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Trombose venosa profunda em idade pediátrica estudo retrospetivo de 10 anos

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Trombose venosa profunda em idade pediátrica

– estudo retrospetivo de 10 anos

DEEP VEIN THROMBOSIS IN CHILDREN AND

ADOLESCENTS – TEN YEARS RETROSPECTIVE STUDY ABSTRACT

Introduction: The venous thromboembolism (VTE), an

emerging disease in pediatric age, comprises deep veins thrombosis (DVT) and Pulmonary Embolism. The goal of this case series is the evaluation of the most relevant features as well as the diagnosis, treatment and prevention of DVT in children.

Methods: Descriptive retrospective review of patients’

records admitted with diagnosis of TVP in the last decade in ULSAM’s Pediatric Department.

Results: The study population consisted of six patients, five

of whom were female. The median age was 17 years old. The edema was the most frequent symptom and the ileo-femoral venous segment the most affected (2/6). There were at least two concomitant acquired risk factors in three patients, the most common of which being combinated oral contraceptive. There were five patients without thrombophilia, but we are waiting the last patient results. The mean treatment duration was 9,8 months.

Discussion and Conclusion: TVP is a relatively rare event in

childhood, but, when present, causes significant morbidity and mortality. As reported in literature, the highest incidence of DVT was documented in adolescents with lower limb impairment. We found a conjunction of several risk factors that are likely to potentiate each other, leading to the occurrence of VTE. It is possible that the pediatrician is facing with a new, previously excluded, pathology of pediatric care. Besides, the incidence’s increase of this condition may suggest that the use of oral contraceptives by teenage females rises the thrombotic risk. It is important to create a national consensus on the approach and prevention of this illness in pediatric age.

Keywords: Venous thrombosis, Pulmonary Embolism, Deep

Venous Thrombosis, Adolescent, Oral Contraceptives, Pediatrics

RESUMO

Introdução e Objetivos: A trombose venosa profunda

(TVP) e o tromboembolismo pulmonar são os componentes do tromboembolismo venoso (TEV) que, embora infrequente, é uma entidade emergente na pediatria. Apresentamos uma casuística cujo objetivo é a avaliação dos aspetos mais relevantes da TVP em idade pediátrica e da sua abordagem terapêutica.

Metodologia: Revisão retrospetiva descritiva dos processos

dos doentes internados na última década com o diagnóstico de TVP no Serviço de Pediatria da ULSAM.

Resultados: Identificaram-se seis doentes, cinco deles do

sexo feminino. A mediana de idades foi 17 anos. O edema do membro afetado esteve sempre presente e o segmento veno-so mais atingido foi o ileofemoral (2/6). Houve concomitância de pelo menos dois fatores de risco adquiridos em três doen-tes, sendo o mais frequente o contracetivo oral combinado. Foi excluída trombofilia hereditária em cinco doentes mas ainda aguardamos o resultado do estudo de um doente. O tempo mé-dio de tratamento foi de 9,8 meses.

Discussão e Conclusão: A TVP na criança tem sido

reco-nhecida como uma patologia rara, mas importante causa de morbilidade. A maior incidência de TVP foi documentada na adolescência com compromisso do membro inferior, tal como referido na literatura. Verificamos uma conjugação de fatores de risco que, provavelmente, se potenciaram entre si levando à ocorrência do TEV e colocamos a possibilidade do Pediatra se estar a deparar com uma nova realidade anteriormente excluí-da do atendimento pediátrico. O aumento na incidência desta patologia levanta a questão do acréscimo de risco trombótico nos adolescentes do sexo feminino devido à utilização de con-tracetivos orais combinados. Salientamos a importância de um consenso nacional no diagnóstico, tratamento e prevenção des-ta entidade em Pediatria.

Palavras-chave trombose venosa; embolismo pulmonar;

trombose venosa profunda; adolescente; contraceptivos orais; pediatria

Nascer e Crescer 2016; 25(3): 147-53

Ana Isabel SequeiraI, Mariana BrancoI, Ariana TelesI, Mariana CostaI, Beatriz SousaI, Helena RamalhoI

__________

I S. de Pediatria do Hospital de Santa Luzia, Unidade Local de Saúde do

Alto Minho. 4901-858 Viana do Castelo, Portugal.

ana87sequeira@gmail.com; mariana.a.branco@hotmail.com; arianajbt@gmail.com; marianammcosta@hotmail.com; bmgsousa@gmail.com; ramalholena@hotmail.com

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do estudo referido continuar a ser efetuado após a admissão na maioria dos doentes, a pesquisa de trombofilia hereditária deverá ser repetida um mês após suspensão da terapêutica hi-pocoagulante.10,11

O objectivo deste estudo foi a avaliação dos aspetos mais relevantes da TVP em idade pediátrica e da sua abordagem te-rapêutica.

