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JOVENS MIGRANTES DIANTE DO DESAFIO DE TRABALHAR E ESTUDAR

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Jovens Migrantes

Diante Do Desafio

De trabalhar e

estuDar

1

Young Migrants Facing the challenge oF Working and studYing Jóvenes Migrantes Frente al desaFío de trabaJar Y estudiar

Célia Regina Vendramini1 1doutora em educação pela uFscar. docente do Programa de Pós-graduação em educação da universidade Federal de santa catarina (uFsc) – Florianópolis – sc – brasil.

Resumo: O artigo aborda as interconexões entre migração, trabalho e escola, considerando a realidade de jovens do ensino médio de escolas públicas situadas em Florianópolis. A problemática diz respeito às dificuldades de conciliar estudo e trabalho, especialmente no caso dos estudantes migrantes. A mobilidade dos jovens ou de sua família afeta seu percurso escolar, levando à descontinuidade e à interrupção dos estudos, o que pode gerar abandono ou insucesso escolar. Com base na aplicação de questionários, realização de grupos focais e entrevistas com estudantes, analisaram-se os problemas vividos pelos jovens da classe trabalhadora para seguir os estudos e inserir-se no trabalho, inserção esta que pode conduzir à migração.

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Abstract: The article looks at the interconnections between migration, work and schooling, considering the reality of youth in the public middle schools in Florianopolis. The investigation relates to the difficulties in combing schooling and work, especially in the case of migrant students. The mobility of young people or their families affects their studies, leading to discontinuity and interruption of their studies, which can lead to drop-out or school failure. This paper is based on questionnaires, focus groups and interviews with students. It analyzes the problems faced by working class young people attempting to pursue their studies and start working, which can lead to migration instead of continuing school.

Key words: Migration; School; Work.

Resumen: El artículo aborda las interconexiones entre migración, trabajo y escuela, considerando la realidad de jóvenes que cursan la educación secundaria en escuelas públicas ubicadas en Florianópolis. La problemática se refiere a las dificultades de conciliar estudio y trabajo, especialmente en el caso de los estudiantes migrantes. La movilidad de los jóvenes o de su familia afecta su trayectoria escolar, llevando a la discontinuidad e interrupción de los estudios, lo que puede generar abandono o fracaso escolar. Con base en la aplicación de cuestionarios, realización de grupos focales y entrevistas con estudiantes, analizamos los problemas vividos por los jóvenes de la clase trabajadora para seguir los estudios e insertarse en el trabajo, inserción esta que puede conducir a la migración.

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IntRodução

N

ão é novidade afirmar que as condições de escolarização dos jovens

estão relacionadas com a sua situação de vida, de trabalho e de renda. A interrupção do percurso escolar, as defasagens idade-série geradas pela frequência insuficiente ou pela dificuldade de acompanhamento dos conteúdos ou até mesmo de adaptação à escola, a mudança de turno e de escola, a transferência do ensino regular para a Educação de Jovens e Adultos, são expressão de múltiplas determinações, entre elas e não menos importante, a necessidade de inserção precoce no trabalho.

No caso dos estudantes migrantes, os quais acompanham suas famílias ou dos jovens que migram sozinhos, a relação com a escola está ainda mais sujeita a interrupções. As migrações não acompanham os calendários escolares, na maioria das vezes não são planejadas com antecedência, o tempo necessário para a adaptação no novo local não é subtraído do calendário escolar, a documentação dos estudantes acaba em alguns casos sendo perdida pelo caminho ou não é providenciada, entre outros aspectos a serem abordados no texto.

