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OS EXPERIMENTOS MENTAIS E O PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE. Willian José da Cruz Michael F. Otte

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OS EXPERIMENTOS MENTAIS E O PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE

Willian José da Cruz Michael F. Otte

1Instituto Federal de Ciencias e Tecnologia do Sul de Minas Geriais – Câmpus Pouso

Alegre/willian.cruz@ifsuldeminas.edu.br

Universidade Anhanguera de São Paulo/michaelontra@aol.com

RESUMO

A Educação Matemática é uma área de pesquisa e ensino muito complexa. Essa complexidade pode ser reduzida se considerarmos que o seu segredo se encontra na relação entre a linguagem, a lógica, a filosofia e a própria matemática. Mas como lidar com esse contraste que, por um lado, coloca a argumentação dependendo de uma intuição de diagramas como um experimento mental, e, do outro, coloca a linguagem e a lógica sustentando a ideia de uma prova totalmente formal tomando conta da matemática? Este trabalho se mostra como a propedêutica na tentativa de entender essa problemática e criar critérios que possam nos permitir identificar quais semelhanças e diferenças existem entre os processos de experimentação mental e de provas matemáticas formais.

Palavras-chave: Experimentos mentais. Provas matemáticas formais. Intuições. Complementaridade. Signos.

INTRODUÇÃO

Conceituamos experimentos mentais como formas que o sujeito tem de colocar seus próprios pensamentos, por meio de um determinado contexto, como objeto de consideração. Kuhn (2011) classifica os experimentos mentais como uma ferramenta valiosíssima no aprimoramento e na compreensão humana sobre a natureza (matemática). Os experimentos mentais são baseados num sistema de atividades supostas no qual as coisas são implicitamente assumidas. As provas são intuitivas não por motivos psicológicos, mas porque a intuição, de acordo com Kant, é a única maneira de conhecer a realidade.

Para Otte (2014), o uso de experimentos mentais na matemática nos permite entender que a intensão e a extensão dos nossos conceitos são complementares, de tal forma que, por um lado, elas funcionam de modo relativamente independente uma da outra, e, por outro, elas estão ligadas circularmente (círculo hermenêutico).

MOSTRANDO O PALCO

Segundo Otte (2012), as coisas no mundo são essencialmente de dois tipos: objetos e símbolos. Os objetos têm existência bem determinada, mas não têm sentido, já os símbolos (signos) têm sentido, mas não tem existência própria. Ambos têm importância para o nosso pensamento, pois não existe uma relação de dependência fixa entre estes dois tipos de coisas.

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A abordagem deste trabalho procura caracterizar a complementaridade do sentido (ou significado) e da referência. O indivíduo existente é determinado por relações de identidade e diferença, enquanto os significados são movimentos dentro de um determinado espaço ou contínuo.

A revolução científica dos séculos XVI e XVII ficou caracterizada como a época da transição da era da interpretação para era da representação. Segundo Foucault, a linguagem, em sua forma mais originária, foi pensada como uma assinatura certa e transparente da natureza, devido à semelhança com as coisas designadas.

Foucault escreve:

No começo do século XVII, nesse período que, com razão ou não, se chamou barroco, o pensamento cessa de se mover no elemento da semelhança. A similitude não é mais a forma do saber, mas antes a ocasião de erro. ... O semelhante que fora durante muito tempo categoria fundamental do saber- ao mesmo tempo forma e conteúdo do conhecimento – se acha dissociado numa análise feita em termos de identidade e de diferença (FOUCAULT, 2007, p. 70 – 74).

Antes da Revolução Copernicana, existia uma identidade entre texto e mundo, como podemos observar em Crátilo de Platão.