METODOLOGIA

Efetuou-se uma análise retrospetiva dos doentes internados no Serviço de Pediatria da Unidade Local de Saúde do Alto Mi-nho (ULSAM), com idades compreendidas entre um mês e 17 anos e 364 dias, com o diagnóstico de TVP nos últimos dez anos, entre 01 de janeiro de 2005 e 31 de dezembro de 2014.

A colheita de dados foi efetuada mediante consulta dos pro-cessos clínicos com o diagnóstico de TEV, TVP e TEP com base no sistema de classificação Grupo de Diagnóstico Homogéneo (GDH).

Foram analisadas as seguintes variáveis: idade, sexo, ano de internamento, proveniência, quadro clínico, fatores de risco, estudo de trombofilia hereditária, segmento venoso afetado, re-sultados de ECD, terapêutica e sua duração, evolução clínica e complicações.

Foi efetuada Ecografia-Doppler em todos os doentes. Foi realizada TC com contraste em dois doentes.

Do estudo analítico fizeram parte o pedido de hemograma completo, INR, fibrinogénio e tempo de protrombina, de trombi-na e de tromboplastitrombi-na parcial ativada.

Para estudo da trombofilia foi solicitado atividade e antigénio da antitrombina e da proteína C; antigénio livre, atividade e anti-génio total da proteína S; teste de resistência à proteína C ativada e pesquisa de mutação do fator V Leiden; pesquisa de mutação do gene G20210A da protrombina; homocisteinemia em jejum; lipoproteína (a); ácido fólico, vitaminas B12 e B6; anticoagulante lúpico, anticorpo anticardiolipina; anticorpo β2glicoproteína I e fator VIII. Em cinco dos seis doentes o estudo foi repetido um

INTRODUÇÃO

A trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP) são os componentes de uma entidade que se designa por tromboembolismo venoso (TEV).1 A incidência de TEV na idade pediátrica não é conhecida com exatidão. Os pri-meiros dados publicados em 1994, baseados no registo

Cana-dian Childhood Thrombophilia, referem uma incidência de 0,07

por 10.000 crianças com idades compreendidas entre um mês e os 18 anos.2 Na Europa estima-se uma incidência de 0,07 a 0,14 por 10.000 crianças, o que é bastante inferior à descrita no adulto (5,6 a 16 por 10.000).2,3 A taxa de mortalidade docu-mentada é de 2,2%.4 O TEV tem uma distribuição etária bimodal com um pico de incidência abaixo do ano de idade e outro na adolescência.5-7

A fisiopatologia subjacente é explicada pela tríade de Vir-chow que inclui a estase do sangue, a lesão endotelial e a hiper-coagulabilidade.4 Enquanto os dois primeiros componentes se relacionam com fatores adquiridos, o último apresenta principal-mente causas genéticas que originam mutações nos fatores de coagulação, denominadas trombofilias hereditárias (Tabela 1).3,8 Assim, a história pessoal ou familiar de TEV constitui por si só um fator de risco hereditário para esta entidade. 7,9

Deve suspeitar-se de TVP no doente com dor ou edema uni-lateral de um membro e alterações da coloração cutânea, entre outros sinais.4 O diagnóstico é habitualmente clínico. O exame complementar de diagnóstico (ECD) mais utilizado é a Ecogra-fia-Doppler por ser económica, inócua e sensível na deteção de TVP dos membros inferiores, embora a sua sensibilidade para deteção nos membros superiores seja reduzida. A Tomografia Axial Computorizada (TC) e a Ressonância Magnética são re-servadas para os casos de TVP das veias cava superior e infe-rior, subclávia, pélvica e intratorácica, ou quando o resultado da Ecografia-Doppler é duvidoso.2,6 Diversos estudos demonstra-ram uma elevada taxa de falsos negativos e falsos positivos no estudo da trombofilia hereditária realizado na fase aguda da TVP ou durante a terapêutica anticoagulante. Deste modo e apesar

