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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DOUTORADO

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DOUTORADO

ROSANO FREIRE CARVALHO JUNIOR

ANÁLISE DA RELAÇÃO LITERATURA E SOCIEDADE EM ANTONIO CANDIDO E RAYMOND WILLIAMS: interpretando os fatores sociais que atuam sobre a obra

Natal 2019

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ANÁLISE DA RELAÇÃO LITERATURA E SOCIEDADE EM ANTONIO CANDIDO E RAYMOND WILLIAMS: interpretando os fatores sociais que atuam sobre a obra

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisto para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais.

Área de concentração:

Complexidade, Cultura e

Pensamento social

Orientador: Prof. Dr. Gilmar Santana

Natal 2019

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ANÁLISE DA RELAÇÃO LITERATURA E SOCIEDADE EM ANTONIO CANDIDO E RAYMOND WILLIAMS: interpretando os fatores sociais que atuam sobre a obra Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais. Área de concentração: Complexidade, Cultura e Pensamento social Data da defesa: 29 / 05 / 2019 BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ Prof. Dr. Gilmar Santana (orientador)

____________________________________________________________ Prof. Dr. João Batista de Morais Neto, IFRN (Examinador Externo à Instituição)

____________________________________________________________ Profª. Dra. Lenina Lopes Soares Silva, IFRN (Examinadora Externa à Instituição)

_____________________________________________________________ Profª. Dra. Tania Maria de Araújo Lima, UFRN (Examinadora Externa ao Programa)

_____________________________________________________________ Prof. Dr. Anaxsuell Fernando da Silva, UNILA (Examinador Interno)

Natal 2019

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Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e à UFRN pelo espaço a mim concedido na instituição.

Agradeço ao Prof. Dr. Gilmar Santana, pelo trabalho sério e paciente de orientação.

Agradeço ao CNPq, pela bolsa de doutorado que, durante três dos quatro anos do curso, custeou as pesquisas.

Agradeço às/aos professores/as que, gentilmente, aceitaram compor esta banca.

Agradeço a Otânio e a Jeferson, secretários deste programa de pós-graduação, que atuam com muita diligência, atenção e profissionalismo.

Agradeço, por fim, à minha família, aos amigos de sempre e à minha companheira, Marília, pelo apoio e pela inspiração.

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O modo de analisar a literatura a partir de sua relação com o mundo social sempre foi um problema caro à sociologia da cultura. A partir do segundo quartel do século XX, a necessidade de construir uma teoria que associasse interpretação sociológica e análise formal se impôs aos pensadores da área. As maneiras pelas quais Raymond Williams e Antonio Candido realizaram essa tarefa são dois dos capítulos mais fecundos dessa tradição de pensamento. O presente trabalho buscou realizar uma análise comparativa entre os dois pensadores, visando elucidar como cada um deles concebe a relação da literatura com a sociedade e como os fatores sociais devem entrar na análise de uma obra literária. Para tanto, realizou-se uma leitura crítica de Literatura e Sociedade e O Discurso e a Cidade, de Antonio Candido, e Marxismo e Literatura e O Campo e a Cidade, de Raymond Williams, obras nas quais eles expõem suas respectivas visões acerca do fenômeno literário e exercitam suas análises críticas. Procurando expor as principais semelhanças e divergências dos pensadores e buscando uma reconstrução de seus programas teórico-metodológicos em termos dos objetivos a que se propõem e dos resultados que alcançam, o presente trabalho apontou para uma não equivalência entre as propostas de Candido e Willimas porque elas diferem no modo de conceber e analisar os fatores sociais que atuam sobre a obra literária.

Palavras-chave: Raymond Williams. Antonio Candido. Sociologia da Cultura. Sociologia da Literatura. Literatura. Sociedade

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The way of analysing the literature from its relation to the social world has always been important for cultural sociology. Already in the second quarter of the century XX, it has emerged the need to set up a theory, from the formal analysis of literary works, associated with the sociological interpretation. The different routes in which Raymond Williams and Antonio Candido took to accomplish this task are two of the most fertile chapters of this tradition of thought. Thereby, this present work search for accomplishing a comparative analysis between those two sociologists to clarify as each one of them conceived the relationship between literature and society. In other words, the way social factors should be analysed in literary works. For this, it was necessary fulfilled a critical reading of "Literatura e Sociedade" and "O Discurso e a Cidade" from Antonio Candido, and "Marxism and Literature" and "The Country and the City" from Raymond Williams. It was in those works that the authors expressed their respective visions concerning the literary phenomenon and implemented their critical analysis. In order to explore the main similarities and divergences between them and realign their theoretical-methodological programs in terms of goals themselves considers and of results to reach them, the present work claims that an equivalence between Candido and Willimas' proposals it is not possible because they differ in the way to conceive and to analyze the social factors that act on the literary composition.

Keywords: Raymond Williams. Antonio Candido. Sociology of Culture. Sociology of Literature.

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La manera de analizar la literatura de su relación con el mundo social era siempre un problema costoso a la sociología de la cultura. En el segundo cuarto del siglo XX, la necesidad aparecía construir una teoría que se asoció a la interpretación sociológica, el análisis formal de composiciones literarias. Las maneras para las cuales Raymond Williams y Antonio Candido habían llevado con esta tarea son dos de los capítulos más fértiles de esta tradición del pensamiento. El actual trabajo buscado para llevar con un análisis comparativo entre los dos pensadores, siendo dirigido para aclarar pues cada uno de ellos concibe la relación de la literatura con la sociedad y mientras que los factores sociales deben entrar en el análisis de una composición literaria. Con este fin, se presentó una lectura crítica de Literatura e sociedade e O discurso e a cidade, de Antonio Candido, e Marxismo e Literatura e O campo e a cidade, de Raymond Williams, en la que exponen sus puntos de vista respectivos sobre el fenómeno y ejercitan su análisis crítico. El buscar para exhibir las semejanzas y las divergencias principales de los pensadores y buscar una reconstrucción de sus programas teórico-metodológicos en términos de objetivos el que si considere y de los resultados que alcanzan, el actual trabajo señaló con respecto a una equivalencia no incorpora las ofertas de Candido y de Willimas porque diferencian de la manera de concebir y de analizar los factores sociales que actúan en la composición literaria.

Palabras clave: Raymond Williams. Antonio Candido. Sociología de la Cultura. Sociología de la Literatura.

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Figura 3 – Capa do livro Literatura e Sociedade……….92

Figura 4 – Capa do livro Marxismo e Literatura……….117

Figura 5 – Capa do livro O discurso e a cidade……….139

Figura 6 – Esquema da dialética da ordem e da desordem...144

Figura 7 – Esquema conceitual: teoria da mediação de Antonio Candido...144

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2 SOCIOLOGIA DA ARTE E DA LITERATURA...19

2.1 O panorama sobre os estudos de arte...19

2.2 Sociologia, sociologia da arte e disciplinas humanísticas...22

2.3 A questão do valor e a arte no mundo social...26

2.4 Reação das disciplinas humanísticas...32

2.5 As novas posições em sociologia da arte e da literatura………....37

2.6 Aproximações e possíveis divergências entre Candido e Williams para análise da literatura...45

3 TRAJETÓRIAS...50

3.1 Antonio Candido e herança familiar...50

3.2 Entrada na Universidade, grupo intelectual e atividade crítica profissional...53

3.3 Sociologia, pensamento social brasileiro, cultura e deslocamento institucional...57

3.4 Raymond Williams e herança familiar...69

3.5 Entrada na universidade e ambiente intelectual...72

3.6 O trabalho na educação de adultos...75

3.7 Grupo político e intelectual...77

3.8 Construção de uma nova área de conhecimento...81

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alcance explicativo...92

4.1.2 Equacionando elementos internos e externos...103

4.2 Raymond Williams...108

4.2.1 A influência da tradição idealista britânica e o marxismo das obras iniciais...111

4.2.2 A materialidade da cultura em Marxismo e Literatura...117

5 O EXERCÍCIO ANALÍTICO...136

5.1 As análises de Antonio Candido...136

5.1.1 Do contexto para o texto: como as obras incorporam elementos sociais em Dialética da Malandragem e em De Cortiço a Cortiço...140

5.2 As análises de Raymond Williams...153

5.2.1 As imagens do campo e da cidade na história da literatura inglesa...155

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...171

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo explicar como se construíram os programas teórico-metodológicos de Raymond Williams (1921 – 1988) e Antonio Candido (1918 – 2017) para a sociologia da cultura. Partiremos da percepção de que é necessário compreender e explicar a sociedade em que vivemos. Essa tarefa se apresenta em momentos cruciais para atores sociais alinhados historicamente por condições sociais objetivas, que fazem com que eles assumam o desafio de interpretar o mundo a sua volta.

