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Ritual e festa: nordestinos em cena 1 Renata ECHEVERRIA 2 Universidade Federal de Pernambuco, PE

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Ritual e festa: nordestinos em cena1 Renata ECHEVERRIA2

Universidade Federal de Pernambuco, PE

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar como são construídas as representações sociais do Nordeste no Jornal Nacional da Rede Globo. Partiremos das análises das reportagens produzidas e exibidas no telejornal em 2015, mais especificamente nos meses de janeiro, fevereiro e março, para investigar a ideia de “Nordeste” como espaço de rituais, festas e celebrações. Nos apoiaremos nas teorias do Jornalismo e das Representações Sociais, assim como em teses defendidas por historiadores e antropólogos de que os rituais e as festas de um povo são signos de sua identidade e nacionalidade. Buscamos entender como é construída a imagem do Nordeste que “passa na TV”.

PALAVRAS-CHAVE: Jornal Nacional; telejornalismo; televisão; Representações Sociais.

O Nordeste foi construído como o espaço da saudade, do passado, diz o historiador Albuquerque Júnior (2007). Por gente pobre que foi obrigada a deixar o seu local de nascimento, suas terras, para migrar em direção ao Sul, em busca de emprego e melhores condições de vida. Desses retirantes surge Luiz Gonzaga, criador da música nordestina: “A música de Gonzaga é dirigida, sobretudo, ao migrante nordestino radicado no Sul do País e ao público das capitais nordestinas que podia consumir discos” (ALBUQUERQUE JR., 2011, p. 175). A ideia deste artigo partiu das análises das reportagens exibidas no ano de 2015, no Jornal Nacional da Rede Globo, para a pesquisa de tese que será defendida por esta pesquisadora em 2017, intitulada: “As Representações Sociais do Nordeste no Jornal Nacional”.

Partiremos das análises das notícias exibidas, fazendo um recorte dos dados levantados sobre os “rituais e festas” que têm origens no Nordeste e que tanto rendem

1 Trabalho apresentado no DT 1 – Jornalismo do XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 07 a 09 de julho de 2016.

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pautas para o telejornal. Apoiados nas teorias do Jornalismo e das Representações Sociais, além das teses defendidas por historiadores e antropólogos de que os rituais e as festas de um povo são signos de sua identidade e nacionalidade, tentaremos construir uma ideia de “Nordeste” que “passa na TV”. Investigaremos a imagem que o Jornal Nacional, noticiário televisivo, exibido em cadeia nacional, de segunda a sábado, às 20:30h da noite, com aproximadamente 45 minutos de duração, representa da região.

O Jornal Nacional, mesmo com a queda de audiência nas últimas décadas, continua sendo líder entre todos os telejornais exibidos em cadeia nacional do país. O relatório final da Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 – PBM, realizado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República - Secom, feito pelo IBOPE, sobre os hábitos de consumo de mídia pela população brasileira, aponta que a TV aberta está em 91% dos domicílios brasileiros e que de acordo com os entrevistados, há uma forte prevalência na preferência por programas de cunho jornalístico ou de notícias, com 80% das citações, seguidos por telenovelas e entretenimento, com 48%.

Segundo a pesquisa do IBOPE, os telejornais exibidos nacionalmente, mais citados pelos entrevistados, por ordem de preferência foram: “Jornal Nacional” da Rede Globo; “Jornal da Record” da Rede Record; “Jornal Hoje” da Globo, “Jornal da Band” da Rede Bandeirantes; “Jornal da Globo” e “Bom Dia Brasil”, ambos da Rede Globo; “SBT Brasil” do SBT e “Fala Brasil” da Rede Record. A coleta de dados da Pesquisa Brasileira de Mídia ocorreu entre os dias 12 de outubro e 06 de novembro de 2013, por meio de entrevistas pessoais, face-a-face, com pessoas de 16 anos ou mais de idade, de todas as classes econômicas (ABCDE), residentes nas 27 unidades da Federação (interior e capital), numa amostra nacional de 18.312 entrevistas.