Her.:Crátilo está dizendo aqui, Sócrates, que há por natureza um nome exato para cada um dos seres; o nome não é uma designação que, segundo um acordo, algumas pessoas dão ao objeto, assinalando-o com uma porção de vozes de sua língua, mas que, por natureza, tem sentido certo, sempre o mesmo, tanto para [b] os gregos quanto para os bárbaros em geral. Perguntei-lhe, então, se, em verdade, Crátilo era ou não o seu nome, ao que ele respondeu afirmativamente, que assim, de fato, se chamava. “E Sócrates?”, perguntei. “É Sócrates mesmo”, respondeu. “E para todos os outros homens, o nome que aplicamos a cada um é o seu verdadeiro nome?” E ele: “não; pelo menos o teu”, replicou, “não é Hermógenes, ainda que todo mundo te chame desse modo”. E como eu insista em interrogá-lo, ansioso para saber, [384] não me dá resposta clara e ainda usa de ironia, como querendo insinuar que esconde alguma coisa de que tenha conhecimento, que me obrigaria – no caso de resolver-se a revelar-me– a concordar com ele e a falar como ele fala. Por isso, se tiveres meio de interpretar o oráculo de Crátilo, prazerosamente te ouvirei. (...) Sóc.: Assim sendo, convirá nomear as coisas pelo modo natural de nomeá-las e serem nomeadas, e pelo meio adequado, não como imaginamos que devemos fazê-lo, caso queiramos ficar coerentes com o que assentamos antes. Só por esse modo conseguiremos, de fato, dar nome às coisas; do contrário, será impossível (PLATÃO, 2009).

Para Platão, as ações se realizam segundo sua própria natureza e não conforme a opinião que temos dela. Logo, dar nomes às coisas não é uma técnica, mas uma ação, uma vez que falar é uma espécie de ação em relação a determinadas coisas.

Durante o Renascimento, a episteme da similitude ainda prevalecia. Logo, a interpretação direta tinha o poder de revelar a verdadeira natureza das coisas. Veio então a Revolução Científica e as coisas mudaram. A episteme da representação da atividade linguística começou a fundamentar todo o conhecimento, e, como consequência, os símbolos passaram a ser classificados de acordo com o seu sentido, ou seja, de acordo com as relações de identidade e diferença, ao invés de uma referência objetiva.

René Descartes, nas primeiras linhas da Regulae, escreve:

“Os homens costumam, quando se descobrem algumas semelhanças entre duas coisas, atribuir tanto a uma como a outra, mesmo sobre os pontos em que elas

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são na realidade distintas, aquilo que se reconheceu verdadeiro para somente uma das duas” (DESCARTES, 1965).

A crítica cartesiana da semelhança não é mais o pensamento do século XVI, inquietando-se diante de si mesmo e começando a se desprender de suas mais familiares figuras. É o pensamento excluindo a semelhança como experiência fundamental e forma primeira do saber, denunciando nela um misto confuso que precisa ser analisado em termos de identidade e de diferença, de medida e de ordem.

Os experimentos mentais mostram o lado humano da ciência, enquanto a formalização, baseando-se nas relações de identidade e diferença, serve para eliminar os caprichos e as flutuações imprevisíveis do espírito humano e estabelecer uma implementação formal ou tecnológica do pensamento e do conhecimento.

Nossos estudos se basearam numa pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico e explicativo, vinculada à linha de pesquisa Ensino e Aprendizagem da Matemática e suas Inovações, na qual estudamos a relação entre a Matemática e a linguagem, adotando o princípio da complementaridade aplicado aos estudos semióticos, didáticos, históricos e epistemológicos da Matemática.

O PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE

O princípio da complementaridade foi formulado pela primeira vez por Niels Bohr por volta de 1930 (OTTE, 2003), motivado pelo fato de que, ao observar os fenômenos atômicos, chega-se à conclusão de que uma realidade independente no sentido físico comum não pode ser atribuída independentemente nem aos fenômenos, nem aos instrumentos de observação. Bohr acreditava na importância geral epistemológica e metafísica de seu princípio.

Ele afirmava que as propriedades complementares dos objetos não podiam ser medidas ao mesmo tempo com precisão. Por exemplo, os aspectos de partícula e de onda dos objetos físicos são fenômenos complementares. Ambos os conceitos são emprestados da mecânica clássica na qual tem-se que considerar que um objeto é ao mesmo tempo uma partícula e uma onda. Portanto, é impossível medir por completo as propriedades de onda e de partícula em um momento particular.

Segundo Silva (1972), as ideias de Bohr tiveram, aparentemente, a sua origem em correntes psicológicas do começo do século e, sobretudo no fluxo do pensamento de W. James, cujo Tratado sobre Psicologia, seria o fator fundamental que influenciou Bohr.

Para Otte (2003), a prática matemática, que veio se libertando da metafísica, desde os dias de Cantor e Hilbert, requer uma abordagem complementar com o intuito de ser entendida corretamente.

Otte (1993) escreve que a dinâmica do conhecimento consiste no fato de que novos objetos são trazidos para o pensamento e novos conhecimentos são produzidos acerca desses objetos. Na Matemática, esses objetos não são encontrados em algum lugar, mas são transmitidos pela práxis social-histórica global do homem.