Ambos são pensadores com grande alcance em seus respectivos meios intelectuais. Antonio Candido foi crítico literário, sociólogo e professor. De um lado, Candido atuou na sociologia, onde desenvolveu estudos sobre o processo de desenvolvimento da sociedade brasileira. De outro, escreveu obras que tornaram-se a base para o debate da formação literária nacional, sendo, por isso, considerado o principal expoente da crítica literária brasileira.

Já Raymond Williams iniciou sua carreira intelectual como crítico literário, mas rapidamente expandiu seu interesse para outras formas de expressão cultural, como o cinema, o teatro, a televisão e o sistema de comunicações. Sua principal contribuição encontra-se na reformulação do conceito de cultura, o que mudou a maneira de analisar a produção e os objetos culturais.

Figura 1: Retrato de Antonio Candido

Fonte: USP Imagens/ Marcos Santos (2013)

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A tentativa de aproximar os dois críticos nasceu da impressão de que ambos buscam atuar em duas frentes interpretativas, que se complementam: de um lado, expandir a compreensão sobre a literatura e as obras literárias por meio do estudo das dinâmicas sociais que as envolvem; de outro, aprofundar o conhecimento sobre a sociedade em que se vive a partir da análise do texto literário.

Para levar a cabo tal tarefa, Raymond Williams e Antonio Candido tiveram que considerar que a sociologia de orientação materialista, que foca nos aspectos estruturais das sociedades, é capaz de oferecer explicações sobre o fenômeno literário. Por outro lado, também tiveram que admitir a arte e a literatura como um tipo de discurso especializado e que, por isso, requerem um tratamento diferenciado de análise.

A necessidade de aliar as duas perspectivas, em nossa visão, é marca do período histórico em que viveram e produziram suas obras. Naquele momento, o ato de interpretar a realidade requeria um esforço de tentar equilibrar – isto é, forjar uma solução teórica entre – as duas principais correntes de pensamento que, até aquele momento, se debruçavam sobre a arte e a literatura.

Desse modo, na Inglaterra, Raymond Williams logrou êxito em aliar o aporte teórico marxista ao padrão de análise textual tradicionalmente britânico para construir um programa vigoroso da crítica da cultura. No caso do Brasil, e de modo semelhante, Antonio Candido uniu à análise de obras literárias a interpretação sociológica do contexto social no qual essas obras foram produzidas, com o objetivo de forjar um campo interdisciplinar de crítica literária.

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Metodologicamente este trabalho está a meio caminho da história social das ideias e da sociologia dos intelectuais. Tem-se a perspectiva de que as formulações teóricas e analíticas do autores se inscrevem num contexto histórico específico, que dá o conteúdo característico do que é debatido, mas que se localizam também dentro de um espaço dos possíveis, formado pelo conjunto das estruturas e das relações sociais que enredam os pensadores. Esse espaço não apenas limita o que pode ser feito, mas impulsiona em determinado sentidos a discussão e o desenvolvimento das ideias.

Em um nível amplo, pode-se dizer que muitas das concepções de Antonio Candido e de Raymond Williams foram aplicadas a eles próprios, à guisa de elucidação de suas respectivas obras – de quais preocupações e interesses particulares envolveram a confecção delas. De Candido (2006), a famosa caracterização da relação texto e contexto: ler nos textos dos autores o que denuncia os seus respectivos contextos e, nos contextos, buscar a compreensão geral de suas obras. De Williams (2001b), o também conhecido método de analisar pequenos grupos culturais por meio da colocação de questões concernentes à formação social (sobretudo, mas não só, questões de classe) e da influência que essa posição social relativa tem para o significado cultural dos membros desse círculo.

Os postulados de Pierre Bourdieu sobre o processo de produção e reprodução da dominação simbólica também serviu de norte para este trabalho. Bourdieu (1989; 2003) fala de como a posse de capitais específicos, incorporados, predispõem um ator social a atuar num espaço estruturado de posições, cujas propriedades dependem justamente da sua posição nesses espaços; a partir da posição relativa de cada ator dentro desse espaço pode-se medir a influência e o alcance dele no campo e, assim, compreender melhor suas estratégias. Esses elementos foram visados neste estudo a respeito de Candido e Williams, mas comparativamente, buscando mostrar como as posições deles nos seus respectivos espaços influenciaram suas obras e como isso repercutiu em diferenças teóricas e analíticas decisivas.

Como as formulações de Bourdieu a respeito de habitus e campo tendem para o polo objetivista das relações sociais, evitou-se utilizá-las aqui em suas acepções originais. Preferiu-se o uso dos termos meio ou contexto intelectual específico para se referir a essas áreas de atuação relativamente autônomas

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(academia, ciência, etc) como forma de dar menos ênfase à reprodução social e abrir maior margem para reflexividade dos atores.

Estudiosos de orientação bourdieusiana, como Sérgio Miceli e Heloísa Pontes, também ofereceram apoio metodológico ao trabalho. Miceli (2001) forneceu as lentes para pensar o peso dos capitais escolar e cultural num espaço de disputa como a carreira docente e Pontes (1998) para refletir sobre as oportunidades e espaços abertos pelas redes de amizade e coleguismo.

Cabe ressaltar que a história das ideias é tomada numa concepção muito singular, a saber: a de Karl Mannheim. Ao lançar as bases para um programa da sociologia da cultura, Mannheim (2014) sustentou a noção de que todos os processos mentais humanos têm uma dimensão social e de que a sociologia é uma tentativa de articular o caráter social desses processos. Para não incorrer no risco de idealizar uma produção intelectual, deve-se colocá-la frente a uma situação concreta – isto é, entender o pensamento introduzido numa situação. Nesse sentido, pode-se empregar a sociologia da cultura à história do pensamento porque as situações sociais são sempre parte dos processo mentais. Assim, a sociologia da cultura analisa as expressões do pensamento, desenha o conjunto das relações sociais nas quais se deram essas expressões e, por fim, reconstrói o significado delas. Numa palavra:

A sociologia do espírito não é uma indagação sobre a causalidade social do processo intelectual, mas um estudo do caráter social de expressões cuja voga não revela nem manifesta seu contexto de ação. A sociologia do espírito procura descobrir e articular os atos de associação inerentes à comunicação de ideias não manifestas (MANNHEIM, 2014, p. 27)

Buscou-se, neste trabalho, a reconstrução do percurso intelectual dos autores e, neles, a identificação dos principais momentos, marcadamente a confecção e a publicação das obras de maior relevo. A partir disso, circunscreveu-se esses momentos em termos das exigências e possibilidades abertas pelos seus contextos intelectuais, visando sempre entender como eles influenciaram as formulações em torno da apreciação dos fatores sociais para a interpretação da obra literária. Desse modo, elaborou-se o seguinte recorte: Marxismo e Literatura e O Campo e a Cidade, de Raymond Williams; Literatura e Sociedade e O Discurso e a Cidade, de Antonio Candido.

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de maior maturidade e sistematização de seus pensamentos. Inscrevem sua necessidade nesta pesquisa por serem uma reflexão teórica: encontram-se nestas obras os postulados centrais do pensamento dos autores, as noções mais importantes a respeito da relação literatura e sociedade, bem como seus principais conceitos. Desse modo, também identifica-se o debate que toca mais diretamente aos objetivos desta pesquisa: como deve se realizar e por onde deve seguir o estudo dos elementos sociais na obra de arte.

