo mais profundo. Qualquer que tenha sido seu objetivo e sua real implicação nestes acontecimentos, é certo que sua produção lírica deles recebe influxo até direto, como no caso das chamadas “liras da prisão”, nas quais o poeta promove de modo bastante raro em textos do gênero à integração do lírico ao social.

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fortalecimento político da burguesia e o aparecimento dos filósofos iluministas formam um novo quadro sócio político-cultural, que necessita de outras fórmulas de expressão. Combate-se à mentalidade religiosa criada pela Contra-Reforma, nega-se a educação jesuítica praticada nas escolas, valoriza-se o estudo científico e as atividades humanas, num verdadeiro retorno à cultura renascentista. A literatura que surge para combater a arte barroca e sua mentalidade religiosa e contraditória é o Neoclassicismo, que objetiva restaurar o equilíbrio por meio da razão.

A influência neoclássica penetrou em todos os setores da vida artística européia, no século XVIII. Os artistas desse período compreendiam que o Barroco havia ultrapassado os limites do que se considerava arte de qualidade e procuravam recuperar e imitar os padrões artísticos do Renascimento, tomados então como modelo.

Na Itália essa influência assumiu feição particular. Conhecida como Arcadismo, inspirava-se na lendária região da Grécia antiga. Segundo a lenda. a Arcádia era dominada pelo deus Pam e habitada por pastores que, vivendo de modo simples e espontâneo, se divertiam cantando, fazendo disputas poéticas e celebrando o amor e o prazer.

No Brasil e em Portugal, a experiência neoclássica na literatura se deu em torno dos modelos do Arcadismo italiano, com a fundação de academias literárias, simulação pastoral, ambiente campestre, etc.

Esses ideais de vida simples e natural vêm ao encontro dos anseios de um novo público consumidor em formação, a burguesia, que historicamente lutava pelo poder e denunciava a vida luxuosa da nobreza nas cortes.

 Revolução industrial na Inglaterra com reflexos no restante da Europa.  Período de urbanização e de êxodo rural.

 Iluminismo, que em oposição ao contra reformismo, valoriza a razão, a ciência e o progresso.

 Independência das colônias inglesas, Inconfidência Mineira, Revolução Francesa.

 Portugal - governado pelo déspota esclarecido Marquês de Pombal (reforma do ensino, expulsão dos jesuítas).

 Brasil - Economia: ciclo do ouro, da mineração. Centro cultural: Vila Rica.

NO BRASIL

No Brasil o século XVIII é marcado pela atividade mineradora nas Minas, com a formação de núcleos urbanos, modificando-se a paisagem social da colônia, tanto pelo afluxo de enormes contingentes de pessoas atraídas pelo ouro, quanto pela circulação de riquezas geradas nas Minas por outros pólos da colônia. Na região de prospecção aurífera surge uma sociedade letrada, relativamente menos rígida, na qual as novidades do Iluminismo penetram e encontram campo fértil como discurso para elite local, notadamente quando as contradições em relação à Metrópole aumentam. É a época da Inconfidência Mineira.

Minas Gerais como centro econômico e político

 A descoberta do ouro, na região de Minas Gerais, forma cidades ao redor.

 Vila Rica (atual Ouro Preto) se consolida como espaço cultural desde o Barroco (Aleijadinho)

 Corrida pelo ouro se intensifica.

 Influências das arcádicas portuguesas nos poetas brasileiros  Conflitos com o Império (Inconfidência Mineira)

 O ciclo da mineração

 A expulsão dos Jesuítas do Brasil – (1759)

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CARTAS CHILENAS – ANÁLISE

As cartas chilenas são poemas satíricos, compostos por treze cartas, que circulou em Vila Rica, no ano de 1788. A omissão da autoria decorre do risco resultante do seu conteúdo.

Gonzaga as escreveu no intuito de satirizar seu desafeto político, os desmandos administrativos e morais do governador Luís da Cunha Meneses. A obra é um jogo de disfarces: Critilo é o pseudônimo de Tomás Antônio Gonzaga; Doroteu é Cláudio Manuel da Costa; Fanfarrão Minésio é Luís da Cunha Meneses; Chile é Minas Gerais; Santiago é Vila Rica.

