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8. O pós-modernismo e o mercado

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i

E C O N O M I A

i

8.

O

pós-modernismo e o mercado

I

ling~iístic;~ tetil i i i > i exqiietna Iustante útil, qiie infelizmente falta à aná-

lisc iclcoiógic;~: clc nos permite marcar lima determinada palavra como sen- A

d o "palavra" ou "idéia", através da alternância d e sinais gráficos. Assim, a pa-

1

lavra mercado, com suas diferentes pronúncias em diferentes dialetos, que tem sua origem etimológica n o latim -comércio ou mercadoria -, eleve ser grafada /mercaclo/: por sua vez, o conceito, conforme foi teorizado por filo-

I sofos e ideólogos d e várias épocas, de Aristóteies a Milton Friedt-ilan, deveria ser grafado <<mercaclo>>. Por um momento imaginamos como isso solucio- naria muitos dos prol,lemas q u e temos a o lidar com um assunto desse tipo, que é a uin s ó tempo uma ideologia e cim conjunto de problemas práticos institiicionais, mas logo nos lembramos d o movimento d e emboscada da pri- meira parte dos Grundrisse, em que Marx desfaz as esperanças e desejos d e simplificação dos adeptos d e Proiidhon, que pensavam q u e se livrariam d e todos o s problemas d o dinheiro abolindo-o, sem perceber que são as pró- prias contraclições dos sistemas d e troca q u e estào objetivadas e expressas n o dinheiro propriamente dito, e continuam a se objetivar e a se expressar em qualquer um d e seus substitutivos mais simples, como os cupons d e tem- p o trabalhado. Estes, observa Marx secamente, sob o sistema capitalista vi- gente, simplesmente voltariam a ser dinheiro, c todas as contradiçòes ante- riores voltariam com força total.

O mesmo se d á com as tentativas d e separar a ideologia e a realidade: a ideologia d o mercado não é, infelizmente, iim luxo suplementar de idéias ou d e representação, iim enfeite qiie pode ser removido d o problema eco- nômico e depois levado a um necrotério cultural ou superestrutural para ser dissecado por seus especialistas. Ela é gerada pela coisa em si, como sua imagem final objetivamente necessária; d e algum modo, as duas dimensòes têm q u e ser registradas juntas, e m sua identidade assim como em sua dife- rençd. Elas silo, para usarmos uma linguagem contemporânea, mas já fora

d e moda, semi-autonomas; o que signific~i, sch C ( l i i i . ~ . I : : I I I ~ I I . I . I ~ ~ : I I I I I . I t I I I . - , . I ,

q u e elas nào são realmente autonomas e inclcpc~ri(lc~iiic~~. 1 1 1 i i . 1 I 1 . 1 1 I I I I 1 . 1 . 1 1 1 . 1 . .

tampouco são idênticas. O conceito de Marx clc iclc~olcy;i,t . . I . I I 1 1 11 t . 1 I I , . I ~ . l i

deu respeitar, encenar e dobrar o paradoxo da riicbi.:i , S ( ~ I I I I . I I I I I l i i r , 1 1 1 1 I I I 1 I conceito ideológico, por exen~plo, as ideologias do mc~rc,;it l l I. 1 . 1 1 1 I , ,I. I S 1 1 1 . I

coisa e m si - ou, no nosso caso, os problemas clo mcrc;itlc I 1. 1 l i I 111 I I 11 .!.I mento n o capitalismo tardio e também nos países socialist:is. b1;i i 1 1 1 1 1 I , I to clássico d e Marx (inclusive a própria palavra ideologiu, em si 1 1 I C ~ S I 11.1 . i I! i I

como a ideologia da coisa, em oposicào à sua realidade) muitas VCY(.S k s ~ . 1 garçava precisamente nesse aspecto, tornando-se totalmente auti~tic I I I I ~ 1 , 1 .

depois vagando como mero "epifen6menon no mundo das superestruilii..i'.. enquanto a realidade continuava lá embaixo a tarefa da vida real elos cac.c) nomistas profissionais.

Há, é claro, muitos modelos profissionais d e ideologia no próprio Marx. O apresentado nos Gnlndrisse, que se desenvolve e m torno das ilu- sões dos seguiclores de Proudhon, tem sido menos notado e estudado, mas - é muito rico e sugestivo. Marx está aqui discutindo uma característica central de nosso assunto corrente, o u seja, a relação entre as idéias e valores d e li- berdade e igualdade com o sistema d e troca; e ele argumenta, como Milton Friedman, que esses conceitos e valores são reais e objetivos, sào organic:i- mente gerados pelo próprio sistema rle mercado, e dialcticamente são inclis- soluvelmente ligados a ele. Ele vai além

-

eu ia dizer, agora, ao colztrzírio

d e Milton Friedman, n u s uma pausa para reflexzo me permite letnhrar cliic mesmo essas conseqiiências clesagradáveis também são reconhecidas, e ;iiC

elogiadas, pelos neoliberais -, para acrescentar que, na prática, essa lilx-i-- dade e igualdade acabam se revelando prisão e desig~ialdade. Mas trata-sc. d o problema cla atitude clos prouclhonianos em relação a essa revrrsiio c t l c - sua incapacidade d e entender a dimensão ideológica d o sistema de troc,;i ('

como essa ideologia funciona, sendo a o mesmo tempo verdaeleira c Iiils;~, objetiva e ilusória, o q u e costumávamos tentar exprimir com a exprcssiio l i ( .

geliana "aparência objetiva":

O valor de troca, ou, mais precisamente, o sistema monetãrio, i (li. 1 . 1 i 0 I I , . i 3 .

