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Vitorino, António Manuel de Carvalho Ferreira, A investidura da Comissão Europeia

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Universidades Lusíada

Vitorino, António Manuel de Carvalho Ferreira,

1957-A investidura da Comissão Europeia

http://hdl.handle.net/11067/5042

Metadata

Issue Date 1995

Keywords União Europeia. Comissão Type article

Peer Reviewed yes

Collections [ULL-FD] Polis, n. 03 (1995)

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ANTONIO VITORINO (*)

A INVESTIDURA DA COMISSAO

EUROPEIA

1. De entre as alterac;:oes institucionais introduzidas pelo Tratado da Uniao Europeia (TUE) avulta, sem margem para dtividas, a que respeita ao processo de investidura da Comissao Europeia, que assenta sobretudo na redacc;:ao do artigo 158.0 do Tratado CEE (modificado pelo artigo G, n.0

48, do TUE), que dispoe:

«ART! GO 158. o

1. Os membros da Comissiio siio nomeados segundo o procedi-mento previsto no n. o 2, por um periodo de cinco anos, sem prejuizo da eventual aplicac;iio do disposto no artigo 144. o

Podem ser reconduzidos nas suas func;oes.

2. Os Governos dos Estados-membros designam de comum acordo, ap6s consulta ao Parlamento Europeu, a personalidade que tencionam nomear Presidente da Comissiio.

Os Governos dos Estados-membros, em consulta corn o Presidente designado, designam as outras personalidades que tencionam nomear membros da Comissiio.

0 Presidente e os demais membros da Comissiio assim designados siio colegialmente submetidos a um voto de aprovac;iio do Parlamento Europeu. Ap6s a aprovac;iio do Parlamento Europeu, o Presidente e os demais membros da Comissiio siio nomeados, de comum acordo, pelos Governos dos Estados-membros.

3. 0 disposto nos numeros 1 e 2 sera aplicavel pela primeira vez ao Presidente e aos demais membros da Comissiio cujas func;oes tern inicio em 7 de Janeiro de 1995.

(*) Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa. Presidente da Comissao das Liberdades Publicas e Assuntos Internos do Parlamento Europeu.

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Ant6nio Vitorino

0 Presidente e os demais membros da Comissiio cujas fum;oes tern

in{cio em 7 de Janeiro de 1993 seriio nomeados de comum acordo

pelos Governos dos Estados-membros. 0 perfodo de exercfcio da suas

funr;oes termina em 6 de Janeiro de 1995.»

Anteriorrnente a entrada em vigor do TUE, a Cornissao era designada pelos governos· dos Estados-rnernbros, «de cornum acordo» e por urn perfodo de cinco anos. Nos terrnos da nova redac~ao do aludido artigo 158.0

, e garantido a Comissao urn rnandato de cinco anos (salvo o

caso, tal como anteriormente, de ocorrer a sua demissao por via de

aprova-~ao de urna mo~ao de censura, nos terrnos do artigo 144.0

do Tratado), mas a sua entrada em fun~oes esta condicionada a aprova~ao do Parlarnento Europeu (PE) e, ap6s 1995, corn a nova Comissao presidida por JACQUES SANTER, o seu rnandato coincide, em termos de dura~ao, corn o do pro-prio Parlamento Europeu.

Face a este quadro, o que nos propomos analisar e precisamente o con-junta de irnplica~oes, quanto ao estatuto da Comissao e ao funcionarnento global das institui~oes cornunitarias, decorrentes desta inova~ao

introdu-zida pelo Tratado de Maastricht quanto a investidura da Comissao.

2. Independenternente dos especfficos con torn os jurfdicos do processo de investidura da Comissao adoptado pelo TUE, a altera~ao do artigo 158.0

foi generalizadarnente interpretada como correspondendo a urna

valoriza-~ao do papel do Parlamento Europeu no contexto das institui~oes comuni-tarias e muito especialmente como uma resposta, ainda que parcelar e limi-tada, as pretensoes sucessivamente reiteradas pelo PE no sentido de ver

refor~ada a responsabilidade polftica da Comissao face ao Parlarnento.

Nesta linha de orienta~ao apontava o projecto de Tratado da Uniao Euro-peia de 14 de Fevereiro de 1984, elaborado sob o irnpulso de ALTIERO

SPINELLI (publicado no Boletim das Comunidades Europeias 2-1984),

que consagrava expressarnente a responsabilidade polftica da Comissao perante o Parlamento Europeu (art. 29.0

, n.o 1) e que concebia o sistema de designa~ao da comissao como assentando basicamente na nomea~ao pelo Conselho Europeu do Presidente da Comissao, na escolha dos membros da Comissao pelo respectivo Presidente ap6s consulta ao Conselho Europeu e

na vota~ao do programa politico da comissao pelo P.E. ap6s o que este

daria posse ao novo colegio de comissarios (art. 25. 0 ) .

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A Investidura da Comissao Europeia

Tendo em vista sublinhar o sentido politico da alteras,;ao introduzida em Maastricht, o proprio P.E. modificou o seu regimento interno, tendo aditado do is artigos atinentes ao voto sobre o Presidente da Comissao (artigo 32. 0

)

e sobre a aprovas,;ao dos restantes membros da Cornissao (artigo 33.0 ) ,

res-pectivamente do seguinte teor:

«ART/GO 32.0

DesignafiiO do Presidente da Comissiio

I. Logo que os Governos dos Estados-membros tenham acordado numa proposta para a designa{:iio do Presidente da Comissao, o Pre

-sidente convidara o candidato indigitado a proferir uma declarafdo perante 0 Parlamento. A declarafdO sera seguida de debate.

0 Conselho sera convidado a participar no debate.

2. 0 Parlamento aprovara ou rejeitara a designafdo proposta par maioria dos votos expressos.

A votafdo sera nominal.

3. 0 Presidente enviara o resultado da vota{:do ao Presidente do Conselho Europeu e aos Governos dos Estados-membros, enquanto

parecer do Parlamento.