Na segunda obra selecionada de cada autor, encontra-se, não uma discussão teórica, mas o método proposto por cada um deles em prática. Em O Discurso e a Cidade, Candido trabalha algumas de suas grandes preocupações, tais como a estruturação do objeto artístico a partir estímulos externos e internos; portanto, do livro, foram selecionados seus dois mais famosos ensaios: “Dialética da Malandragem” e “De cortiço a cortiço” (que analisam, respectivamente, os romances Memórias de um Sargento de Milícia e O Cortiço). Em O Campo e a Cidade, Williams estuda as relações que o desenvolvimento do mundo urbano e rural guarda com a literatura inglesa (passando em revista obras que vão desde o século XVI até o XX), tentando evidenciar as imagens que cada momento histórico produz destes modos de vida. Sendo assim, este exercício crítico foi importante para entender como cada um dos pensadores relaciona objeto artístico e meio social, literatura e transcurso histórico.

Para chegar a tal ponto foi necessário, inicialmente, a realização de uma ampla revisão bibliográfica dos dois autores, que passou por obras deles próprios mas também de alguns comentadores. A respeito de Raymond Williams, sabe-se a importância do esforço de Cevasco para a introdução ao estudo do autor galês no Brasil, com livros seu pensamento e obra (2001) e sobre os grupos dos quais fazia parte e a disciplina que ajudou a criar e estabelecer (2016). Existe também uma leva recente de trabalhos acadêmicos sobre Williams com reconhecida relevância. Nesta rubrica, entram a dissertação de Rivetti (2015) e as teses de Glaser (2008) e de Azevedo (2014). No caso de Candido, um dos pensadores brasileiros com a maior fortuna crítica, destacam-se as contribuições reunidas em Esboço de figura (1979) e Dentro do texto, dentro da vida (1992). A isso somam-se as relvantes apreciações de Schwarz sobre sua crítica (2012; 1992) bem como os trabalhos acadêmicos de Ramassote (2006; 2013) e de Jackson (1998).

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Apesar de serem dois críticos de cultura com grande alcance em seus respetivos meios intelectuais – cuja marcas residem na construção de uma teoria com a relação arte e sociedade como ponto central e em anos de atividade intelectual e profissional, legaram aos dois larga influência nos debates e temas da área – não se percebe um número significativo de trabalhos acadêmicos que tentem aproximar os dois autores, com exceção de Cevasco (2004) e Paixão (2015).

Assim, este trabalho tenta atuar nessa lacuna, revisando e criticando ambos os autores. No que se refere a Candido, este estudo pode ajudar a dimensionar o que significa, atualmente, o programa teórico mais renomado para a sociologia da literatura no Brasil e que durante muito tempo polarizou em torno de si a cultura como objeto de estudo.

No que se refere a Raymond Williams, sabe-se que ele foi uma das principais influências para o campo das humanidades a partir do terceiro quartel do século XX. No Brasil, tem despertado interesse recente – mais ou menos nos últimos vinte anos. Sempre mais estudado no campo da comunicação, em curto prazo tem adentrado o campo das Ciências Sociais. Acreditamos que este trabalho pode auxiliar no estudo mais sistemático, por aqui, do legado da obra desse autor para a sociologia da cultura.

A discussão aqui instigada também pode contribuir para o campo da metodologia das Ciências Sociais no âmbito das análises literárias, explicando, esclarecendo e pondo em diálogo dois grandes arcabouços teóricos.

Ainda que as semelhanças entre os dois pensadores sejam visíveis, a solução teórica alcançada por cada um deles guarda diferenças importantes para um programa de sociologia da cultura, sobretudo no que tange ao modo de relacionar a literatura aos fenômenos sociais e à história.

Parte-se da hipótese de que essas distinções se estruturam como respostas aos respectivos contextos sociais e intelectuais em que estavam inseridos os autores. Especificamente, os contextos sociais e intelectuais de cada pensador lançaram desafios específicos, que têm a ver com o estatuto da ciência e do pensamento social em cada país e com as questões concernentes aos respectivos projetos nacionais de cada lugar.

Ao realizar esse cotejo, espera-se, de fato, oferecer não respostas definitivas, mas importantes subsídios para melhor compreender os dilemas, objetivos e necessidades dessa área de estudo. As diferenças de concepção, na realidade, são

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um primeiro passo de um trabalho que visa dar uma contribuição no terreno teórico-metodológico das pesquisas em arte e literatura, visando elucidar como os distintos modos de equacionar a relação entre fenômeno social e a obra de arte repercutem em visões sociológicas divergentes sobre a sociedade e sobre a literatura.

No primeiro capítulo deste trabalho, expõe-se a grande discussão dentro do campo de estudos da arte no que tange às principais correntes de pensamento que dominaram a área. Assim, é discutida a influência do idealismo e do materialismo, o lugar da sociologia nesse debate e o surgimento de uma concepção que visa unir as duas abordagens, da qual, em nossa visão, ambos autores participam.

O segundo capítulo tenta iluminar os principais pontos da trajetória de Raymond Williams e de Antonio Candido que direcionam seus respectivos projetos intelectuais. Desse modo, apresentam-se a origem social e a inserção de ambos na universidade, os grupos intelectuais aos quais se filiaram e a posição que eles assumiram no campo científico e intelectual de meados do século XX, o que levou, nos dois casos, à formação de uma área interdisciplinar de estudo.

O capítulo três discute as obras que pode-se chamar de manifesto teórico dos autores, isto é, como eles armam teoricamente suas respectivas visões de análise literária e de crítica de cultura. Procura-se discutir como, em Marxismo e Literatura, de Raymond Williams, e em Literatura e Sociedade, de Antonio Candido, os pensadores solucionam a questão da relação das obras literárias com o mundo social – investigando, principalmente, como eles concebem o tipo de influência do meio sobre a obra.

No quarto e último capítulo, debate-se o modo pelo qual os pensadores realizaram seus respectivos projetos teóricos em obras de cunho analítico. O objetivo é mostrar como, em cada uma das duas obras, há ênfases analíticas distintas, expressas não só nas temáticas, mas, acima de tudo, em interesses divergentes.

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2 SOCIOLOGIA DA ARTE E DA LITERATURA

O objetivo deste capítulo é traçar um panorama do debate em torno das pesquisas em arte e literatura. Não uma revisão completa de trabalhos ou temas, mas um quadro no qual se localizem as principais questões concernentes à sociologia da arte e da literatura. Esse movimento ajuda a compreender em que ponto da discussão localizam-se os autores, objetos de estudo deste trabalho, e qual elemento investiga-se na obra deles.

2.1 O panorama sobre os estudos de arte

De início, é importante ter em vista que a arte faz parte de um domínio complexo, com intensos debates a respeito de sua definição e significado. Dito de outro modo, a área é de difícil consenso e abriga as mais variadas disputas. Convergem para este campo discursos que partem da academia, do estado, do mercado, de colecionadores, de um artista ou um grupo, etc. Nesse sentido, a própria sociologia da arte está em disputa no campo (FREIRE, 2018, p. 62).

No entanto, a arte foi historicamente governada pelos estetas, críticos e filósofos. As diversas teorias produzidas por esses tinham o objetivo de dominar o entendimento a respeito do fenômeno, e traziam a reboque um critério classificatório (o que é ou não arte) e um critério valorativo (boa ou má arte).

Embora as diversas teorias (imitação, institucional, formalista, dentre outras) divirjam entre si, elas partem de uma base comum: o estudo dos aspectos formais da arte. Com isso quer se dizer que o foco recai sobre as técnicas e os meios utilizados na produção da obra, o conteúdo da linguagem ou da imagem, as influências estéticas mútuas dentro de uma tradição, geração ou período. Em uma palavra, a arte é vista e interpretada por intermédio de uma “perspectiva internalista” (ZOLBERG, 2006, p. 34).