As cartas chilenas são a principal expressão satírica da literatura colonial do século XVIII. Trilhando os caminhos abertos por Gregório de Matos, Tomás Antônio Gonzaga dá continuidade à irregular tradição satírica de nossa literatura, ao mesmo tempo que oferece à historiografia um rico painel social e político daqueles dois que precederam à Inconfidência Mineira. Embora a crítica do poema tenha como alvo o governador Luís da Cunha Meneses e seus assessores, fica clara a fragilidade da estrutura política colonial.

As cartas chilenas constituem um texto satírico, vivo colorido, marcado pelo realismo descritivo e revela estreita intimidade entre o poeta, o ambiente e os acontecimentos. Há dissensão e antipatia entre satirizado e satirizador. O tom revelador do contexto histórico e cultural de Vila Rica, de 1783 a 1788. Há força visual e plástica do texto, com presença de humor, ironia e caricatura. O texto é marcado pelas ideias do Iluminismo à moda portuguesa.

A matéria é toda referente à tirania e ao abuso de poder do governador Fanfarrão Minésio, versando a sua falta de decoro, venalidade, prepotência e, sobretudo, desrespeito à lei. Afirmam alguns que o poema circulava largamente em Vila Rica em cópias manuscritas.

Critilo (Tomás Antônio Gonzaga) aplica-se de tal modo na sátira, que a beleza mal o preocupa. Os versos brancos concentram-se no ataque. Sente-se um poeta capaz de escrever no tom familiar que caracteriza o realismo dos neoclássicos, com certeza inclinação para a pintura da vida doméstica.

Para Critilo, o arbitrário Governador constituía, de certo modo, atentado ao equilíbrio natural da sociedade.

Entretanto, não se nota nas Cartas nenhuma rebeldia contra os alicerces do sistema colonial, nem mesmo uma revolta contra o colonizador; apenas se critica a má administração do governador Cunha Menezes. Seu significado político, todavia, permanece. Literariamente, é a obra satírica mais importante do século XVIII brasileiro e continua sendo o índice de uma época.

Sendo anônimo o poema e tendo permanecido inédito até 1845, houve dúvida quanto á sua autoria, embora a tradição mais antiga apontasse Gonzaga sem hesitação. Falou-se depois em Cláudio, em Alvarenga Peixoto, em colaboração etc. Estudos empreendidos neste século, culminando pelos de Rodrigues Lapa, vieram dar praticamente a certeza da atribuição a Gonzaga.

É tida como uma das mais curiosas sátiras de todos os tempos em Literatura Brasileira (junto com Antônio Chimango). Quem assina essas cartas é um certo Critilo, que escreve a um amigo, Doroteu. O contexto também era diverso, já que o clima de opressão e a tensão política deveriam se asilar no apócrifo.

As Cartas têm em Cunha Menezes (no texto, batizado com o singelo nome de Fanfarrão Minésio) o seu protagonista. Além do viés satírico, a obra constitui um interessante quadro dos costumes daquela época e um registro precioso do que era a corrupção no Brasil já desde os tempos da Colônia. Critilo, por sua vez, escreve do Chile.

COMENTÁRIOS DE PARTES DA OBRA “CARTAS CHILENAS”

III - Abertura da 1ª carta de Cartas Chilenas

Comentário: O seguinte poema se apresenta sob a forma de carta (epístola), o que era

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atrair a atenção deste para o assunto de sua carta, fazendo longo preâmbulo. Neste fragmento não se fala ainda diretamente do assunto. Faz-se apenas sua anunciação, mediante estapafúrdias alusões cômicas: trata-se do exórdio.

Amigo Doroteu, prezado amigo, abre os olhos, boceja, estende os braços e limpa das pestanas carregadas

o pegajoso humor, que o sono ajunta. Critilo, o teu Critilo é quem te chama;

ergue a cabeça da engomada fronha, acorda, se ouvir queres coisas raras. "Que coisas tu dirás), que coisas podes

contar que valham tanto, quanto vale dormir a noite fria em mole cama quando salta a saraiva nos telhados e quando o sudoeste e os outros ventos movem dos troncos os frondosos ramos?"