4. Se o Parlamento der parecer negativo

a

proposta de designa-fdo do Presidente da Comissdo, o Presidente convidara os Governos dos Estados-membros a retirarem a sua proposta e a apresentarem uma nova proposta ao Parlamento.»

«ART/GO 33. o

Voto de aprovafiio da Comissiio

/. Logo que os Governos dos Estados-membros tenham chegado a acordo quanta aos names das outras personalidades que tencionam nomear para o cargo de membra da Comissdo, o Presidente, ap6s con-sulta ao Presidente indigitado da Comissao, convidara os candidatos indigitados a comparecerem perante as diferentes comissoes parla-mentares, consoante os seus provaveis dominios de actividade.

2. Cada comissao podera convidar o candidato indigitado afazer ull!a declarafdo e a responder a perguntas, devendo informar o Presi-dente das suas conclusoes.

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Ant6nio Vitorino

3. 0 Presidente indigitado da comissiio apresentara o programa da Comissiio designada em sessiio do Parlamento, na qual todos os membros do Conselho seriio convidados a participar. A declarariio sera seguida de debate.

4. A fim de encerrar o debate, qualquer grupo politico podera apresentar uma proposta de resoluriio que devera conter uma decla -rariio no sentido de o Parlamento aprovar ou rejeitar a Comissiio designada.

5. Para aprovariio da Comissiio pelo Parlamento sera necessa-ria a maionecessa-ria dos votos expressos.

A votariio sera nominal.

6. Se o Parlamento aprovar a Comissiio designada, o Presidente notificara os Governos dos Estados-membros de que se podera proce-der

a

nomeariio da Comissiio.»

Conforme resulta destas disposic;:oes regimentais, o Parlamento Euro-peu resolveu proceder a uma interpretac;:ao dos normativos do Tratado ati-nentes

a

nomeac;:ao da Comissao Europeia, adoptando para tanto urn quadro corn vocac;:ao manifestamente inovat6ria, praeter le gem, assente sobretudo

na ideia de proceder a audic;:oes dos candidatos a Comissarios por parte das diferentes comissoes especializadas do Parlamento Europeu.

Esta intenc;:ao, expressa desde logo nas pr6prias regras do Regimento interno do P.E., foi acompanhada por uma Resoluc;:ao votada na sessao ple -naria de 21 de Abril de 1994, corn base num relat6rio apresentado pela Comissao Institucional, de que foi relator o Deputado FROMENT--MEURICE (doe. A3-0240/94).

No essencial esta resoluc;:ao considera que o TUE passou a conferir ao PE urn verdadeiro e proprio poder de investidura da Comissao, enquanto elemento do processo de democratizac;:ao das instituic;:oes comunitarias, pelo que esse processo de investidura deve permitir ao PE exercer uma «influencia directa sobre as orientac;:oes e a composic;:ao da Comissao», tendo em vista «controlar a acc;:ao desta» (considerandos A e B).

Corn efeito, toda a orientac;:ao da resoluc;:ao assenta num princfpio geral de responsabilidade politica da Comissao perante o Parlamento Europeu enquanto 6rgao colegial, pelo que nela se sublinha que os membros indigi-tados da Comissao «devem possuir elevadas qualificac;:oes para integrarem urn 6rgao executivo de caracter governamental que exerce

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responsabilida-A Investidura da Cornissao Europeia

des em nome de trezentos e cinquenta milh6es de cidadaos» (ponto 3) e ccinsequentemene conferir garantias de independencia, ja que «estas garan-tias constituem urn princfpio de caracter constitucional que deve ser rigo-rosamente respeitado, designadamente no que diz respeito a independencia face aos Estados-membros» (ponto 4).

0 PE, nesta resolw;:ao, avan~ou mesmo alguns criterios materiais nor-teadores do jufzo que passou a ser chamado a formular sobre a Comissao, de que cumpre destacar a exigencia de que o Presidente da Comissao seja escolhido entre personalidades que ja tenham sido membros de institui~6es comunitarias ou que tenham exercido, nos respectivos pafses, competencias em materia europeia (ponto 5), bem como a afirma~ao do entendimento segundo o qual o princfpio da escolha «de comum acordo» dos membros da Comissao impedir escolhas unilaterais discricionarias dos governos dos Estados-membros, competindo por isso «a institui~ao eleita por sufragio universal directo exercer urn controlo particular vigilante sobre estas esco-lhas» (ponto 6).

0 paralelismo que nesta resolu~ao e estabelecido entre o voto sobre o Presidente indigitado e o voto da Comissao indigitada no seu conjunto nao iludiu, contudo, a distinta natureza de ambos os votos tal como os define oTUE.

Corn efeito, depois de sublinhar que a escolha do indigitado Presidente da Comissao deve ser precedida de uma consulta ao proprio PE, no quadro da Conferencia dos Presidentes dos Grupos Polfticos (ponto 12), a resolu-~ao manifesta o entendimento segundo o qual «na hipotese [de oPE] emi-tir urn voto negativo sobre o nome da personalidade que os Governos dos Estados-membros tencionam designar como Presidente da Comissao, (o Parlamento) recusara a respectiva investidura a Comissao se os Gover-nos dos Estados-membros apresentarem de novo o mesmo candidato» (ponto 13).

Na realidade, a resolu~ao pretende estabelecer uma liga~ao de puro sig-nificado polftico entre o voto, de natureza jurfdica meramente consultiva, que o PE e chamado a proferir quanto ao Presidente da Comissao e o voto, este de natureza vinculativa, que os Tratados preveem quanto a Comissao no seu conjunto. Embora nada na letra dos Tratados determine esta imbri-ca~ao entre os dois votos, a questao foi claramente equacionada pelo pro-prio candidato JACQUES SANTER em Julho de 1994, quando confrontado corn a possibilidade de ver o seu nome rejeitado pelo PE, ao admitir que, em tal situa~ao, consideraria estar privado das condi~6es polfticas

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necessa-Ant6nio Vitorino

rias a levar por diante a tarefa de constituir urn colegio de Comissarios. Na sequencia do que, no discurso perante oPE em Janeiro de 1995, o ja entao confirmado Presidente da Comissao, falando nas reformas a introduzir na conferencia intergovernamental de 1996, deixou no ar a interrogac;ao: «por que nao permitir ao Parlamento Europeu eleger o meu sucessor corn base numa lista proposta pelo Conselho Europeu?»