Este parâmetro leva a um tipo de equiparação entre a obra e o criador: existe a crença de que, em algum nível, as características pessoais do criador de arte são responsáveis pela obra, que passa a ser considerada uma expressão individual.

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Desse modo, as grandes obras são tidas como expressão de uma grande personalidade – um gênio, por assim dizer (ZOLBERG, 2006, p. 34).

Este elemento, chamado de singularidade, é fundamental para estetas e filósofos, porque a perspectiva internalista, buscando características formais para especificar obras, autores e períodos, claramente se beneficia da raridade de uma obra ou do caso singular do artista. Mesmo nos tipos de arte comerciais e inerentes à era da reprodutibilidade técnica (fotografa, cinema) ocorreu a aparição de um discurso semelhante ao das artes plásticas, a chamada teoria do autor, que tem como objetivo apontar um único indivíduo como responsável pela criação do objeto de arte (ZOLBERG, 2006, p. 35).

A sociologia, por outro lado, nasce da concepção de que a vida em sociedade tem algum grau de permanência e previsibilidade. É passível, pois, de ser entendida e explicada por meio de leis (lógicas ou causais). A busca pela compreensão do que mantêm as sociedades unidas ao longo do tempo ou como elas se transformam (em outros termos, estabilidade e previsibilidade) têm ocupado o pensamento ocidental nos últimos dois séculos (OLIVEIRA, 1984, p. 83).

É bem verdade que a ciência e a arte têm alguma similaridade como formas de expressão e comunicação e muitos dos princípios e das questões que estão na origem da sociologia já animaram artistas e literatos. Mas quando se debruça sobre arte ou literatura, a sociologia crê que estas atividades podem revelar algo sobre a organização ou estrutura da sociedade (OLIVEIRA, 1984, p. 85-86). E é aqui que radica a diferença de perspectiva entre os sociólogos e os estetas e humanistas.

Para os cientistas sociais, é um imperativo do ofício historicizar o fenômeno arte. Do mesmo modo, também os artistas são produtos de seu tempo e sua sociedade. Portanto, um artista, mesmo o mais consagrado, também estava sujeito a todo tipo de condicionamentos sociais – de classe, de gênero ou de raça, por exemplo. Seu gênio, isto é, sua criatividade, se desenvolveu dentro de um campo de possibilidades que limitaram suas escolhas (FACINA, 2004, p. 10).

Em outras palavras, os cientistas sociais se guiam pelo pressuposto de que a arte deve ser contextualizada, tanto de modo geral, com a delimitação no tempo e no espaço, quanto de modo mais restrito, em relação a estruturas institucionais, normas de recrutamento, treinamento profissional, recompensa e patronato. Em suma, cientistas sociais dedicam-se a entender a relação da obra e do artista com

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instituições políticas e ideologias e tudo o que for para além da ordem estética (ZOLBERG, 2006, p. 38).

Sociólogos e cientistas sociais se orientam por uma perspectiva chamada externalista, e vão de encontro às características que estetas, filósofos e críticos atribuem à arte. Pois, ao passo que críticos e filósofos apreciam a singularidade na arte, os cientistas sociais buscam a regularidade e a tipicidade nos seus objetos de estudo (ZOLBERG, 2006).

Sob a perspectiva externalista, que baseia a abordagem tipicamente sociológica, a obra de arte faz parte de um processo que envolve não apenas um indivíduo, mas uma cadeia de produtores, organizados por certas instituições e orientados por determinadas tendências históricas. Desse modo, chega-se à conclusão de que o valor da obra não reside apenas em suas qualidades formais, mas provém também de certas condições externas (ZOLBERG, 2006, p. 38).

Não que os sociólogos tenham o mesmo enfoque, até porque as diversas tradições sociológicas diferem quanto aos aspectos que focalizam na sociedade: umas se debruçam sobre microinterações entre os atores sociais, em pequenas redes, fazendo uma análise de curta distância; outras buscam os padrões de funcionamento das estruturas sociais no decurso histórico, procurando realizar análises de amplo alcance. Em que pesem as diferenças, fica claro que são os aspectos “extra-estéticos” os priorizados na análise (ZOLBERG, 2006, p. 38-39).

Pelo exposto, percebe-se que o ponto de divergência entre as duas perspectivas é a fonte do valor estético da arte e como analisá-lo. Se para filósofos e críticos da arte o valor provém das características formais e da personalidade diferenciada do criador, levando à noção de singularidade, os cientistas sociais são instigados pelo interesse em desvendar a natureza social do fenômeno de arte.

Para os sociólogos, deixar de lado as preferências individuais e esquivar-se de qualquer postura valorativa é imperativo do fazer científico. A busca por objetividade nos seus trabalhos, com clara distinção entre o que é gosto pessoal e o que é pesquisa, também compõe essa atividade.

A divergência entre as duas perspectivas, além de ser de ordem epistemológica, é também de ordem institucional (política, por assim dizer). Filósofos, estetas, críticos e todos aqueles ligados às disciplinas humanísticas arrogam para si o domínio sobre o valor estético, e todas as discussões de cunho formal.

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Esse ponto, ao invés de resvalar em uma postura acusatória para com os humanistas, leva a debater a conformação da própria sociologia da arte dentro do grande corpo de conhecimentos que é a Sociologia. O estatuto da arte como objeto de estudo sempre foi preterido pelos sociólogos.

2.2 Sociologia, sociologia da arte e disciplinas humanísticas

A sociologia é uma disciplina que nasceu no século XIX; portanto, relativamente nova quando comparada com outras ciências, como a medicina ou a matemática. A sociologia é uma construção intelectual que surgiu como resposta às transformações sociais pelas quais passava a Europa naquele período. Apesar de já ter construído robusto arcabouço teórico, ainda é considerada uma disciplina em processo formativo.

Como herança desse passado, os sociólogos são facilmente envolvidos pelas temáticas que de uma maneira ou de outra são importantes para a modernização da sociedade ou do estado-nação a que pertencem (sistema produtivo, trabalho, religião, governo, dentre outras). Por conta disso, as artes nunca foram o centro de atenção dos sociólogos, ocupando sempre uma posição secundária na disciplina (ZOLBERG, 2006, p. 65).

Mesmo entre os sociólogos europeus, que são, na verdade, os fundadores da disciplina, o debate sobre ocupou um lugar periférico. Dentre os principais nomes, os que mais costumam ser lembrados quando se busca investigar a história da sociologia da arte são Durkheim, Weber e Simmel.

Durkheim chegou a discutir a arte em um texto do começo do século XX, mostrando como ela representou a mudança no modo de lidar com a religião (HEINICH, 2008, p. 21). Mas, de acordo com Zolberg (2006, p. 76), no periódico L’année Sociologique, fundado por Durkheim com interesse de institucionalizar a sociologia, não se encontram debates sobre as questões da arte. Isso denota a falta de espaço da temática entre os sociólogos.

Já Max Weber é lembrado pelo texto As bases racionais e sociológicas da música, publicado postumamente. No artigo, Weber toma a estética como uma estrutura cultural paralela à religião e em competição com ela (ZOLBERG, 2006, p. 74). E inscreve a música no panorama de seus estudos sobre o racionalismo

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ocidental, atribuindo ao processo de racionalização e aos meios técnicos disponíveis as diferenças estilísticas (HEINICH, 2008, p. 21).

Apenas Georg Simmel se debruçou mais detidamente sobre a arte. Escreveu bastante sobre temas estéticos, sobre cultura geral e até sobre alguns artistas famosos, como Rembrandt, Michelangelo e Rodin – nesses casos, tratou do condicionamento social da arte, evidenciando a influência das visões de mundo sobre as obras (HEINICH, 2008, p. 22; ZOLBERG, 2006, p. 74-75).

A facilidade que se tem de mapear os estudos sociológicos sobre as artes nos fundadores da disciplina é prova da marginalidade a que foi condenada a questão. Também explica muito do subdesenvolvimento a que foi relegada. Percebe-se que, no mais das vezes, a arte, quando apareceu, veio de forma servil à preocupação central dos pensadores. Em Durkheim, sob a temática da religião, das regras e dos valores morais, que mantêm uma sociedade coesa; e em Weber, a partir da racionalidade que caracteriza a modernidade ocidental.

