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As relações de gênero e atividades lúdicas no contexto escolar em Lisboa

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Academic year: 2021

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Gênero e sexualidade nas práticas escolares ST.7 Gisele Maria Costa Souza

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Palavras-chave: gênero - atividades lúdicas - escola

As relações de gênero e atividades lúdicas no contexto escolar em Lisboa

Este estudo faz parte da tese de doutorado1 em Motricidade Infantil na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa defendida em 2006. No presente simpósio, o objetivo é discutir a diferença e semelhança de estereótipo de gênero percebida por meninas e meninos entre 5 a 7 anos nas atividades lúdicas de área externa e interna de sala de aula em escolas de Lisboa.

Segundo Martin et al. (1990), o conhecimento dos estereótipos de gênero é apresentado em três estágios de desenvolvimento:

- até os 4 anos, a criança aprende as características associadas a cada gênero;

- dos 4 aos 6 anos, a criança desenvolve associações mais complexas e indiretas da informação que é relevante para o seu próprio gênero; e

- a partir dos 6 anos, a criança aprende as associações relevantes para o outro gênero. Martin e Fabes (2001) chamaram atenção para o fato comum da participação de uma criança em jogo geralmente acompanhada por outra criança do mesmo sexo, sendo constatado que mais de 50% das crianças só se envolvem com outro grupo caso o (a) companheiro(a) esteja junto. Geralmente, o jogo dos meninos envolve mais contato físico e tende a ser mais rude que o das meninas. Eles respondem a esse tipo de jogo com interesse e criam uma hierarquia de domínio que geralmente permanece estável com o passar do tempo. Em contraste, as meninas são menos estáveis, enfatizam a cooperação e harmonia entre o grupo (Maccoby, 1990, 1998) e, geralmente no início de um jogo rude, a maioria delas se retira. Elas escolhem atividades em que representam papéis de adulto, fazendo uso da regras sociais e, ainda, aceitam melhor a supervisão de adultos. Os meninos têm maior inclinação para jogar em locais públicos e com menor supervisão de adultos, o que, de certa maneira, estimula os meninos a construir suas próprias regras.

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Os resultados da investigação de Fabes et al. (2003) foram consistentes com os estudos antecedentes (Martin & Fabes, 2001), em que as crianças por volta dos cinco anos demonstram preferência para interações com outra do mesmo sexo e, ainda, o sexo feminino forma mais duplas entre elas do que o sexo masculino. A formação de grupos entre meninos envolve mais comportamentos para a competição, enquanto os grupos femininos se caracterizam por maior sentimento de ternura e sensibilidade.

Em referência à formação de grupos, Guedes (2002, p. 161) comentou que “o nascimento de uma autêntica sociedade infantil” acontece por volta dos 6 anos, quando os jogos de habilidade e proeza se transformam nas regras do jogo, herdadas, muitas vezes, de uma criança mais velha ou até de uma pessoa adulta que as criou ou as reproduziu. Nesse caso, “a mais velha” pode ser: o (a) professor (a), o pai, a mãe, uma criança mais velha.

Fabes et al. (2003) identificaram nas categorias do jogo em grupo que, quando uma menina joga em um grupo só de meninos, ela mostra níveis de atividade mais vigorosos em relação à situação oposta (um menino no grupo só de meninas). No jogo em grupo de meninos as atividades parecem ser mais dinâmicas do ponto de vista motor, daí a menina assumir essa qualidade. Diferentemente, quando o menino joga com um grupo de meninas, ele é exposto a um tipo de interação mais cooperativo.

Gomes et al. (1995) analisaram a percepção de meninos e meninas no Grande Porto (Portugal) entre 6, 8 e 10 anos de idade em cinco jogos de recreio: luta, amarelinha, futebol, pique pega, saltar corda, como sendo apropriados ao sexo feminino, ao masculino ou a ambos os sexos. Na opinião das meninas, o jogo de luta é considerado masculino. Apenas aos 10 anos surge uma tendência para classificar a luta como um jogo para ambos os sexos. O jogo da amarelinha foi percebido como para meninas em todos os níveis de idade sendo considerado como para os dois sexos. Quanto ao futebol, este foi considerado um jogo para meninos e meninas; apenas aos 6 anos foi dito como exclusivo para meninos. O pique pega foi considerado como um jogo para ambos os sexos. Saltar corda foi definido como para as meninas, ainda que fosse registrado por uma minoria como para os dois sexos.