E, alias, curioso notar que em sede de regulac;ao juridica no regimen to

do Parlamento Europeu, ainda que corn as limitac;oes proprias de uma norma deste tipo - designadamente quanto

a

sua eficacia externa - os Deputados encontraram como «saida» para a eventual rejeic;ao do indigi-tado Presidente da Comissao a previsao de uma comunicac;ao, pelo Presi-dente do Parlamento, aos Governos dos Estados-membros corn o sentido de urn convite a que estes retirem a proposta rejeitada e a fac;am substituir por urn novo nome (art. 32.0

, n.0 4). Mas ja na resoluc;ao de Abril de 1994, tal-vez por terem consciencia do escasso alcance daquele normativo regimen-tal, optaram antes por uma directriz de ordem politica que, no essencial, leva a ligac;ao entre a rejeic;ao do Presidente indigitado e a ulterior rejeic;ao do conjunto do colegio de Comissarios. Trata-se, pois, de uma tentativa de, no plano da pura pressao politica, tentar «atrain> o regime meramente con-sultivo da aprovac;ao ou rejeic;ao do Presidente da Comissao para o domi-nio vinculativo da votac;ao da propria Comissao no seu conjunto, fazendo do primeiro voto, quando negativo, urn anuncio do que inelutavelmente de vera ser o segundo, uma especie de «cronica de uma morte anunciada» ...

lndependentemente do discutivel fundamento legal destas soluc;oes -quer da que consta do Regimen to -quer da que decorre da resoluc;ao de Abril de 1994 - importa reconhecer que a dinamica politica criada pelo TUE ao instituir urn voto consultivo sobre o indigitado Presidente da Comissao acaba, assim, por ceder perante o peso conferido ao PE quanto ao destino da Comissao no seu conjunto. Sem embargo, em termos praticos, a dife-rente votac;ao registada em Julho de 1994 quanto ao Presidente indigitado e em Janeiro de 1995 sobre a Comissao no seu conjunto demonstra uma assi-nalavel oscilac;ao no posicionamento dos grupos politicos ( designadamente do maior grupo - o socialista - que tendo maioritariamente votado contra SANTER em Ju1ho votou por 1arga maioria a favor da Comissao em Janeiro). Esta oscilac;ao explica-se, por urn lado, por uma das razoes determinantes da rejeic;ao de SANTER ter sido a demonstrac;ao da rejei-c;ao do proprio processo da sua escolha, decorrente do veto ingles ao primeiro candidato escolhido (o Primeiro-Ministro belga JEAN-LUC

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A Investidura da Comissao Europeia

DEAHENE), quesUio ja considerada ultrapassada desde a vota~ao de Julho e, por outro, do assinalavel peso de Comissarios socialistas e social--democratas (10 em 21).

Por isso, particularmente significativa nesta resolu~ao de Abril de 1994 do PE e a recomenda~ao de que as concretas escolhas do Presidente e dos membros da Cornissao deveriam ter em Iinha de conta a rela~ao de for~as,

no piano politico, ao nfvel da Uniao, bem como os resultados das elei~6es

para o Parlamento Europeu (ponto 7), sobretudo se tivermos em aten~ao o facto de existir a nfvel do Conselho urn acordo tacito quanto a uma certa altemancia no exercfcio da presidencia da Cornissao entre personalidades oriundas das duas grandes famflias politicas europeias (socialistas e democratas-cristaos).

Ja em Abril de 1994 oPE nao quis deixar de real~ru· a ideia de que a representatividade da Cornissao sempre passaria por poder contar no seu seio «corn uma representa~ao adequada de mulheres» (ponto 8), materia que viria a ser devidamente enfatizada pelo Presidente SANTER como urn dos pontos positivos do elenco que decidiu apresentar ao PE (cinco Cornis-sarias na nova Comissao por contraponto a apenas uma na Comissao DELORS).

Interessante e ainda a preferencia manifestada nesta resolu~ao por que alguns cornissanos indigitados fossem escolhidos entre membros em exer-cfcio do Parlamento Europeu, tendo em conta o «caracter mais representa-tive do sistema institucional instaurado pelo Tratado» (ponto 9), o que, alias, aconteceu apenas num caso (o Comissario grego, CHRISTOS PAPOUTSIS era Vice-Presidente do Grupo Socialista no PE), sem prejufzo de varios membros da nova Cornissao (a come~ar pelo seu proprio Presi-dente) terem sido ja antefiormente Deputados europeus.

Cheia de significado politico e a afirma~ao de que, para o PE, «a

adop-~ao de urn processo de investidura e a coincidencia do tempo dos mandatos da Cornissao e do Parlamento implicrun a elabora~ao de urn contrato de Iegislatura entre estas duas institui~6es», donde resulta dever oPE apreciar ao mesmo tempo as escolhas pessoais dos candidates a Cornissanos e as Iinhas de ac~ao da nova Comissao para o seu mandato de cinco anos (ponto 10). Como corolario, o PE sublinhou ainda que toda e qualquer

modifica~ao na composi~ao da Cornissao «considerada importante pelo Parlamento Europeu» deterrninar a necessidade de urn novo voto de inves-tidura, verificando-se tal necessidade quando se registam novas ades6es de Estados-membros, em virtude de os alargrunentos deterrninarem nao

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ape-A'nt6nio Vitorino

nas a entrada de novos Comissarios mas tambem, corn muita probabilidade,

uma nova reparti9ao de competencias entre os membros do Coh~gio

(ponto 15).