No caso de Simmel, identifica-se com mais frequência a discussão sobre arte, mas é importante lembrar que ele não era visto por seus contemporâneos como sociólogo. Em uma época em que o esforço de institucionalização passava por uma tentativa de cientifização que significava a busca de grandes modelos interpretativos e explicativos para a sociedade, Simmel se caracterizou por dedicar a atenção a assuntos aparentemente furtivos (dinheiro e vida mental na metrópole, por exemplo). Também é característica de Simmel passar, de maneira sucessiva, de uma temática a outra – sendo, por isso, classificado como autor impressionista ou flaneur sociológico1.

Processo semelhante se repetiu em outros países, como o Brasil. A institucionalização da sociologia brasileira, mormente a paulista, ocorreu entre os segundo e terceiro quartéis do século XX. Durante esse período, após longa disputa intelectual interna, o projeto liderado por Florestan Fernandes e que tinha como temas caros, entre outros, o desenvolvimento, a dependência econômica e a modernização de sociedades periféricas, saiu vencedor, dando o tom da sociologia brasileira com anseios de cientificidade.

Chega-se à seguinte constatação: parte ínfima da produção sociológica é oriunda do campo da sociologia da arte. Ao se fazer um levantamento bibliográfico, percebe-se que as melhores obras, aquelas que podem ser vistas como 1 Ver Peres et all (2011, p. 98).

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constitutivas da sociologia da arte, raramente aparecem com essa designação. Isso se deve, primeiro, ao fato de a sociologia da arte ser uma disciplina com linhas divisórias tênues, de maneira que não é tarefa simples delimitar o que pertence a essa área e o que não pertence. Segundo: o critério quantitativo (o número de produções e publicações) é insuficiente para aquilatar sua importância, pois ela pode, do ponto de vista qualitativo, guardar possibilidades essenciais à sociologia como um todo (HEINICH, 2008, p. 9).

O que torna difícil delimitar as fronteiras da sociologia da arte é sua proximidade tanto com as disciplinas humanísticas (histórica e crítica da arte e estética), que historicamente dominaram o objeto, quanto com outras áreas de conhecimento próprias às ciências sociais e que têm proximidade com a sociologia (como a história, a psicologia e a antropologia). Qualquer levantamento envolvendo essas últimas disciplinas deve dar maior relevância à sociologia da arte, pois a nomenclatura é usada para além do âmbito estrito da sociologia (HEINICH, 2008, p. 10).

Mas como as disciplinas humanísticas foram as primeiras a se debruçar sobre arte, provém delas o ponto de partida. Pode-se sustentar, mesmo, que o envolvimento com outras disciplinas (principalmente estas que aqui têm sido chamadas de humanistas) é imprescindível ao próprio sentido da sociologia da arte (ZOLBERG, 2006, p. 92).

O desafio que nós colocamos é pensar a sociologia da arte atualmente, em um contexto de hiperespecialização das áreas de conhecimento. E discutir essa questão passa pelo reconhecimento do fato de que essa área não é genuinamente sociológica e só experimentou um avanço de modo tardio.

Os próprios autores estudados nesse trabalho têm uma relação muito forte com isso que pode se chamar de disciplinas humanísticas. No caso de Antonio Candido, isso se deve à influência da família, que desde cedo o ambientou no mundo da literatura. Raymond Williams, por seu turno, foi para Cambridge estudar Literatura Inglesa e, aí, teve contato com a tradição idealista. No desenvolvimento de suas respectivas carreiras, a questão de estudar arte e o mundo social foi, paulatinamente, surgindo e se impondo.

De fato, é no contexto da teoria de arte que se descobre o ambiente formador da sociologia da arte, porque ela oferece uma espécie de “fundação teórica”

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que consubstancia um alicerce de fortuna na medida em que abre o mundo das inquietudes teóricas para aspectos que a sociologia da arte depois veio aprofundar, [sem ela] não entenderíamos a conjuntura teórica desta área do saber, e nem conheceríamos o horizonte de seus propósitos (GONÇALVES, 2010, p. 39).

Com isso, quer-se dizer que foram as teorias de arte, a história da arte, a crítica e a filosofia que estabeleceram o norte da discussão estética. Essa matéria uma vez formulada fornece o parâmetro de toda a discussão. Ou seja, são as disciplinas humanísticas que referenciam o debate ao qual vão se justapondo as áreas de pensamento que desejam discutir a temática. Isso não significa concordância com os critérios, conceitos e métodos, mas que esse quadro é o ponto básico sobre o qual se pode criticar e refletir.

Desse modo, Gonçalves (2010, p. 39-43) aponta que pensadores como Winckelmann, Burckhardt e Riegl devem ser vistos como alguns dos precursores da sociologia da arte porque inseriram em seus estudos a preocupação da relação entre arte e o mundo.

Outra contribuição importante é a de Erwin Panofsky, incorporado à sociologia por meio de Pierre Bourdieu. Panofsky introduz a noção de método iconológico, trabalhado em Significado nas artes visuais (1955). Para ele, existem três graus de análise para as imagens: o primeiro, icônico ou pré-iconográfico, busca os significados primários ou naturais, no qual se localizam os motivos artísticos. No segundo nível, o método iconográfico tem-se a exata identificação dos motivos de uma obra; e no terceiro, o iconológico, investiga-se o conteúdo intrínseco da obra, a visão de mundo dela, que pode ser apreendido pela avaliação de pressupostos que revelam a atitude de uma coletividade (nação, classe, convenções religiosas, dentre outras) (GONÇALVES, 2010, p. 45).

De fato, em Panofsky não se encontra exatamente um tratamento sociológico da arte, a não ser em potencial, pois ali só há apontamento da correlação entre obra e cultura. O ponto de convergência com uma sociologia da arte não é extenso, mas as noções de Panofsky o fazem ser uma influência muito forte na área, além de ser exemplar do fato de que as fronteiras entre história da arte e sociologia não devem ser extremamente rígidas (HEINICH, 2008, p. 26).

Os exemplos trazidos deixam claro um movimento característico dessa área de estudo: quanto mais se aproxima da sociologia arte, mais se afasta da sociologia geral para ir em direção à história da arte, área que trabalha há mais tempo com o

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assunto. Entre as duas disciplinas, encontra-se a história cultural da arte, da qual derivam grande parte os estudos que podem ser considerados como premissas de uma sociologia da arte (HEINICH, 2008, p. 22).

Isso deve ser pensado também com referência a Antonio Candido e Raymond Williams. Quando nos acercamos desses autores, estamos tencionando as fronteiras das diversas disciplinas que envolvem a arte. Considerando os elementos trazidos (principalmente a difícil demarcação das fronteiras entre as áreas) pode-se sustentar que a sociologia da arte engloba os dois autores. Se não com localização institucional, sem dúvidas como referências.

2.3 A questão do valor e a arte no mundo social

Mas se as linhas fronteiriças entre as disciplinas são turvas e o trânsito de temáticas e modelos analíticos é intenso, os pontos de contenda acabam sendo inevitáveis. Em última instância, as diversas disciplinas devem guardar um núcleo específico de identidade, sob o risco de diluição em outras áreas do conhecimento.

A sociologia, quando aproxima-se da arte, traz consigo alguns pressupostos básicos – um dos mais importante deles, a noção de que a arte, como qualquer outro fenômeno da sociedade, deve ser estudada com um fato social, buscando o que é comum, fundamental, permanente e coletivo no processo artístico (NUÑEZ, 1967, p. 58).

Esse princípio epistemológico revela, na verdade, um anseio de objetividade da sociologia. Quando levado ao campo da arte, significa que os sociólogos devem evitar “cair em especulações filosóficas, em abstrusas indagações de estética e afastar-se, especialmente, de qualquer pretensão de caráter crítico ou perceptivo” (NUÑEZ, 1967, p. 58).