tema da lil,crdade e da igualdade, e o que perturba [os proii~lli~~iii.iiii~~.l 1 1 . 1

evoluç3o mais recente do sistema são perturl->ac6es irnanciii(-> :\o ~ i ~ . i ~ ~ i i i . i . l 1 1 I

seja, a própria realização de igualdade e liberda~l~, cluc . I ~ . ; I ~ I : I I I I ..(.i11 I r I I I I . * . I gualdade e falta de liherdade. fi uma aspiracrio tao pic~lo5:i I I I I : I I I I I I ( . ~ . I I I I I I ~ 1.1

desejar que o valor de troca não vá se converter c.iii (.;i1>11.11. i111 i 1 1 1 ' . t 1 1 1 . 1 1 1 . 1 lho que produz o valor de troca não se convcrtcr I I : I I I : I I ~ I I I . i ~ . ~ . i l . i i i . i i I ~ ~ .

O que distingue esses cavalheiros [em outr:is ~>:iI;i\~i.:is. ( 14 I 111 I I I I I I I ~ i i i i . i i i i . 15. ou, como poderíamos dizer hoje, os soci:il-tlc.iiio(~i;~i:i~I i11 14 . i l u I~II!:I\I.I'. I U I I . gueses é, por um lado, sua consciência d~is c.( ) i i i s : i t l i ~ ~ l I I I C . I I . I I I ~ . \ . i ( ) I ~ I C . I I I ; I

e, por outro, o utopisrno, manifesto eiu s~i;i i i i i l x ) ~ ~ i l ) i l i l l : ~ i I i ~ < l i . c ~ I ~ I ~ ' I ~ ~ I L < I . :I (li-

(2)

Economia

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líderes governamentais

-

são agora compreensíveis (digamos, nos termos

5

d e um Verstehen diltlieyano), a despeito cio que possamos pensar deles. Se

o :

h' ; um tal conceito imensamente expandido da Razão tem algum sentido nor-

i

mativo (Hal3ermas ainda acha que sim), e m uma sitiiação em que seu opos- to, o irracional, diminuili até chegar a uma virtual não-existência, é Lima ou- tra questão, e das mais interessantes. Mas o s cálculos d e Becker ( e essa i palavra para ele não implica d e forma alguma um homo cconomictis, mas to- cios os tipos de comportamento irrefletido, cotidiano, pré-consciente) são

: parte daquela corrente hegemonica; na verdade, esse sistema me faz pensar

mais d o que em qualquer oiitra coisa na liberdade sartriana, uma vez que

I implica uma responsabilidade por tudo q u e fazemos - a escolha sartriana i (a qual, é claro, também se clá n o nível comportamental cotidiano, nào auto-

:

consciente) significa a cada rnonlento uma produção individual ou coletiva

i das "mercadorias" d e Ueckcr (que não precis:im ser hedonistas e m nenhum

:

senticlo estrito; o altniísmo, por exemplo, seria Lima mercadoria desse tipo,

2 7 6 oii o prazer). As consequências para a representação d e Lima visão como es-

-

s:i nos IC\~:IIII ;I pronunciar pela primeira vez, e já com atraso, a palavra pós-

1 ~ 1 r i c l c ~ i 1 ~ i ~ 1 ~ 7 0 . Soniente os romances d e Sartre ( e eles siio amostras, enormes

fiagiiicntos intcrn1in:iclos) pocleriam nos clar Lima iinagem aproximada do q u e seria iiiii:i rcprcscnl~iciio cla vicia que interpretasse todos os atos e gestos

l-iumanos, clcseios c clccisòcs ern terinos elo rnoclelo d e maxiinização de Bec- ker. Uma represenl:iclio clcsse tipo nos reveliiria iiin munclo peculiarmente sem transcendência e sem perspectiva (a morte, por exemplo, seria aqui apenas mais lima questão de maximização dos bens), e sem nenhum enredo no sentido tradicional, uma vez que todas as escolhas seriam equidistantes e postas n o mesino nível. A analogia com Sartre, n o entanto, sugere qiie esse tipo d e leitura -que deveria ser um encontro desmistificador, frente a fren- te com a vida cotidiana, sem nenhum enfeite -pode talvez não ser põs-mo- derno nos sentidos mais fantasiosos dessa estética. Becker parece ter cleixa- d o d e lado as formas mais desenfreadas d e consumo clisponíveis no pós-moderno, que em outras instrincias parecem capazes d e encenar um vir- tual delírio d o consunlo da própria idéia ele consumo: no pós-moderno, na verdade, a própria idéia do mercado é consumida com a mais prodigiosa das gratificações; como se fosse lima espécie ele bonus ou excedente d o proces- so d e produção d e mercadorias. Os cálciilos sóbrios d e Becker não chegam a tanto, e isso não necessariamente porque o pós-modernismo 6 inconsis- tente o u incompatível com o conservadorismo político, mas sim basicamen- te porque seu modelo é um modelo de produção e não d e consumo, como j:í sugerimos acima. Meras sombras da grande introdução aos Grz~ndrisse,

em que a prodiição se torna consutno e distribuição, e depois volta à sua for- ma produtiva básica (na categoria sistêmica mais abrangente d e produção q u e Marx quer colocar n o lugar da categoria temática ou analítica)! Na vcr- dade, parece possível reclamar que os atuais apologistas d o mercado - os conservadores teóricos - não mostram muito prazer ou jouissance (como

veremos a seguir, seu inerc;itl() s c . i ~ ~ c . ~ > i i i i c ~ i l > ; i l i i i c ~ ~ i ~ ( ~ ( 1 ~ I I I ~ I I I I I I !>c )lic.i:il c.iij:i

função é impedir Stalin ele cn1r;Ii. c,, : l i i i c I ; i 11ov ( io~ii, 1 ~ 1 1 1 1 - \ 1 1 \ 1 > c * i l ; 1 1 , ( I I I L *

Stálin acaba sendo apenas um çócligo I>:II':I I(( N I ~ * \ . ( * I I ).