Esta realidade afirmou-se particularmente pressionante no quadro da aprecia9ao da Comissao SANTER. Corn efeito, tendo em vista o cumpri-mento do disposto no artigo 158.0 do Tratado, oPE definiu, a titulo indica-tivo, urn calendario de investidura da Comissao que tinha como momentos essenciais a vota9ao do candidato a Presidente da Comissao durante a ses-sao plenaria domes de Julho de 1994, a re,aliza9a0 das audi96es previstas no artigo 33.0 do Regimento durante o mes de Novembro de 1994 e,

final-mente, a vota9ao da Comissao na sessao plenaria de Dezembro de 1994, por forma a que a nova Comissao pudesse entrar em fun96es, nos termos do n.0 3 do artigo 158.0

, a 7 de Janeiro de 1995 (ponto 14).

Sem embargo, o processo de adesao da Austria, Suecia, Finlandia e Noruega introduziu urn factor de perturba9ao neste calendario. Corn efeito, a marca9ao de referendos nestes pafses, o ultimo dos quais (na Noruega) previsto para 27 de Novembro, impedia urn conhecimento atempado do elenco completo do Colegio de comissarios (corn inelutaveis consequencias no piano da reparti9ao de competencias entre eles) e, de igual forma, impos-sibilitava que num processo de investidura que decorresse nos dois ultimos meses de 1994 participassem os Comissarios indigitados dos novos Estados-membros (bem como na vota9ao os respectivos parlamentares), porquanto a sua adesao s6 se efectivaria em termos jurfdicos no dia 1 de Janeiro de 1995, conforme resultava dos respectivos Tratados de adesao. Tendo em vista resolver esta situa9ao, as tres institui96es da Uniao (Parlamento, Conselho e Comissao Cessante), bem como o Presidente indi-gitado da Comissao, acordaram numa revisao do calendario inicialmente previsto por forma a permitir que a nova Comissao se apresentasse perante o PE no seu elenco completo e fosse ja urn Parlamento que contasse corn os Deputados oriundos dos novos Estados-membros a proceder

a

investi-dura. Neste contexto, e depois de se saber definitivamente que a Noruega nao se juntaria

a

Uniao, o processo de investidura foi marcado para o mes de Janeiro de 1995, de 4 a 10 de Janeiro, as audi96es dos Comissarios indi-gitados eo voto final em plenario no dia 18 de Janeiro de 1995, mantendo--se em fun96es a Comissao cessante ap6s o dia 6 de Janeiro de 1995 enquanto Comissao exercendo poderes de mera gestao.

Finalmente, no domfnio das rela96es entre o Parlamento Europeu e o Conselho, a resolu9ao FROMENT-MEURICE chamava ainda a aten9ao

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A lnvestidura da Comissao Europeia

para a natureza colegial da Cornissao, da qual fazia decorrer que a

nomea-s.;ao formal dos seus membros por parte dos govemos nacionais em

qual-quer caso s6 poderia ocorrer ap6s conclufdo o processo de aprovas.;ao

pre-visto nos numeros 1 e 2 do artigo 33.0 do Regimento (ponto 11).

3. No contexto atnis descrito, o Parlamento Europeu eleito em 12 de

Junho de 1994 dedicou desde o infcio de funs.;oes uma atens.;ao muito

espe-cial ao processo de investidura da nova Cornissao.

Para o efeito a Cornissao Institucional do PE elaborou e aprovou, em

24 de Outubro de 1994 (por 20 votos a favor e dois contra), urn conjunto de

«recomendas_;oes» dirigidas ao Presidente do Parlamento Europeu e

a

Con-ferenda dos Presidentes das Comissoes, de que foi relator o Deputado FERNAND HERMAN (documento PE 210.035/rev. 3), tendo em vista

uni-forrnizar os procedimentos intemos ao Parlamento na audis_;ao dos

candida-tos a Cornissarios e na votas.;ao da Cornissao no seu conjunto.

A primeira «recomendas_;ao» caracterizava o novo procedimento de

investidura da Cornissao como «urn instrumento vital destinado a conferir

uma mais vasta legitirnidade polftica

a

nova Cornissao e a assegurar urn

melhor equilfbrio entre as instituis.;oes», ah~m de sublinhar que o

envolvi-mento do Parlaenvolvi-mento Europeu perrnitia conferir ao mesmo processo uma

«publicidade democnitica».

Tendo em vista a natureza do processo de investidura assim definido e

corn a perspectiva de adoptar uma decisao final baseada na maior

quanti-dade de informas.;ao possfvel («recomendas_;ao» n.0 2), entendia-se que a

investidura s6 se tomava viavel se o Parlamento dispusesse de urn quadro

de repartis_;ao de competencias entre os candidatos a Comisslliios (

«recomen-das_;ao» n.0 3), por forma a poder determinar as comissoes parlamentares

competentes para proceder a cada uma das audis_;oes, evitando-se assim a

crias.;ao de estruturas «ad hoc» de audis_;ao ( «recomendas.;ao» 16). 0 que sig-nificava que sem a colaboras.;ao do novo Presidente da Comissao,

JAC-QUES SANTER, entretanto ja consagrado pelo voto favoravel do PE em

Julho, 0 procedimento regimental nao teria qualquer eficacia pratica.

A questao era relevante na medida em que se sabia que a tese das

audi-s.;oes individuais dos candidatos a Comissarios nao colhia grandes simpatias

nem da parte de alguns govemos dos Estados-membros, que consideravam

tal procedimento excessivo face

a

letra dos Tratados, nem da parte do

Pre-sidente cessante da Comissao, Jacques Delors, o qual, embora sempre tenha preconizado urn refors.;o dos poderes do PE na arquitectura institucional da

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Ant6nio Vitorino

Uniao, receava (corn algum fundamento, reconhe~a-se ... ) que o sistema das audi~6es individuais acabaria por vulnerabilizar o canicter colegial da Comissao e consequentemente o seu peso institucional no quadro da Uniao.

0 novo Presidente da Comissao aceitou, contudo, o desafio e, tal como

prometera, fomeceu ao Parlamento no principio de Novembro de 1994 uma

lista provis6ria de reparti~ao de competencias entre os Comissarios

indigi-tados.

Em face do que as «recomenda~6es» HERMAN puderam ser generi

-camente adoptadas pela Conferencia dos Presidentes das Comiss6es na sua reuniao de 15 de Novembro de 1994.

