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JOAQUIM FILHO DE VITÓRIA DE GUINÉ, AFILHADO DE ANTÔNIO CRIOULO: A FAMÍLIA ESCRAVA EM BOM RETIRO NO PERÍODO DE 1838 A 1888

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JOAQUIM FILHO DE VITÓRIA DE GUINÉ, AFILHADO DE ANTÔNIO CRIOULO: A FAMÍLIA ESCRAVA EM BOM RETIRO NO PERÍODO DE 1838 A 1888

João Lucas Rodrigues Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Escravidão em Minas Gerais (NEEMG) da

Universidade Federal de Uberlândia.

O presente trabalho busca trazer algumas contribuições às discussões a cerca da escravidão em regiões onde a economia se voltava para o abastecimento de mercados internos. Até algum tempo atrás, estas regiões foram relegadas a um segundo grau de importância, para o entendimento do passado escravocrata e da economia do Brasil durante os períodos de colônia e do império. As pesquisas mais recentes têm reavaliado tal visão, mostrando a importância destas localidades para a economia interna, como também a importância da escravidão nestas regiões, mantedoras em seu conjunto de milhares de cativos. O foco de nossa abordagem são as relações familiares entre escravos no Distrito de Bom Retiro1, no extremo Sul de Minas, no decorrer do dezenove (1838 a 1888). A documentação aqui utilizada são basicamente registros de batismos e de óbitos2; todavia, também iremos recorrer à lista nominativa de 1831/18323, retrocedendo alguns anos no tempo, no intuito de termos uma visão sobre a nupcialidade escrava a partir do censo. Com o cruzamento das fontes, foi possível mapear as uniões conjugais formadas pelos cativos, a partir do matrimônio e a margem dele e analisar as relações de compadrio construídas pelos cativos através do rito do batismo.

A vasta produção historiográfica4 sobre este tema já tem mostrado como a família era uma realidade de fundamental importância para os escravos. A família funcionava como um espaço onde era possível maior autonomia e ao mesmo tempo conferia certa ordem psicológica e emocional, proporcionando um mínimo de condições para que a vida pudesse ser possível. Vivendo em família, os escravos tinham um importante espaço para a transmissão e reinterpretação da cultura e de experiências entre as gerações. Compartilhavam memórias, valores, estreitavam laços sociais, conferindo a eles possibilidades de ajuntar

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forças para superarem as desventuras do cativeiro (SLENS, 1999). A família contribuía para formação de indivíduos aptos a se locomoverem com mais facilidade no mundo em que estavam inseridos, como também de fazer uma leitura sobre suas condições que estivesse amparada em experiências transmitidas de geração em geração, permitindo-lhes através destas experiências apreendidas, criar estratégias e táticas para alcançar objetivos, forçar ampliações das “concessões senhoriais”.

Apesar disso, pouco ainda se sabe como se constituiu a experiência familiar dos cativos em regiões onde predominava propriedades com quantidades pequenas de escravos. Haja vista, que a maioria das pesquisas sobre o tema se focarem em regiões de grande lavoura. Desta forma, o presente estudo busca trazer alguns apontamentos que possam contribuir para o entendimento da questão.

A historiografia já algum tempo tem apontado que nas pequenas posses os cativos encontravam mais dificuldades para construírem laços familiares mais estáveis.

Robert Slenes (1999), analisando a região de Campinas no século XIX, observa a partir de listas nominativas, dados da matrícula de escravos de 1872, registros paroquiais e inventários postmortem, que os escravos que estavam inseridos em posses médias (de 10 a 49 escravos) e grandes (de 50 cativos ou mais) tinham uma maior probabilidade de ver suas uniões mantidas durante um período mais longo do que aqueles que residiam em posses menores (de 1 a 10 escravos). Os cativos nestes contextos, também conseguiram manter laços com suas crianças através de um contato diário nas mesmas posses, durante mais tempo. Outro dado importante é que nas propriedades menores a maioria das uniões não era sancionada pela Igreja. Os dados obtidos por ele apresentam pequenas taxas de casamento formal nestas posses (SLENES, 1999, pp. 74 -109).