Por isso, pela forte presença do Jornal Nacional no cotidiano das pessoas, para nós, entender como o telejornal constrói uma representação da Região Nordeste é pensar como o Jornal Nacional influência a construção de um discurso de “nordestinidade”. Sobre isso, questiona Albuquerque Júnior no livro “A feira dos mitos: a fabricação do folclore e da cultura popular” (2013): por que sempre que é necessário falar sobre o Nordeste, produzir uma imagem que remeta à ideia de nordestinidade, vai se lançar mão de certas manifestações culturais ditas populares e de formas de expressão tidas como folclóricas, como tradicionais?

Esperamos que nesta feira de mitos o discurso do historiador, ao contrário do discurso televisivo, sirva para embaralhar as certezas, pôr

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em dúvida as verdades, suspender as conclusões e reconhecimentos fáceis e imediatos. Esperamos que, ao invés de encontrar aqui o que lhe é familiar, rotineiro, repetitivo, indiscutível, possa sair desta feira com o balaio cheio de dúvidas, incertezas, incômodos e surpresas (ALBUQUERQUE JR., 2013, p.36-37).

Instigados pelas provocações do historiador resolvemos investigar nas narrativas jornalística, quais as representações sociais dos rituais e festas exibidos no Jornal Nacional durante o ano de 2015. Mas, antes de entrarmos nas análises das reportagens exibidas, consideramos oportuno abordarmos alguns conceitos como tradição, festas, rituais, mitos, costumes e espaços de invenções, determinantes na construção da identidade e pertencimento de uma sociedade.

Para Del Priore (1994), a festa é também válvula de escape e ainda repositório de costumes e tradições, pois permite que culturas específicas como a negra, a índia ou a ocidental se fecundem mutuamente, fazendo circular de uma para a outra novos símbolos e produtos culturais. Sobre as festas em homenagem a São João, no período colonial brasileiro, a historiadora detalha hábitos e costumes como a tradição do mastro e hasteamento da bandeira de São João, erguido diante da igreja com música, cantos e foguetes:

[...] plantava-se uma árvore à qual penduravam-se frutos, flores e enfeites ao som de cantos. Os frutos da terra, sobretudo o milho, a ela amarrados, devia estar os mais expostos possíveis representando a passagem da vegetação que morre para aquela que desabrocha (DEL PRIORI, 1994, p. 34).

As festas e as procissões ao estilo do Brasil, diz Perez (2002), revelam uma sociedade que, desde o seu começo, vive do espetáculo, das mudanças e da mistura de vários códigos e registros, que ri de si mesma, que poetiza as relações dos homens consigo mesmos e com os mundos nos quais vive, ou seja, o profano e o sagrado. A festa de quarta-feira de cinzas, relata, aponta em plena época imperial para o espetáculo. A procissão no Brasil, ainda hoje, também se transformava em uma cena espetacular. O megaevento que o Brasil oferece ao mundo durante o Carnaval é um grande espetáculo.

Uma religiosidade dionisíaca e carnavalesca, vivida mais teatralmente, pública e coletivamente, do que na solidão e intimidade. [...] Não diz o dito popular que todo brasileiro acende, simultaneamente, uma vela para Deus e outra para o diabo? (PEREZ, 2002, p. 46).

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Como diz Maffesoli (1987), festas populares, Carnaval e outros momentos de efervescência são espaços de invenção, seu caráter de espetáculo assegurando “uma função de comunhão” (1987, p. 109). Para Peirano (2003), o ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Sendo assim, as suas representações podem ser relevantes para a investigação de como eles podem ajudar na construção da imagem e identidade da região. Segundo a antropóloga, a ação ritual pode ser vista como “performativa” em três sentidos: 1) no sentido pelo qual dizer é também fazer alguma coisa como um ato convencional; 2) no sentido pelo qual os participantes experimentam intensamente uma performance que utiliza vários meios de comunicação (um exemplo seria o nosso carnaval) e 3), no sentido de valores que vão sendo inferidos e criados pelos atores durante a performance, por exemplo, quando identificamos como “Brasil” o time de futebol campeão do mundo.

Peirano (2003) afirma que tudo aquilo que fazemos tem um elemento comunicativo, pois da mesma forma, falar também é uma forma de agir, pois ambas são ações sociais.

Consideramos o ritual um fenômeno especial da sociedade, que nos aponta e revela representações e valores de uma sociedade, mas o ritual expande, ilumina e ressalta o que já é comum a um determinado grupo. [...] Rituais são bons para transmitir valores e conhecimentos e também próprios para resolver conflitos e reproduzir as relações sociais (PEIRANO, 2003, p. 10).