No piano do enquadramento politico preconizava-se que, sem prejufzo

da liberdade que assistisse ao Presidente da Comissao na distribui~ao das

diferentes pastas pelos Comissarios, o PE apreciasse essa distribui~ao por

forma a avaliar as suas implica~6es no born funcionamento da Comissao

(«recomenda~ao» 11), bem como se ativesse ao jufzo sobre a natureza do

programa politico a ser apresentado pela nova Comissao, sem prejufzo de

admitir que na presente fase urn tal programa s6 pudesse ser apresentado nas suas linhas gerais («recomenda~ao» 12). Recomendava-se ainda que o PE explorasse as possibilidades do refor~o do actual c6digo de conduta

entre a Comissao eo Parlamento Europeu (acordo DELORS/PLUMB, de

1990), isto e, do conjunto de regras de relacionamento adoptadas entre as

duas institui~6es («recomenda~ao» 13) e finalmente sublinhava-se a parti

-cular importancia que deveria ser conferida ao criterio das «garantias de

independencia», incluindo a necessidade de assegurar que os futuros

mem-bros da Comissao fossem genuinamente independentes face aos govemos

nacio-nais que os tenham nomeado bem como confirmar a existencia de possfveis conflitos de interesses de ordem financeira («recomenda~ao» 14). Quanto

a

caracteriza~ao das audi~6es defrontaram-se duas teses distin

-tas entre os deputados ao PE. De urn lado urn conjunto de membros de

varios quadrantes politicos preconizava que se seguisse o modelo das «hea-rings» do Congresso e do Senado norte-americanos, envolvendo urn sis-tema de «cross-questioning» dos deputados quer sobre tematica polftica quer do foro pessoal. Do outro, os que preconizavam uma versao mitigada de audi~6es, combinando quest6es escritas e quest6es orais, umas e outras centradas apenas em tematicas de ordem politica, inspirada pela experien

-cia do proprio PE colhida quando da audi~ao do candidato a Presidente do Instituto Monetario Europeu (sr. LAMFALUSSY), realizada em Novembro

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A Investidura da Comissao Europeia

A solu~ao final adoptada pode traduzir-se num modelo de certa forma hibrido, combinando perguntas escritas previamente endere~adas aos can-didatos corn urn sistema de «cross-questioning» na sessao publica de

audi-~ao, mas umas e outras apenas centradas em materias atinentes a compe-tencia e conhecimentos dos candidatos, as suas prioridades polfticas de ordem geral e no respectivo sector de responsabilidade e as garantias da sua independencia face aos govemos e face a interesses econ6micos. Ficaram assim expressamente excluidas questoes «de indole pessoal» (

«recomenda-~ao» 22), sem prejuizo das que se demonstrassem relevantes para avaliar da existencia de possiveis conflitos de ordem financeira. Nesta especffica ver-tente admitia-se expressamente a possibilidade de elabora~ao de urn questiomirio-tipo que incluisse o pedido de enumera~ao de quaisquer tran

-sac~6es financeiras, investimentos, obriga~6es, responsabilidades e quais

-quer outros assuntos ou rela~6es que pudessem envolver urn potencial con-flito de interesses corn a posi~ao para a qual o candidato foi nomeado. Tendo chegado a ser elaborado urn projecto de questiomirio, contudo nao lhe foi dada qualquer sequencia por parte do Presidente do Parlamento Europeu.

Sem embargo, em todas as audi~6es os candidatos a Comissarios foram confrontados corn questoes precisas tendentes a avaliar a sua independen-cia face aos respectivos Estados de origem, corn espeindependen-cial incidenindependen-cia naque

-les casos onde os candidatos haviam anteriormente desempenhado relev

an-tes fun~6es governativas nos seus paises, inclusive em alguns governos

ainda em fun~6es neste momento. As quest6es sobre a independencia face

a interesses econ6micos foram sobretudo colocadas nos casos em que os

candidatos haviam desenvolvido anteriormente actividades profissionais

relacionadas corn sectores especffios da actividade econ6mica e financeira.

Quanto ao conteudo das audi~6es, preconizava-se que fossem feitas a

todos os candidatos algumas «perguntas-chave» de indole polftica, desig

-nadamente «sobre a Europa a duas velocidades, as clausulas de saida

(«Opts-out»), 0 alargamento a Europa Oriental, etc.», a fim de avaliar. 0 que

os candidatos pensavam sobre o processo de integra~ao europeia ( «recomen

-da~ao» 21).

Ponto central deste sistema de audi~6es foi a aquisi~ao do princfpio de que haveria que respeitar acima de tudo o caracter colegial da Comissao, pelo que em caso algum deveria recair sobre os candidatos qualquer vota

-~ao individual de aprova~ao ou de desaprova~ao («recomenda~ao» 15).

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Ant6nio Vitorino

urn candidato o assunto deveria ser levado ao conhecimento do Presidente do Parlamento que dele deveria curar em dialogo directo corn o Presidente da Comissao antes da realiza9ao em plenario do debate relativo a investi-dura ( «recomenda9ii0» 15, parte finale «recomenda9ii0» 24, alias nao total-mente coincidentes na sua formula9ao).

Foi assim estabelecido que cada Comissario teria uma unica audi9ao individual ( «recomenda9ii0» 17), perante a Comissao parlamentar existente que, a titulo principal, se ocupasse das materias sobre que incidiriam as res-ponsabilidades futuras de cada Comissario, podendo ser convidadas para essa audi9ao delega96es de outras comissoes parlamentares que se ocupas-sem tambem de materias relevantes para a esfera de ac9ao do Comissario em causa. As audi96es decorreram todas em sessoes publicas, em conso-nancia corn a considera9ao de que a investidura da nova Comissao consti-tufa «0 unico elemento democratico de selec9iiO da Comissao» ( «recomen-da9iiO» 18), sendo a sessao da Comissao principal para aprecia9ao dos resultados realizada a porta fechada, no termo da qual o Presidente de cada uma dessas Comissoes elaborou uma carta dirigida ao Presidente do Parla-mento corn o resumo das questoes colocadas, das respostas oferecidas e corn uma aprecia9ao final da valora9ao feita acerca da audi9ao ( «recomen-da9iiO» 23).