Florentino e Góes (1997) encontraram dados semelhantes em municípios do Rio de Janeiro; segundo os mesmos, os índices de casados sobem conforme aumenta o tamanho das propriedades. José Flávio Motta estudando a localidade de Bananal (Vale do Paraíba paulista) em 1801 observou que 7,4% dos escravos residentes em pequenos plantéis foram casados ou viúvos; 46% nas grandes propriedades e 27,3% nas médias (MOTTA, 1999, pp.235-238). Luna também observou em treze localidades paulistas, em 1804 e 1829, que havia pequenas taxas de casamento formal entre os cativos inseridos em pequenos plantéis: 17% a 27% dos cativos residentes em unidades com até dez cativos foram casados e viúvos (In: NADALIN, MARCÍLIO & BALHAMA, 1990, pp. 228-223).

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Horácio Gutiérrez e Iraci Costa estudando mapas de população de nove localidades do Paraná, região de pequenas posses, observaram que apenas 20,4% da população cativa eram casados ou viúvos (COSTA & GUTIÉRREZ, 1984, pp. 313-21). Cacilda Machado calculou que entre os cativos maiores de vinte anos em São José dos Pinhais e Curitiba (Paraná), que 19,5% eram casados ou viúvos em 1804 e 18,9% em 1830 (MACHADO, 2003, p. 500).

Estes índices mostram números muito baixos de uniões formais entre cativos residentes em pequenas posses. Uma das causas já apontadas pelos historiadores seria a instabilidade das propriedades. Senhores de parcos recursos quando viviam uma crise econômica, não tinham estrutura para manter seus escravos; o aperto financeiro obrigava-os a dispor deles. Nestes casos, diante da possibilidade de ocorrer à venda, os senhores optavam em não casar seus escravos perante a Igreja, já que com a existência do matrimônio a separação dos cônjuges poderia causar conflitos entre eles e à instituição religiosa (SCHWARTZ, 1988, p.316).

Outra questão que gerava obstáculos para a formação de uniões entre os cativos, era o pequeno número de potenciais cônjuges dentro da mesma posse, de pessoas de ambos os sexos; somando a isto, existia uma política senhorial de proibir o casamento entre escravos de propriedades diferentes. Segundo Schwartz (1988), esta medida limitava em muito as oportunidades de construir uniões conjugais entre os cativos, principalmente para aqueles que viviam em pequenas propriedades, já que havia poucos parceiros e, além disso, podiam ser parentes. De fato, nos 152 registros de batismos que pesquisamos, só encontramos um caso em que o sacerdote aponta que os pais da criança eram propriedade de senhores diferentes; em todos os outros registros os escravos foram sempre apontados como propriedade de um único senhor.

Para a localidade aqui estudada as informações da lista nominativa de 1831/1832 nos oferecem os seguintes dados: 38. 3% dos homens maiores de 15 anos eram casados ou viúvos e no caso das mulheres maiores de 15 anos, 43.9 % foram apontadas como casadas ou viúvas. Os índices de casados de ambos os sexos é relativamente parecido, tendo uma leve superioridade para as mulheres, realidade que reflete a inferioridade numérica delas, ou seja, as possibilidades de escolha eram “maiores”, embora também reduzidas pelo número pequeno de escravos nos plantéis.

O índice total de cativos casados maiores de quinze anos chega a 40.59 %, o que é muito significativo. Como vimos, as pesquisas têm mostrado índices muito baixos de uniões formalizadas entre os cativos residentes em pequenas posses; embora estamos trabalhando com uma pequena localidade, os dados encontrados nos indicam que um número considerável

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de cativos mesmo estando inseridos em plantéis com poucos companheiros e vivendo sobre a pressão de possíveis separações, construíram suas famílias a partir do matrimônio.

A análise dos registros de batismos nos trouxe dados ainda mais surpreendentes (Ver tabela 1). Ao todo foram encontrados 152 registros de batizados de cativos, no período de 1838 a 1888.

Tabela 1

Registros de batismos de cativos (Naturais / Legítimos). Bom Retiro 1838-1888.

Filhos Legítimos % Filhos Naturais % Total % 72 47,3 80 52,6 152 100%

Fonte: Registros de batizados da Paróquia São Sebastião e São Roque da cidade de Bom Repouso.

Estes dados para o período de cinqüenta anos se comparados com os encontrados para os anos de 1831/1832 da lista nominativa, indicam que não houve mudanças significativas em relação ao matrimônio entre os cativos; sacramentar as uniões continuava sendo uma realidade constante para um percentual considerável deles. Como está indicado na tabela, as pessoas que levaram seus filhos a pia batismal, em quase 50% eram casais que tinham suas uniões sancionadas pela Igreja.