Ao traçar um diálogo possível com as ideias do antropólogo Roberto DaMatta (1997), quando diz que os rituais são mecanismos fundamentais utilizados para dramatizar o mundo, e a mídia televisiva, buscamos investigar expressões que marcam a construção de um imaginário do ser nordestino.

[...] os rituais servem, sobretudo na sociedade complexa, para promover a identidade social e construir seu caráter. É como se o domínio do ritual fosse uma região privilegiada para se penetrar no coração cultural de uma sociedade, na sua ideologia dominante e no seu sistema de valores (DAMATTA, 1997, p. 29).

O ritual permite tomar consciência de certas cristalizações sociais mais profundas que a sociedade deseja colocar como parte dos seus ideais “eternos”, sendo assim, o ritual surge como um espaço para se penetrar na ideologia e valores de uma determinada formação social. E as tradições, muitas vezes “inventadas”, como afirma Hobsbawm (1997), são um conjunto de práticas, muitas vezes reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas, práticas de natureza ritual ou simbólica que visam imprimir certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente;

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uma continuidade em relação ao passado. Conceito que inclui tanto as “tradições” realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto aquelas que surgem de uma forma mais difícil de localizar, num pequeno período de tempo, mas que se estabelecem com grande rapidez.

Para classificar as ‘tradições inventadas”, Hobsbawm (1997, p.17) as divide em três categorias: a) aquelas que estabelecem ou simbolizam a coesão social ou as condições de admissão de um grupo ou de uma comunidade reais ou artificiais; b) as que estabelecem ou legitimam instituições, status ou relações de autoridade, e c) aquelas que o propósito principal é a socialização, a inculcação de ideias, sistema de valores e padrões de comportamento. Berger e Luckmann (2009, p.35), afirmam: “A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles, na medida em que forma um mundo coerente”. A formação desse mundo coerente, de que falam Berger e Luckmann (2009), nos remete, de alguma forma ao poder da mídia, de criar novas formas de realidade, ou melhor, novos modos de interpretar o mundo. Para Darcy Ribeiro (2006, p.19), “As novas formas de comunicação de massa estão funcionando ativamente como difusoras e uniformizadoras de formas e estilos culturais”.

Festas e celebrações

As canções de Luiz Gonzaga são tocadas ainda hoje nas festas juninas da Região Nordeste. Reconhecimento por um lado fruto de um código de gosto que valoriza as músicas dançantes, de natureza lúdica, e por outro, porque atendia ao consumo crescente de signos nordestinos e regionais como signos da nacionalidade: “Sua música quer tornar o Nordeste conhecido em todo o país, chamando atenção para seus problemas, despertando o interesse por suas tradições e cantando suas coisas positivas” (ALBUQUERQUE JR., 2011, p. 178). Apostamos que muito da ideia de Nordeste passa, ou transpassa, pelos seus personagens, gestos e roupas características dessas cerimônias e festas, tanto profanas quanto religiosas.

Para Giddens (2002, p. 32), os meios de comunicação não espelham realidades, mas em parte as formam. Na modernidade, diz o autor, o “efeito colagem”, cria uma espécie de justaposição de histórias que nada têm em comum, exceto serem oportunos e terem consequências. O script de um telejornal, nos arriscamos afirmar, é uma espécie do

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“efeito colagem”, de que fala Giddens. Para ele uma colagem não é por definição uma narrativa:

Antes, as “histórias” separadas que são exibidas lado a lado expressam ordenamentos típicos de consequencialidade de um ambiente espaço-temporal transformado, do qual a predominância do lugar praticamente evaporou. Não se somam numa única narrativa mas dependem de unidades de pensamento e de consciência, as quais de certa forma elas também expressam (GIDDENS, 2002, p. 31).

Diante de instigantes conceitos e provocações dos diversos pensadores citados aqui, tentaremos traçar uma relação com as reportagens no telejornal, na tentativa de investigar como se constroem as representações sociais das “tradições nordestinas”, mostradas no Jornal Nacional, para desvendar outras “realidades” sobre a representação do Nordeste brasileiro. Diz Giddens (2002, p. 31), que a sensação de que a familiaridade gerada pela experiência transmitida pela mídia poderia, com frequência, produzir sensações de “inversão da realidade”, pois, o objeto ou evento real, quando encontrado, parece ter uma existência menos concreta que sua representação na mídia.