Em relação aos meninos, estes consideraram a luta como um jogo predominantemente masculino. A amarelinha foi tida como um jogo predominantemente feminino, embora também seja aceito para ambos os sexos. Quanto ao futebol, os meninos concordaram que este seja um jogo para meninos, embora em todos os níveis de idade o tenham julgado como para ambos os sexos. O pique pega foi percebido como um jogo tanto para meninas quanto

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Nesse sentido, a percepção dos jogos coincide com a conotação culturalmente estabelecida, ou seja, para rapazes o futebol e a luta e para meninas a amarelinha e o saltar corda. Apenas o pique pega foi aceito como apropriado a ambos os sexos.

Em pesquisa recente de Gomes et al. (2003) em Viseu (Portugal) e Macau, o mesmo questionário do trabalho de Gomes et al. (1995) foi utilizado e os resultados observados nesta investigação seguem a mesma tendência. Em ambos os contextos, sexos e idades, o futebol e a luta foram classificados para o gênero masculino. O pique pega foi classificado como para ambos os sexos. Em Viseu, a amarelinha foi percebida como para ambos os sexos e idades como uma atividade apropriada para as meninas, porém em Macau os meninos de 10 anos a consideraram como para ambos os sexos. As referidas autoras concluíram que, quando a idade aumenta, tanto meninas quanto meninos tendem a classificar o futebol e a luta como para ambos os sexos.

Ao estudar a posição biológica e as expectativas culturais envolvidas nas diferenças sexuais, Zafra e Sáez (2001) concluíram que a relação entre identidade de gênero e sexo biológico é um aspecto manifestado na identificação com a feminilidade e se relaciona negativamente com a identificação da masculinidade; sendo assim, essa constatação pode se refletir nos seguintes pontos: a diferença está baseada nos padrões culturais de estereótipos de gênero e, o processo individual de construção da identidade de gênero deve coincidir com as características que socialmente são próprias do sexo biológico da pessoa.

Para analisar o nível de apropriação do gênero nas atividades lúdicas externas e internas nas crianças de 5 a 7 anos, utilizou-se como base o trabalho desenvolvido por Pomar (1997), nomeado Percepção do Nível de Apropriação ao Gênero - PNAG que por sua vez teve como origem o Physical Activy Stereotypyng Index - PASI (Ignico,1989).

Nesse sentido, o instrumento criado para análise da Percepção do Gênero em Atividades Externas e Internas no contexto escolar – PGAEI (Souza, 2006), foi totalmente adaptado e validado com 10 atividades lúdicas em área externa, 12 atividades lúdicas em área interna e três níveis de resposta apresentados em desenhos estilizados, construídos no sistema Microsoft Windows 98 na função “draw”, da barra de ferramentas. Os desenhos representam uma pessoa em situação de jogo ou atividade e foram ordenados em fichas individuais num fichário (artifício encontrado para que apenas uma figura fosse vista) formato A5, com papel-cartão ajustado na mesma dimensão e impresso na cor preto e branco, sem qualquer referência escrita.

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Especificamente as atividades externas foram: saltar, lançar a bola, equilíbrio, brincar com carro, brincar com boneca, futebol, esconder, pular corda, batimentos ritmado com as mãos, basquete.

As atividades internas: escrever no quadro, pintar, escrever, recortar e colar, ler um livro, computador, blocos de madeira, dramatização, brincar com bonecas e bonecos, arrumar o armário, varrer o chão, juntar o lixo.

As atividades externas foram classificadas pelas crianças nas três categorias, entretanto predominou as respostas “igual para menino e menina”. No caso das atividades internas, somente houve respostas na categoria “igual para menino e menina”.

A resposta “só para menino” foi registrada nas atividades brincar com carro (67,3%), futebol (72,0%) e basquete (57,3%). Nessa última atividade, observa-se que a classificação “igual para menino e menina” apontou 42,6% de respostas, o que indica uma atitude menos estereotipada quanto à apropriação de gênero pelas crianças portuguesas.

Conforme a percepção de algumas crianças, alguns registros da fala refletiram significações demasiadamente rígidas no entendimento de idéias estereotipadas e papéis sociais atribuídos às mulheres e aos homens desde cedo.

Atividade: pular corda

- Vejo mais raparigas a saltar que os rapazes, entretanto essa brincadeira é igual

para rapazes ou raparigas (sexo masculino).

- Minha mãe diz que saltar a corda é para rapariga (sexo masculino). Atividade: batimento ritmado com as mãos

- Os rapazes não acham graça. Quando as raparigas estão a fazer perguntas:

queres fazer? Dizemos: Não (sexo masculino).

- As raparigas ligam mais para essas coisas (sexo masculino).

- Acho mesmo que só as rapariga;, os rapazes não gostam de cantar (sexo feminino).