Assim, como descrição, o moclclo clc Ilcc.lic.i. i i i c S l ) . i i i . i i . I I I I ~ 1i.i . I \ 1.1 1 . l ,.I,, tante fiel aos fatos da vida como nós os conlicc~ciiic )h; ( 1 1 I . I I I ( l i I i . . , * . I . I I 11 11 li .I( I . , i h torna prescritivo nos defrontamos, é claro, coin :is li)riii;ih 1 1 1 . i i ~ ~ I I I - , I ( 1 1 1 l , . . ~ , ~ ( I ( .

reação (as minhas duas conscqhências práticas prefericl:is s:lc I , ( * i 1 1 1 ) I I I I I ~ . I I I I 11 I

gar, a d e que as minorias oprimidas apenas pioram sua [xx')pri:i \ i i i i . i < . I ( I . i ( I 1.1 zer reivindicações e lutar por seus direitos; e, em segundo, a clc ( I W ' . I "1 1 1 1 K 11 I

tividade d o lar", no sentido especial q u e Becker a emprega Ivc-i. : i i . i i i i . i l .

diminui drasticamente qiiando a esposa tem um emprego). Mas é tacil v c ~ I ) ( ) I

que isso se dá. O nlodelo tle Becker t. pós-moderno em sua estrutura cltic3 icbiii

a forma d e urna tnnscodificação: dois sistemas explanatórios diferentes s:io combinados aqui atraves da asserção de uma identidade fundamental (sohre a

qual sempre se diz, com veemência, que não se tratade uma ~netcvora, certa- mente um elos sinais mais claros cfe lima intenção de metaforirar): o compor- tamento humano (em especial a família ou oikos), de um lado, e a firma ou a empresa, de outro. Ganha-se muito, ein força e em clareza, a o se reescrever fenomenos como o tempo livre e os traços d e personalidade em terrnos d e matéria-prima potencial. Não se segue, no entanto, que o enquadramento fi- gural pode então ser removido, conlo se remove triunfalmente um véu que cobria uma estátiia, permitindo-nos então refletir sobre os assuntos domésti- cos em terrnos de dinheiro e d e economia. Mas é exatamente assim que Bec- ker vai "cleduzindo" siias conclusões prático-políticas. Ainda aqui, ele não consegue ser totalmente pós-modemo, uma vez que o processo de transcodi- ficarão tem como conseqiiência a suspensio d e tudo que costumava ser con- siderado "literal". Becker quer utilizar o equipamento da metáfora e da identi- ficação fig~iral apenas para, n o momento final, voltar a o literal (o qual, ness:i altura d o capitalisn~o tardio, evaporou-se por baixo d e seus pés).

Por que será q u e não acho todas essas colocações particularmente cs- candalosas, e qual poderia ser seu "uso apropriado"? Como em Sartrc, :i cbs-

colha ele Becker se dá em um ambiente pré-dado, q u e Sartre teoriz:~ (cIc8 o chama d e "situação"), mas q u e Becker deixa d e lado. Em ambos tciiios i i i i i ; ~

reduçào oportuna d o antigo sujeito (ou indivíduo, ou ego), q u e agoi-;i i. I > ( ] L I co mais d o que um ponto d e consciência dirigido a o estoque rlc. iii:iicbi.i:iis

disponíveis n o mundo exterior, tomando decisões baseado ciii i i i l < ~ r i i ~ : ~ ~ . ( I(..;

qiie são "racionais" no sentido d e serem o q u e qualquer oiitro scbi. Iiiiiii:iiio também pode entender (no sentido ele Dilthey o u d e R o ~ i s s ~ ~ : i ~ i , 5c.ri:i ;i<liiilo com que qualquer outro ser humano poderia "simp:itiz:ii~"). Issc) sigiiil'ic.;~ que estamos liberados d e todos os tipos d e mito mais prol>i.i;iriic~iiic~ "ii.i.;iric 1-

nais" sobre a subjetividade e podemos dirigir noss:i :itchiic.;io I>:II':I :I pr(.)psi:l situação, aquele inventário de recursos disponíveis, (Iiie i. ( I l>rc')l>~'ic) i~iiiiitlo

(6)

ceito sartriano d e situação é uma maneira nova d e pensar a história como tal; Becker evita qualquer movimento nesse sentido, e tem toda a razão e m fazê- 10. Sugeri q u e mesmo n o socialismo (assim como nos modos d e produção anteriores) podemos muito bem imaginar as pessoas operando segundo O

modelo d e Becker. O q u e seria diferente é a própria s i t u a ~ ã o : a natureza d o "lar", o estoque d e matérias-primas; enfim, a própria forma e contorno das "mercadorias" a serem produzidas aí. O mercado d e Recker acaba s e reve- lando n ã o como mais uma apologia d o sistema d e mercado, mas sim como Lim redirecionamento d e nossa atençáo para a própria história e para a varie- dade d e situações q u e ela nos oferece.