Nordestinos em cena

Para analisarmos as reportagens exibidas no Jornal Nacional, utilizaremos as categorias criadas na dissertação desta pesquisadora, sobre “As Representações Sociais de Pernambuco no Jornal Nacional”, defendida em 2012, no PPGCOM/UFPE e ampliada para a investigação de tese sobre a representação do Nordeste no mesmo telejornal. Para a pesquisa de mestrado foram criadas seis categorias para classificar as aparições de Pernambuco no Jornal Nacional: Factual, Pernambuco como Modelo, Celebridades, Manifestações Culturais, Desastres e Serviço Público. Neste artigo, por falta de espaço, vamos analisar as reportagens sobre os rituais e as festas do Nordeste exibidas nos meses de janeiro, fevereiro e março.

De acordo com os dados levantados, os rituais e festas dos estados do Nordeste brasileiro, que categorizamos como “Manifestações Culturais” foram assuntos recorrentes das pautas do Jornal Nacional durante todo o ano de 2015. Em janeiro, das 23 reportagens exibidas sobre o Nordeste, duas tiveram como tema a categoria aqui proposta. A matéria sobre as festas da “virada do ano”, nas capitais brasileiras, incluindo as cidades de Salvador, Recife, São Luís, Maceió, Aracaju e Fortaleza, com tempo total de 5 minutos e 36 segundos

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e a reportagem sobre o “Dia de Reis” no estado do Ceará, com tempo de 1 minuto e 33 segundos.

No mês de fevereiro foram exibidas 26 reportagens sobre o Nordeste. O Carnaval de Pernambuco e o da Bahia somaram 13 edições. A festa também foi tema de Notas Cobertas (texto lido pelos apresentadores coberto com imagens) nos estados de São Luís do Maranhão, Ceará, Sergipe, Rio Grande do Norte e Paraíba. De Pernambuco foram exibidas sete reportagens e uma Nota Coberta; da Bahia, cinco matérias. A cobertura nos dois estados mostrou praticamente o mesmo formato ou uma mesma fórmula de edição: “ao vivo” mais reportagem. Os outros estados do Nordeste apareceram em edições com duração menor e com a notícia dada no formato de Nota Coberta. Em março foram 25 reportagens que retrataram diversos problemas nos estados da região Nordeste, mas nenhuma na categoria “Manifestação Cultural”.

Manifestação Cultural

Com base na teoria das representações sociais, mais especificamente nos conceitos de ancoragem e objetivação, defendidos por Moscovici (2009) e outros autores, tentamos responder como são construídas as representações sociais do Nordestes no Jornal Nacional. A categoria “Manifestação Cultural” foi criada para classificar, entre as reportagens exibidas, a forte presença dos temas relacionados às manifestações culturais realizadas na Região Nordeste. A categoria proposta para analisar os rituais e as festas da Região Nordeste, trabalha o conceito de Cultura, no sentido antropológico, de tudo aquilo que é construído por um povo, desde artefatos, objetos, ideias e crenças. Além disso, podemos incluir também todo comportamento apreendido pelos indivíduos, a forma pela qual o homem vive e modifica o mundo em seu entorno, criando e recriando formas de viver e conviver com os seus semelhantes.

Nesta análise, das 74 reportagens produzidas sobre os rituais e festas do Nordeste, nos meses de janeiro a março de 2015, a categoria “Manifestação Cultural”, contabilizou 15 matérias, um total percentual de 20%. Confirmando a forte tendência de interesse sobre o assunto no Jornal Nacional. O que chama a atenção é que das 15 reportagens exibidas, 13 foram só sobre o Carnaval.

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Gigantes de Olinda; os bois em São Luís do Maranhão; o Estado do Piauí, nos dois meses analisados, ficou de fora da cobertura do telejornal. Será que não existe Carnaval no Piauí?

