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1 Introdução. Paulo: Brasiliense, 1989), p Walter Benjamin, Sobre alguns temas em Baudelaire, in: Obras escolhidas volume III (São

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Este trabalho tem como objetivo investigar, no âmbito do pensamento de Walter Benjamin, expressões literárias do processo de ruptura com a tradição que caracterizou a modernidade. Distanciando-se do passado clássico, a época moderna trouxe consigo o conflito que pode ser resumido da seguinte forma: não era mais possível colocar-se perante a vida e referir-se à tradição como os antigos faziam, ao menos não com a mesma espontaneidade e sensação de pertencimento. Logo, foi preciso elaborar outras formas de tratar do passado a partir da perspectiva do declínio de sua apreensão tradicional. O interesse deste estudo dirige-se exatamente a formas artísticas, em especial expressões literárias, que problematizaram essa questão da (difícil) relação com o passado e, por conseqüência, com o fluxo do tempo. Tais questões engendraram o nascimento de obras que, de acordo com as análises críticas benjaminianas, pagaram “o preço que é preciso pagar para adquirir a sensação do moderno”1.

Em seu pensamento, Benjamin diagnosticou agudamente o processo de quebra da tradição clássica que se efetivou com o surgimento da burguesia e das sociedades industrializadas no final do século XIX. Em suas palavras, esse processo correspondia a uma queda da “experiência”, que acarretava a perda da vinculação de um patrimônio cultural coletivo, o que só era possível quando os membros de um grupo social compartilhavam o mesmo ambiente de trabalho e estavam ligados ao ritmo das atividades manuais. Era nas especificidades da produção artesanal que as histórias encontravam o espaço e o tempo propícios para serem narradas. E, com elas, a sabedoria ia sendo transmitida oralmente, de geração a geração, permitindo que a rede de experiências fosse tecida. Com a constatação do declínio da experiência na modernidade, Benjamin observou sua

1 Walter Benjamin, “Sobre alguns temas em Baudelaire”, in: Obras escolhidas volume III (São

Paulo: Brasiliense, 1989), p. 145.

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substituição pela “vivência”, uma vez que a relação com o “sentido da vida”2 deixou de se dar imediatamente na coletividade e passou a ser procurada por cada indivíduo no âmbito privado.

Nesse contexto, foi decisiva a passagem da “narrativa tradicional” – a qual Benjamin chamou de “uma forma artesanal de comunicação”3, sendo baseada na oralidade e responsável pela transmissão da sabedoria nas sociedades arcaicas – para a forma escrita do romance no advento da modernidade, tal como analisada em especial no ensaio “O narrador”. No âmbito das formas artísticas, o romance teria se fixado, então, como um meio para a busca do “sentido perdido” a partir de uma perspectiva individual na maneira de lidar com o fluxo do tempo. Na escrita e na leitura do romance, o homem passou a elaborar a sua inexorável submissão à lei do tempo. Dessa maneira, o problema do tempo e do caráter efêmero da vida, que passou a ser pensado no interior do romance, tem lugar central na discussão sobre a passagem da antiguidade para a época moderna, nos termos benjaminianos, de uma “experiência coletiva” para “vivências individuais”.

O ponto de partida deste trabalho é, portanto, a consideração desse processo de surgimento do romance moderno que “vai culminar na morte da narrativa”4. Tal processo era o caminho histórico particular pelo qual a literatura adquiria seu caráter moderno, o que significava abdicar das esperanças de completude e perfeição da estética clássica, centrada, segundo Benjamin, no conceito de símbolo. Por outro lado, era a estética alegórica, cuja imperfeição era também sinônimo de abertura, que passava a predominar. Ela buscava construir artificialmente, na linguagem, algum tipo de experiência, ou ainda uma forma de remeter à antiga experiência, que não seria mais dada naturalmente. Foi sobretudo na poesia lírica de Charles Baudelaire que Benjamin encontrou a mais vigorosa encarnação deste esforço alegórico. Lidando já com a percepção citadina atingida constantemente pelo choque, Baudelaire teria elaborado, em especial nos poemas de As flores do mal, outra possibilidade para o homem entrar em contato com a dimensão da memória em meio à modernidade.