Aquele, Doroteu, que não é santo,

Mas quer fingir-se santo aos outros homens Pratica muito mais, do que pratica

Quem segue os sãos caminhos da verdade. Mas se põe nas igrejas, de joelhos

Abre os braços em cruz, a terra beija. Entorta o seu pescoço, fecha os olhos, Faz que chora, suspira, fere o peito, E executa outras muitas macaquices Estando em parte onde o mundo as veja. Assim o nosso chefe, que procura Mostrar-se compassivo, não descansa Com estas poucas obras: passa a dar-nos Da sua compaixão maiores provas.

Referências ao governador de Vila Rica, que tem uma personalidade contraditória e fingida. O povo, Doroteu, é como as moscas

– Que correm ao lugar, onde sentem O derramado mel, é semelhante

Aos corvos e aos abutres que se ajuntam Nos ermos, onde fede a carne podre. A vista, pois, dos fatos, que executa – O nosso grande chefe, decisivos Da piedade que finge, a louca gente De toda a parte corre a ver se encontra Algum pequeno alívio à sombra dele.

Há uma referência crítica ao povo, que se mostra submisso. O povo para o poeta se assemelha aos urubus e moscas e sempre busca alívio à sombra dele (Fanfarrão Minesio). Nota-se a utilização de uma linguagem agressiva.

“Tu sabes, Doroteu, qual seja o crime Dos soldados que furtam aos soldados, E sabes muito bem que pena incorram

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aqueles que viciam ouro e prata Agora, Doroteu, atende o como Castiga o nosso chefe em um sujeito Estes graves delitos, que reputa Ainda menos do que leves faltas”.

Neste primeiro trecho, temos uma clara ilustração de alguns dos delitos cometidos pela sociedade da época, a influencia que as pessoas sofrem do ciclo do ouro iminentes além de ser feita uma grave crítica ao modo com que o governador se posiciona diante destes fatos. Mostra como as pessoas são dominadas pelo desejo de possuir ouro e prata mesmo que para isso tenham de cometer algum crime.

“Um monstro, um monstro destes não conhece que exista algum maior que, ousado, possa, ou na terra ou no céu, tomar-lhe conta. Infeliz, Doroteu, de quem habita conquista do seu dono tão remotas! Aqui o povo geme, e os seus gemidos Não podem, Doroteu, chegar ao trono. E se chegam, sucede quase sempre o mesmo que sucede nas tormentas. aonde o leve barco se soçobra, aonde a grande nau reside ao vento”.

Neste trecho, Critilo nos leva a entender que sempre haverá alguém melhor e mais poderoso do que nós. Apesar de que o “monstro” retratado seja bastante poderoso, sempre poderá existir algo ou alguém mais forte do que ele, que possa derrotá-lo, em que provavelmente, Tomás Antônio Gonzaga, pode estar sutilmente fazendo uma alusão aos inconfidentes. Retrata também a situação de opressão em que vive o povo, que, oprimido por um “monstro” não é lhe dado o direito de expressão. Caso reclamações ocorram, isto pode levar a situações mais drásticas.

“Pretende, Doroteu, o nosso chefe Mostrar um grande zelo nas cobranças Do imenso cabedal que todo o povo Aos cofres do monarca está devendo Envia bons soldados às comarcas, E manda-lhes que cobrem, ou que metam A quantos não pagarem as cadeias”.

Este terceiro trecho demonstra que na cobiça de obter maiores riquezas, o governante, a fim de atingir o seu objetivo, abusa da cobrança de impostos e, quando os cidadãos não possuem o capital necessário para atender as exigências do superior, são severamente punidos.

“apenas, Doroteu, a noite chega, Ninguém andar já pode, sem cautela nos sujos corredores de palácio.

Uns batem com os peitos noutros peitos, Outros quebram as testas noutras testas; Qual leva um encontrão, que o vira em roda; E qual, por defender a cara, fura

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Aqui se quebra a porta e ninguém fala; Ali range a couceira e soa a chave; Este anda de mansinho; aquele corre; Um grita que o pisaram, outro inquire “Quem é?” a um vulto, que não lhe responde Não temas, Doroteu, que não é nada,

Não são ladrões que ofendem, são donzelas Que buscam aos devotos, que costumam Fazer, de quando em quando, a sua esmola”.