Conforme e do conhecimento publico, o Presidente do PE, em nome dos valores da transparencia e do controlo democratico, decidiu divulgar publicamente o teor das cartas dos diferentes Presidentes de Comissoes resumindo a aprecia9ao sobre os candidatos a Comissarios. Em virtude desta situa9ao, embora sobre os candidatos a Comissarios nao tenha recafdo nenhum voto individualizado, foi possfvel apurar que algumas Comissoes haviam emitido reservas e em certos casos mesmo crfticas contundentes a cinco dos Comissarios indigitados, o que de alguma maneira entrou em conflito corn o princfpio da colegiabilidade do 6rgao.

Sem embargo, o debate em plenario nao se centrou na «performance» individual dos Comissarios, mas antes em regras gerais de relacionamento da Comissao corn o Parlamento Europeu e nas grandes linhas directrizes do programa polftico da nova Comissao, tendo assumido a defesa desta o seu Presidente, desta forma sublinhando os valores da coesao do 6rgao e da res-ponsabilidade central do seu proprio Presidente. E o expressivo resultado final da vota9ao demonstra umjufzo assente numa valora9ao global e colec-tiva do colegio de Comissarios por parte do Parlamento.

(14)

A Investidura da Comissao Europeia

Contudo, na fase posterior as audi~oes mas previa ao debate em

plena-rio, destinada as decisoes dos grupos politicos, houve vozes que

preconiza-ram que o PE deveria suspender o processo de aprecia~ao da nova

Comis-sao, por forma a que os governos nacionais substituissem os Comissarios que haviam sido valorados de forma negativa ou que o Presidente da

Comissao procedesse a rearranjos na reparti~ao de competencias entre os

membros do seu Colegio (foi particularmente insistente a pressao para

afas-tar o Comissario responsavel pela promo~ao da igualdade entre os homens

e as mulheres e para redistribuir a competencia sobre a luta contra a fraude

e o controlo financeiro no seio da Uniao). Na pratica estas pressoes

fundavam-se numa perspectiva que em boa medida ultrapassava o estrito

dominio de aprecia~ao desta concreta Comissao, pois na realidade

visava--se mais longe, a saber, uma forma de afirma~ao efectiva do poder do

Par-lamento Europeu no contexto das institui~oes comunitarias.

Estas teses nao tiveram acolhimento, sobretudo atento o risco de

pro-vocarem uma crise institucional grave na eventualidade (alias, bastante pro

-vavel) de a uma tal posi~ao de for~a acabarem os governos dos

Estados--membros por responder atraves de uma recusa total de introduzir

altera~oes no elenco da Comissao indigitada, desta forma caindo num

impasse o primeiro processo de designa~ao parlamentar da Comissao nos

termos do Tratado de Maastricht. Contudo, pode-se dizer que em certa

medida as reservas e resistencias de diversos sectores do PE fizeram corn

que a nova Comissao se sentisse na necessidade de encontrar solu~oes de

compromisso face as mais relevantes exigencias do Parlamento Europeu.

Em termos concretos, foi na sequencia de sucessivos pedidos de

clari-fica~ao que o Presidente SANTER assumiu directamente a

responsabili-dade de presidir ao grupo de trabalho de comissarios especialmente

encar-regue de promover a igualdade entre os homens e as mulheres, ofereceu

garantias (por escrito) de que o pelouro da ajuda ao desenvolvimento nao

deixaria de existir (ao contrario da anterior Comissao, onde estava

expres-samente atribuido a urn Comissario, na nova Comissao nao se lhe fazia

qualquer referenda expressa), ficando cometido a dois Comissarios

encar-regues das rela~oes corn a Asia e a Africa (MANUEL MARfN e DEUS

PINHEIRO) e, finalmente, que a Comissao acolhia a revisao de alguns

ele-mentos do c6digo de conduta no tocante a sequencia a dar as propostas do

Parlamento Europeu, por forma a torna-lo mais conforme aos principios

(15)

Ant6nio Vitorino

Culrninando o processo de investidura descrito, o P.E., na sessao pl e-naria de 18 de Janeiro de 1995, votou favoravelmente o elenco da nova Comissao por 416 votos a favor, 103 contra e 59 absten~6es. Subsequente-mente os membros da Cornissao pronunciaram o seu juramento de com-prornisso perante o Tribunal de Justi~a das Comunidades Europeias e entra -ram em fun~6es a 23 de Janeiro, tendo procedido

a

apresenta~ao do respective programa legislative na sessao plenaria do P.E. de Fevereiro do corrente ano.

4. Esta primeira concretiza~ao pratica do quadro de designa~ao da Comissao introduzido pelo Tratado de Maastricht perrnite-nos, em face do exposto, retirar algumas conclus6es provis6rias que, sem duvida, acabarao por se projectar no debate a que as conferencias intergovemamentais de 1996 (CIG/96) terao que proceder quando forem chamadas a repensar o quadro institucional global da Uniao face aos desafios do seu alargamento aos pafses do Centro e do Leste da Europa. Corn este objectivo, o proprio P.E. aprecia neste momento urn «Projecto de conclus6es sobre as audi~6es

de confirma~ao dos novos Cornissanos designados no funbito do processo de investidura» (doe. PE 211.539), documento ainda nao aprovado, de que e relator o Deputado FERN AND HERMAN.

Sem prejufzo destas conclus6es, que se situam sobretudo no piano das consequencias praticas de organiza~ao do processo de audi~6es, importa desde ja avan~ar corn algumas conclus6es fundamentais de ordem polftica geral.

Em primeiro lugar, tal como se pretendia no Tratado da Uniao Euro -peia, do processo de forma~ao da Cornissao emergiu a centralidade do papel do Parlamento Europeu, cujo poder efectivo foi sentido quer pelos govemos dos Estados-membros, quer pelos membros indigitados da Comissao, quer pelos pr6prios Deputados. Este novo circunstancialismo perrnitiu «testar» a capacidade de adapta~ao de cada uma destas institui-~6es, podendo-se dizer que num piano geral o modelo provou ter virtuali-dades quanto

a

coopera~ao interinstitucional e quanto

a

acrescida transpa -rencia de metodos e processos.