Atividade: brincar com carro

- só para rapazes porque é um carro. Quando é pra meninas tem flores pintadas do

lado de fora (sexo masculino).

- É para rapaz porque é um carro, e as raparigas não brincam com carrinhos (sexo feminino).

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- É para rapaz, pois as unhas dos pés devem estar pequeninas. Pausa. Gisel, sabes

que estou a roer as unhas? Já me habituei...fico também no sofá sentada a roer a unha do pé (risadas) (sexo feminino).

Atividade: basquete

- As raparigas não têm atenção e não sabem jogar (sexo masculino).

- Lá embaixo há uma coisa dessas, mas só vejo os rapazes a atirar bolas ao cesto (sexo feminino).

- Aqui só há uma rapariga que joga (sexo masculino).

Na atividade brincar com boneca, constatou-se um alto valor (97,3%) para a apropriação ao gênero feminino especificada por 146 das 150 crianças entrevistadas. Essa tendência também foi registrada na fala das crianças:

- Ora veja! As raparigas é que brincam de boneca (sexo feminino). - É para rapariga, porque é uma boneca (sexo feminino).

- É para rapariga, mas muitas vezes também a rapariga quer ser um rapaz (sexo masculino).

- Nunca vejo os rapazes a brincar com boneca (sexo feminino).

- Rapaz brinca com bonecos, rapariga brinca com boneca (sexo masculino). - Só as raparigas gostam de bonecas (sexo masculino).

- Brincar as bonecas? (torce o nariz - sexo masculino).

Nas demais atividades externas, a maior freqüência de respostas é percebida como “igual para menino e menina”.

As 12 atividades internas foram classificadas “igual para menino e menina”.

Nesse contexto, as pesquisas de Martin e Fabes (2001) revelaram que a maioria das escolhas nas atividades resultam de reproduções ou transmissões dos papéis e responsabilidades atribuídas a meninos e meninas; os meninos apresentam mais estereótipos em suas escolhas do que as meninas, já estas experimentam, com maior freqüência, atividades com grupo predominantemente masculino.

Uma provável explicação do motivo pelo qual os meninos tendem a formar grupos maiores é que muitos dos jogos em área externa são baseados em regras portanto, os meninos se ocupam de atividades que requerem mais meninos (ex. basquete e futebol).

As atividades das quais as crianças atribuem propriedades ou papéis de gênero são mais reproduzidas entre o mesmo sexo do que as interações com o outro sexo. Dessa forma, esses dados indicam que o jogo no contexto escolar com crianças do mesmo sexo promove, desde cedo, estereótipos de gênero em atividades para menino ou para menina.

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O fato de não estar presente um incentivo para os meninos se envolverem em brincadeiras mais estereotipadas como femininas pode estar sinalizando que os meninos são alvo de mais pressão no sentido de tipificação sexual. Essa mesma visão é compartilhada por Gomes et al. (1995) no sentido de procurar envolver mais os meninos nos jogos como a amarelinha e o saltar corda, pois, segundo a constatação nos processos estatísticos, os meninos também atribuem esses dois jogos a ambos os sexos.

Os resultados evidenciam que as atividades e jogos na infância devem ser considerados como agentes de socialização, pois as influências variam com o passar do tempo. Além dessa questão, a maneira de conduzir um jogo ou uma atividade com um menino ou uma menina é essencial na construção do senso de competência e domínio e, ainda, contribui para o desenvolvimento de habilidades e preferências que favorecem as escolhas da carreira e das expectativas futuras.

Finalmente, os estudos sobre as diferenças de gênero são importantes para contribuir no desenvolvimento de pesquisas no tema, entretanto, as semelhanças são também outra maneira de examinar o desenvolvimento da relação social entre crianças nos primeiros anos de vida.

Referências bibliográficas

FABES, R. ; MARTIN, C.; HANISH, L. Young children’s play qualities in same, other and mixed-sex peer groups. Child Development, 74, p. 912-921, 2003.

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SOUZA, Gisele. Jogo e diferenças de gênero: estudo comparativo em atividades lúdicas em escolas de Lisboa e do Rio de Janeiro. Lisboa, 2006. 272 p. Tese de doutorado. Faculdade de Motricidade Humana. Universidade Técnica de Lisboa.

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SOUZA, Gisele. Jogo e diferenças de gênero: estudo comparativo em atividades lúdicas em escolas de Lisboa e do Rio de Janeiro. Lisboa, 2006. 272 p. Tese de doutorado. Faculdade de Motricidade Humana. Universidade Técnica de Lisboa.

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