Tabela 1 – Fatores de risco de TEV na criança (adaptado de referência bibliográfica número 9)

Adquiridos Hereditários

Cateter venoso central Sépsis ou choque tóxico Cirurgia, trauma Imobilização prolongada Gravidez e puerpério

Contracetivos orais e terapêutica hormonal Síndrome dos anticorpos anti-fosfolipidos* Hiperviscosidade

Doenças mieloproliferativas Síndrome nefrótico

Doença do tecido conjuntivo Hemoglobinúria paroxística noturna

Deficiência de antitrombina Deficiência de proteína C Deficiência de proteína S

Fator V de Leiden e Resistência à proteína C ativada Mutação G20210A da protrombina

Disfibrinogenemia Hiper-homocisteinemia*

Elevação dos níveis de fator VIII da coagulação*

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mês após suspensão da terapêutica anticoagulante. Um doente mantém até à data o tratamento anticoagulante.

RESULTADOS

No período de tempo estudado, foram admitidos seis doen-tes com o diagnóstico de TVP. A idade esteve compreendida entre os 7 e os 17 anos (mediana de idades: 17 anos). O género mais frequente foi o sexo feminino (cinco doentes). Cinco doen-tes vieram do exterior sem referenciação e um deles veio trans-ferido duma Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP) já com o diagnóstico de TVP (Tabela 2).

A manifestação clínica comum a todos os doentes foi o ede-ma do membro afetado, sendo que a dor surgiu em cinco dos casos e a alteração da coloração cutânea em três doentes. Em nenhum caso ocorreu limitação funcional ou circulação colateral visível.

O local anatómico afetado foi o membro inferior em cinco dos doentes, em quatro deles à esquerda. Em apenas um caso se deu TVP no membro superior, à direita. As veias afetadas foram a ilíaca primitiva e externa esquerdas, ileofemoral direita, ileofemoral esquerda, femoral comum e superficial esquerdas, femuropopliteia esquerda e subclávioaxilar direita (Tabela 2).

Tabela 2 – Crianças internadas no Serviço de Pediatria da ULSAM, com o diagnóstico de TVP no período entre 01 de janeiro

de 2005 e 31 de dezembro de 2014

Variável/Caso Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4 Caso 5 Caso 6

Referenciação CHSJ (UCIP) Exterior Exterior Exterior Exterior Exterior

Ano de internamento 2008 2011 2013 2014 2014 2014

Idade 7 Anos 17 Anos 17 Anos 17 Anos 16 Anos 14 Anos

Sexo F M F F F F FR adquiridos Choque séptico CVC femoral direito Imobilização prolon-gada Conglomerado ade-nopático que exercia efeito compressivo acima da bifurcação das veias ilíacas. Foi estudado no IPO - ca-racterísticas reativas; excluída neoplasia

COC desde 3 meses antes (etinilestradiol e gestodeno)

Imobilização diária Duplicidade das veias subclávia e axilar direitas

COC desde 2 anos antes (etinilestradiol e acetato de cipro-terona)

COC desde 6 meses antes (etinilestradiol e gestodeno)

Abcesso pélvico que exercia efeito compressivo Agenesia do segmen-to infrarrenal da VCI COC desde 3 semanas antes (etinilestradiol e gestodeno)

História familiar/

pessoal de TEV Ausente Ausente

Avô materno: falecido aos 54 anos, por TEV Tia materna: diagnós-tico de tromboflebite aos 41 anos

Ausente Ausente Mãe: insuficiência venosa

Estudo de

trom-bofilia Sem alteração Sem alteração Sem alteração Sem alteração Sem alteração Sem alterações na fase aguda

Segmento corporal

afetado MID (ileofemoral)

MIE (veias iliaca pri-mitiva e iliaca externa esquerdas)

MIE (ileofemoral) MSD (subclavioaxilar) MIE (femuropoplitea) MIE (femoral comum e superficial)

Manifestações

clinicas Edema Dor e edema Dor, edema e altera-ção da coloração

Dor, edema e

altera-ção da coloraaltera-ção Dor e edema

Dor, edema e altera-ção da coloraaltera-ção Terapêutica no internamento HNF 13 dias, poste-riormente substituída por enoxaparina e varfarina Enoxaparina e aceno-cumarol Enoxaparina e varfarina Enoxaparina e varfarina Enoxaparina e varfarina Enoxaparina e varfarina Evolução e tempo

de internamento Favorável. 26 dias Favorável. 10 dias Favorável. 11 dias Favorável. 2 dias