Neste capftulo importa dizer que a Cornissao, ao ser submetida a este complexo processo de investidura, assente em duas fases de natureza dis-tinta entre si (designa~ao do Presidente e designa~ao dos membros da Cornissao), ficou mais estreitamente vinculada, em termos de apoio e de responsabilidade politicas, ao Parlamento Europeu.

(16)

A Investidura da Comissao Europeia

Daqui nao resulta directamente que o Conselho Europeu tenha perdido urn poder efectivo de modela<;ao do figurino da Comissao, quer quanto a escolha do respectivo Presidente (como o atesta o epis6dio DEAHENE) quer quanto a designa<;ao, pelos governos nacionais, dos membros da Comissao. Mas e inegavel que a prognose quanto as condi<;6es de obten<;ao da apro-va<;ao pelo P.E. constituiu urn argumento utilizado pelo Presidente indigitado face aos govemos nacionais na concreta defini<;ao do perfil dos novos Comis-sarios e, paralelamente, o papel das farru1ias politicas europeias, designada-mente dos socialistas e democratas-cristaos, avultou como urn elemento

essencial tendo em vista o apoio parlamentar irnprescindfvel a Comissao. Pode-se, assim, dizer que o modelo de Maastricht conduziu a uma solu-<;ao de «parlamentariza<;ao mitigada» do processo de investidura da Comis-sao: o Conselho Europeu manteve uma fun<;ao liderante, mas as suas esco-lhas foram sem duvida condicionadas pela necessidade de obten<;ao do voto parlamentar.

Este «novo equilfbrio» de for<;as entre as duas institui<;6es em torno da designa<;ao da Comissao acaba por se aproximar mais da leitura ampliativa dos poderes do Parlamento Europeu que resulta da resolu<;ao FROMENTt--MEURICE do que de uma estrita interpreta<;ao da letra dos preceitos dos Tratados. Na realidade, a dinamica politica em torno da designa<;ao da nova Comissao sublinhou ser irnparavel a «atrac<;ao» do voto consultivo atinente ao Presidente da Comissao para o ambito da vota<;ao de caracter vincula-tivo sobre o colegio de Comissarios.

Importa, contudo, reconhecer que os limites do sistema nao foram efec-tivamente testados, o que s6 ocorreria se a vota<;ao sobre o indigitado Pre-sidente da Comissao tivesse sido negativa e assim o Conselho fosse con-frontado corn a diffcil decisao sobre a sua manuten<;ao no cargo em conflito directo corn a vontade expressa do Parlamento Europeu. S6 num tal caso extremo seria possfvel apurar em toda a sua dimensao a aludida «atrac<;ao», mas mesmo sem que tal situa<;ao extrema tenha ocorrido e ainda assim pos-sfvel identificar no especffico processo de investidura a forte liga<;ao criada entre os dois votos no piano politico, pelo que em boa parte a pressao poli

-tica envolvente do primeiro deles, o juridicamente mais debil na 6ptica dos poderes do P.E., ea propria escassa margem de aprova<;ao da proposta do Conselho (26 votos), acabaram por conferir-lhe urn peso e urn significado muito pr6ximos dos do segundo, esse sim juridicamente vinculante. Nao sera, pois, de estranhar que a primeira ilac<;ao a retirar do processo de inves-tidura da Comissao na CIG/96 venha a ser a do total equipara<;ao da

(17)

natu-Ant6nio Vitorino

reza dos dois votos, eventualmente mesmo a sua fusao numa unica

mani-festa9ao de vontade conjunta compreendendo simultaneamente a designa

-9ao do Presidente e dos membros da Comissao.

Esta dinfunica, propiciada pelo TUE e potenciada pelo protagonismo

do P.E. corn a conivencia da Comissao indigitada, face a urn Conselho em

certa medida vulnerabilizado pelo veto ingles

a

escolha inicial do eixo

franco-alemao, acaba por nos projectar na segunda conclusao: a investidura

da Comissao, mau grado a diferencia9ao da natureza jurfdica dos votos

emitidos sobre o Presidente a sobre o colegio de Comissarios, traduz-se de

facto na constitui9ao de uma rela9ao de confian9a polftica entre o

Parla-mento e a nova Comissao.

Corn efeito, apos Maastricht e evidente que a Comissao esta vinculada

a uma «dupla responsabilidade» perante o Conselho e perante o

Parla-mento. Mas,

a

decisiva interven9ao do Conselho (e dos govemos nacionais)

na escolha inicial do colegio de Comissarios corresponde, em exclusivo,

urn poder de resolu9ao da rela9ao de confian9a em causa ao Parlamento

Europeu, pois so ele pode destituir a Comissao atraves da vota9ao de uma

mo9ao de censura. Por outras palavras, o peso decisivo do Conselho e dos

Estados-membros na genese da Comissao ve-se dilufdo face ao princfpio

constitucional da independencia da Comissao, enquanto o Parlamento

Europeu, mantendo intacto o poder de destitui9ao da Comissao, viu o seu

protagonismo ampliado pelas novas capacidades de interven9ao conferidas

no momento de constitui9ao da Comissao.

0 tipo de rela9ao polftica entre a Comissao e o Parlamento resulta

assim alterado. Enquanto no modelo anterior a censura

a

Comissao

tradu-zia uma eminente voca9ao sancionatoria, na medida em que a sua vota9ao

constitufa a «puni9ao» de urn orgao cuja existencia em nada dependia

aborigine da expressao de vontade do P.E., agora a censura passa a sera

san9ao imposta a urn orgao por parte de quem, tendo contribufdo para a sua

propria forma9ao, resolve dessa forma uma rela9ao de confian9a

previa-mente existente.