Deste modo, a condição de vida do jovem estudante que trabalha e que migra à procura de trabalho traz consequências para seu percurso escolar. Neste texto problematizar-se-á acerca da relação do jovem migrante com o trabalho e a escola, com base em pesquisa desenvolvida com estudantes do ensino médio de 10 escolas públicas de Florianópolis, as quais atendem uma população que vive no território do Maciço do Morro da Cruz (MMC), em condições de pobreza e ausência ou precariedade na oferta de políticas públicas, sob a violência do aparato policial e em contato com a criminalidade e o narcotráfico. A análise aqui apresentada tem como base questionários aplicados a 1.080 estudantes do ensino médio e das séries finais do ensino fundamental (7° e 8° anos), grupos focais e entrevistas com jovens migrantes.

MIgRaR ou... MIgRaR

A problemática da migração motivada pelo trabalho ou pela ausência de trabalho não é nova. No século XIX assistiu-se a um imenso contingente de trabalhadores e suas famílias movendo-se do campo para a cidade na Europa, com o processo de urbanização e emergente industrialização capitalista. Na

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segunda metade do mesmo século, fileiras de pessoas atravessam o oceano em busca de uma “nova terra” para viver e trabalhar. Saem da Europa em direção às Américas, visto que as revoluções industriais europeias foram incapazes de absorver toda a força de trabalho dispensada. No século XX, particularmente na segunda metade, e no século XXI vê-se um movimento contrário, em direção às regiões centrais do capitalismo, as quais alimentam um enorme exército industrial de reserva, tornando-se ativos veículos de acumulação do capital por meio dos baixos salários (HARVEY, 1996). Um dos efeitos é a criação de uma vasta economia informal. Nas grandes cidades do século XXI, veem-se cada vez mais comunidades empobrecidas sendo expelidas para a periferia.

As maciças migrações forçadas e não forçadas de pessoas tomam lugar no mundo, como movimento que parece incontrolável, não importa o quanto países se esforçam para aprovar meios de controle da imigração. Segundo Harvey (1996, p. 416), elas têm grande significado na formação da urbanização no século XXI como uma poderosa dinâmica não reprimida de mobilidade e acumulação de capital.

Conforme análise de Hobsbawm (1991), os trabalhadores vagueiam pelo mundo em busca de trabalho. Do campo para a cidade, do centro para a periferia e da periferia para o centro, ou de uma região para outra. São trabalhadores sem pátria, sem lugar fixo, os quais têm a mobilidade como elemento central de sobrevivência.

À medida que as áreas rurais perdem sua “capacidade de armazenamento”, as “favelas tomam seu lugar, e a ‘involução’ urbana substitui a involução rural como ralo da mão-de-obra excedente, que só consegue acompanhar a subsistência com façanhas cada vez mais heroicas de auto-exploração e uma subdivisão competitiva ainda maior dos nichos de sobrevivência já densamente povoados.” (DAVIS, 2004, p. 211)

Considerando que o trabalho é o meio por excelência de inserção social no vigente modo de produção capitalista, jovens e adultos que não detêm os meios de produção necessitam vender sua força de trabalho para sobreviver, a ausência de trabalho move pessoas para além das fronteiras locais, regionais e até mesmo nacionais. Tal movimento vem se constituindo como “solução” diante de um modo de produção incapaz desde sua origem de absorver toda a força de trabalho disponível. Entretanto, sabe-se que as soluções criadas pelo capital para suas próprias crises não são eternas e tampouco absolutas.

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O grande contingente de migrantes no mundo atual ocupa lugar periférico, em termos espaciais, ocupacionais, educacionais e de acesso aos serviços públicos. Pode-se começar a falar da classe trabalhadora informal global, com quase um bilhão de pessoas, segundo Davis (2004), constituindo a classe social de crescimento mais rápido e sem precedentes da Terra. A sobrevivência informal é o novo e principal meio de vida da maioria das cidades do chamado “terceiro mundo”.

No que se refere ao desemprego, este tem assolado especialmente os jovens, 81 milhões estavam desempregados no final de 2009 dentre 620 milhões de jovens economicamente ativos com idade entre 15 e 24 anos, segundo relatório da OIT (2010) – “Tendências Mundiais de Emprego para a Juventude”. De acordo com Davis, pelo menos metade da população favelada do mundo tem menos de vinte anos. (2004, p.199).