Era o problema do tempo, nesse sentido, que emergia como preocupação filosófica crucial de Benjamin, cuja elaboração, em seu caso, fazia-se no exercício

2 Walter Benjamin, “O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”, in: Obras

escolhidas volume I (São Paulo: Brasiliense, 1994), p. 212.

3 Ibid., p. 205. 4 Ibid., p. 201.

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da própria crítica de arte. Neste contexto, suas interpretações de Proust são decisivas. No romance Em busca do tempo perdido, aparece a noção central de “memória involuntária”, que se opunha à esperança de resgate consciente e voluntário, por parte da inteligência, daquilo que passou. Esse acesso ao passado seria efêmero, instantâneo, ou seja, não ofereceria a possibilidade de ser possuído de forma duradoura, o que, segundo Benjamin, explicitava o caráter problemático da experiência do tempo na época moderna, no mesmo movimento em que o explorava criativamente.

Proust, portanto, situava-se no coração do problema da modernidade. Este era o mesmo lugar em que Benjamin encontrava-se. Por isso, ao mergulhar na obra do autor francês, ele encontrava, não raro, a si mesmo. Era a própria concepção de tempo de Benjamin que, por vezes, parecia inspirar suas interpretações de Proust. Na sua literatura, teria surgido a imagem do tempo “entrecruzado” que, escapando da cronologia linear habitual, adiantava a explosão da perspectiva continuísta da história empreendida pelo próprio Benjamin, por exemplo, em suas teses sobre o conceito de história. Tratava-se, em ambos os casos, de construir na linguagem o encontro entre o presente e o passado. Não caberia ao presente superar e desbancar o que veio antes, mas entrar em contato com ele, naquilo que Benjamin chamou, nas Passagens, de “imagem dialética”. Nela, poderíamos dizer, o tempo deixava de ser apenas a continuidade entre o antes e o depois para se tornar o cruzamento entre o ocorrido e o agora.

Na sua penetrante aproximação de Proust, por fim, Benjamin encontrava mais uma oportunidade, entre outras na sua obra, para formular certa perspectiva, bastante singular, para pensar o tempo e, assim, achar algum sentido, por precário que fosse, para a vida. Dessa maneira, suas descrições de Infância em Berlim por

volta de 1900 vêm compor, junto à Recherche proustiana, uma oportunidade de

elaborar o problema do devir e discutir a possibilidade de uma construção da experiência na escrita. Nas possibilidades interpretativas oferecidas pelo próprio passado, para Benjamin, não era a busca pelo que passou que importava, em uma luta contra o tempo. Era, antes, o que “poderia ter sido” que se apresentava, quer dizer, o que se originou mas nem sempre se completou e se consumou de todo, em uma luta a favor da abertura do tempo. Peter Szondi, com razão, apontou que a dimensão do tempo privilegiada por Benjamin era a do “futuro do pretérito”. Ele procurava o passado, sim, mas apenas porque enxergava nele o vigor do futuro

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que poderia nascer se, ao invés de dar curso à continuidade conformista da tradição, fôssemos capazes de experimentar o tempo em seu estado, diríamos com Proust, entrecruzado.

Diante das dificuldades colocadas pela modernidade à possibilidade de estabelecer alguma experiência com a segurança da antiguidade, a poesia de Baudelaire, o romance de Proust e a própria filosofia de Benjamin foram expressões literárias que, forjando outras maneiras de pensar o tempo, colocaram-se em busca do colocaram-sentido perdido.

*

Tendo se quebrado, a experiência (enquanto o que vincula a tradição e a memória coletiva) deixou apenas cacos, restos, fragmentos. O que restou de um passado coletivo foram peças que não mais se encaixavam. Para lidar com essa falta radical de um sentido para a vida – ou, dito de outra forma, a falta de uma unidade entre o sentido e a vida, característica dos tempos modernos – os indivíduos precisariam empreender, no âmbito de suas vidas privadas, a busca por um sentido que não era mais pré-estabelecido coletiva e inquestionavelmente. Surge, então, o questionamento sobre a vida, o tempo e seu sentido, a partir da necessidade de perguntar sobre a relação com o passado. Falar de lembranças da própria vida, de recordações dos personagens de um romance, da memória de um passado clássico e originário ou, ainda, da evocação poética de tempos imemoriais – essas questões se colocaram aos escritores na era moderna, para cada um a sua maneira.