Deste novo figurine resulta que a Comissao passou a estar submetida a

urn estatuto juridico mais proximo do modelo govemamental estadual em

sistema parlamentar ou mesmo em sistema semipresidencial. Corn efeito, a

instancia parlamentar responsabiliza-se pela Comissao na sua genese, atra-ves de urn voto consultivo - sobre o Presidente- e de urn voto

constitu-tive - sobre o colegio de Comissarios - , constitui para todos os efeitos

(18)

A Investidura da Comissiio Europeia

Comissao, viabiliza portanto a sua existencia politica enquanto 6rgao

cole-gial e mantem o poder de a qualquer momento romper essa rela~ao de

con-fian~a provocando a dernissao da Cornissao atraves da vota~ao da censura.

0 paralelismo corn o sistema sernipresidencial funda-se, em meu

enten-der, no facto de existir uma «dupla responsabilidade», face ao Pm·lamento e

face ao Conselho, corn a subtileza de a vincula~ao mais forte se reportar ao

primeiro, pois que dotado de urn efectivo poder de censura, do que em rela

-~ao ao segundo, que carece, no piano institucional, de instrumentos de

reso-lu~ao da confian~a politica face a Cornissao. Esta realidade, para n6s portu

-gueses, nao e totalmente desconhecida, pois que vivemos num sistema

politico onde o Presidente da Republica tern uma interven~ao relevante no

momento da constitui~ao do Govemo, enquanto interprete dos resultados

eleitorais para efeitos de indigita~ao do Primeiro-Ministro, mas onde a entrada em fun~6es do Govemo na plenitude dos seus poderes depende de uma delibera~ao do Parlamento, o qual detem o primado da efectiva~ao da

responsabilidade politica atraves da vota~ao da censura ou da recusa da

con-fian~a ao executivo, salvo os casos excepcionais previstos no artigo 198.0 ,

n. 0 2 da

Constitui~ao (em que o Presidente pode dernitir o Governo para

assegurar o regular funcionamento das institui~oes democniticas).

Sem embargo nao me parece rigoroso levar este paralelismo longe de

mais. Corn efeito, a natureza dos poderes da Cornissao nao faz deJa urn

ver-dadeiro e pr6prio «6rgao de governo» da Uniao, tal como o lirnitado ambito

dos poderes legislativos e de controlo politico do pr6prio Parlamento

Euro-peu nao o colocam no mesmo plano que os parlamentos nacionais na

rela-~ao que estabelecem corn os respectivos executivos, e isto ja sem falar

mesmo na distinta fun~ao do Conselho Europeu enquanto 6rgao de

direc-~ao politica e 6rgao legislativo por excelencia da Uniao e das fun~oes

tfpi-cas de urn Chefe de Estado no piano meramente nacional, mesmo em

regi-mes sernipresidenciais.

Por outro lado, diferentemente dos mo~elos governamentais tfpicos dos

sistemas parlamentares ou mesmo sernipresidenciais nacionais, a investidura da Cornissao nao esta centrada na figura do chefe do 6rgao executivo. Corn

efeito, a existencia de dois votos aut6nomos (e mais a mais de distinta

efi-cacia jurfdica) torna clara, por urn !ado uma dissocia~ao entre o Presidente

da Cornissao e o conjunto dos Cornissarios, e, por outro, viabiliza urn jufzo

incidindo sobre os membros da cornissao individualmente considerados.

Corn efeito, uma das vulnerabilidades deste processo de investidura e

(19)

colegiali-Ant6nio Vitorino

dade corn o sistema de audi~6es individuais dos membros da Comissao. No piano nacional a regra da responsabilidade polftica do Governo perante o Parlamento oscila entre modelos de responsabilidade centrada no chefe do governo (caso da Republica Federal Alema e da Espanha) e modelos que sublinham mais a responsabilidade colegial e solidaria do conjunto do governo (sem prejuizo do papel essencial do respectivo chefe, como sejam os casos portugues, italiano e frances), em todos os casos nao existindo modalidades especificas de apuramento das capacidades individuais dos membros do Governo em sede de investidura. Por contraponto o TUE aponta para urn sistema onde o juizo sobre o colegio sempre tera que se defrontar corn a possibilidade de julgamentos individualizados sobre os Comissarios que impliquem expressa ou implicitamente uma gradua~ao de meritos. Esta possibilidade verificou-se em termos praticos no recente pro-cesso de investidura (cinco dos Comissarios indigitados foram criticados de forma mais ou menos veemente pelas respectivas Comiss6es parlamenta-res) e da sua ocorrencia resultou uma certa vulnerabiliza~ao da propria natureza colegial e solidaria da Comissao no seu conjunto.

Este modelo de triangula~ao Conselho/Comissao/Parlamento tal como foi definido pelo TUE, ao assentar sobretudo na investidura da Comissao, nos poderes desta em termos de reserva de iniciativa legislativa e no pro-cesso legislativo de co-decisao, em face do exercicio pratico levado a cabo na investidura da Comissao SANTER, coloca o equilibrio inter-institucional da Uniao no centro das preocupa~6es da revisao dos Tratados em 1996.

A

luz deste primeiro ensaio do novo modelo parece ser desde ja possi-vel antever uma evolu~ao que dificilmente deixara de conduzir ao refor~o futuro do peso decisorio do P.E. no momento de constitui~ao da Comissao. 0 que se podeni traduzir, desde logo, numa identifica~ao do valor juridico da pronuncia parlamentar quer quanto ao Presidente da Comissao quer quanto ao colegio dos Comissarios, no sentido de se tratar em ambos os casos de urn verdadeiro voto de investidura corn natureza vinculativa, qui~a mesmo de urn voto unico. A uma tal tendencia, contudo, podera correspon-der urn «contra-peso» traduzido no reconhecimento de urn paralelo poder de censura da Comissao a conferir ao Conselho Europeu. 0 que, a aconte-cer, exigira uma clarifica~ao-se nao mesmo a redefini~ao-da natureza da propria Comissao no complexo institucional da Uniao, atento o facto de o poder de censura exercido pelo Conselho poder deterrninar uma perda de independencia da Comissao face aos Governos dos Estados-membros.

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