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FICÇÃO BRASILEIRA E CENSURA: A LITERATURA VERDADE DA DÉCADA DE 1970: PÁGINAS CENSURADAS

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Academic year: 2021

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FICÇÃO BRASILEIRA E CENSURA:

A “LITERATURA VERDADE” DA DÉCADA DE 1970: PÁGINAS CENSURADAS

Lara de Goes de Paula Djuliane Rossetto

Durante a década de 1970, a censura era algo quase normal aos olhos da ditadura militar, o ato de criticar, ofender, denegrir, tudo o que afetava o governo era censurado. Segundo relatos essas ordens chegavam como bilhetes e em páginas em jornais. Os autores trabalhavam anos em seus livros, e o detalhe da repreensão era muito evidente na vida desses autores, escrever na década de 70, já não era mais libertador.

Cerca de 140 livros foram vetados pelo estado, uma das primeiras providências dos regimes autoritários é restringir a liberdade de expressão e opinião; trata-se de uma forma de dominação pela coerção, limitação ou eliminação das vozes discordantes. Vozes essas que simplesmente falavam a verdade sobre o estado, por isso denominado literatura verdade. Para calar essas vozes, páginas eram censuradas, e livros eram engavetados. A autora Tânia Pellegrini (2001) aborda que:

De modo geral, a visão mais linear sobre a produção cultural dos anos 70 - justamente aqueles em que a censura atuou com maior peso - tende a encará-la como reflexo puro e simples dos efeitos dessa censura instituída, que efetivamente impôs seus “padrões de criação”, cortando, apagando, proibindo ou engavetando incontáveis peças, filmes, canções, novelas de TV, artigos de jornal, romances e contos. Por esse foco, toda a produção que conseguiu vir à luz já conteria, inscrita em sua forma, elementos que visavam burlar a percepção do censor, tais como alusões, elipses, signos e alegorias, numa espécie de código cifrado que só aos iniciados seria dado deslindar. PELLEGRINI,2001, p. 79)

De fato, a censura foi um grande marco da década de 70, o regime militar usou de critérios políticos para censurar o jornalismo, ao passo que, na censura de artes e espetáculos, serviu-se principalmente de critérios morais.

A censura prévia, já anteriormente regulamentada para cinema, televisão, teatro, espetáculos públicos, música e rádio, e prática presente em várias revistas e jornais

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impressos se expandiu, e para a totalidade do mercado editorial depois da centralização do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), em Brasília. A censura prévia para livros foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.1.077/70. Os art. 1° e 2° desse decreto estavam assim redigidos:

Art. 1° Não serão toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes quaisquer que sejam os meios de comunicação;

Art. 2° Caberá ao Ministério da Justiça, através do Departamento de Polícia Federal verificar, quando julgar necessário, antes da divulgação de livros e periódicos, a existência de matéria infringente da proibição enunciada no artigo anterior.

Art. 3° Verificada a existência de matéria ofensiva à moral e aos bons costumes, o Ministro da Justiça proibirá a divulgação da publicação e determinará a busca e a apreensão de todos os seus exemplares. [...] Art. 5° A distribuição, venda ou exposição de livros e periódicos que não hajam sido liberados ou que tenham sido proibidos, após a verificação prevista neste Decreto-lei, sujeita os infratores, independentemente da responsabilidade criminal.

No que tange ao material dos processos de censura prévia em relação a publicações (livros e revistas), o universo dos documentos é bastante pequeno se comparado com o material referente a obras cinematográficas e teatrais. Segundo levantamento realizado por funcionários do arquivo, há registros de cerca de 490 livros e 97 revistas que foram submetidas ao DCDP, como mostra a tabela abaixo.

Diante desses números alarmantes, a grande pergunta é, qual era o quesito para uma obra ser censurada? Qual era o argumento da DCDP para vetar a publicação dos

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livros e retirara-los das bancas? Os livros foram censurados com o argumento de serem “contrárias à moral e aos bons costumes”, como estabelecia o Decreto-lei 1077/70.