Contudo, estes dados não revelam por completo o número de uniões que foram sancionadas, para maior aproximação de tal dado identificamos cada casal e mãe solteira a partir dos nomes dos senhores e assim podemos rastrear suas trajetórias familiares por meio dos nascimentos de suas proles. Identificamos também os casais que não tiveram filhos, através do exame dos registros de batismos, nos atendo a escolha dos padrinhos e também aos registros de óbitos, tentando perceber possíveis casais que tiveram suas vidas apartadas pela morte, sem que tivessem filhos. Esta releitura das fontes nos apontou no total a existência de 69 casais que tiveram relações formalizadas perante a Igreja e 57 famílias formadas à margem do matrimônio.

Diante do que a historiografia tem apontado para os índices de casamento entre cativos em regiões de pequenas posses, vinculadas ao abastecimento interno, os dados encontrados para a localidade em foco são muito significativos. Uma possível explicação para estes dados seria na forma que os senhores encaravam o casamento entre os escravos, é provável que para

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eles a formalização da união pudesse contribuir para a reprodução e assim possibilitar um aumento da escravaria.

Por certo, também havia participação dos cativos na decisão de sacramentar suas uniões, já que casar diante da Igreja para eles também podia trazer benefícios. Em um mundo onde o catolicismo era hegemônico, uma união sacramentada podia oferecer mais segurança para a manutenção de suas famílias, sempre sobre os riscos das interferências e abusos dos senhores. Como Florentino e Góes (1997) observaram no Rio de Janeiro, os escravos que tinham suas uniões sacramentadas tinham menos chances de serem apartados de seus parceiros e filhos pela venda ou partilha de herança. Teixeira (2001), também observou este dado em Mariana, segundo a autora, uniões legítimas possibilitavam maior proteção à família cativa quando passavam por estes processos.

Os registros paroquiais nos permitem ainda rastrear ao longo do tempo trajetórias familiares de alguns escravos, embora de maneira precária, elas nos ajudam a compreender melhor as suas experiências na constituição de suas famílias, na busca de construir espaços, meios, pela qual a vida pudesse ser vivida.

Tomemos a trajetória de algumas delas. No ano de 1852 (mais ou menos) Germano e Benedita, crioulos escravos do Tenente Manoel Luiz de Morais tiveram um filho, batizado com o nome de Joaquim. Este teve como padrinhos seus avós maternos Lisboa e Maria, ambos, escravos de José Lauriano de Morais. Nota-se a presença de três gerações, o que é um dado significativo, que demonstra uma família estável e de duração longa. É também interessante perceber que pelos sobrenomes dos senhores, sugere que eram irmãos. Assim a família formada por Lisboa, Marta e a filha Benedita, fora separada mediante a repartição dos bens da herança; porém, não significou a ruptura de laços. Estes foram reforçados pela instituição do compadrio.

Cecílio e Firmina, crioulos casados, escravos de Manoel Rodrigues da Costa, também tiveram a chance de conviver com seus netos. Eles tiveram duas filhas, Rosa e Justina. Rosa teve seu primeiro filho em 1865; Elisario, filho natural de pai incógnito. Dois anos mais tarde, Rosa aparece novamente nos registros de batismo, porém desta vez acompanhada. Ela estava casada com Francisco da Costa, homem forro. Os dois levaram a pia batismal o filho recém nascido, Leandro. Francisco e Rosa tiveram mais cinco filhos, quando nasceu o terceiro filho do casal, Lauvindo em 1869, ele teve como madrinha sua avó materna, Firmina. Ao todo foram 6 filhos, nascendo o último em 1886.

Diante desta trama é plausível sugerir que o primeiro filho de Rosa, apontado como natural, seja também filho de Francisco, ou seja, eles tiveram o primeiro filho, depois se

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casaram. Portanto se formalizou perante a Igreja algo que já era criação dos próprios escravos5.