O autor argumenta que quando se deseja progredir de uma polaridade para uma genuína complementaridade, na qual cada elemento polar tanto se diferencia quanto se assemelha, é preciso colocar a atividade como a essência da relação sujeito-objeto.

Complementaridade não é uma mera dualidade de sentido e referência de nossas representações, pois nenhum dos dois elementos, meio e objeto, podem ser determinados sem o outro, apesar de em determinado momento, de um certo ato epistemológico

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individual, meio e objeto terem um papel complementarmente assimétrico (OTTE, 1993, p. 224).

Segundo Otte (1993), os meios e os objetos do conhecimento são de fato distintos, mas não podemos definir os meios sem os objetos. De forma inversa, cada relação é transmitida ao objeto de forma não direta e não absoluta. Um objeto para o qual não podemos produzir alguma relação com algum meio qualquer, não existe para nós como objeto do conhecimento, ou seja, não podemos definir um objeto sem um meio (OTTE, 1993, p. 224).

Mas o objeto do conhecimento não é totalmente subordinado ao meio, pois se assim fosse, as teorias seriam idênticas às suas linguagens, e, um objeto, como por exemplo, um átomo, seria idêntico aquilo que uma certa teoria afirmaria que fosse. Se houvesse um progresso na teoria, o objeto mudaria, ou se a teoria afirmasse algo diferente sobre o objeto, ele perderia totalmente a sua identidade.

A complementaridade coloca o objeto e o meio em conexão, mas os mantém em oposição também. Segundo Otte (1993), a dinâmica do processo de pesquisa traz a perspectiva que em certo sentido é relevante a relação entre a teoria Matemática e suas linguagens, uma vez que essa relação é extremamente fechada, rígida e impenetrável.

Segundo Otte (2006), essa complementaridade se torna visível e distinguível da mera dualidade, por considerar a perspectiva genética do conhecimento que concentra no caráter evolutivo da nossa matemática, a partir da perspectiva da relação entre sujeito e objeto.

O autor esclarece que a noção de complementaridade é relevante para qualquer estudo epistemológico, em particular, o estudo dos fundamentos da Educação Matemática, por entender a matemática a partir de uma perspectiva genética. Esta perspectiva implica o abandono das noções de “coisas em si”, ou seja, a matemática como objetos semânticos não representados, ou ideias como “matemática como tal”, ou “verdades absolutas” como separadas das nossas capacidades de verificação e de prova.

Segundo Otte (2006), a matemática nesse ponto de vista tem o sabor pragmático e sua tradição remonta a Peirce, Kant e, Berkeley. Conforme a suposição de Locke de que nosso conhecimento se baseia em ideias percebidas por sensações, Berkeley (1975) se comprometeu a examinar tudo o que poderia existir. Ele concluiu que qualquer coisa que existe, ou é o percebido, ou o que se percebe.

De acordo com Locke, a matéria foi a causa imprescindível de nossas ideias. Como então, pediu Berkeley, não havendo meios para verificar a existência da matéria, poderia importar-se e dizer que existe? O princípio de Berkeley também pode ser expresso por dizer que para que algo exista para nós, ele deve ser representado. Foi assim que Kant e, mais tarde, Peirce tendo entendido Berkeley, levou Otte (2006) à ideia de complementaridade, que surge porque os sinais são usados ao mesmo tempo referencialmente e atributivamente.

O RACIOCÍNIO POR MEIO DE SIGNOS

Devemos generalizar se queremos garantir o futuro da cultura científica e da Matemática, como afirma Otte (2014). Sem generalização, a Matemática se tornaria uma espécie de jogo de xadrez, como matemáticos desde Peirce (1839 – 1914) e Poincaré (1854 – 1912) já haviam argumentado repetidamente.

Segundo Otte (2014), o jogo de xadrez tem se tornado, hoje em dia, o domínio do computador e da máquina. O campeão mundial de xadrez Magnus Carlsen, disse que seu professor e treinador mais importante foi o computador. Caracterizado pelo seu parceiro

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eletrônico, Carlsen tinha um estilo pouco ortodoxo. Carlsen disse que nenhum homem pode ganhar do computador. E ninguém entende melhor em desgastar os seus adversários através de uma estratégia dilatória difícil do que Magnus Carlsen (OTTE, 2014). Hoje, o jogo de xadrez se transformou numa guerra psicológica.

