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Reforma do ensino não define regra para noturno

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Reforma do ensino não define

regra para noturno

A nova legislação deixa a cargo dos Estados, responsáveis constitucionais por oferecer esta

etapa de ensino, as definições sobre as regras para os alunos que estudam à noite

Ligia Guimarães, Valor Econômico – 16/03/2017

O Brasil tem mais de 1,8 milhão de alunos que cursam o ensino médio à noite. Para eles, o futuro permanece incerto após a aprovação, pelo Congresso, da reforma do ensino médio. Na definição sobre o que mudará na rotina desses estudantes quando a reforma for implementada, há muitas perguntas sem resposta.

Como aumentar a carga horária de quem estuda das 19h às 23h e trabalha durante o dia? Como uma mesma escola estadual vai estender a carga horária das aulas da manhã e da tarde, sem perder o horário da noite? Como evitar que as aulas do período noturno tenham qualidade inferior? Como garantir que os alunos da noite tenham as mesmas opções de escolha de áreas curriculares e professores para todas as disciplinas?

Érik Cecílio, Aislan Santos, Vithoria Brambilla e Karina Pacini (da esq. para a dir.), alunos da escola estadual Ítalo Betarello: risco de escolha precoce preocupa

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Estudo realizado pelo Instituto Unibanco no ano passado, com base em dados do Censo Escolar de 2013, destaca dificuldades a serem resolvidas no ensino médio noturno. Os dados mostram, por exemplo, que esses alunos estão, na média, mais atrasados em relação aos que cursam o período diurno.

Enquanto 73% dos alunos do diurno nunca foram reprovados, o percentual cai para 54,2% no noturno. No diurno, 93% nunca abandonaram a escola; no noturno, 79,8%. Os indicadores mostram também que o desempenho desses estudantes tende a ser pior na comparação com o diurno.

A nova legislação deixa a cargo dos Estados, responsáveis constitucionais por oferecer esta etapa de ensino, as definições sobre as regras para os alunos que estudam à noite. Transformar a lei em realidade nas salas de aula exigirá enorme trabalho e capacidade de organização dos Estados, na opinião dos educadores e especialistas consultados pelo Valor.

O trabalho é tanto que, na visão do conselho dos secretários estaduais de Educação - a quem caberá coordenar a implementação - a reforma corre o risco de se tornar mais uma lei descumprida da educação brasileira, a exemplo dos dois planos nacionais de educação sancionados nas últimas duas décadas.

"Temos que ter a coragem de reconhecer que há muitas indefinições na lei. Tem pergunta que ninguém sabe responder", afirma o novo presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Idilvan Alencar, em relação ao que mudará no ensino médio noturno. Alencar assumiu o cargo no mês passado, em um momento que ele define como um dos mais importantes da história da entidade, que existe há 30 anos. O presidente do Consed destaca que as redes estaduais precisarão também de mais apoio financeiro da União. Outro ponto fundamental, afirma Alencar, é conquistar o envolvimento dos professores, que até agora se queixam de não terem sido ouvidos na elaboração da reforma, definida por medida provisória. "Não dá para fazer uma reforma só com um grupo de secretários, ou o MEC", diz, destacando que mudar a rotina em uma escola é diferente de uma empresa: na escola, se não se "conquista" os professores, a aula não muda. "Nas empresas há hierarquia, o presidente manda e todos obedecem. Na escola não é assim não. Não vamos ter reforma de sucesso, se não trouxermos professor e aluno para essa discussão", afirma Alencar. Sobre o perfil do aluno, a pesquisa do Instituto Unibanco indica forte relação entre frequentar o período noturno e menor nível socioeconômico. Além disso, é mais recorrente nesse turno a presença de alunos cujas mães nunca estudaram, ou que sequer completaram os anos iniciais do ensino fundamental.

As novas regras da reforma precisarão considerar que o desafio pedagógico do ensino médio noturno é maior; além do elevado índice de defasagem idade-série dos estudantes e a dupla jornada, que deixa os alunos mais cansados e menos motivados, há ainda a alta rotatividade de professores.