Esse contexto tem empurrado grandes contingentes populacionais para diferentes direções. Não há barreiras territoriais, culturais ou de linguagem para a busca pela sobrevivência. A mobilidade tem sido crescente e tem mudado ou reinventado, nos termos de Davis (1999), muitas cidades e também o campo. Além disso, tem contribuído para derrubar fronteiras que ainda restam entre rural e urbano, concentrando trabalhadores no entorno das cidades, ou no espaço periurbano. Mais do que oposição entre campo e cidade, pode-se falar hoje de oposição entre centro e periferia.

No Brasil, milhares de trabalhadores saem do campo em direção à cidade a partir do início do século XX. Trabalhadores rurais migram para novas fronteiras agrícolas, como a região centro-oeste e norte do país, como estratégia de sobrevivência. Trabalhadores do Nordeste do Brasil se deslocam para o Sudeste e Sul. Agricultores veem sua terra ser inundada pela construção de hidrelétricas e são levados a se mover para outros lugares. Famílias sem terra ocupam áreas improdutivas e lutam pela conquista de terra em novos lugares. Trabalhadores das minerações e pescadores sofrem com a devastação e os crimes ambientais, sendo obrigados a se deslocar e criar novas formas de sobrevivência. Jovens e adultos saem do Brasil para trabalhar no verão na Itália, Alemanha, Portugal, Estados Unidos e outros países, como é o caso emblemático de moradores de Governador Valadares-MG e Criciúma-SC.

Tal movimento expressa a expansão do capital na direção da acumulação. Conforme Marx (2008), o processo de acumulação aumenta, juntamente com

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o capital, a quantidade dos “pobres laboriosos”, isto é, dos assalariados que transformam sua força de trabalho em força de valorização crescente do capital. “Mas a verdade é que a acumulação capitalista sempre produz, e na proporção de sua energia e de sua extensão, uma população trabalhadora supérflua relativamente, isto é, que ultrapassa as necessidades médias da expansão do capital, tornando-se, desse modo, excedente.” (MARX, 2008, p. 733)

Tal população trabalhadora excedente constitui um “exército industrial de reserva” disponível que pertence ao capital e sempre pronto para ser explorado. Assim, segundo Marx, grandes massas humanas têm de estar disponíveis para serem lançadas em diferentes ramos de produção ou diferentes locais.

Harvey (2005), com base na teoria da acumulação de Marx, analisa o processo de expansão espacial do capital, processo este desigual, tendo em vista a divisão territorial do trabalho. O autor mostra como o capital busca reduzir o tempo de produção e de circulação de mercadorias, associado com a criação de novos espaços para a acumulação, num processo contraditório de expansão e concentração do capital. Na sua expansão espacial, o capital desloca-se para diferentes regiões, o que provoca da mesma forma o deslocamento dos trabalhadores.

A partir desta abordagem, centra-se essa análise nas migrações internas, particularmente as saídas dos trabalhadores do Nordeste para o Sul do Brasil. Sabe-se que os movimentos migratórios têm sido cada vez mais dinâmicos e têm questionado as tradicionais análises centradas na “origem” e “destino”. Menezes (2012a), ao observar o caráter de mobilidade das migrações contemporâneas e as reconfigurações das migrações no Brasil quanto à origem, destino, duração e grupos que migram, defende e contribui para uma revisão das perspectivas teorias e novas tipologias. A autora identifica que já não é mais possível a fixação e a mobilidade social por meio da migração. Destaca o caso dos “migrantes sazonais” e “migrantes temporários”, cujas trajetórias de vida são marcadas pela mobilidade, bem como diversas modalidades migratórias, com duração variada e diversos arranjos familiares.