Devemos desconfiar, portanto. d e q u e defesas essencialistas d o merca- d o envolvem na realidade outros temas e questões b e m diferentes: o s prazeres d o consumo sào pouco mais d o q u e conseqüências ideológicas d e uma fanta- sia disponível para o s consumidores ideológicos q u e compram uma teoria d e mercado d a qual eles mesmos não são parte. De fato, uma das grandes crises

cI;i iiov:~ rc\lolii(.ào ciiltii~il conserv;iclora

-

e , pelos mesmos motivos, uma d e

sii:is gr,inclvs contci(lic;òes interrxis - tornou-se evidente quando essas mes- rn:is iclcologi:is coniccirrirn a demon.Strar um certo nervosismo diante da faci- lidade com q u e a América consumista havia superado a etica protestante e ti- nha sido capaz d e desperdiçar suas economias (e até sua renda fiitura) n o exercício d e sua nova natureza d e compradores profissionais e m tempo inte- gral. Mas obviamente não s e pode ter tudo: não é possível ter um mercado flo- rescente e e m expansão, cujos consumidores sejam todos calvinistas e tndi- cionalistas diligentes, que sabem muito bem quanto vale o dinheiro.

A paixão pelo mercaclo sempre foi uma paixão política, c o m o nos cn- sinou o grande livro d e Albert O. Hirschman, Thepassions and tbe interests. O mercado, c o m o "ideologia d e mercado", tem menos a ver com o consumo d o q u e com a intervenção dos governos e com os perigos da liberdade e d a própria natureza humana. Uma descrição representativa d o famoso "meca- nismo" d o mercado é ciada por Barry:

Com processo natural, Smith queria dizer o que ocorreria, ou que padrão de acontecimentos surgiria, a partir da interação individual, na ausência de iiina intervenção humana específica, seja de cunho político, seja um ato cfe violência.

O comportamento do mercado é o exemplo óbvio de um fenômeno natural desse tipo As propriedades auto-reguladoras d o sistema de mercado não são produto de uma mente planificadora, mas um resultado espontâneo do meca- nismo de preços. Ora, a partir de certas constâncias na natureza humana, in- cluindo, é claro, o desejo natural de "melhorar", pode-se deduzir o que ocorre- rá quando o governo perturba esse processo auto-regulador. Assim, Smith demonstra como as leis cios aprendizes, as limitações ao comércio internacio- nal, os privilégios das corporações, e assim por diante, rompem, mas não con- seguem suprimir inteiramente, as tendências econômicas naturais. A ordem es- pontânea d o mercado se da arraves da interdependência d e suas partes

constitutivas, e qiiaiquer tipo cle intc~nf~.ii~..i, I I I,..:. I C t t , I. I I I I t t 1 t 8 (

fadada ao insucesso: "Nenh~im;~ reg~il:iiiiciii;ic . i , I t I, I G U I I , I , I ,

.

1 ,

a quantidade de trabalho em qualquer setor t l ~ i I ( , I < ~ , 1.1, I a 11' 1 1 1 , i

pital possa manter. Ela pode apenas impor a iiri1:i p;~ri<. < I # B t 1 1 "I I

que ele não tomaria sem ela". Com a expressão "lil)crcl;i~l~~ I I . I I I I I t t ~ t i t 8 I t ~ ~ ~ ~

designar o sistema no qual cada homem, desde que n:io \ I , I I , . . I . Ir I 1 I , , , , ) I

vas) da justiça, fica inteiramente livre para servir seus prtlprio\ I I I I ~ , I # I , I r

própria maneira e colocar sua capacidade de trabalho e scci ( . : l ~ ) i i . i I 1 . 1 1 1 8 5 1 1 t 1 ,. tição com os de qualquer outro liomem8.

I

A forca d o conceito d e mercado está, pois, e m sua estrutura " i o i ; i l i / . i i i

te", c o m o se diz hoje e m dia, o u seja. e m sua capaciciade d e nos oferec~c~i i 11 I I

modelo d a totalidade social. Ela nos proporciona uma maneira diferenie deslocar o modelo d e Marx: diferente ela já b e m conhecida mudança wcl)v-

I riana e pós-weberiana d o econbmico para o político, e d a produção para o

poder e a clominação. Mas o deslocamento d a produção para a circulação 1 não é menos profundo o u ideológico, e tem a vantagem d e substituir as re- presentaçòes antediluvianas d a Fantasia q u e acompanhava o modelo d e "do-

' 7 5 um tan-

minação", de 1984 e Despotismo oriental até Foucault - narrati\.

.

to c o m i a s na nova era pós-moderna -, p o r representações d e ordem completamente diferente. (Adiante, pretendo demonstrar q u e estas n ã o sào, basicamente, representações d e consumo.)

Mas o q u e é preciso entender e m primeiro lugar s ã o as condiçoes cle possibilidade desse conceito alternativo d e totalidade social. Marx sugere (nos Gndndrisse, novamente) q u e o modelo d e circulaçào o u d e mercado vai preceder, histórica e epistemologicamente, outras formas d e inapeamen- to e vai nos dar uma primeira representação através d a qual a totalidade so-

cial p o d e ser compreendida:

A circulação é o ~iiovimento no qual a alienado geral aparece como apropri:i- çào geral, e a apropriaçào geral como alienação geral. Ainda que a totalicl:iclc desse movimento possa muito bem aparecer como um processo social e :iiixl:i que os elementos individuais desse movimento se originem na vontaclc. c.( 1115

ciente e nos propósitos particulares dos indivíduos, mesmo assim 3 tot:ili(l;ic lc. do processo aparece como uma relaçào objetiva que ocorre espont:inciiiic*ilI~I; uma relação que resulta da interação de indivíduos conscientes. iii:is (1111' I I L ' I I I

é parte de suas consciências nem é, como um todo. subsurnicl:i por ~ I : I \ . ~ I . I \

colisòes dão lugar a um poder social estranho, qiie está :iciiii:i < I ( ~ ; I \ . h 1 . 1

própria interação [aparece] como iim processo e uma forc;i inrlc~~(~ri~I(.iiit~ les. Porque a circulação é a totalidade do processo social, el:~ r ; i i i i l ) < ~ i i i (. .i I 11 I

meira forma na qual r i o só a relação social aparece como :ilgo i r i t l ~ ~ ~ ) t ~ ~ i ( l i ~ i i i i ~

dos indivíduos, como, digamos, uma moeda o11 iiin v:ilor <I(* I I - o ( . , I , i i i : 1 5 I .

bém todo o movimento social em si niesni09.