A fórmula exaustivamente utilizada, entradas “ao vivo” mais reportagem, na cobertura do Carnaval das cidades do Recife e de Salvador (Figura 1), estão presentes em todas as edições analisadas do mês de fevereiro. O texto das entradas dos repórteres também são praticamente os mesmos. As expressões utilizadas nos textos dos repórteres para construir as representações do Carnaval do Nordeste pouco se modificaram. Abaixo destacamos em itálico as ancoragens que os repórteres usaram para construir a festa no telejornal (Figura 1):

Figura 1

Fonte: Jornal Nacional, fevereiro de 2015. Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/jornal-nacional/v/jornal-nacional-edicao-de-sexta-feira-13022015/3966042/

BONNER CHAMA O VIVO:

O CARNAVAL DO RECIFE É ABERTO OFICIALMENTE NA PRAÇA DO MARCO ZERO. E A REPÓRTER BEATRIZ CASTRO FALA AO VIVO DE LÁ. BOA NOITE. /

BEATRIZ: BOA NOITE. JÁ VIROU TRADIÇÃO REUNIR ORQUESTRA

GIGANTE COM 700 BATUQUEIROS DE 11 NAÇÕES DE

MARACATU. A FORÇA DOS TAMBORES SOBRE A REGÊNCIA DO PERCUSSIONISTA NANÁ VASCONCELOS É COMO UMA LOUVAÇÃO. UMA CERIMÔNIA DE BOAS VINDAS AO CARNAVAL.

NESSE MOMENTO QUEM SE APRESENTA É ELBA RAMALHO, CANTANDO, ACREDITE, UM MARACATU DE LUIZ GONZAGA, PRAIA DENGOSA. TRINTA CONVIDADOS VÃO SE APRESENTAR ESSA NOITE PARA DECLARAR QUE O CARNAVAL AGORA NÃO

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PÁRA MAIS. MILHARES DE FOLIÕES JÁ LOTAM A PRAÇA DO

MARCO ZERO PARA APROVEITAR CADA MINUTO DA FESTA

MAIS ESPERADA DO ANO. AGORA VAMOS A SALVADOR PARA

VER COMO ESTÁ ANIMAÇÃO DO PESSOAL LÁ NA CAPITAL DA BAHIA. CONTA PARA A GENTE MAURO ANCHIENTA:

MAURO ANCHIETA: OI BEATRIZ, SEGUNDA NOITE DO DESFILE DE BLOCO, ESTAMOS AQUI EM SALVADOR, ESTAMOS NO CIRCUITO BARRA/ONDINA NA ORLA POR ONDE VÃO PASSAR 23 TRIOS ELÉTRICOS. SÃO MILHARES DE FOLIÕES DE TODO O BRASIL, CURTINDO CADA MINUTO DENTRO DOS BLOCOS. TAMBÉM FORA DAS CORDAS, NA PIPOCA, JÁ PASSARAM ATRAÇÕES COMO TIMBALADA, CLÁUDIA LEITE, BEL MARQUES E AINDA VEM MUITA GENTE BOA POR AÍ. DANIELA MERCURY COMEÇANDO AGORA O PERCURSO DE TRÊS QUILÔMETROS PROMETENDO MUITAS SURPRESAS NO TRIO DESTA NOITE. A MISTURA DE RITMOS ESTÁ GARANTIDA. HOJE NA BARRA, MUITO AXÉ, MÚSICA ELETRÔNICA E ATÉ FORRÓ, E O ÚLTIMO BLOCO SÓ VAI SAIR DEPOIS DA MEIA-NOITE, PORTANTO, ESSA MULTIDÃO TODA AÍ AINDA TEM MUITO O QUE PULAR. BONNER E RENATA.

Expressões como, “aberto oficialmente”; “virou tradição”; “a força dos tambores”; “uma cerimônia de boas-vindas”; “declarar que agora o carnaval não para mais” e a “festa mais esperada do ano”, são maneiras de representar a força da celebração que move milhares de pessoas nos mais de quatro dias de celebração. Apesar de muitas dessas ancoragens serem utilizadas frequentemente, acreditamos no que diz Moscovici (2009, p. 41), que essas representações, no decurso da comunicação e da cooperação deveriam adquirir uma vida própria: “[...] circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem”.