Ariovaldo Guinther, diretor da escola estadual Ítalo Betarello, na região de Taipas, no extremo norte da cidade de São Paulo, estima que metade dos alunos das 14 turmas de ensino médio que o colégio oferece à noite vai para a aula direto do trabalho. "Ele vem cansado, às vezes vem correndo para comer a merenda. É longe, porque é difícil aqui no Jaraguá ter emprego para todos, então eles buscam empregos em outros bairros, pegam trem, metrô, ônibus", conta Guinther, que desde que assumiu a gestão da escola, em 2011, conheceu de perto muitos desafios que precisarão ser enfrentados durante a reforma do ensino médio, como a dificuldade em manter os alunos em sala e a desmotivação dos professores. "Setenta por cento dos alunos ficavam fora da sala durante as aulas da noite. Às sextas-feiras, de 500 alunos matriculados, apareciam 20", lembra.

Hoje, comemora o diretor, a frequência às sextas gira em torno de 400 e 450 alunos, atraídos por projetos especiais desenvolvidos especialmente para combater a evasão típica de fim de semana. Em sala, os alunos trabalham em temas como cinema, experiências em química, pintura e gastronomia, escolhidos de acordo

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com o interesse de cada estudante. "Me preocupei em tornar a escola mais atraente do que lá fora, a balada, a rua", diz.

As iniciativas bem-sucedidas surgiram a partir de propostas dos professores, de quem Guinther buscou conquistar a confiança no primeiro ano de gestão. "O envolvimento dos professores foi fundamental para as mudanças, porque eles também me testaram", diz o diretor, que hoje ouve muitas perguntas dos colegas a respeito da reforma. "Tenho tentado acalmar os professores, que estão preocupados. Mas também não sei, para nós é uma incógnita.".

Ricardo Henriques, do Instituto Unibanco, destaca ainda que existe uma parcela importante dos alunos que só estuda à noite porque faltam vagas de dia. Incluir estes alunos é problema antigo, que os Estados precisarão resolver junto com a reforma.

"O que a reforma está trazendo é a necessidade das redes de fazerem o dever de casa que deveria ter sido feito há muito tempo. Entender o perfil demográfico desses jovens, corrigir o fluxo e dar conta de infraestrutura", afirma Henriques. Segundo ele, é preciso definir estratégias de inclusão também para os 1,7 milhão de alunos em idade de ensino médio fora da escola. "Temos uma quantidade enorme de jovens defasados. "

Outro desafio será garantir que seja equilibrada e acessível a todos os alunos a gama completa de itinerários formativos, como são chamadas as cinco áreas de especialização previstas no ensino médio (formação técnica, linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas), para alunos de todas as classes sociais. Dados do Censo Escolar 2016 apontam que apenas 41% dos professores têm formação adequada em física no ensino médio, por exemplo.

Adequar todas as escolas das redes estaduais às novas regras exigirá contratação de professores e até ampliação de infraestrutura, como novas escolas e salas de aula, prevê Alencar, do Consed, que também é

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secretário de Educação do Ceará. "As redes estaduais vão ter que fazer concurso público? Investir na formação dos professores? É um ponto que impacta o financiamento e não está claro", diz.

Alencar afirma que sua intenção é coordenar o mais rápido possível encontros entre os secretários de todos os Estados, além de manter diálogo com o Ministério da Educação. "Eu acredito que a reforma exigirá a ampliação da rede física, contratação de professor, formação, são todas contas em que precisamos ter precisão, esses estudos precisam ser feitos", diz Alencar. O Consed pretende reunir no dia 28 de março todos os secretários estaduais de Educação, além de representantes do Ministério da Educação (MEC) para debater a lei aprovada e o que falta definir, "de forma organizada e estruturada".

Antonio Neto, diretor do Consed, explica que é imenso o trabalho que os Estados têm pela frente. "A reforma está bonita no papel, mas o trabalho para ela ser construída é muito grande", afirma. Cada Estado precisará pensar a rede estadual de ensino como um todo - em decisões que envolverão 5 mil escolas, em alguns casos -, e não mais definir as grades pensando cada instituição isoladamente.

"Uma escola, agora, nesse novo modelo, impacta a escola ao lado. Uma vai ter tal área de ênfase, e outra uma diferente. Vai mexer com a matrícula de todos os alunos", prevê Neto, que acrescenta, no entanto, que a reforma abre uma oportunidade positiva para que os Estados se reorganizem e façam melhor uso da rede Henriques, do Instituto Unibanco, diz que uma solução alternativa para a reforma no ensino médio noturno seria implementar um sistema de créditos, no qual o aluno pudesse escolher quantas disciplinas cursar em cada ano.