O mais notável n o movimento dessas reflexòcs í. ( ~ t i c ~ c%I:i.; I > ; I K Y ' U ~ ~

(7)

das bem diferentes entre si: o " hellum ovzniunz contra omnes" de Hohbes e a "mão invisível" d e Adani Smith (que aparece aqui sob o disfarce d o "ardil da razão" d e Hegel). Eu diria que o conceito d e hlarx d e "socieclade civil" é

similar a o q u e acontece quando esses dois conceitos (corno matéria e anti-

matéria) são combinados d e forma inesperada. Aqui, no entanto, o significa-

tivo é que o que Hobbes teme é, num certo sentido, o que dá segurança a

Smith (a natureza mais profiinda d o terror liol.>besiano é, d e qualquer modo, ,

particularmente iluminada pela complacência da definirão d o senhor Milton

Friedman: "Um liberal, fiindamentalmente, teme o poder concentrado"l0). A

idéia d e uma violência feroz inerente à natureza humana e manifesta na Re- volução Inglesa, a partir cle onde ela é teorizada ("coni muito medo") por Hol->bes, n5o í. modificada ou melhorada pela "douceur &L c ~ m m e r c e " ~ ~ d e

Hirsch-man; e permanece rigorosamente idêntica (em M:irx) à concorrência

d o mercado como tal. A diferença não é político-ideol6gic:i mas histórica:

Mol>l>cs precisa clo poder clo Estado p;ira clornesticar e controlar a violência

tl:i n:itlii.c.z:i lii~rn:iii:i c) :i c.onc.orii.nci:i; erii Aclum Stnith (e em Hegel, num

( )iiir() ~ > I : i t i o iiic.t:il'isic.o), o sisleiii:~ cl:i concorrência, o mercado, executa sozi-

rilio :i clotiic~stic.:iq:io c o conlrolc, sem mais precisar para isso d o Estado ab-

soluto. Mas o que fica claro cm toda a tradição conservadora é que ela é mo-

tivada por um sentimento d e medo e d e angústia nos quais a guerra civil ou a criminalidade urbana são em si mesmas meras figuras da luta d e classes.

Então, o mercado é Leviatã com pele d e cordeiro: sua fiinção não é encora-

jar e perpetuar a liberdade (e muito menos a liherdade em sua versão políti- ca), mas sim reprimi-la; e , quanto às tais visões, podemos muito bem ressus-

citar os slogans dos anos existencialistas - o medo da liberdade, a fuga da

liberdade. A ideologia d o mercado assegura q u e todos o s seres humanos s e

dão mal quando tentam controlar seus próprios destinos ("o socialismo é im-

possível"), e que temos sorte em poder contar com esse mecanismo impes-

soal - o mercado - que pode tomar o lugar da huhris e d o planejamento

humanos, e substituir de vez a capacidade d e decisão dos homens. Só preci-

samos manter esse mecanismo bem azeitado e limpo, e ele - como o mo-

narca há u n t o s séculos

-

tomará conta de nós e manter-nos-á na linha.

Por q u e tal substituto confortante da divindade seria tão universalnien-

te atraente em nossos dias é, n o entanto, um outro tipo d e questão histórica.

Atribuir a nova adesão à liberdade de mercado a o medo clo stalinismo e d e

Stalin é tocante, mas um pouco deslocado n o tempo, ainda que seja certo

que a Indústria d o Gulag tenha sido iim componente crucial da "legitima- cão" dessas representações ideológicas (assim como a Indústria d o Holo- causto, cuja relação peculiar com a retórica d o Gulag exige um estudo cultu- ral e ideológico mais detalhado).

A crítica mais inteligente q u e recebi sobre uma longa análise dos anos

60 que publiquei12 há algum tempo foi a de Wlad Godzich, q u e demonstra-

va seu espanto socrático diante da ausência. em meu modelo global, d o Se-

giincto Mundo e , em especial, da Uniáo Soviética. A experiência da peres-

troika nos revelou dimensões da história soviéti<.:i (lu1 1 4 8 1 1 1 I I I , I I t ' 1 .

ponto d e vista d e Godzich, e tornam meu próprio lapst ) ; l i i i r 1 . 1 1 1 I I I 1. 1 .i. . I

vel; vou então aqui reparar meti erro exagerando n:t oi1ir;i ( 1 1 1 0 . I ( I I I I ,

que, d e fato, o fracasso das experiências d e Kruchev nrio i . c b l ) i t -.I . I 1 1 , !I I I I I I I

desastre apenas para a União Soviética, mas de algum moclo I< )i l I I I I ( l . 1 1 1 1 , . I I talmente crucial para o resto da história global, e não iiienos p:ii.:i I I I I i i I 1 1 I

d o próprio socialismo. Somos levados a acreditar que, na União So\.iii i< . I . . I

geração d e Kruchev foi a última a crer na possibilidade da renov:i<..i~ I 1 I, I

marxismo, para não mencionar o socialismo; ou melhor, o conti.ário, I; 11 ,.I I I fracasso q u e determinou a total indiferença pelo marxismo e pelo s( )( i . i I i , . mo d e várias geraçòes d e intelectuais mais jovens. Mas penso que t.sic, 1 1 I casso detcrrninou iim dos acontecimentos mais básicos também eiii o111 I I 1 . .