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Figura 2

Fonte: Jornal Nacional, janeiro de 2015. Disponível em

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/01/dia-de-reis-e-marcado-pela-tradicao-e-por-muita-festa-em-fortaleza.html

Texto

CABEÇA: EM FORTALEZA, O DIA DE REIS É MARCADO PELA

TRADIÇÃO E POR MUITA FESTA. UM COLORIDO ANIMADO SURGE POR TODA PARTE. OS REIS ESTÃO NAS PRAÇAS. NO MEIO DA

RUA, UM GRUPO DE ESTUDANTES, SERVIDORES E EX-ALUNOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ SE REÚNE TODOS OS ANOS EM FORTALEZA PARA MANTER A TRADIÇÃO CRISTÃ QUE

CHEGOU COM OS PORTUGUESES.

SONORA: "PENSANDO NO REISADO COMO UMA BRINCADEIRA POPULAR TRADICIONAL, QUE LEVA O ENCANTAMENTO, DIVERSOS PERSONAGENS", AFIRMA O MESTRE DO REISADO PAULO HENRIQUE LEITÃO DOS SANTOS.

SONORA: "DESDE QUANDO EU ERA PEQUENA EU SEMPRE VIA ELES SE APRESENTANDO, DANÇANDO, ENSAIANDO, AÍ EU TIVE VONTADE DE VIM", CONTA A RAINHA DO REISADO KAREN BRAZ LIMA DE PAULA.

VONTADE ESTIMULADA LOGO NO PRIMEIRO ANO DE VIDA. É ASSIM QUE O REISADO ATRAVESSA GERAÇÕES. E JÁ QUE A

RAZÃO PRINCIPAL DO REISADO É RELEMBRAR A VISITA DOS REIS MAGOS AO MENINO JESUS, O PONTO ALTO DA TRADIÇÃO

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É A VISITA AOS MORADORES QUE SÃO PRESENTEADOS COM CANTORIA, LOUVOR E ALEGRIA.

DONA ALICE ESPERA O ANO TODO PARA RECEBER OS

BRINCANTES.

A RETRIBUIÇÃO À ESTA BRINCADEIRA DE FÉ E ALEGRIA É ALGUM CHOCOLATE, VINHO, DINHEIRO. PARA O GRUPO. MAS,

O QUE O REISADO DEIXA EM CADA CASA POR ONDE PASSA É UMA VONTADE AINDA MAIOR DE MANTER ESTA TRADIÇÃO.

SONORA: "É UMA MANEIRA DA GENTE LOUVAR E A GRADECER A DEUS PELO FINAL DO ANO E INÍCIO DO ANO COM OS PRESENTES QUE OS REIS TRAZEM: ALEGRIA, SAÚDE, PAZ, AMIZADE E UNIÃO", AFIRMA A PROFESSORA GRACIA MARIA LOPES COELHO.

A reportagem exibida no dia seis de janeiro de 2015 (Figura 2), sobre o “Dia de Reis”, no Ceará, reforça a ideia levantada das celebrações como resgate das tradições de um tempo que passou. Ao mostrar uma manifestação cultural que foge das recorrentes coberturas de festas como o Carnaval e o São João, na região Nordeste, o “Dia de Reis” é representado por ancoragens que deixam claro o lado dinâmico das representações sociais. Moscovici (2009) defende que a ancoragem e a objetivação são operadores que ajudam na construção e na consolidação das representações sociais, pois transformam algo estranho em algo familiar, objetivo principal da Teoria das Representações Sociais.

Quando os jornalistas ancoram as representações, estão transformando algo estranho, perturbador, que nos intriga, em algo apropriado, conhecido. Diz Moscovici: “No momento em que determinado objeto ou ideia é comparado ao paradigma de uma categoria, adquire características dessa categoria e é reajustado para que se enquadre nela” (2009, p. 61). A ancoragem e a objetivação são os dois processos principais que geram as representações sociais.

Destacamos em itálico na Cabeça da matéria (texto lido pelo apresentador que chama a reportagem) e no texto do repórter, exemplos de ancoragem: [...] “Em Fortaleza, o

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toda parte”. Ao ancorar a festa como um “colorido animado”, o jornalista classifica as

coisas e dá nomes a elas, cumprindo assim a principal função das representações sociais: As representações, por outro lado, restauram a consciência coletiva e lhe dão forma, explicando os objeto e acontecimentos de tal modo que eles se tornam acessíveis a qualquer um e coincidem com nossos interesses imediatos (MOSCOVICI, 2009, p. 53).