Ora, isso significa que os sociólogos têm que se manter distante de qualquer postura valorativa. Ponderar sobre a relevância e importância de uma obra ou sobre o peso de um determinado artista é postura fundamental da filosofia, da história e da crítica de arte. Para esses, portanto, as noções básicas que orientam os sociólogos atentam diretamente contra um ponto básico da arte: o valor estético.

Assim, o distanciamento do valor estético passa a ser característica fundante dos sociólogos da arte. Não cabe à sociologia da arte criar ou legitimar critérios que

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sirvam como validação do trabalho artístico, seja determinando a qualidade artística de casos particulares ou qualidade da Arte em si. Em uma palavra, qualquer juízo de valor é estranho ao modo de proceder da sociologia e deve ser rechaçado. Apenas a história dos juízos de valor pode ser servida como objeto de estudo (GONÇALVES, 2010, p. 24).

Esse ponto é fundamental pois ajuda a diferenciar os campos de estudo. É possível observar o expediente utilizado por Luiz Costa Lima a fim de diferenciar as modalidades de aplicação da sociologia ao fato literário. Deve-se atentar para o modo como este pensador trabalha a questão do valor.

Lima busca distinguir o que seria a “sociologia da literatura” e o que seria a “análise sociológica do discurso literário”, a partir da problemática do valor. Sustenta que é equivocado afirmar que os dois tipos de análise se diferenciam pelo fato de que o primeiro não trabalha o valor e o segundo, sim; para o autor, as duas modalidades reconhecem a problemática do valor: ele apenas está em níveis distintos de consideração (LIMA,1983, p. 109).

O sociólogo concede à literatura valoração semelhante a qualquer outra instituição social, porque a atividade literária está ali para comprovar a presença de alguma outra manifestação; já o analista do discurso literário não tem a “apreciação sociológica” em primeiro plano, porque a prioridade deve ser o “entendimento da raiz ficcional, literariamente enraizada”, sendo ficcional compreendido como aquilo que modifica o modo costumeiro de tematizar a liberdade (LIMA, 1983, p. 109-108).

Ainda finaliza afirmando que – e talvez seja aqui que os objetivos de Lima se manifestem – o discurso literário tem como indicador visível a forma (ou o “como se diz e o que se diz”); portanto, a análise sociológica do discurso literário impõe a necessidade de diálogo com o teórico da literatura, que é mais apto que o “puro” sociólogo a trabalhar a especificidade do objeto artístico (LIMA, 1983, p. 111, grifo nosso).

Lima (1983) coloca a discussão do valor em outro nível, pode-se dizer que até a sofistica, mas não a elimina. O autor acaba por categorizar dois tipos de valor: o valor social, de qualquer instituição da sociedade, e o valor estético, que toca o nível artístico e trabalha a especificidade do objeto artístico. O primeiro é próprio do sociólogo de fato; o segundo, do analista sociológico da literatura – aquele que, embora não sendo sociólogo, lança mão dos conhecimentos da sociologia.

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A distinção proposta por Lima resulta numa questão superficial. Nos debates da área, sabe-se que valor refere-se sempre ao valor estético – valor que uma obra e/ou autor têm como arte. Ainda que seja em outros termos, em Lima, é ainda o valor estético que serve para definir o que é próprio de uma área e de outra. Ou seja, a questão permanece.

Apesar de a sociologia da arte, conforme sustentado aqui, ser uma área de estudos fundada na proximidade com outras disciplinas, principalmente com as humanísticas, é possível, mesmo assim, apontar suas especificidades. O que acima foi chamado de ponto de contenda pode ser entendido como limites que as duas áreas (sociologia e humanidades) não ultrapassam e ajuda, por conseguinte, a defini-las.

O debate sobre o valor é o primeiro tópico de grande disputa entre as duas áreas, porque ele aponta para as barreiras que não podem ser ultrapassadas, sob pena de as diferenças se tornarem tão insignificantes ao ponto de diluir os dois campos de estudos.

Os dois autores que são trazidos para debate neste trabalho realizaram valoração de obras e autores, muitas vezes contribuindo para a legitimação ou releitura da tradição de seus países. Isso deve ao fato de que eles têm vínculos com área das Letras, no qual esta operação crítica é natural e esperada.

O segundo tópico de grande divergência, que é em larga medida um desdobramento do primeiro, é como a sociologia trata a arte. Passando do nível das proposições gerais – arte como fenômeno social e estudada no nível coletivo – para uma compreensão mais precisa do seu significado: como definir a arte socialmente, quais os fatores que influem sobre sua regularidade e tipicidade, como devem ser tomados os fatores sociais na análise.

Nesta altura, vê-se o peso de Karl Marx e do materialismo na sociologia da arte. As abordagens externalistas – aquelas próprias dos sociólogos – têm grandes possibilidades de serem materialistas (ZOLBERG, 2006, p. 38) e o materialismo sociológico apresenta-se de duas formas: uma se aglutina em torno dos escritos de Karl Marx; e a outra enxerga a arte de modo simbólico, como sinal de status, e que, apesar de guardar semelhança com o marxismo, tem influências variadas (ZOLBERG, 2006, p. 86).

É importante notar que Marx e Engels nunca escreveram diretamente sobre arte, menos ainda sobre filosofia ou história da arte. Buscar elementos para uma

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sociologia da arte na obra desses dois pensadores é um verdadeiro trabalho de exegese, mapeando as esparsas referências distribuídas por toda a obra e, ao mesmo tempo, colocando-as em sintonia com pensamento geral deles. Portanto, para um estudo sociológico das artes, o máximo que se pode extrair da obra marxista são apontamentos.

Marx tinha a concepção de que a lei, a educação, a política e outras formas de atividade cultural – a arte aí inclusa – pertenciam à superestrutura da sociedade, esfera que guarda uma íntima relação com infraestrutura ou a base da sociedade, lugar das relações de produção. Essas, por sua vez, podem ser definidas como as relações que os homens estabelecem entre e si e com a natureza para produzir sua subsistência e riqueza.

Reside neste ponto a grande contribuição do pensamento de Marx e Engels para o campo de estudos da arte. Como qualquer outra atividade humana, a prática artística deve correlacionar-se às estruturas sociais e econômicas de cada época. E, se é aceita a premissa marxista de que de que o grupo dominante economicamente em uma época tem poder para fazer penetrar sua ideologia no tecido social, o entendimento da realidade artística também deve levar em consideração o papel da ideologia (GONÇALVES, 2010, p. 60).

Em uma palavra: Marx ajudou a introduzir o problema das relações existentes entre a arte e a sociedade, considerada em conjunto e como quadro da atividade do artista. O debate, a partir daí, não é mais entre o artista e um universo eterno, mas entre o artista e os modos de existência de seu tempo (FRANCASTEL, 1967, p. 27).

Se os estudos de Marx e Engels sobre arte, como dito, são escassos e dispersos, em Plekhanov encontra-se um pensamento marxista sistematicamente orientado para a análise desse fenômeno. Faz-se necessário conhecer como este argumento é construído, pois grande parte do que se chama de abordagem marxista para arte é oriundo não de Marx, mas de marxistas como Plekhanov.

No texto Arte e vida social, de 1913, tem-se uma das fórmulas marxistas mais conhecidas, e também mais criticadas, na sociologia da arte. A ideia central é a de que as obras e a atividade artística são o reflexo da vida social. Desse modo, a arte de qualquer povo mantém uma relação causal com o sistema econômico, que também é o responsável por determinar as preferências estéticas de uma dada sociedade (GONÇALVES, 2010, p. 62).

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O pensador russo vai além e sustenta que, se uma relação causal e linear existe entre atividade artística e a esfera produtiva da sociedade, a arte deve ser encarada como um meio para adentrar os problemas sociais. Não há arte destituída de conteúdo ideológico, nem mesmo aquela que tem como prioridade a dimensão formal – não implicando, desse modo, nenhuma diferença em relação às questões políticas e sociais (GONÇALVES, 2010, p. 62-63).