D2 de internamento: TEP (Angio TC). 13

dias Favorável. 7 dias

Terapêutica no

ambulatório Varfarina (6 meses) Acenocumarol (12 meses) Varfarina (6 meses) Varfarina (9 meses) Varfarina (12 meses) Varfarina (mantém)

Complicação Ausente Ausente Ausente Ausente

TEP (no internamen-to), sem complicações no ambulatório Ausente

Legenda: CHSJ: Centro Hospitalar de São João; COC: contracetivo oral combinado; CVC: Cateter venoso central; D2 de internamento: 2º dia de internamento; F: sexo feminino; FR: fatores de risco; HNF: heparina não fracionada; IPO: Instituto Português de Oncologia; M – sexo masculino; MID: membro inferior direito; MIE: membro inferior esquerdo; MSD: membro superior direito; TEP: Tromboembolismo pulmonar; TEV: Tromboembolismo venoso; UCIP: Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos; VCI: Veia Cava Inferior.

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Três dos quatro doentes com TVP no segmento venoso proxi-mal do membro inferior esquerdo fizeram TC abdominopélvica com contraste que permitiu excluir Síndrome de May-Thurner. Num desses doentes foi diagnosticado agenesia do segmento infrarrenal da veia cava inferior.

Foram identificados como fatores de risco: utilização de contracetivo oral combinado (COC) nas quatro adolescentes (três delas há menos de um ano e duas há menos de três me-ses), imobilização do membro superior e malformação do siste-ma venoso subclávioaxilar num doente (Fig. 1), compressão ex-terna do segmento venoso e, ainda, utilização de cateter venoso central (CVC) associada a sépsis e imobilização prolongada noutro doente. Foi identificada a concomitância de pelo menos dois fatores de risco adquiridos em três dos seis doentes. Em nenhum dos doentes houve antecedentes de TEV, mas houve antecedentes familiares em dois casos.

Figura 1 – Trombose venosa profunda desde a porção

proximal da veia subclávia até à porção distal da veia axilar. Seta: segmento venoso trombosado

O estudo analítico inicial e após suspensão da terapêutica anticoagulante não revelou alterações em cinco dos doentes, nomeadamente no estudo da trombofilia hereditária. Aguarda-mos que a anticoagulação seja suspensa na doente com age-nesia do segmento infrarrenal da veia cava inferior para que o estudo de trombofilia hereditária possa ser conclusivo.

O diagnóstico foi confirmado através da Ecografia-Doppler nos seis doentes.

Foi diagnosticado TEP num doente no segundo dia de inter-namento. As queixas de dor torácica pleurítica esquerda, disp-neia e a presença de crepitações audíveis na base do hemitórax esquerdo levantaram a suspeita. O diagnóstico de TEP segmen-tar foi confirmado por Angiografia por TC (Angio-TC) e teve uma evolução favorável (Fig.2).

Figura 2 – Tromboembolismo pulmonar segmentar direito.

Seta: área em isquemia

O tempo médio de internamento foi de 11,5 dias.

A anticoagulação foi controlada com o apoio do serviço de Imunohemoterapia de acordo com os protocolos em vigor e com base no INR. A enoxaparina foi a opção de tratamento em todos os casos, associada à varfarina em cinco e ao acenocu-marol num caso. Um dos doentes efetuou heparina não fracio-nada (HNF) na fase inicial de tratamento.

O tratamento anticoagulante com varfarina foi mantido du-rante um período de seis meses em dois doentes (um deles, o caso associado a CVC), nove meses na adolescente com TVP do membro superior, 12 meses em dois doentes e ainda se mantém no caso 6. A hipocoagulação com acenocumarol foi efetuada durante 12 meses no doente com conglomerado adenopático que exercia efeito compressivo. O tempo médio de tratamento foi de 9,8 meses (mediana 11 meses).

Relativamente às medidas terapêuticas associadas, foi pro-movida a mobilização do membro afetado e utilização de meia de contenção elástica precoces, bem como a deambulação logo que a clínica o permitia. Os COC foram suspensos no in-ternamento.