O texto reforça a importância de se manter a tradição que veio dos portugueses e chegou até nós: “Um grupo de estudantes, servidores e ex-alunos da universidade federal do Ceará se reúne todos os anos em Fortaleza para manter a tradição cristã que chegou com

os portugueses”. A perpetuação da tradição às novas gerações também é recurso acionado

pela ancoragem: “Vontade estimulada logo no primeiro ano de vida. É assim que o reisado

atravessa gerações”, diz outro trecho do texto. E assim, o jornalista vai construindo a

imagem de um ritual, de uma festa, que cumpri a função de manter antigos costumes da região: “Mas, o que o reisado deixa em cada casa por onde passa é uma vontade ainda

maior de manter esta tradição”.

Considerações finais

As duas reportagens apresentadas neste artigo servem de pequeno modelo, numa tentativa de mapear a construção das representações sociais do Nordeste no Jornal Nacional. Ao localizar as ancoragens, processo gerador de representações sociais, junto com a objetivação, tentamos criar, de certa forma, um modelo que pode ser aplicado nas demais categorias propostas de análise de conteúdo deste trabalho.

O nosso interesse ao mapear “simbolicamente” a imagem do Nordeste construída no Jornal Nacional e criar uma matriz representacional, que possa ser aplicada como modelo na pesquisa das representações sociais de outras regiões do país, é contribuir com a produção de uma política pública voltada às questões da Região Nordeste, que possa inserir uma abordagem mais diversificada das representações.

Sendo assim, destacamos a relevância da pesquisa, pois acreditamos serem tímidas as investigações que não tratam da ficção televisiva. Um dos nossos desafios é compreender as construções narrativas da “realidade”, como denominamos os programas telejornalísticos brasileiros, que em nossa opinião são ainda pouco estudados. Entendemos que é preciso investigar mais a fundo a influência da televisão e, mais especificamente, do telejornalismo, na sociedade brasileira.

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Diante do momento atual de turbulência política e conflitos sociais, consideramos ainda mais urgente esta pesquisa e investigação da representação que fazem os telejornais de nossa “realidade”. Só analisando o que está posto, o que é oferecido pela grande mídia à população, é que poderemos aprimorar o trabalho jornalístico na interpretação dos fatos e acontecimentos de nosso cotidiano. O momento atual é oportuno para grandes reflexões e quem sabe até alterações nas rotinas dos profissionais de jornalismo: apuração, investigação, enquadramentos e interpretação dos fatos, num mundo cada vez mais acelerado.

Vivemos um momento de crise na imprensa brasileira. Enquanto os jornalistas produzem narrativas e representações padronizadas pelas rotinas e métodos seguidos pelos antigos manuais de redação, a população questiona a veracidade e interpretações dos acontecimentos. Será que este não é o momento de repensar o papel do jornalista como mediador de conflitos e tensões gerados por uma sociedade em transformação? Tempos difíceis são propícios a reflexões e novas interpretações. Apostamos na reformulação de padrões desgastados e pouco diversificados no trabalho dos jornalistas ao interpretar a “realidade”, mesmo na representação de nossos rituais e festas, que necessitam de investigações mais profundas nos processos criadores das formas simbólicas. As crenças mais arcaicas podem coexistir com a modernidade, e geralmente são acionadas quando surgem o medo, como uma espécie de garantia contra o desconhecido do futuro (Jodelet, 2005).

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Júnior, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011.

_________________. A feira dos mitos: a fabricação do folclore e da cultura popular (nordeste – 192-1950). São Paulo: Intermeios, 2013.

BERGER, Peter & LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2009.

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DAMATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileira. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

DEL PRIORI, Mary. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, 1994.

ECHEVERRIA, Renata. As Representações Sociais de Pernambuco no Jornal Nacional. 2012. 195 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, 2012.

GENNEP, A. V. Os ritos de passagem: estudo sistemático dos ritos da porta e da soleira, da hospitalidade, da adoção, gravidez, e parto, nascimento, infância, puberdade, iniciação, coroação, noivado, casamento, funerais, estações, etc. Petrópolis: Vozes, 2013.

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

GUARESCHI, P.; JOVCHELOVITCH, S. (orgs.). Textos em representações sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

JODELET, Denise. Loucuras e representações sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2009.

Referências

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