Outro caso, em que se observa à presença de uma família com mais de uma geração é em relação à família de Ignacia, crioula solteira, escrava de José Crispim Mariano. Ignacia teve cinco filhos, o primeiro foi Martinho, crioulo, parido em 1867. Em 1868 nasceu Silvério. Dois anos mais tarde foi batizada uma menina, chamada Felícia. Em 1872 nasceu mais uma menina, esta, chamada de Alexandrina. E três anos depois veio à última prole, Antônio. A terceira geração desta família veio em 1887, quando Felícia a terceira filha de Ignacia, dá a luz a uma menina chamada Anna, esta, filha natural de pai incógnito.

Além de Ignacia, com um número expressivo de filhos, no mesmo plantel se tem a presença da escrava Benedita, crioula solteira, que também teve 5 filhos. O primeiro nasceu em 1863, chamado Estevão e após ele Rosa em 1866, Martha em 1868 e Wadeslau e Josefa (gêmeos) em 1871.

A partir de outros registros foi possível encontrar mais três escravos que residiam na mesma propriedade: Joaquim, casado com Mariana; Lucadio, crioulo solteiro e Jerônimo, crioulo, também solteiro. É provável que Jerônimo e Lucadio tenham sido os parceiros conjugais de Ignacia e Benedita, porém não podemos saber ao certo.

Apesar das precárias informações, os dados esboçam trajetórias familiares, onde se pode perceber certa estabilidade, mesmo no caso das famílias que não eram formalizadas perante a Igreja (medindo o intervalo de nascimento de seus filhos). Contudo, estas questões precisam ser melhores examinadas, conjugando outros tipos de fontes, o que ainda está por se fazer.

A família, contudo, não se limita aos laços consangüíneos ou realizados pelo casamento, existiam variadas formas pela qual os indivíduos teciam laços de solidariedade ampliando os laços parentais. Através da analise dos registros de batismos tentamos perceber como os cativos forjaram estas alianças.

O PARENTESCO ESPIRITUAL

O parentesco espiritual fora uma realidade muito valorizada no mundo cristão; de diversas formas, dentro das instituições da Igreja e por criações populares se tecia laços de solidariedades entre as pessoas. Neste contexto, o ritual do batismo destaca-se como uns dos principais meios pelo qual pessoas livres e escravos tinham a oportunidade de forjar laços sociais, construir redes de sociabilidades.

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A análise das relações de compadrio nos permite observar aspectos importantes da vida em sociedade de cativos, livres e libertos; estratégias de dominação, busca por aliados, interesses por favores possíveis, reforço de laços já existentes; motivações variadas que compõe a construção de laços sociais por meio compadrio.

De maneira geral as crianças escravas e ingênuas (crianças legalmente livres nascidas após a lei do ventre Livre 1871) tiveram 32,66% de padrinhos escravos, 54,66% de livres e 2,66% de forros. Quando o status social do padrinho e da madrinha era desigual, o que perfaz 2,33% dos registros, na maioria dos casos se optou por padrinhos escravos e madrinhas livres. Se analisarmos em separado, os batizados de escravos (1838 – 1870) e dos ingênuos (1871 – 1888) temos algumas diferenças.

Tabela 2

Padrinhos/ Madrinhas de crianças escravas e ingênuas Bom Retiro 1838 -1888.

Padrinhos/Madrinhas de crianças escravas. 1838-1870

Padrinhos/Madrinhas de crianças ingênuas. 1871-1888 Livres Escravos Forros

49.16% 35.83% 3.33%

Livres Escravos Forros 76.66% 20% - Fonte: Registros de batismos da paróquia São Sebastião e São Roque da cidade de Bom Repouso.

Observa-se que existe uma ausência de padrinhos forros a partir 1871, como também um aumento considerável do número de padrinhos livres. Acrescenta-se a esse quadro que houve somente um caso após 1871 onde os padrinhos eram de grupos sociais desiguais; neste caso, a madrinha era livre e o padrinho escravo. É plausível sugerir diante da acentuada procura por padrinhos que tinham um status superior ao do afilhado, que havia um interesse de se criar meios para estas crianças quando adultas tivessem uma maior facilidade em se inserir no mundo dos livres, já que com a maioridade eles conquistavam a liberdade e neste caso, os padrinhos serviriam como mediadores.