Silva (1992) propõe a categoria do “migrante permanentemente temporário” ou “migração temporária permanente”, referindo-se à situação dos que migram para uma região para trabalhar durante um determinado período de tempo e depois retornam para sua região de origem ou movem-se para outros locais. O “migrante permanentemente temporário” repete esse ciclo inúmeras vezes e em

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muitos casos o realiza durante toda a sua vida, de modo que ele possui uma vida marcada pela permanente mobilidade.

Na nossa avaliação, o trabalhador se move para diferentes lugares, com uma frequência cada vez maior, para locais que tradicionalmente não contam com imigrantes (é o caso das pequenas e médias cidades) e em condições cada vez mais inseguras e precárias, visando continuar se reproduzindo como classe trabalhadora. Em síntese, muda-se para reproduzir a mesma condição, expressando a dialética mobilidade e permanência. Tal situação é agravada no contexto de desemprego e de aumento do trabalho informal, temporário e inseguro.

Neste texto, ater-se-á à problemática da migração na cidade de Florianópolis. De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região sul, no quinquênio 2005-2010, foi a que mais aumentou sua mobilidade espacial, isso graças ao estado de Santa Catarina, que recebeu um volume 59% maior de imigrantes em relação aos anos anteriores. Com uma população de 6.248.436 habitantes, 5.130.746 são naturais de Santa Catarina, enquanto que 1.117.690 nasceram em outro estado ou mesmo no exterior. Foram 638.494 pessoas que chegaram ao estado de outras regiões do país e do exterior, tendo como principal motivo a oportunidade de trabalho (IBGE, 2011; 2011b).

Com relação à Florianópolis, particularmente a grande Florianópolis, esta ocupa posição de destaque no recebimento de migrantes, sendo em 2010 a segunda mesorregião do estado em número de imigrantes, tanto de outros municípios quanto de outros estados. Dos 421.240 habitantes de Florianópolis, 78.925 são migrantes. Florianópolis contraria as estatísticas de perda populacional da maioria das cidades do estado, ao ter um dos maiores crescimentos no número de migrações, vindos de outros estados como: Rondônia, Amazonas, Pará, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal, de acordo com dados do IBGE (2011).

MIgRaR e tRabalhaR

Ainda que muitos jovens e famílias migrem para o estado de Santa Catarina ou para a grande Florianópolis em busca de trabalho, observa-se que um dos grandes problemas vividos pelas famílias que habitam a periferia de Florianópolis é a falta de emprego. Boa parte delas vive do trabalho informal, desenvolvendo

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atividades irregulares ou “bicos” relacionados aos serviços, ao comércio, ao turismo durante o verão, à construção civil e ao trabalho doméstico. Com o fortalecimento do narcotráfico e do crime organizado, houve o crescimento de ocupação nesta atividade. Ainda que famílias inteiras de trabalhadores e trabalhadoras não estejam envolvidas com a criminalidade, seu cotidiano é constantemente atravessado pelo medo, pela incerteza e pela instabilidade, o que se manifesta por meio da violência e de um sentimento de insegurança e falta de expectativa quanto ao futuro.

Em linhas gerais, o que predomina entre os trabalhadores migrantes é o trabalho simples, irregular, inseguro, informal, mal remunerado, precário, em síntese, o trabalho explorado, o qual atende às necessidades de acumulação do capital, segundo a análise de Marx anteriormente apresentada, e não as necessidades dos trabalhadores. Estes recebem salários muito baixos e, portanto, precisam vincular-se a mais de um tipo ou contrato de trabalho. Além disso, toda a família precisa trabalhar. Segundo o relato de jovens nos grupos focais realizados com estudantes do Ensino Médio de escolas públicas de Florianópolis, eles arcam com parte das despesas da casa (contas de luz, aluguel), bem como com despesas próprias (transporte, alimentação, roupas, aparelhos de celular, despesas com lazer e outros). Há ainda o caso de jovens (particularmente os que migraram de outros estados) que moram com amigos ou parentes ou com namorados/companheiros, sem o apoio da família. Portanto, estes precisam trabalhar para arcar com todas as despesas da casa.