Na data da alta foi dada indicação, em todos os doentes, de profilaxia em situações de risco nomeadamente gravidez, imobilização prolongada, cirurgia e viagens de longo curso. Na mesma altura, todos foram orientados para consultas de pedia-tria, imunohemoterapia e cirurgia vascular e, especificamente nas adolescentes, foi pedida consulta de planeamento familiar.

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DISCUSSÃO

O TEV tem dois períodos etários de maior incidência, um abaixo do ano de idade e outro na adolescência.5-7 Neste estu-do verificamos que a mediana de idades foi 17 anos, tal como referido na literatura.

O TEV tem aumentado nos últimos anos não só devido aos avanços nos cuidados pediátricos, como também à maior so-brevida de crianças com doenças protrombóticas.1-3 Por outro lado, devido ao alargamento da idade de atendimento pediátrico até aos 17 anos e 364 dias, é possível que o médico Pediatra se esteja a deparar com uma nova realidade, anteriormente excluí-da do atendimento pediátrico.

Existe clara evidência de que o TEV, mais do que resultar de uma causa definida, é o resultado de uma complexa interação entre fatores de risco hereditários e adquiridos.3,8 Neste estudo verificamos a existência de pelo menos dois fatores de risco ad-quiridos em três dos seis doentes, o que pode sugerir que vários fatores ambientais simultâneos resultam num risco efetivo de fenómenos tromboembólicos superior à soma das contribuições individuais (Tabela 2).

Enquanto cerca de 40% dos casos de TEV no adulto são idiopáticos, na criança 95% são secundários.5,6 Nas idades mais precoces existe uma associação com a utilização de CVC e com os avanços nas medidas de suporte e terapêutica de patologias graves (neoplasias, cardiopatias congénitas, sépsis, prematuri-dade, entre outras) e, no outro extremo, nos adolescentes do sexo feminino com a utilização de COC, a gravidez e o puerpé-rio (Tabela 1).2,6 Nesta casuística identificamos como fatores de risco adquiridos a sépsis, utilização de CVC, imobilização pro-longada, compressão externa das veias e uso de COC, tal como demonstra a literatura (Tabela 2).

A presença de CVC está implicada em mais de 80% dos casos de TVP nos recém-nascidos e em mais de 50% nas crian-ças.2 No entanto, uma vez que esta análise se refere a doentes internados no Serviço de Pediatria, onde a colocação de CVC não é um procedimento habitual, justifica que este fator tenha sido detetado de forma isolada numa doente transferida de uma UCIP. Este fato impossibilita qualquer conclusão acerca da in-cidência deste fator de risco na amostra estudada. Esta doen-te com TVP íleo-femoral direita, em que foi colocado um CVC femoral ipsilateral, apoia a importância do CVC como fator de risco adquirido para TEV para além do contributo da sépsis e da consequente imobilização prolongada.

Dois doentes (caso 2 e 6) apresentaram como fator de risco adquirido para TEV a compressão externa do segmento venoso que, no nosso entender, terá provocado estase sanguínea, um dos componentes da tríade de Virchow. Além disso, no caso 6 esse fator de risco associa-se à utilização de COC.

Os contracetivos orais, principalmente os combinados, que contêm estrogénios e progestagénios, estão associados a um aumento de dois a seis vezes do risco de TVP. O aumento do risco de TEV nas utilizadoras de COC é mais elevado no pri-meiro ano de utilização e há estudos que referem que o risco associado a COC com progestagénio de terceira geração (ges-todeno, acetato de ciproterona, entre outros) tem um máximo

de incidência ao fim de três meses de utilização, mantendo-se constante posteriormente.12-14 Os COC com progestagénio de terceira geração estavam presentes nas quatro adolescentes, em duas delas como único fator de risco adquirido. Além disso, duas tinham-no iniciado até três meses antes e três há menos de um ano, o que está de acordo com o especial aumento de risco de TVP neste período.

O aumento na incidência desta patologia levanta a questão do acréscimo de risco trombótico nas adolescentes do sexo feminino, devido à utilização de COC, o que poderá, eventual-mente, ser um fator concorrente para o nascimento desta nova entidade em todos os serviços de Pediatria nacionais. Nesse sentido, será aconselhável utilizar de forma criteriosa estes fár-macos, sendo essencial pesquisar a história familiar de TEV.