Em relação aos batizados realizados antes de 1871, mesmo havendo uma maior preferência por padrinhos livres, à diferença entre padrinhos livres e escravos não era tanta quanto entre os nascidos após 1871. Os dados levantados por Schwartz no Paraná (também no século XIX) apontam que 70% dos escravos, tinham padrinhos livres e menos de 20%

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escolhiam outros escravos (SCHWARTZ, 2001, pp.223-5.). Dados semelhantes Schwatrz encontrou em algumas paróquias da Bahia, em registros de batismo do século XVIII. Em 70% dos casos de batizados de crianças cativas os padrinhos eram livres e em 20% eram outros escravos (SCHWARTZ, 1988, p. 332).

Botelho, analisando o compadrio em Montes Claros, no norte de Minas Gerais, no século XIX, observou que na grande maioria das vezes os escravos tinham pessoas livres como padrinhos, e uma parcela muito pequena tinham escravos padrinhos, em alguns momentos do século o número de padrinhos livres chegava a 80%, e a penas 10% de escravos (BOTELHO, 1997, p.113).

Silvia Brugger, estudando as relações de compadrio entre escravos em São João Del Rey, no período de 1736 a 1850, mostrou que 62% dos padrinhos dos cativos eram livres (BRUGGER, 2004, p.3). O que se percebe é que uma porção considerável dos escravos em Bom Retiro, antes de 1871, preferia tecer laços de solidariedade com outros cativos, estreitando assim os vínculos entre eles. O que dá margem para pensarmos que se construiu com o passar do tempo um senso de comunidade entre eles, onde as relações de compadrio e apadrinhamento eram importantes mecanismos na construção das relações comunitárias.

Contudo, apesar do significativo percentual de padrinhos cativos, os dados apontam pela preferência de padrinhos livres, uma explicação para o fato como aponta Ana Maria Rios pode ser pelo tamanho dos plantéis. Segundo a autora, em escravarias maiores os escravos tendiam a tecer laços de solidariedade entre eles, já em propriedades menores, os laços eram de forma majoritária forjados entre os livres (RIOS, 1990). A observação de Rios parece ser uma explicação plausível para os índices encontrados na localidade em tela.

As escolhas por padrinhos livres entre os escravos podem ser entendidas como uma busca para conquistar aliados, pessoas que podiam mediar conflitos entre senhores, como também ajudar na compra da alforria para o afilhado. Como observa Slenes, a construção de laços com pessoas fora do plantel e de status social mais elevado revela “a necessidade, num mundo hostil, de criar laços morais com pessoas de recursos, para proteger-se a si e aos filhos” (SLENES, 1997, p.271).

É digno de nota que somente em seis casos um dos padrinhos pertencia ao mesmo plantel do batizando e apenas em dois casos o par de padrinhos pertencia ao mesmo senhor do batizando. Em alguns casos, escravos de um mesmo plantel forjaram laços de solidariedades com escravos que estavam espalhados por sete plantéis diferentes; fora àqueles que tiveram livres como padrinhos.

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Deve-se chamar atenção ainda à presença de escravos que serviram de padrinhos e não se encontrou nenhum outro registro que faz alguma menção a parente deles, sejam consanguíneos, ou por via do casamento. São 42 casos desta natureza, deste montante, 29 eram de homens e 13 de mulheres. Todavia, mesmo que eles inexistiram, aqui registramos a importância dos vínculos tecidos por este ritual; pelo compadrio, estes escravos adquiriram o status de padrinhos, além dos laços que eles firmaram com os afilhados, eles se tornaram compadres dos pais destas crianças, construindo desta forma laços de solidariedades; assim eles não estavam desamparados de elos íntimos, que lhes pudesse garantir aliados.

Chama a atenção que a maioria das alianças formadas pelos escravos ia para além da propriedade onde eles residiam, o que assinala a existência de pequenos plantéis nesta área e o mais importante, revela a capacidade destas pessoas de forçar as estruturas de dominação que os limitavam.

Outra questão que emergi pelo exame dos registros de batismo em Bom Retiro é que em apenas dois casos, senhores batizaram seus escravos e nestes dois episódios os escravos foram libertos no ato do batismo. Um padrão semelhante foi observado por Schwartz e Gudeman no recôncavo baiano, onde os mesmos não encontraram nenhum registro de senhores batizando seus escravos.