Muitos autores marcaram essa década pela bravura de enfrentar a censura, a lista de obras censuradas é extensa, mas afinal, qual é o real motivo da censura? O estudioso da psicologia Bakhtin afirma que:

As leis, proibições e restrições, que determinavam o sistema e a ordem da vida comum, isto é, extracarnavalesca, revogam-se durante o carnaval: revogam-se antes de tudo o sistema hierárquico e todas as formas conexas de medo, reverência, devoção, etiqueta, etc., ou seja, tudo o que é determinado pela desigualdade social hierárquica e por qualquer outra espécie de desigualdade (inclusive a etária) entre os homens. Elimina-se toda distância entre os homens e entra em vigor uma categoria carnavalesca específica: o livre contato familiar entre os homens. (BAKHTIN, 2010, p. 140

Podemos afirmar então, que tudo era proibido, e nada era permitido, por isso a liberdade de expressão, precisou ser calada, e uma dessas alternativas era proibir tudo, dessa forma o governo tinha total controle sobre a população.

Com total controle sobre a população, muitas obras ficcionais foram censuradas na década de 70, muitas por fazerem apologia sexual em seus livros, para o governo tais livros poderiam ser prejudiciais à sociedade, mas para a sociedade em si, esses livros não eram perigosos. Obras literárias ficcionais foram proibidas além do conteúdo pornográfico. Na verdade eles não queriam proibir tal ou qual livro, mas instaurava um modo de tratar os escritores.

Um dos livros de ficção dessa época é Zero, de Ignácio de Loyola Brandão, que foi publicado na Itália, pois o autor queria burlar o sistema ditatorial, foi lançado no Brasil no ano de 1975, no ano seguinte ganhou o prêmio de “Melhor Ficção”, alguns meses após ter ganhado o premio, o livro foi censurado.

O livro apresenta um texto longo e descontruído, com histórias grotescas como o emprego que um dos personagens tem que é o de matar ratos em um cinema falido, as alusões à censura, repressão e violência durante o governo militar são bem presentes no livro, como na passagem a seguir:

O Esquadrão foi pedindo os documentos que a Determinação 7.89796 exigia de cada um: Identidade, Eleitor, Profissional, Boa Conduta, Antecedentes, Residência, diplomas escolares, Saúde (vacinas febre amarela, varíola, malária, BCG), caderneta de quitação com as associações religiosas (...), Seguro de Vida, Atestado de Contenção Sexual.

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documento: o da freqüência escolar dos filhos. - Mas não tenho filhos.

- Mas o senhor é casado.

- Mas não deu tempo de ter filhos. - Sua mulher tem usado a pílula. - Tem.

- É proibido (BRANDÃO, 2001, p. 126).

Outro livro ficcional censurado na época foi A Rebelião dos Mortos, de Luiz Fernando Emediato, a maioria de seus contos foi escrito entre os anos de 1974 e 1978. No ano de 1977 o livro venceu o Concurso de Literatura Cidade de Belo Horizonte, mas após sair o anuncio da premiação, a prefeitura recusou a editar o livro, após isso ocorrer a comissão organizadora do Concurso passou a ter um censor e o autor lutou anos para receber o prêmio.

O conto é inteiramente alegórico, inicia-se com uma noticia de que a Rebelião-dos Mortos começou na sóbria manhã de 1º de abril de 1964, e assim organiza-se a Grande Marcha para Brasília, composta apenas por mortos.

O líder do macabro Exército revoltoso não seria o Alferes Tiradentes, como garantia a obra de nosso defunto autor, mas sim um operário da indústria siderúrgica chamado Osman ou Osmar. Seu lugar-tenente não seria, da mesma forma, o fantasma hercúleo, porém impotente, do intrépido Araribóia (...). Era tão-somente o oleiro negro Benedito Airão. (2004, p.140)

Tal livro recria, alegoricamente, fato que eram frequentes na época, como as diversas versões oficiais, algumas inverossímeis, que o governo inventava, aborda também a questão sobre as mortes inexplicadas de pessoas que queriam ter voz, que eram calados pelas censuras ou eliminados, como aconteceu com o escritor do conto.

Os livros citados são narrativas que recorrem à alegoria, à ironia, entre outros fatos que fazem para chegar ao desvendamento da intelectualidade dessa época de conflitos, a questão que gira em torno dessas obras é a de indignação, revolta e inconformismo com o poder militar.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Tradução de Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010

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REIMÃO, Sandra. "Proíbo a publicação e circulação..." – censura a livros na ditadura militar. Estudos Avançados - Vol. 28 - N. 80 - São Paulo Jan./Apr. 2014. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142014000100008> Acesso. 05 Dez. 2017.

PELLEGRINI, Tânia. Ficção brasileira contemporânea: ainda a censura? Departamento de Letras, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil. 2001

Referências

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