A convivência com essa destruição pode lhes ter saído cara5, justamente porque a destruição de todos os modelos traz consigo uma total falta de parâmetros, mas foi essa a lei que regeu suas obras. No meio de fragmentos da tradição, na ruína da experiência, o escritor precisaria buscar uma unidade no âmbito de sua criação artística, enquanto uma construção propriamente dita e que, reflexivamente, assumia-se como tal. Ao escrever sobre o romance de Proust, Deleuze conclui que a unidade que falta ao mundo passa a existir “unicamente na

5 Walter Benjamin, “Sobre alguns temas em Baudelaire”, in: Obras escolhidas volume III (São

Paulo: Brasiliense, 1989), p. 145.

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estrutura formal significante da obra”6, em uma substituição do modo de o

indivíduo estar no mundo (a experiência) pelo “ponto de vista” do indivíduo sobre o mundo (a maneira como se fala da experiência, a forma como ele a exprime). O que pode ser entendido como a substituição da ingenuidade antiga pela reflexividade moderna a partir da consciência de que não mais pertencemos ao passado clássico e que, junto com ele, perdemos a unidade entre o sentido e as coisas, essencial e temporal.

De tal modo que todo o problema da objetividade, como o da unidade, se acha deslocado de uma maneira que devemos dizer ‘moderna’, essencial à literatura moderna. A ordem ruiu, tanto nos estados do mundo que presumidamente deveriam reproduzi-la quanto nas essências ou idéias que supostamente deveriam inspirá-la. O mundo ficou reduzido a migalhas e caos. Precisamente porque a reminiscência vai de associações subjetivas a um ponto de vista originário, a objetividade só pode se encontrar na obra de arte [...].7

*

Será papel da arte, nas palavras de Heidegger, tomar “o devir, ao qual pertence um insistente conflito, a saber, a dor, o padecer, sob sua guarda, sob sua proteção”8? O modo de sentir o tempo – tempo que vem não para permanecer, mas para passar, essa “pedra que a vontade não pode rolar”9 – não é só retratado na arte, como determina a produção artística, ou seja, a forma de o homem dizer o mundo. É no intuito de compreender a maneira como o homem se posicionou perante a própria vida a partir da questão da queda da experiência e da conseqüente problematização do fluxo do tempo, na busca por seu sentido, que este trabalho visa o estudo de certas formas artísticas que ocuparam lugar de destaque nas análises de Benjamin sobre a modernidade.

O próprio Benjamin escritor sondou as profundezas do passado, nas belas palavras de Hannah Arendt, “como um pescador de pérolas que desce ao fundo do mar, não para escavá-lo e trazê-lo à luz, mas para extrair o rico e o estranho, as

6 Gilles Deleuze, Proust e os signos (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006), p. 105. 7 Ibid., p. 104 e 105.

8 Martin Heidegger, “Quem é o Zaratustra de Nietzsche?”, em: Ensaios e conferências (Petrópolis:

Vozes, 2001), p. 105.

9 Friedrich Nietzsche, Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém (Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2006).

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pérolas e o coral das profundezas”10. Nas suas sondagens pela infância berlinense,

Benjamin buscou o passado “não para ressuscitá-lo tal como era”, em sua unidade e completude, mas para encontrar seus fragmentos, que teriam permanecido ocultos no fundo do mar. E quem sabe assim seria possível entender um pouco mais, não apenas do passado, mas também do futuro?

O que guia esse pensar é a convicção de que, embora o vivo esteja sujeito à ruína do tempo, o processo de decadência é ao mesmo tempo um processo de cristalização, que nas profundezas do mar, onde afunda e se dissolve aquilo que outrora era vivo, algumas coisas “sofrem uma transformação marinha” e sobrevivem em novas formas e contornos cristalizados que se mantém imunes aos elementos, como se apenas esperassem o pescador de pérolas que um dia descerá até elas e as trará ao mundo dos vivos [...].11

10 Hannah Arendt, Homens em tempos sombrios (São Paulo: Companhia das Letras, 1987), p. 176. 11 Ibid., p. 176.

Referências

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