Otte (2014) afirma que ainda hoje pode se aprender com a experiência do xadrez, mas, principalmente por analogia ou metáfora, ligando a experiência a outros tipos de contextos e problemas distintos.

O fato essencial é que a Matemática, não é simplesmente um conhecimento de algoritmos e o ser humano, não é apenas uma calculadora ou sofista, ou fixador de algo arbitrário, esses (matemática e o ser humano), têm a necessidade de idealização e de generalização.

Temos que criar novos conceitos e ideias, pois generalizar, os meios (derivados) apenas isso, já nos condiciona a introduzir novos objetos ideais. A complementaridade entre objetos ideais e objetos existentes, corresponde a uma complementaridade entre a mente e o cérebro, ou entre a epistemologia e um tema ontológico (KLEIN, 2014).

O conhecimento é um processo de adaptação mútua entre o sujeito e o objeto, que muda ambas as partes envolvidas, essa complementaridade está na determinação do sujeito e do objeto do conhecimento.

Para generalizar, temos que estender o conhecimento factual a um ato de fé na continuidade da natureza. Segundo Otte (2014), o princípio da continuidade tem sido de fundamental importância para todas as ciências exatas, inclusive a Matemática, funcionando, porque a realidade objetiva precisa de uma lógica, particularmente o campo da mecânica e da geometria.

Nós seres humanos, somos perseguidos e assediados por esperanças, fé, sonhos, expectativas e ideias e essas coisas têm influências sobre nós, sobre nossa mente e não podem ser superestimadas. Nós vivemos num mundo de signos e de possibilidades e não num universo de coisas determinadas.

Otte (2014) esclarece que esses tipos de coisas dão um significado para o processo de conhecimento, sendo descrito como um processo semiótico de interpretação e, portanto, de uma espécie de interatividade entre objetos e ideias. Essa é a verdadeira essência da noção de complementaridade (OTTE, 2003, 2006).

Peirce (2010, 98–100,) identifica nas ciências três espécies fundamentais e distintas de raciocínio: a dedução, a indução e a abdução. A dedução é o modo de raciocínio que examina o estado de coisas colocadas ou assumidas nas premissas de um argumento. A indução é o modo de raciocínio que adota uma conclusão como aproximada, por ela resultar de um método de inferência que, no geral, deve no final conduzir à verdade. A abdução é a adoção provisória de uma hipótese passível de verificações experimentais (intuições).

Vejamos alguns exemplos:

Exemplo 1: “Provar que a soma dos ângulos internos de qualquer triângulo na geometria euclidiana é 180°”

Podemos analisar esse teorema com dois olhares, o da Filosofia e o da Matemática. Para Kant, o conhecimento filosófico é o conhecimento racional por conceitos (intensão) e o conhecimento matemático é o conhecimento racional por construção de conceitos (extensão).

A construção de conceitos exige uma intuição não empírica, consequentemente, a intuição incide sobre um objeto singular (uma representação). Essa construção de conceitos deve expressar na representação alguma coisa universal (uma representação geral), que se

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aplique a todas as intuições possíveis relacionadas a esse conceito. Em outras palavras, a Matemática trabalha tanto com conceitos quanto com objetos.

Segundo Kant (A717, B744) se der a um filósofo o conceito de um triângulo e se deixar que ele descubra do seu modo como a soma de seus ângulos se comporta em relação ao ângulo reto. Ele dispõe apenas do conceito de uma figura encerrada em três linhas e nela, o conceito de três ângulos.

Por mais que se pense sobre esse conceito, o filósofo nunca produzirá alguma coisa nova. Kant continua afirmando que pode analisar e esclarecer o conceito de linha reta ou de um ângulo, ou do número três, mas nunca pode chegar a outras propriedades que já não estejam contidas nesses conceitos.

Kant (A717, B744), continua dizendo que um geômetra encarregado de resolver essa questão, começa por construir um triângulo.

Figura 1 – Triângulo qualquer

Sabendo que a soma de dois ângulos retos equivale à soma de todos os ângulos adjacentes que podem ser traçados de um ponto qualquer de uma linha reta, o geômetra prolonga um lado de seu triângulo e obtém dois ângulos adjacentes, cuja soma é igual a dois ângulos retos.

Figura 2 – Prolongamento do lado do triângulo

Na sequência, divide o ângulo externo, traçando uma linha paralela ao lado oposto do triângulo verificando que um ângulo interno do triângulo é igual a um ângulo adjacente. Dessa maneira o geômetra chega, por meio de uma sequência de raciocínios, à solução perfeitamente clara e ao mesmo tempo geral da questão.