países e, ainda q u e não queiran~os q u e o s camaradas russos carrcglic-til i , I

1

da a r-esponsahilidade pela história global, parece-me mesmo que Ii:í I I I I I , I

certa semelhança entre o q u e a Revolução Russa significou d e positivo ~ : I I . ; I

I

o resto d o mundo c os efeitos negativos dessa última oportunidade perclitl;~,

d e restaurar a revolução e , n o mesmo processo, transformar o partido. '1';iii

1

to o anarquismo d o Ocidente nos anos 60 quanto a Revoluqão Cu1t~ir;il 11.1

China devem ser atribuídos a esse fracasso, cuja continuação, muito clc.pc ) i c .

d o fim dos dois, explica o triunfo universal d o q u e Sloterdijk chama $':I r.1

zão cínica" no consumismo onipresente d o pós-moderno e m nossos c l i : ~ . .

Não é d e admirar, então, que uma desilusão assim profiinda com a pi.:i\i*#

política devesse resultar na popularidade cla retórica da abnegação c10 11ii.1

cado e na capitulago da liberdade humana diante d e uma agora Ilixiic~~..~ mão invisível.

Entretanto, nenhuma dessas coisas, q u e ainda envolvem o pcns;iiiic.ti to e o raciocínio, pode explicar a mais surpreendente característic;~ clt-.. ..I

manifestação discursiva, ou seja, como a aridez dos negócios e da lvoluil. dade privada, as cinzas da iniciativa privada e o sabor quase dickensi:iii( ) i I, 1..

títulos e da apropriação, d o uso d e cupons, d e fusões e d e bancos clc* i i i \ I . . . timento, e outras transações d o gênero (depois d e encerrada a er:i II<.I-I 11, . I .

ou da roubalheira d o baronato, dos negócios) puderam s e transli)i-iii;i i.. 1 . 1 I I nossa época, em algo tão seq. Em minha opiniào, a excitação ir1jc.i:iil.i 1 1 . 1 . .

! monótonas representações d o mercado livre dos anos 50 vem clc. S I I ; I .I.:.I I

1

ciação metafórica ilícita com um tipo muito diferente d e represcrii;ic,.i~ I , .I ,..I

ber, com a própria mídia, no seu sentido contemporâneo mais ;il)i.;l ti!:t . I 11 O . I global (incluindo a infra-estrutura dos aparatos mais recentes t l : ~ I I I I I ~ ~ . I ,. c I I

alta tecnologia). O q u e s e dá é a operação pós-moderna rc.li.rirl;i ; i 1 1 1 1 1 . 1 1 1 I qual dois sistemas d e códigos são identificados d e form:i ;i 1"-ri1111 1 1 t 1 1 1 ~ I

energia libidinal d e um impregne o outro, sem que, n o cni:iiiic

,

i I I 8 1 I 1 1 a I 1 I

momentos anteriores d e nossa história cultural e intelccii1:il). ..I. n a 1 1 1 I

uma síntese, uma nova combinação, uma nova lingii:igc.iii ( I I I I I ~ 111 I I , l I . I I qualquer outra coisa semelhante.

1

$

*--

(8)

Horkheimer e Adorno perceberam, há muito tempo, na era d o rádio, a peculiaridade da estrutura cle uma "indústria cultural" comercial na qual os produtos eram de livre escolhal3. A analogia entre a mídia e o mercado fica

de fato cimentada por este mecanismo: nrio é porque a mídia é semelhanteao

mercado que as duas coisas são comparáveis; na verdade,

e

porque o merca-

d o rido se assemelha a seu "conceito" (ou idéia platonica), d o mesmo modo que a mídia não se assemelha a seli próprio conceito, que as duas coisas po-

dem ser comparadas. A míclia nos apresenta Lima livre seleção de programas

-

o consumidor, entretanto, não escolhe nem o conteúdo dos programas

nem seu agnipamento

-

e essa seleção é rebatizada de "livre escolha".

E

claro que no processo d o desaparecitnento gradual do espaço físico

d o mercado, e da identifica@o gradual da mercadoria com sua imagem (ou marca, o11 logotipo), dá-se uma outra simbiose, mais íntima, entre o mercado e a mídia. Nessa simbiose, as fronteiras ficam submersas e (de formas pro- fundamente características d o p6s-moderno) a indiferenciaçào de níveis gra-

rlu:ilrnentc toma o lugar da separação anterior entre a coisa e seu conceito

( 0 1 1 , n;i \,vi-tl:iclc, economia e cultura, base e superestrutura). Para começar,

os ~xocliitos :I ve11cl:i no mercado transformam-se no próprio conteúdo das

i~iirigens cI:i inícli:~, ele t:iI forma que, em certo sentido, o mesmo referente pa-

rece se mkinter nos clois tlomínios. Isso 6 algo bem diferente de uma situação

mais priniitiva nri qual a urna sí-rie cle signos de informação (notícias, folhe- tins, artigos) em acíicionaclo iim outro elemento, que tentava aliciar consu- midores para um produto comercial que não tinha nada a ver com esses sig- nos. Hoje os produtos estão, digamos, difusos no tempo e n o espaço dos segmentos de enteríninment (ou mesmo nos d o noticiário), como parte d o conteúdo, d e tal forma que em alguns casos bem conl-iecidos (mais explici- tamente e m seriados como Dii?astiu)l", às vezes não fica claro quando o segmento narrativo termina e começam os comerciais (uma vez que os mes- mos atores também trabalhani no segmento comercial).