No que diz respeito ao trabalho dos jovens em particular, observam-se algumas regularidades, apresentadas a seguir. Primeiro, o trabalho está presente entre os jovens que estudam de dia e de noite, ainda que neste último seja mais frequente. A hipótese era de que os estudantes do diurno trabalhassem menos e com menor jornada de trabalho, mas se encontram jovens que estudam pela manhã e trabalham à tarde e à noite, ou nos finais de semana, geralmente em restaurantes, pizzarias, postos de combustível, redes de fast food, telemarketing, entre outros. Por exemplo, num grupo focal realizado no turno matutino do ensino médio de uma escola pública, apenas um estudante do grupo não trabalhava. O que se conclui é que não é propriamente o turno escolar ou a procura por ele que se associa ao ingresso ou não no trabalho, mas fundamentalmente a condição socioeconômica do jovem e de sua família.

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Além da presença do trabalho em todos os turnos escolares, ele também é realidade entre os estudantes dos anos finais do ensino fundamental e não apenas no ensino médio, especialmente em trabalhos não formais e domésticos. Numa das escolas pesquisadas, por exemplo, a qual apresenta um público com baixa renda e pouca escolaridade dos pais, embora apenas 10,5% tenha indicado que trabalha, quando questionados sobre as atividades fora da escola, 18,9% relatam ajudar em casa e 4,1% trabalham. Além disso, 14,5% consideram que o trabalho, o cuidado dos irmãos menores e as atividades domésticas são os fatores que mais atrapalham nos estudos.

Outra regularidade observada refere-se ao tipo de trabalho desenvolvido. São trabalhos simples e rotineiros, os quais exigem baixa qualificação. Diferente dos seus pais, não costumam ser trabalhos pesados que exijam um grande esforço físico, mas são cansativos, segundo relato dos jovens nos grupos focais. O cansaço também está associado à rotina de trabalho e de estudo, associado aos afazeres domésticos e, em alguns casos, à maternidade precoce. Assim, dormem pouco e sentem-se constantemente esgotados. Muitos gostariam de mudar de trabalho e veem na escolaridade esta possibilidade.

Além das questões apresentadas, pode-se acrescentar o preconceito em relação aos migrantes, como retratam os depoimentos a seguir, fruto de grupo focal com estudantes migrantes. Na realidade, por trás do preconceito, revela-se a exploração dos jovens trabalhadores.

Por exemplo, emprego, eu já tive amiga que não conseguiu emprego porque não era daqui, porque ela era da bahia e dizem que baiano é preguiçoso, mas a maioria das empresas hoje só tem baiano, por que então se baiano é tão preguiçoso assim, por que que só tem baiano?

Pelo contrário, no meu trabalho eles elogiam os paraenses, eles falam que aqui os paraenses são bem trabalhadores, eles até procuram contratar paraenses por eles acharem que são trabalhadores, eu já ouvi eles falarem bem mal dos baianos, eles falam que os baianos são bem preguiçosos.

lá onde eu moro (no bairro) quem é baiano eles não chamam pelo nome, chamam de

baiano, mas eu não gosto disso.2

MIgRaR, tRabalhaR e estudaR

Diante do deslocamento de trabalhadores para um novo lugar, sozinhos ou com a família, movidos pela necessidade de sobrevivência, novas ou velhas

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condições de vida se impõem para sua reprodução. Laços sociais, familiares, identitários são rompidos, ameaçados ou reconfigurados. Novas exigências se impõem para a vida social, em termos de trabalho, moradia, escola, transporte. Novas relações sociais passam a ser estabelecidas no local de vida. A inserção na escola, visando à continuidade do percurso escolar, é um dos desafios das crianças e dos jovens migrantes.