A partir da compreensão deste texto, é possível perceber que o governo do famoso “Fanfarrão Minésio” havia chegado a um estágio, em que ao anoitecer no “palácio”, já não se podia andar livremente pelas ruas. Havia pessoas que transitavam pelas ruas por não terem nenhum lugar para morar, o que levava ao conflito entre grupos de desabrigados para obter pelo menos um pouco de espaço. Estas pessoas também haviam necessidade de se alimentarem, por exemplo, por isso, constantemente ficavam com uma certa “coceirinha” na mão para bater na porta e pedir sua esmola.

Os festejos narrados nas cartas 5ª e 6ª guardam parentescos históricos com as comemorações do casamento do príncipe português. Dom João (futuro D. João VI) com a princesa espanhola D. Carlota Joaquina, realizadas na então capital mineira em maio de 1786. Gonzaga, sob o pseudônimo de Cirilo, escreve ao amigo Cláudio M. da Costa, sob o pseudônimo de Doroteu, versos de caráter satírico, que procuram mostrar a realidade desonesta que rondava a corte da época.

“Chegou à nossa Chile a doce nova, De que Real Infante recebera

Bem digna de seu leito Casta Esposa: Reveste-se o Baxá de um gênio alegre. E para bem fartar os seus desejos; Quer que as despesas do Senado, e povo Arda em grandes festins a terra toda (...) Soberbo e louco chefe, que proveito Tiraste de gastar em frias festas

Imenso cabedal (riqueza), que o bom Senado Devia consumir em coisas santas?

Suspiram pobres amas, e padecem Crianças inocentes, e tu podes

Com rosto enxuto ver tamanhos males?

Embora! (assim seja) sacrifica ao próprio gosto As fortunas dos povos, que governas”.

“Aos ouvidos do chefe aos seus lacaios; Pois eu também já vou contar verdades, Em que possam falar os homens sérios Inda daqui a mais de um cento de anos”

Esta parte retrata a submissão do povo que vive às sombras do “Fanfarrão”, pessoas que levam as conversas a ele, que fazem agrados, que viram cúmplices fingindo-se de cegos e tornando-se mudos. Pessoas preguiçosas que pensam só em si, em levar alguma vantagem.

“Uns gritam que são livres, outros clamam Que as sábias leis do rei os julgam brancos.

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Este diz que não tem algum delito Que tal rigor mereça; aquele que pede Do injusto acusador, o céu, vingança. Não afrouxam os braços dos verdugos Mas, antes, com tais queixas, se duplica A raiva nos tiranos, qual o fogo

Que aos assopros dos ventos ergue a chama. Às vezes, Doroteu, se perde a conta

Dos cem açoutes, que no meio estava, Mas outra nova conta se começa. Os pobres miseráveis já nem gritam: Cansados de gritar, apenas soltam Alguns fracos suspiros, que enternecem.”

Estes versos mostram que com toda aquela sujeira de proteção, corrupção, a desigualdade social existia e a comparação ao governo sobressaia. Os que se consideravam e eram considerados melhores, fingiam não ver a desordem. Os pobres, miseráveis, marginalizados, estavam cansados de gritar pela justiça, mas pelo menos eram livres, mesmo que suas vezes não abrangessem nada mesmo que o que falavam não alterasse nada, eles não se calavam perante as calúnias. Eram donos de si mesmo, ainda que o “si mesmo”, fosse miserável na forma de viver, fraco, ele não traia seus próprios ideais.

Comentário sobre as 5ª e 6ª cartas.

Nas 5ª e 6ª cartas se contam as desordens e bagunças feitas nos festejos nos dispensários da corte portuguesa. As festas eram badernas que se adentravam na noite. Critilo critica esses festejos, e aproveita para aproveitar também as vestes utilizadas pelas pessoas, algumas vezes se encantam com as mulheres. Na 6ª carta se fala sobre o fim das festas e sobre a bagunça que era para os convidados das mesmas, que tinham de ir trabalhar sem ter descansado.

É possível também observar que Critilo valoriza muito a vida simples e tranquila, essas cartas são escritas no tom de denúncia e sátira molda as festas de acordo com sua perspectiva de vida.

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