Para estes autores esta realidade se configuraria desta forma pela incompatibilidade de idiomas entre Igreja e escravidão; que quando se encontravam no ato do batismo, não podia haver conexão. As duas realidades eram incompatíveis; a figura do senhor não podia mediar um ritual de renascimento e liberdade de seu escravo. Desta forma, eles argumentam que a resolução para esta incompatibilidade não era abolir a escravidão ou o batismo, mas sim, mantê-los separados (SCHWARTZ & GUDEMAN, 1988).

No entanto, casos em que parentes do senhor serviram de padrinhos encontraram-se quatro registros; nestes casos pode-se ver que o compadrio também se servia para firmar o controle, mesmo que indiretamente.

Até agora o que podemos observar é que em quase todos os registros (se exclui deste quadro, somente dois batismos de forros, onde escravos foram padrinhos) o status social do padrinho era igual ou superior ao do afilhado, na maioria das vezes superior. Este padrão também foi observado por Schwartz (1988) na Bahia, e segundo o mesmo, esta configuração pode ser observada em várias culturas e assim se formata porque embora o compadrio seja um vínculo espiritual ele se projeta no campo social, e este, exerce influência nas escolhas dos padrinhos.

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Assim, as escolhas dos padrinhos tendiam a ser em escala crescente, de acordo com hierarquia social. A representação social dos sujeitos estava vinculada as suas condições; como ser livre, escravo, alforriado, como também ser branco, negro ou mulato, além de outras. No caso dos escravos, além de sua própria condição social, a figura do negro estava revestida de significados negativos. Diante disso presume que o negro escravizado não ocupava uma posição de pai espiritual de uma pessoa livre e branca.

Entretanto o exame dos registros nos fez deparar com casos desta natureza. Encontrou-se 16 registros onde escravos Encontrou-serviram de padrinhos para pessoas livres, em 8 deles padrinhos e madrinhas eram escravos. Quando o status dos padrinhos e madrinhas era diferente, 4 eram de padrinhos livres e madrinhas escravas, em 2 casos os padrinhos eram escravos e as madrinhas eram livres, em 1 caso o padrinho era escravo e a madrinha forra e também em um caso o padrinho era escravo e a madrinha era uma santa de devoção.

Em relação à posição destas famílias (livres) perante a Igreja, 10 delas eram legalmente sancionadas e 6 eram famílias formadas a margem do matrimônio. Outro dado importante é que em 5 casos os pais das crianças eram de famílias que também tinham posse de escravos.

Os dados revelam o quanto era complexo as relações sociais que se teceram na sociedade escravista brasileira. Podemos nos perguntar, como teria se construído as relações entre estes atores sociais, já que o afilhado assumia uma postura de submissão para com o padrinho e este responsável por educar o mesmo. Ou melhor, que tipo de relações havia se estruturado entre eles, que propiciou chegar até o apadrinhamento.

É possível pensar que a maioria destas pessoas (livres) que escolheram escravos para batizarem seus filhos tenham sido trabalhadores pobres. Pequenos agricultores, que trabalhavam junto da família, em pequenas propriedades. Ou ainda, moravam de agregados em terras de pessoas mais abastadas que tinham escravos, e por isso conviviam diariamente com os cativos. Infelizmente ficamos no campo das hipóteses.

Não podemos deixar de pensar aqui que está realidade demonstra grandes conquistas adquiridas pelos próprios escravos. O tempo possivelmente longo de criação de laços, conquista de confiança, estreitamento de relações, podem ser lidas como estratégias pessoais, que eram construídas no intuito de alcançar melhores espaços entre os livres.

Assim em uma sociedade escravista, onde existem elementos do grupo escravizado, adquirindo a posição de pais espirituais de pessoas livres (que também possuíam cativos) é uma questão com significados sociais importantes ao trazer à tona aspectos da dinâmica de convívio social e das redes de sociabilidades construídas pelos diferentes atores sociais.