A prevalência de alteração hereditária de coagulação em crianças que sofreram TEV varia de 10 a 59%, sendo a mutação do fator V de Leiden a trombofilia hereditária mais frequente.4,8 Nos doentes testados (5/6) não verificamos trombofilia heredi-tária, talvez devido ao limitado número de casos deste estudo. Devido à manutenção do tratamento anticoagulante num doen-te, neste não foi possível efetuar o despiste de trombofilia he-reditária.

Em nenhum dos doentes houve antecedentes de TEV, mas houve antecedentes familiares em dois casos, o que, associado aos fatores de risco adquiridos, pode também ter contribuído para o fenómeno de TEV.

A TVP pode ocorrer em qualquer segmento venoso, mas o mais frequentemente atingido é o dos membros inferiores, no-meadamente as veias ilíaca, femoral e/ou poplítea. Quando rela-cionado com a colocação preferencial de CVC, passa a ser atin-gido com maior frequência o sistema venoso superior.2,4-6 Neste estudo, o local anatómico mais afetado foi o membro inferior em cinco dos doentes, sendo que nestes as veias envolvidas foram as ilíacas (primitiva e externa), femorais (comum e superficial) e poplítea, predominantemente à esquerda; o que está de acordo com os relatos de estudos anteriores. Três dos quatro doentes com TVP no segmento venoso proximal do membro inferior es-querdo fizeram TC abdominopélvica com contraste que permitiu excluir Síndrome de May-Thurner. O caso 3 não realizou este ECD, pelo que ficaremos sem saber se houve subdiagnóstico deste Síndrome.

O único caso de TVP no membro superior ocorreu no seg-mento venoso subclávioaxilar de uma adolescente com duplici-dade das veias subclávia e axilar, várias horas diárias de imobi-lização do braço por treino musical com violino e utiimobi-lização de COC. Apesar de controverso e pouco claro, os autores levantam a hipótese de que a atuação sinérgica destes três fatores possa ter contribuído para este evento nesta localização pouco habitual. O diagnóstico foi confirmado através da Ecografia-Doppler em todos os doentes, tal como recomendado na literatura.

No tratamento da TVP, os objetivos são o alívio sintomático, a prevenção da recorrência e da extensão ou embolização do trombo. Este deve ser iniciado logo após o diagnóstico desde que o doente não tenha contraindicações para o uso de anti-coagulantes.

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A heparina de baixo peso molecular (HBPM), pela sua maior biodisponibilidade, estabilidade sanguínea, utilização subcu-tânea, ausência de necessidade de monitorização laboratorial, aliado aos seus bons resultados, substituiu a HNF no tratamen-to da TEV na criança, excetratamen-to nos casos de insuficiência renal grave.5,9,15 A mais utilizada e sobre a qual há mais estudos é a enoxaparina, na dose de 1 mg/Kg, via subcutânea, de 12 em 12 horas, durante cinco a dez dias, podendo esta dose ser ajustada para obtenção de níveis de anti-fator Xa entre 0,5 a 1 unidade/ mL. Juntamente com a HBPM é iniciado o anticoagulante oral, usualmente um antagonista da vitamina K (varfarina), sendo a dose atualmente preconizada de 5 mg/dia (toma única diária), com controlo diário de índice internacional normalizado (INR) nos primeiros dias de tratamento e ajuste posterior da dose.9-16

O tratamento simultâneo de HBPM e anticoagulante oral deve permanecer por, pelo menos, quatro a cinco dias, altura em que a heparinização é suspensa, desde que se tenha atingi-do níveis de INR de 2.0 por 2 dias consecutivos. O tratamento foi efetuado com HBPM (enoxaparina) nos seis doentes deste estudo, constatando-se a sua preferência atual para tratamento desta entidade. Um dos doentes, admitido em 2008, transferi-do de uma UCIP, iniciou tratamento com HNF, tentransferi-do esta sitransferi-do substituída no nosso hospital por enoxaparina.