Essa interpenetração através d o conteúdo é então intensificada d e for-

ma um tanto diferente pela própria natureza dos produtos: a impressão que se tem, especialmente quando estarnos tratando com estrangeiros cheios de

entusiasmo pelo consumismo americano, é que os prodiitos organizam-se

em uma espécie d e hierarquia cujo ponto mais alto é precisamente a tecno-

logia de reprodução, que agora, é claro, ultrapassou em muito o clássico

aparelho de TV, e acabou por sintetizar a nova tecnologia computacional ou

de informação d o terceiro estágio d o capitalismo. Temos, então, que dar conta também de um outro tipo d e consumo: o consumo d o próprio proces- so de consumo, muito além d o d e seu conteúdo e dos produtos comerciais

mais imediatos. É preciso falar d e uma espécie d e bônus tecnológico d e pra-

zer, proporcionado por essas novas máquinas e , digamos, simbolicamente encenado e ritualmente devorado em cada sessão d e consumo da mídia. De

fato, não é acidental que a retórica conservadora, que costumava vir junto

com a retórica d o mercado em questão aqui (mas, na minha opinião. aquela

representava uma estratégia um tanto diferente, t l t e (lc...l(.!:~t I I I I . I , . I , 1 I . 4 - . I ! \ 0 a L . L . I .

relacionada com o fim das classes sociais - iiiii:~ ( O I I ~ 1 1 1 s . 1 1 1 5 . t , ~ ~ ~ l l ~ t . 1 1 4 .

monstrada e "provada" pela presença da TV nas c:is:is t l t . 1 1 . i l ~ . i l l i . i ( I1 1 1 I

-.

h11 1 1 to da euforia d o pós-modernismo deriva dessa apologi:~ t l c ) I U I 11 1 1 1 1 I I 1 1 1 K I . . .

so da informatização high-tech (o predomínio em nossos eli;i\ I 1,. t i 1 . 1 , . 1.1 comunicação, da linguagem ou dos signos são o prolorig~iriic~iir~ ) I ( 11 .I 111 I::I, I I

dessa "visão de mundo" mais generalizada). Esse é, entào, coiiio tlii 1.1 11.11

..

um segundo momento no qual (como o "capital em geral" em opohi( . I I , I ( 1.. "vários capitais") a mídia "em geral", como um processo unificaclo, sc.1 i;! I I

locada em primeiro plano e percebida (em oposição a o conteúdo d:is IX.'

I

I ç0es individuais da mídia); e parece que seria essa "totalização" que nos I ~ ~ I

i

mitiria estabelecer urna ponte entre as imagens da fantasia d o "mercaclo c111

geral" ou "do mercado como um processo unificado".

O terceiro componente desse grupo complexo d e analogias entre a nií-

dia e o mercado, que reforça a retórica atual deste, pode assim ser encontra-

do na própria forma. É a partir daí que temos que voltar à teoria da imagem,

recolocando a notável derivaçio teórica de Guy Debord (a imagem como a

foima final da reificação da mercadoria)'5. Nesse ponto, o processo se rever-

te, e não são os produtos comerciais d o mercado que se tomam imagens na propaganda, mas sim os próprios processos de diversão e d e narrativa da te- levisão comercial que são, por sua vez, reificados e transformados em merca- dorias: a narrativa serializada, com seus segmentos rígidos e quebras tempo-

rais reduzidos a fórmulas, a ação das tomadas da câmera sobre o espaço, a

história, as personagens e as modas, incluindo também aí o novo processo de produçào de celebridades e de estrelas que parece diferente da experiência histórica mais familiar que tínhamos dessas questões, e acaba por convergir com os fenômenos até agora "seculares" da antiga esfera pública (pessoas e

I eventos reais nos telejornais diários, a transformaçào d e nomes em algo como

logotipos da notícia etc.). Muitas análises demonstraram que os telejornais

I são estniturados exatamente como seriados; ao mesmo tempo, alguns ele

nós, nos domínios da cultiira oficial, ou da "alta" cultura, temos tentaclo dcx-

i

monsrnr o enfraquecimento e a obsolesc@ncia d e categorias como "licqso"

(no sentido de algo que se opõe a o "literal" ou ao "factual"). Mas penso cliicb

I aqui é preciso armar uma teoria das modificações profundas da esfera ~>úl>li-

i

ca: o aparecimento d e um novo domínio da realidade das imagens, rluch C :i

um s ó tempo ficcional (narrativo) e factual (até as personagens elos scbi-i;itlos são percebidas como estrelas reais, com "nomes próprios" e com liisic')ii;is ths-

ternas que precisamos conhecer), e que agora

-

como a antigzi "c.sIi*i-;i tI;i

cultura" - toma-se semi-autônoma, e paira acima da realitlatlc~, < . O I I ~ ;i seb-

guinte diferença histórica fundamental: n o período clássico, :I rc.:ili(l:itlt- pc-r-

I

sistia, independentemente da "esfera cultural" sentiment:il c rorii:iriiic.;i, cbn-

quanto hoje parece ter perdido essa modalidade d e existi.nci;i c.rii sc.lxiirirlo. Hoje a cultura tem um tal impacto na realidade que torn:i 1>rol>lc.r115tic:i c1ii;iI-

I

(9)

m

cípio d e Heisenherg cla ciiltura d e massa, que intervém entre nossos olhos

5

e as coisas em si), d e tal modo que, n o fim das contas, os teóricos unam

o

"

LU suas vozes na nova dóxa que diz que o "referente" não existe mais.