Plekhanov colocava os fenômenos artísticos em uma dependência direta e mecânica com a sociedade – a arte deve refletir ou trabalhar questões prementes da sociedade, que, para um marxista ortodoxo, são sempre elementos relativos à economia. A arte que não realizasse isso era rejeitada – não raras as vezes sendo pejorativamente classificada de arte burguesa. Em uma palavra, Plekhanov retirava toda e qualquer autonomia da esfera estética.

Marx colocava ênfase na dimensão criativa do ser humano que a arte traz à luz – para o pensador alemão, o homem é um ser criador por excelência. O capitalismo potencializa essa capacidade de criação ao oferecer possibilidades de extensão em termos de progresso, mas acaba por impedi-la, porque as relações sociais capitalistas negam o acesso e o livre exercício de criação a alguns setores da sociedade. Essa discussão não se vê no russo Plekhanov (GONÇALVES, 2010, p. 58).

Marx também nunca supôs que a relação entre arte e sociedade fosse tão rudimentar ou que a arte não tivesse nenhum significado fora do local de produção. Para Marx, ainda, “a dificuldade não está em entender que a arte e a épica gregas estão comprometidas com certas formas de desenvolvimento social [mas no fato] de que elas ainda nos dão prazer artístico” (ZOLBERG, 2006, p. 44).

Marx questionava-se muito sobre este ponto: a capacidade de entender e até sentir prazer estético por formas artísticas cujas estruturas já há muito desapareceram. Como considerava a arte grega uma das mais refinadas, Marx chegou a afirmar que as produções artísticas daquele tempo possuíam uma ligação profunda com a “infância social da humanidade”, e é por isso que elas ainda eram atrativas, mesmo tendo transcorrido tanto tempo. Da mesma forma que o homem sente-se atraído pela infância, o homem coletivo mantém relação semelhante com a infância social da humanidade (GONÇALVES, 2010, p. 59).

Percebe-se que mesmo com pouco refinamento – afinal, esse não era o foco do pensador alemão –, Marx buscava alguma justificativa para o alcance que

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algumas formas de arte possuem. Na prática, isso significava a tentativa de delimitar o espaço da esfera estética.

Contudo, pode-se dizer que, mesmo não afiançando de maneira integral e precisa o que seus discípulos produziram sobre arte, Marx contribuiu, ainda que de modo enviesado e inadvertido, para a construção de sistemas explicativos que fizeram a sociologia da arte se desenvolver enquanto tal. Ao legado de Marx, justapôs-se uma fortuna crítica dentro dessa área de estudos.

Esse legado não é de modo algum unívoco. Dentro da tradição aberta pelo marxismo existe uma multiplicidade de posições. Mas, em uma palavra, a grande contribuição do legado de Marx para o estudo das artes foi a historicização do fenômeno artístico – a obra e o artista passaram a ser considerados como partes integrantes da sociedade e, em maior ou menor grau, sujeitos às suas leis de funcionamento.

No mais das vezes, contudo, a apropriação dessa ideia geral se deu de forma mecânica – como nas proposições de Plekhanov sobre infraestrutura e superestrutura que culminaram em uma teoria do reflexo, ou de modo reducionista, como no realismo crítico de Lukács2, uma forma de valorar as obras de acordo com nível de aproximação delas com os problemas do mundo social.

A corrente marxista – do ponto de vista mais geral, como ênfase na necessidade de aproximar a obra do seu contexto social – será uma influência decisiva tanto em Antonio Candido quanto em Raymond Williams. No caso de Antonio Candido, essa influência veio por causa da formação que teve acesso na USP – Universidade de São Paulo. O pensador brasileiro paulatinamente se certifica dessa necessidade, mas procura se distanciar das visões mais reducionistas atribuindo ênfase ao texto da obra.

Em Raymond Williams, o capítulo do marxismo é mais extenso e profundo. O estudioso galês é amplamente reconhecido como uma das grandes figuras do marxismo ocidental no século XX. O interesse por essa área de pensamento veio por intermédio do seu engajamento político. Ele une a influência marxista ao estudo de literatura, liga-a ao estudo da arte e da literatura, propõe uma análise bastante original chamada de materialismo cultural.

2“Do ponto de vista moral, considero toda aquela época condenável e, na minha concepção,

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2.4 Reação das disciplinas humanísticas

A rigidez da proposta marxista – principalmente pela redução da esfera estética em que muitas versões ela irrompia – não passou ilesa. De acordo com Castro (1979, p. 26), o campo dos estudos literários passou por uma reformulação de suas bases teóricas no início do século XX, que tinha como ponto inicial a revisão das principais correntes teóricas do século anterior, incluindo o marxismo. Na perspectiva deste trabalho, essa revisão teórica dos estudos literários é um movimento de retorno às propriedades formais da arte.

A primeira posição teórica desta reação é o Formalismo russo, que nasceu no início do século XX, mas que só veio se tornar conhecido posteriormente por meio das traduções para o francês realizadas por Tzvetan Todorov. Desde as formulações iniciais desta corrente teórica, o Formalismo Russo se caracteriza por uma recusa categórica das interpretações extraliterárias da obra. Objetivava definir a crítica especificando o objeto de estudo e o método particular (CASTRO, 1979, p. 26).

Para os formalistas, a linguagem poética tem estruturas verbais autônomas, opostas à linguagem cotidiana, e por isso independem de qualquer função informativa. Desse modo, o texto literário é caracterizado a partir do texto em si, opondo-se a qualquer outro tipo de influências. O acento dos formalistas sobre esse pressuposto era tão forte que pode-se dizer que muitos deles desprezavam o conhecimento histórico da literatura (CASTRO, 1979, p. 26-27).

A segunda posição teórica é a Estilística. Pode-se dizer que essa corrente representa a tentativa de mobilizar a teoria linguística de Saussure para o estudo da literatura. A visão dos teóricos da Estilística preocupados com o fenômeno literário se resume a uma postura idealista, na qual a natureza da linguagem é vista como atividade intuitiva individual. À Estilística cabe analisar a expressão verbal dessa intuição (CASTRO, 1979, p. 28-29).

A terceira categoria chama-se Nova Crítica e nasceu nos Estados Unidos. Os pensadores dessa corrente empregam um método descritivo, no qual o foco recai sobre a análise do texto literário “em si”, isto é, sobre o emprego particular da linguagem em cada caso. Desse modo, a obra é tratada tanto em suas variadas partes quanto como em uma totalidade: funções de categorias gramaticais, valores conotativos e denotativos, o ritmo, a harmonia, técnicas de composição, temas

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principais e secundários, caracterização dos personagens, dentre outros. O analista deve buscar as peculiaridades de cada obra, ou seja, a predominância da intuição (CASTRO, 1979, p. 30-31).

Percebe-se claramente que essa é uma perspectiva cerrada no texto e sincrônica uma vez que despreza a dimensão histórica da obra. A literatura é autônoma porque se realiza de uma forma própria, utilizando a língua de forma própria, criando estruturas que não se confundem com as demais. E mais: não só a obra é autônoma como também o é a crítica literária, que tem por função estudar a obra como tal e não os seus aspectos morais, sociológicos ou psicológicos (CASTRO, 1979, p. 31).

A Nova Crítica americana será uma influência marcante em Antonio Candido. Em um momento em que o pensador uspiano desejava fugir de uma sociologia que não abordava o texto e as técnicas formais, a Nova Crítica lhe ofereceu um aparato teórico cujo centro gravitacional era o texto. Ao mesmo tempo, lhe foi útil na tentativa de forjar para si um espaço acadêmico dentro da USP, quando seu projeto intelectual – mais voltado para a cultura e a arte – perdeu a disputa para o projeto de Florestan Fernandes, focado em estruturas econômicas e sociais.

Mais recentemente, o estruturalismo, nas suas variadas posições, fundado em uma busca objetivista e cientificista e nem sempre aberto a uma compreensão mais complexa do fenômeno artístico, dominou o panorama crítico (CASTRO, 1979, p. 32).