A mobilidade das famílias cria dificuldades no acompanhamento escolar de seus filhos. Mudanças são feitas em meio ao ano escolar, ou são frequentes, o que muitas vezes leva as crianças à reprovação, ao insucesso e ao abandono escolar. As escolas, rígidas em sua estrutura e organização, não têm conseguido responder satisfatoriamente às demandas dos filhos que se movem com sua família, especialmente a rotatividade. Acaba que o fracasso recai sobre eles.

Mesquita e Ramalho (2011), em estudo sobre migração familiar e trabalho infantil no Brasil urbano, observam que os filhos de migrantes rural-urbano trabalham mais e estudam menos que os filhos de nativos, o que pode ser relacionado à dificuldade de adaptação das crianças nas escolas e/ou a problemas de matrículas, caso a migração tenha ocorrido no decorrer do período letivo. Apresentam evidências que sugerem que não apenas a condição de migrante, mas a origem geográfica da família pode fazer muita diferença no repasse dos custos de adaptação na cidade para filhos.

Os mesmos autores citam o trabalho de Mincer (1978 apud Mesquita e Ramalho, 2011), o qual indica que a decisão de migração familiar nem sempre acarreta maximização de bem-estar de todos os indivíduos. Em alguns casos, um membro da família pode piorar sua situação após a migração, absorvendo os custos derivados da escolha em prol de uma melhor condição de vida para a família. Essas consequências seriam estendidas às crianças, que além de sofrerem com o processo de adaptação ao novo sistema escolar, enfrentariam dificuldades de inserção em um novo mercado de trabalho e/ou a nova condição de estudante e trabalhador, muitas vezes experimentada pela primeira vez. Assim, as características dos pais migrantes, o número e a idade dos filhos, certamente, afetariam os custos de adaptação da família na região de destino.

De um outro ponto de vista, Batista e Cacciamali (2012) observam que o deslocamento também pode possibilitar maior acesso à escola. Dependendo do local de origem e de destino da família, a migração pode permitir que a criança e o

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jovem acessem escolas de melhor qualidade. Os autores diferenciam os migrantes de curto e de longo prazo e evidenciam que os filhos de migrantes de longo prazo possuem menor probabilidade de trabalhar. Estes acabam se beneficiando indiretamente das escolhas realizadas pelos pais. Já os filhos dos migrantes de curto prazo mostram uma posição de desvantagem devido à condição de migração (problemas de adaptação dos pais ao mercado de trabalho local).

Os autores concluem que os migrantes conseguem melhorar sua renda e condições ocupacionais com o avanço do tempo de residência. Entretanto, esse avanço não é capaz de equipará-los aos não migrantes. Ou seja: a convergência da renda não acontece, pois desde crianças os filhos de migrantes têm uma probabilidade menor de frequentar a escola em relação aos filhos de não migrantes.

Em pesquisa desenvolvida por Menezes (2012b), com migrantes e arregimentadores no município de São José de Piranhas, Sertão de Cajazeiras (PB), foram identificados em 2010 cerca de 1500 homens (18% da população rural do município) que se deslocaram para os canaviais paulistas, sendo a grande maioria jovens na faixa etária de 18 a 30 anos. Como o período da safra do corte de cana não é compatível com o calendário escolar, os jovens que estão frequentando escola são obrigados a interromper os estudos em favor da necessidade de trabalho.

Os migrantes são de baixa escolaridade, sendo que 11,23% são analfabetos e 56,15% não concluíram a primeira fase do ensino fundamental. O trabalho nas usinas, além de não exigir escolaridade, é uma opção de trabalho com admissão praticamente certa. Esses dados confirmam, segundo Menezes (2012b), que a necessidade de migrar em geral leva à interrupção dos estudos.