De qualquer maneira, nesse terceiro momento os conteúclos da pró- pria mídia se transformaram em mercadorias, que são então Iançadas e m lima versão mais ampliada d o mercado a que se incorporam d e tal forma que as duas coisas se tornam impossíveis de distingiiir. Aqui, então, a mí- dia, como aquilo que o mercado fantasiava, volta agora a o mercado e , a o se tornar parte dele, sela e certifica a identificação antes metafórica ou ana- lógica como sendo uma realiclacle "literal".

O que temos, finalmente, q u e adicionar a essas cliscussões abstratas

: sohre o mercado é uma restriçào pragmática, uma fiincionalidade secreta

cle tal ordem que lance uma luz totalmente nova - incidindo em uma al-

tiira mediana - que ilumine plenamente o prOprio discurso ostensivo. E is-

so o que Barry, na conclusão d e seu livro tão útil, acaba deixando escapar

284 - por desespero ou por exasperação; a saber. qiie a prova filosófica das vá-

-

rias teorias neoliherais somente pode ser aplicada em uma única situação fundament:il, que nós podemos chamar (não sem ironia) d e "transição d o socialismo para o capitalismo"l~. Em outras palavras, as teorias d o mercado continuam utópicas, na medida e m que não podem ser aplicadas a esse processo fundamental de "desregulação" sistêmica. O próprio Rarry já ti- nh:i ilustrado o significado desse veredicto em um capítulo anterior em

( I U C ' , tliscutin(lo as pessoas que fazem escolhas racionais, chama nossa

; i i c * i i c . ; i o I>:ir:i o frito de que a situação ideal d o mercado continua sendo pa-

i . : ~ c~l:is I : I O iii0pic;i c, in~possível d e ser realizada nas condições d e hoje

( ~ i i : i i i i o C, I>:".:I ;I c~s(~uc~rcl:i tlc. hoje, a revoluçào oii transformação socialista

i]( )s I > : I ~ ~ ~ s clcb i~:i~~ii:ilisiiio :iv:iiic;iclo. Resta acrescentar qiie o referente aqui

i. tliil-Ao: i i ; i o si5 tr;it:i iiic.r:tiiientc cios processos dos vários países d o Leste

cliic, t h n sitio cntcnclitlos como cima tentativa d e restabelecer o mercado d e iim modo ou de outro, mas também daqueles esforços no Ocidente, em es- pecial sob Reagan e Thatcher, de acabar com as "regulamentações" d o Es- tado d o bem-estar e voltar a uma forma mais pura d e condições d e merca- do. Temos que levar e m conta que ambos os esforços podem fracassar por razões estmturais, mas também temos q u e ressaltar incansavelmente o fato bastante interessante d e que o "mercado" acaba sendo tão utópico quanto sempre foi considerado o socialismo. Nessas circunstâncias, nada se ganha a o substituir uma estnitura inerte (o planefamento burocrático) por outra

estrutura institucional inerte (a saber, o próprio mercado). O que é necessá-

rio é um grande projeto coletivo d o qual uma maioria ativa da população

participe, como algo que lhe pertence e que é construído com suas pró-

prias energias. A definição d e prioridades sociais - também conhecida na

literatura socialista como planejamento - teria que ser parte desse projeto

coletivo. Deve ficar claro, no entanto, que virtualmente, por definição, o mercado jamais pode vir a ser um projeto.

C I N E M A

9. A

nostalgia pelo presente

H

á um romance de Philip K. Dick publicado e m 1959 que evoca os anos - 2 8 5

ce que fo , esse livi I 1 I li ontem", -o poderi: ou a i n d 1 ser um 1 um vídc bom con- I Street, U ias cadeia rogramas

50: o derrame d o presidente Eisenhower, a Main .S.A., Marilyn Mon-

roe, um mundo d e vizinhos e cle PTAs* , peqiier is d e lojas varejistas

(os produtos trazidos d e fora e m caminh6es), p preferidos d e tele-

-

visão, flertes inconseqüentes com a vizinha d o lado, game shozus e conciir-

sos, sputniks vagando n o espaço, pequenas luzes brilhando no firmamento,

-

difíceis d e clistinguir d e aeroplanos ou d e discos voadores. Se estivéssemos v

interessados em construir uma cápsula d o tempo, o11 uma série d o tipo "pa- , ,

rei 20 documentário nostálgico dos anos

;

50 ieço: a ele poderPamos acrescentar os

caneios nem curtos, o começo a o roca nnd roll, as saias mais longas, e assim

por diante. Não se trata d e uma lista d e fatos o u d e realidades históricas (ain- da que o s itens dessa lista não sejam invenções e sejam, e m um certo senti- do, "autênticos"), mas sim d e uma lista de estereótipos, d e idéias d e fatos oi de realidades históricas. Ela nos sugere uma série d e questões fundamentai? Para começar, será q u e aquele "período" se via assim? Seri que a litcs

ratura d o período tratava desse tipo d e vida d e cidadezinha americrin:~ como uma de suas preocupações centrais, e , se não, por quê? Q u e outros

tipos d e preocupação pareciam mais importantes? É certo que, em rcstros-

pecto, os anos 50, d o ponto d e vista cultural, foram sintetizados c o m o i i i i i : i

série de protestos contra os próprios anos 50: contra a era Eisenhowcr c. sii:i

complacência, contra o fechamento da cidadezinha americana (I>r:inc.:i cs tlch

classe média) satisfeita consigo mesma, contra o conformismo c o cbtnoc.cLn-

trismo de uns Estados Unidos prósperos e centrados na vida f:iiiiili:ir, Liprc'n-

dendo a consumir e m seu primeiro boom após o s racionarncntos c, privii-

Referências

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