Todas as correntes, embora com suas particularidades, privilegiam uma visão formal ou interna da arte e da literatura. A reação ao legado marxista também foi profícua e fez surgir correntes que buscaram cientificizar e institucionalizar o estudo artístico, circunscrevendo academicamente a dimensão estética como própria deste campo de conhecimento.

Analisar a influência marxista sobre o domínio da arte e descrever a reação a essa corrente em um campo específico (o do estudo da literatura) ajuda a compreender a dinâmica dessa área de estudos: historicamente foram as correntes humanas que focalizaram a arte e teorizaram sobre ela. A partir do século XIX, outros referenciais teóricos com forte viés social se aproximam da arte. Por fim, o século XX assiste a uma reação das disciplinas humanísticas, que voltaram a acentuar o caráter formal da arte e que, além do mais, tentam dar contornos científicos a seu campo de saber.

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As perspectivas externalistas (aquelas que procuram destacar elementos que estão fora da obra de arte) trouxeram ganhos para o campo de estudos da arte. Ao inscrever a arte no mundo social, ainda possibilitaram que aspectos das obras, negligenciados pelos estetas, possam ser destacados. Por exemplo, iluminaram as estratégias de expressão e escolhas de carreira do criador, as instituições sociais e as restrições econômicas da atividade (ZOLBERG, 2006, p. 41-42).

Portanto, pode-se concluir que, em alguns níveis, a contribuição sociológica fez avançar o entendimento do que é arte, para além dos limites propostos pelas disciplinas humanísticas.

No entanto, a empreitada intelectual dos sociólogos suscitou relutância no campo da arte. Não são todos estudiosos que compartilham desse ponto de vista. Os humanistas discordam, sobretudo, da tendência a tratar a arte como fruto de um processo social e desprezarem suas características formais e estéticas.

Aí reside um dos pontos complexos da questão: os seguidores dos pressupostos humanistas apontam o marxismo como o principal responsável por reduzir as grandes obras de arte da história da humanidade a meros resultados de fenômenos sociais (ZOLBERG, 2006, p. 43).

Como já foi dito, é improvável que Marx sustentasse tal visão, mas quem levou adiante a tradição marxista acabou por conceber a chamada teoria do reflexo, que sofreu críticas não só de humanistas, mas também de sociólogos e outros adeptos do marxismo – como é caso do próprio Raymond Williams, estudado neste trabalho, num longo debate teórico a ser abordado posteriomente; mas também é o caso de Antonio Candido: quando critica a sociologia reducionista, parece ser ter em mente o tipo de abordagem literária marxista que ignora as propriedades formais da composição literária.

Os humanistas, portanto, são aqueles estudiosos que enfatizam a “grandeza” da obra, suas características formais, que tocam o sensível. Dito de outro modo, pregam uma autonomia da arte em relação ao seu contexto de produção, sustentando que elas podem falar para todas as épocas e para toda a humanidade (ZOLBERG, 2006, p. 45).

Mas uma análise exclusivamente estética não correria o risco de cair em outro tipo de reducionismo? Para Zolberg (2006, p. 45-46) sim, pois ao conceber a arte como uma atividade especializada que só diz respeito a grupos específicos, as pretensões de universalidade propaladas pelos próprios estetas caem por terra.

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Além disso, os críticos também divergem entre si quanto a questão do valor de uma obra. Muito comumente os juízos de valor de uma obra mudam drasticamente, e o que era considerado “grande obra” há cem anos pode não o ser hoje, e vice-versa.

Isso só revela que a “grandeza” é oriunda, pelo menos em parte, das opiniões instáveis de uma gama inconstante de especialistas, em um contexto de sensibilidades também variáveis e do grau de interesse que uma obra pode suscitar no público (ZOLBERG, 2006, p. 46). Embora para muitos seja difícil admitir, isso significa um grau de vinculação do fenômeno artístico a processos sociais – seja de produção, de fruição ou de reconhecimento.

Desse modo, a abordagem externalista, embora muito criticada, se mostra indispensável a essa área de estudos, tanto por salientar a correlação entre arte e sociedade quanto por lançar luz sobre características das obras que são negligenciadas pelos humanistas. O ganho é retirar a obra do reino do absoluto e do inexplicável, embora esse postulado não encontre ressonância entre os humanistas – não pelo menos para todas as formas de arte (ZOLBERG, 2006, p. 42).

Esses dois tipos de abordagens, durante muito tempo, dominaram o campo de estudos da arte. Cada vez mais entrincheirados em suas posições, sociólogos e humanistas acabaram por construir verdadeiras barreiras intelectuais e acadêmicas entre a pesquisa estética e a pesquisa científico-social. Os resultados foram o sufocamento da produção e o empobrecimento do debate (ZOLBERG, 2006, p. 46).

É por isso que há um movimento de superação dessa dicotomia, que parte tanto de humanistas quanto de sociólogos. Os primeiros aproximando seus estudos de uma compreensão social da arte e os segundos relativizando uma concepção cientificista de sociologia (outras áreas, como a antropologia cultural, também estão sendo chamadas a preencher algumas lacunas) (ZOLBERG, 2006, p. 46).

Dessa contenda, nasce uma postura que se pode chamar de sintética. Na verdade, esta postura é uma tentativa de coadunar as principais contribuições de humanistas e sociólogos com vistas ao melhor tratamento do fenômeno da arte.

Conforme salientouse em outra oportunidade, a interconexão entre as abordagens estéticas e sociais não significa que o sociólogo vai se transferir para outro campo de estudos, mas que deve justapor à base de formação conhecimentos relativos à tradição de estudos da arte, como forma de equilibrar sua visão (FREIRE, 2018, p. 65).

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Por fim, vale frisar que o chamado para uma abordagem sintética da arte não quer esgotar a questão, nem tampouco deslegitimar análises que podem (e ainda continuam a) ser feitas tanto de um lado quanto de outro. O que se quer, antes, é conjugar duas perspectivas que se encontram contrapostas mais por elementos de ordem acadêmica, institucional, e, por consequência, política, mas que epistemologicamente, juntas, podem ser bastante produtivas para estudos sobre arte (idem, ibdem).

Como panorama do campo da sociologia da arte temos que: embora seja importante para o surgimento da disciplina, todos os estudos voltados apenas ao âmbito estético estão fora do âmbito específico da sociologia. Dentro do escopo sociológico encaixam-se os estudos externalistas ou materialistas, cujo foco recai sobre as condições externas ao fenômeno da arte (aqui há pouco ou nenhum espaço para a obra artística); e também entram os estudos da corrente sintética, que advogam uma aproximação com as questões estéticas, por reconhecer que elas não são redutíveis a questões políticas, econômicas e sociais (aqui há a consideração de que a obra de arte pode ser estudada pela sociologia) (MORAIS; SOARES, 2000, p. 3).

É importante salientar que quando Zolberg (2006) conceitua o que chama de abordagem sintética o que ela está fazendo é reivindicar para si essa posição, focando especificamente o caso dos artistas – debatendo se são gênios ou se são apenas realizadores de um trabalho especializado. A autora quer oferecer a sua própria visão, mostrando como o disfarce dos indivíduos produtores de arte como únicos que têm importância dentro das estruturas em que se encontram os artistas.

No entanto, a noção de corrente sintética é relevante para este trabalho, pois ajuda a classificar, ainda que de maneira geral, os dois autores que baseiam esta pesquisa – Antonio Candido e Raymond Williams. O uso desse conceito busca designar os dois pensadores como preocupados em romper a polarização (já acima exposta) que dominou a área por longo período. Estavam, pois, preocupados em construir um diálogo entre a sociologia e os estudos literários.

Isso fica claro em passagens em que ambos os autores reivindicam uma abordagem para a cultura e a literatura que guarde a especificidade estética, mas que também seja capaz de trabalhar a arte com relação ao mundo social.

Candido diz que é necessário trabalhar a obra de arte a “partir de um ponto objetivo, sem desfigurá-la nem de um lado e nem de outro”, pois “a integridade da

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