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Figura 3 – Reta paralela a um dos lados do triângulo

Exemplo 2: Para provar que a soma das medidas dos ângulos externos de um triângulo é 360º, um aluno procedeu da seguinte maneira: “Se você caminhar por toda a volta sobre a linha do triângulo e terminar olhando o caminho por onde começou, você deve ter girado um total de 360º”.

Figura 4 – Soma dos ângulos externos de um triângulo

A descrição feita por Kant sobre a diferença entre a abordagem filosófica e a abordagem matemática, em relação a prova da soma dos ângulos internos de um triângulo (B 744,745), coloca a prova matemática como um experimento mental. No entanto, Kant se perde, porque parece que ele não colocou suas premissas de forma explícita. O exemplo 2 é um experimento mental equivalente ao raciocínio de Kant:

A resposta 360 graus, considerada pelo aluno é simples, pois a direção final coincide com a inicial. Esta resposta, embora óbvia, no entanto, é baseada na suposição de que isso equivale à mesma coisa, girar em torno de si mesmo perfazendo um ângulo completo de 360 graus, por um lado, e fazer isso passando ao longo da periferia de um triângulo arbitrariamente grande, por outro lado (generalização), portanto um experimento mental. No entanto, esta suposição só é verdade se o espaço tiver uma estrutura euclidiana, pois só no plano euclidiano, existem triângulos semelhantes de tamanho ou expansão arbitrária. Essa é uma inferência abdutiva, pois temos que considerar a geometria euclidiana, que não estava presente nas premissas iniciais do problema.

Para Peirce (2010, 303) todo raciocínio é definido por tríades e uma tríade particularmente importante é a que envolve três tipos de signos: o ícone, o índice e o símbolo.

O primeiro, o ícone, é um signo diagramático que ostenta uma semelhança ou analogia com o sujeito do discurso. O segundo é o índice que, tal como um pronome demonstrativo ou relativo, chama a atenção para o objeto particular que estamos querendo descrever. E o terceiro é o símbolo, isto é, o nome geral ou a descrição que significa o

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objeto por meio de uma associação de ideias ou conexão habitual entre o nome e a característica do significado (PEIRCE, 2010, 370).

O ícone é um signo que se refere ao objeto que denota apenas em virtude de seus caracteres próprios. É a imagem ou a representação do objeto. Qualquer coisa, como uma qualidade, ou uma lei é ícone de alguma coisa, se assemelhar a essa coisa e nesse caso pode ser utilizado como signo dessa coisa. Por exemplo, se falo do triângulo geral, o ícone desse objeto pode ser a figura seguinte:

Figura 5 – Ícone do triângulo

O índice é um signo que se refere ao objeto em virtude de ser realmente afetado por esse objeto. O índice envolve uma espécie de ícone, um ícone do tipo especial e não uma mera semelhança com o seu objeto. Tem alguma qualidade em comum com o objeto, é um nome ou uma indicação. Por exemplo, em alguns textos de Matemática, a escrita (indica triângulo de vértices A, B e C).

O símbolo é um signo que se refere ao seu objeto denotando uma virtude ou uma lei, normalmente associando ideias gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo ao seu objeto, ou seja, é uma convenção. A palavra triângulo é um exemplo de símbolo, pois somos capazes de imaginar uma coisa, ou objeto, associada à palavra triângulo.

Para Peirce, o signo é reconhecido pelo sujeito cognitivo de forma consciente e para isso, o sujeito tem de criar outros signos e interpretações do primeiro (OTTE, 2012, p.140). O fluxo do pensamento expressa, segundo Otte (2012, p.15), uma interação recursiva e contradições entre o sujeito e o objeto, ou seja, o objeto ou referentes dos signos por um lado e o interpretante ou sentidos dos signos do outro.

Otte (2012) afirma que todo raciocínio é uma interpretação de signos de algum tipo e essa interpretação é apenas a construção de um novo signo e assim por diante. A cognição avança por meio da construção de uma representação adequada e essa construção resolve a oposição entre o sujeito e o objeto, dando a esse objeto uma forma.

A relação entre o sujeito e a realidade estabelece o objeto do conhecimento e não pode ser considerada uma coisa em si mesma. Um objeto matemático, não existe independente de todas as suas representações, por exemplo, o número, a função etc., porém, não devemos confundir o objeto com uma de suas representações particulares.