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Em suma, o estudo destes mecanismos que forjavam laços íntimos entre os escravos e outros sujeitos sociais que compunha a sociedade em foco, revela aspectos da configuração da trama social. Pelo compadrio a família escrava se abre, se amplia, numa busca de aumentar o raio social das alianças; estas, forjadas pela instituição religiosa, mas com significados políticos; uma busca por conquistarem aliados, por proteção (FLORENTINO, GOÉS, 1997). Redes de solidariedades que os registros de batismo nos possibilitam observarem o desenrolar da sua construção e assim os modos como os sujeitos teciam estas alianças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De maneira geral observamos que os escravos presentes no Distrito de Bom Retiro, no século XIX, mesmo vivendo em pequenos plantéis e assim vendo suas possibilidades de construir arranjos matrimoniais limitadas, conseguiam formar suas famílias, seja por meio do casamento legalizado ou não. Pelos laços de compadrio e apadrinhamento eles tinham um importante meio pela qual construíam redes de sociabilidades; forjavam laços de solidariedade, criando formas para enfrentar os obstáculos diários da vida em cativeiro. Os resultados apresentados chamam a atenção pela expressividade dos índices concernentes a formalização do matrimônio católico, realidade que precisa agora ser analisada em conjunto com dados de localidades vizinhas, combinando outros tipos de fontes, o que possibilitará aprofundar os estudos sobre as relações familiares entre os cativos, como também da própria dinâmica da escravidão na região.

Notas

1

A localidade obtém a emancipação política em 1953, passando a se chamar Bom Repouso. Cf. BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte-Rio de Janeiro, Editora Itatiaia Ltda, 1995.

2

Paróquia São Sebastião e São Roque da Cidade de Bom Repouso. Registros de batismos: Livro I (1838-1855); Livro II (1861-1878); livro III (1856- 1903); livro IV (1853-1895). Registros de óbitos: Livro I (1839-1890). Os registros de casamentos de escravos da paróquia não foram encontrados.

3

Cópia do acervo do LABDOC/UFSJ. Os originais se encontram no Arquivo Público Mineiro.

4

Cf. SLENES, Robert. W. Na Senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava no Brasil Sudeste século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. FLORENTINO, Manolo. GÓES, José Roberto. A Paz das Senzalas: famílias escravas e tráfico Atlântico, Rio de Janeiro, c.1790-c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. MOTTA, José Flávio. Corpos Escravos, Vontades Livres: posse de cativos e família escrava em Bananal (1801-1829). São Paulo: FAPESP: Annablume, 1999.

5

Foram encontrados mais 6 casos desta natureza.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOTELHO, T. R. Batismo e Compadrio de Escravos: Montes Claros (MG), século XIX. Locus – Revista de História, vol. 3. Juiz de Fora: EDUFJF, 1997, pp. 108-115.

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BRUGGER, Silvia Maria. Compadrio e Escravidão: uma análise do apadrinhamento de cativos em São João del Rei, 1730-1850. In: Anais do XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu - MG – de 20- 24 de Setembro de 2004.

COSTA, Iraci & GUTIÉRREZ, Horácio. Notas sobre o casamento de escravos em São Paulo e no Paraná, História: Questões & Debates, Curitiba: Apah. Dez.1984, n.5(9), pp. 313-21.

FLORENTINO, Manolo. GÓES, José Roberto. A Paz das senzalas: famílias escravas e tráfico Atlântico. Rio de Janeiro, c 1790-c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.

GUDEMAN, Stephen e SHWARTZ, Stuart B. Purgando o pecado original: Compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII. In: Reis, João J. (org.). Escravidão e Invenção da Liberdade. São Paulo: Brasiliense, 1988, pp. 33 - 59.

LUNA, Francisco Vidal. Casamento de escravos em São Paulo: 1776, 1804, 1829, pp. 226-36. In: NADALIN, MARCÍLIO & BALHAMA. História e População: estudos sobre a América Latina, São Paulo: Abesp/ Iussp/ Celade, 1990, pp. 226-36.

MANOLO, Florentino & MACHADO, Cacilda. Ensaios Sobre a Escravidão. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

MOTTA, José Flávio. Corpos Escravos, Vontades Livres: posse de cativos e família escrava em Bananal (1801-1829). São Paulo: FAPESP: Annablume, 1999.

RIOS, A. M. L. Família e Transição (Famílias Negras em Paraíba do Sul, 1872-1920). Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF, 1990.

SHWARTZ, Stuart B. Escravos Roceiros e Rebeldes. Bauru/SP: Edusc, 2001.

__________________. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade Colonial-1550-1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

SLENES, W. Robert. Na Senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava no Brasil Sudeste século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

_________________. “Senhores e subalternos no Oeste Paulista”. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. (Org.). História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

TEIXEIRA, Heloísa Maria. Reprodução e famílias escravas em Mariana (1850-1888). Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 2001.

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