"Não haveria nenhum problema o ensino médio noturno ter créditos. A questão-chave para um jovem que está trabalhando é ele poder distribuir isso ao longo do tempo", diz Henriques, que destaca que o debate em torno da reforma não passou pelas estratégias de implementação. "O que não pode é o aluno estudar o ano inteiro e perder o ano inteiro ao ser reprovado em duas disciplinas. Isso é mortal, insustentável."

Secretários de Educação temem

que lei vire letra morta

Considerada uma vitória política do presidente Michel Temer, a reforma do ensino médio precisa agora envolver e conquistar os professores para não se tornar mais uma lei descumprida da educação brasileira, na opinião do novo presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Educação, Idilvan Alencar. "A fase mais importante e mais difícil é a implementação. A lei por si só é relevante? Muito. Mas, por exemplo, o Plano Nacional de Educação está aí e...", compara. Editada por meio de Medida Provisória (MP), escolha que foi alvo de muitas críticas de especialistas em educação, os Estados terão agora que buscar envolver professores e aluno no debate sobre o que mudará nas muitas situações não previstas na lei.

Para o presidente, os maiores focos de incerteza são as especificidades, como o ensino médio noturno e da zona rural, além de financiamento e o envolvimento da comunidade escolar, em especial os professores. "Por exemplo, em município que só tem uma escola, como vamos nos portar? Eu tenho que oferecer todos os itinerários? É pergunta importante em Estados como Minas Gerais, que tem muitos municípios pequenos. Outra especificidade: e na zona rural, onde há a dificuldade no Brasil todo de encontrar professores de física, química, biologia e matemática, vou poder oferecer o itinerário para matemática?", questiona, Alencar, que diz que tanta indefinição, no entanto, dará mais autonomia aos Estados na solução dos problemas. "A lei que

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foi sancionada tem um espaço enorme que ainda precisa ser definido. E é exatamente nesse espaço que como presidente do Consed eu vou atuar".

O presidente do Consed vê o risco de "que ocorra com a reforma o que ocorreu com o PNE], especialmente se não contarmos com financiamento e esse grande debate", afirma.

A lei do Plano Nacional de Educação (PNE), sancionada em 2014 após três anos de tramitação no Congresso e principal "bússola" da educação brasileira, tem grande parte de suas metas descumpridas. Alencar diz não ter participado das discussões dos secretários de educação com o MEC a respeito da reforma, antes que ela fosse anunciada, porque à época era presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), cargo que ocupou por 14 meses.

A escolha da MP, para Alencar,, "não foi a melhor forma" de realizar a reforma, mas diz que essa questão, agora que a lei foi sancionada "já passou". "Dá para compensar [ o equívoco] nesse espaço grande que há para definição. Não podemos incorrer no erro agora, de reformar com um grupo de secretários, ou um grupo do MEC", diz o presidente. "O que vai definir se a reforma sai do papel é a implementação. Eu não acredito que lei seja sucesso só por plano imperativo. O PNE está aí. Não cumprimos nem a meta 1 do PNE, não vou nem mencionar a 20."

Falta de clareza preocupa alunos

"Fui acompanhando a reforma do ensino médio desde o ano passado e ficando preocupado, porque achei que ia entrar em vigor já neste ano, e eu preciso arrumar um emprego", conta o estudante Érik Cecílio, 17 anos, que cursa o terceiro ano do ensino médio noturno na escola estadual Ítalo Betarello, na região de Taipas, no extremo norte da capital paulista. A mãe está desempregada há um ano e o pai é motorista. O irmão mais velho, de 20 anos, também procura emprego. Na escola em que ele estuda, o terceiro ano só existe em turmas à noite. Mas mesmo que pudesse escolher, o jovem diz que não trocaria de turno.

"Gosto mais do que de manhã", diz Vithoria Brambilla, 17 anos, que trabalha durante o dia como jovem aprendiz na recepção de uma empresa que cria sistemas para agências de companhias aéreas no bairro de Pinheiros. "Não acho a reforma muito legal, porque ainda não sei o que eu quero e todas as matérias são importantes para a gente decidir", diz a estudante, que informou-se sobre as medidas pela TV. Pensa em fazer faculdade de artes cênicas, mas não tem certeza. "Escolher no começo do ensino médio seria difícil", diz. Aislan Santos, 17 anos também no 3º ano, diz temer que muitos alunos se arrependam da área escolhida. "Eu mesmo estou em dúvida entre seminário, pedagogia e psicanálise. Como é que posso escolher no começo do primeiro ano? Muito insano."

Referências

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