Peirce afirmava que não é possível fazer matemática pela simples consideração de certos tipos de objetos abstraindo o que vemos de essencial neles (OTTE, 2012). O melhor pensamento é aquele como se tivesse experimentado na imaginação um diagrama ou outro (PEIRCE, NEM I. p. 22).

Peirce enfatizou repetidas vezes que os diagramas são essencialmente ícones (PEIRCE, 2010, 4.418). E ele continua argumentando que os ícones são os únicos tipo de

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signos, possíveis de trazer novas ideias e verdades. Peirce também insistiu que a intuição espacial é "o único método de pensamento valioso" (PEIRCE, 2010, 1.383).

Segundo Otte (2012), a ideia de signo pode nos ajudar a compreender melhor que existem distintas caracterizações da Matemática, que representam aspectos complementares do pensamento matemático. Os signos são usados referencialmente (ícone) e também atributivamente (índice). Eles são usados para determinar ou indicar coisas que o sujeito pensa.

CONCLUSÃO

Na matemática, sentido ou significado toma forma dual. O estruturalismo matemático e a abordagem axiomática estão preocupados com conceitos, em vez de objetos. A axiomática formal surgiu do fato de que a geometria não podia definir seus objetos, algo que Pascal já haviam observado. Isso levou a conceber os conceitos matemáticos em termos instrumentais ou completamente operacionais.

Um conceito é para ser definido, como Moritz Schlick (1918), disse em relação à axiomatização da geometria de Hilbert, pelo fato de que certas conclusões poderiam ser tiradas sobre isso. O significado de um conjunto de axiomas ou equações algébricas é algo como o conjunto de todas as conclusões formais que pode ser obtido a partir dele.

No entanto, no contexto da geometria, topologia ou matemática aplicada e ciência natural, significados estão ligados ao princípio da continuidade, sendo algum tipo de trajetória dentro de um determinado espaço. A mecânica, por exemplo, poderia ser concebida como um espaço de três dimensões (comprimento, altura e massa) e as leis da mecânica seriam relações entre essas dimensões.

A matemática precisa de generalização, por isso precisa de ideias e intuições. O princípio da complementaridade mostra que a atividade é um processo e o conhecimento é desenvolvido pela atividade que por um lado é determinada pelo objeto e por outro pelo indivíduo. A verdade de um teorema coincide com a possibilidade de formulá-lo, nesse aspecto, verdade e certeza se coincidem.

Peirce deu uma melhor caracterização da matemática como atividade do pensamento diagramático. Na matemática, construir diagramas permite ganhar uma intuição das coisas que de outra maneira não se tornariam visíveis. Esse pensamento teoremático pode ser traduzido na dinâmica de aplicação dos experimentos mentais, que produzem ideias para construir uma prova. Neste caso, o raciocínio hipotético dedutivo se torna uma interpretação do diagrama ou dos experimentos mentais.

Pode-se até pensar que um experimento mental só produz hipóteses, enquanto uma prova formal produz certezas, mas se assumirmos que uma prova matemática traz certezas isto deve ser provado.

Kuhn (2011) nos traz que os experimentos mentais servem para criar e esclarecer conceitos abstratos, ou seja, constrói conceitos, mostrando que todo pensamento humano tem intensão e extensão.

Intensão e extensão dos nossos conceitos devem ser vistas como complementares, em que, por um lado, elas funcionam de modo relativamente independente uma da outra, e, por outro lado, estão ligadas circularmente (círculo hermenêutico). Portanto, o princípio da complementaridade nos permite usar os símbolos e os conceitos num duplo sentido, tanto atributivamente quanto referencialmente.

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REFERÊNCIAS

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DESCARTES, René. Regras para a direção do espírito. Tradução: João Gama. Lisboa: Edição 70 LDA, 1965.

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KANT, I. Crítica a razão pura. Trad. M. P. Santos e A. F. Morujão. Introdução e notas de A. F. Morujão. 4ª ed. Lisboa: Fundação Caloute Gulbenkian, 1997.

KLEIN, Stanley. B. The Two Selves: Their Metaphysical Commitments and Functional Independence. Oxford: Oxford University Press, 2014. xx+153 pp. OTTE, M. Complementary, Sets and Numbers. Educational Stud. in Math 53, 2003. 203-228 pp.

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SCHLICK, Moritz. Allgemeine Erkenntnislehre. Berlim: Verlag Von Julius Springer, 1918.

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