Existem poucos estudos acerca do tratamento de TVP nas crianças, sendo que a maioria do conhecimento é extrapolado do de adultos. A duração do tratamento anticoagulante é va-riável, dependendo de diversos fatores (Tabela 3).9 Os estudos sobre a indicação de profilaxia para TVP na Pediatria são muito escassos, não existindo consenso sobre esta matéria exceto em situações pontuais de elevado risco. Neste estudo, o tempo mé-dio de tratamento foi de 9,8 meses, o que está de acordo com os dados na literatura. Nos casos 1 e 3 o tratamento manteve-se durante 6 meses, uma vez que foram episódios únicos ocorridos em doentes com fatores de risco adquiridos. Nos casos 2 e 4, o tratamento anticoagulante foi mantido por 12 e por 9 meses, respetivamente, por decisão em consulta de Cirurgia Vascular. No caso 5 esse tratamento fez-se por 12 meses dada a compli-cação de TEP ocorrida no internamento e no caso 6 o

tratamen-to mantém-se após os 12 meses por não haver indicação para tratamento cirúrgico.

Todos os doentes foram tratados com as medidas gerais preconizadas: utilização precoce de meia de contenção elástica até dois anos após o episódio tromboembólico bem como a mo-bilização do (s) membro (s) afetado (s) logo de inicio no sentido de melhorar o fluxo venoso e, ainda, a deambulação logo que os sintomas o permitam.9

O TEP surge como complicação em cerca de 10,2% das TVP, podendo ser assintomático e, consequentemente, sub-diagnosticado.4,17 Foi efetuado o diagnóstico de TEP sintomá-tico numa doente que apresentava TVP femuropoplítea e como fator de risco adquirido a utilização de COC. Devido à reduzida amostra deste estudo, não podemos tirar conclusões acerca da incidência desta complicação.

CONCLUSÃO

Na última década, a TVP na criança começou a ser reco-nhecida como uma patologia rara, porém causa de morbilidade significativa. Neste estudo, a maior incidência de TVP foi docu-mentada na adolescência com compromisso do membro infe-rior, tal como referido na literatura.

A caraterização dos fatores de risco para o TEV represen-ta uma erepresen-tapa fundamenrepresen-tal para a compreensão da patogénese desta entidade. Nesta série de casos, verificámos em três deles, uma conjugação de vários fatores de risco que provavelmente se potenciaram entre si, levando à ocorrência do fenómeno de TEV. Por outro lado, o grupo etário observado levanta a possibi-lidade do médico Pediatra se estar a deparar-se com uma nova realidade anteriormente excluída do atendimento pediátrico. Os COC foram o fator de risco mais frequente (4/6) e o aumento na incidência desta patologia levanta a questão do acréscimo de risco trombótico nos adolescentes do sexo feminino devido à sua utilização. No entanto, dado o pequeno número de doentes que torna esta casuística limitada, não é possível extrair conclu-sões significativas do ponto de vista epidemiológico.

Apesar de muito menos frequente na faixa etária pediátrica, a incidência e consequências da TVP devem ser analisadas de

Tabela 3 – Duração da anticoagulação oral em doentes com TEV (adaptado de referência bibliográfica número 9)

Episódio de TEV Fator de risco adquirido Trombofilia Duração (meses)

Único Sim Não 3 - 6

Único Não Não 6

Único Sim Sim 6

Único Não Sim 12

Único Indiferente Combinação Indeterminado

Único Indiferente Homozigótico Indeterminado

Recorrente Indiferente Não 12 a Indeterminado

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modo mais abrangente pelo médico Pediatra, a fim de se for-mular um consenso a respeito da necessidade de avaliar o seu risco real, incidência, abordagem e ajuste de comportamentos preventivos desta entidade.

Salientamos ainda a importância de um consenso nacional no diagnóstico, tratamento e prevenção desta entidade em Pe-diatria.

AGRADECIMENTOS E ESCLARECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer toda a informação for-necida pelo Dr. Carlos Calaza, bem como o seguimento destes doentes.

Os autores gostariam de agradecer todos os esclarecimen-tos fornecidos pelo Dr. João Baptista Neto.

EM DESTAQUE

A maior incidência de TVP foi documentada na adolescência com compromisso do membro inferior.

Colocamos a possibilidade do Pediatra se estar a deparar com uma nova realidade anteriormente excluída do atendimento pediátrico.

O aumento na incidência desta patologia levanta a questão do acréscimo de risco trombótico nas adolescentes do sexo fe-minino devido à utilização de COC.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Ana Isabel Sequeira Serviço de Pediatria

Unidade Local de Saúde do Alto Minho Estrada da Santa Luzia,

4901-858 Viana do Castelo Email: ana87sequeira@gmail.com

Referências

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