Os grupos focais que se realiza com jovens do ensino médio evidenciam as dificuldades de conciliar o estudo com o trabalho. No caso dos migrantes, a situação é agravada pelo fato de muitos deles serem responsáveis pelo seu sustento (aluguel, alimentação, transporte e outros), bem como pelas interrupções escolares motivadas pela mobilidade. Uma estudante relatou que do grupo de 20 jovens que chegou junto em Florianópolis, em 2015, vindo da Bahia com a intenção de trabalhar e estudar, somente ela permanecia na escola.

se precisar trocar o estudo pelo trabalho eu troco. Por que como é que eu vou me manter?

como é que eu vou comer? como é que eu vou me vestir?3

eu queria muito ter esse luxo de viver só para os estudos, só que eu tenho outras coisas para

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O elevado número de estudantes migrantes mostrou-se na aplicação dos questionários da pesquisa, sobretudo nas seguintes escolas: E.E.B Silveira de Souza (67,2% dos estudantes que responderam ao questionário não nasceram em Florianópolis e 1,9% não mora na cidade); E.E.B Padre Anchieta (57,7% não nasceram em Florianópolis); E.E.B Simão José Hess (47,3% não nasceram em Florianópolis e 1,5% não mora na cidade); Instituto Estadual de Educação (41,84 não nasceram e 3,4 não moram na cidade); e E.E.B Henrique Stodieck (38,09% não nascerem e 7,8% não moram em Florianópolis).

De acordo com levantamento realizado na escola Padre Anchieta5, onde se aprofundou a pesquisa com jovens migrantes do ensino médio, das 8 turmas do ensino médio e do conjunto de 230 estudantes matriculados, 109 são migrantes6. Os estados com maior número de migrantes estudando no ensino médio são: Bahia, com 23 alunos; Paraná, com 18 alunos matriculados; Rio Grande do Sul, com 17 matriculados; e, por fim, o estado do Pará, com 16 matriculados. Há ainda um expressivo número de alunos migrantes do interior do estado de Santa Catarina, com 21 alunos matriculados.

Verificou-se também o elevado número de estudantes migrantes que estudam no período noturno: dos 30 alunos matriculados no primeiro ano do ensino médio no período noturno na escola, 17 são migrantes; dos 24 alunos matriculados no segundo ano, 17 são migrantes e dos 15 alunos matriculados no terceiro ano, 13 são migrantes. Ou seja, do total de 69 alunos matriculados no ensino médio noturno da escola, 47 são migrantes, um total de 68%. Tais dados mostram que a presença de jovens migrantes nas escolas pesquisadas é significativa, compondo uma realidade em que o trabalho e a necessidade de migrar para inserir-se no trabalho impedem o jovem de ser estudante em sentido pleno.

ConsIdeRações fInaIs

As reflexões apresentadas neste texto abordam alguns aspectos da situação da classe trabalhadora na atualidade, particularmente no que diz respeito aos seus filhos. Considerando as soluções do capital para seguir no processo de acumulação (deslocamentos espaciais, de produto, inovações tecnológicas, articulação do capital produtivo com o financeiro e a fuga dos locais onde a

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organização dos trabalhadores é mais eficaz) e as consequências para a classe trabalhadora (desemprego, aumento da informalidade do trabalho, baixos salários e péssimas condições de trabalho, dificuldades na organização da classe), observa-se que o fenômeno da migração tem sido uma constante em todo o mundo, levando grandes contingentes de pessoas a deslocar-se internamente ou entre diferentes países em busca de trabalho, bem como a sujeitar-se aos trabalhos mais simples e explorados, sem acesso aos direitos trabalhistas.

Estes trabalhadores compõem, segundo análise de Marx, o exército industrial de reserva, presente desde as origens do modo de produção capitalista, e necessário no seu processo de acumulação. Portanto, não se trata de uma anomalia do sistema, ou de um desvio, ou um problema conjuntural. A migração não é uma exceção, é uma regra.

Os jovens da classe trabalhadora que buscam seguir os estudos, mas que precisam trabalhar para sobreviver ou ajudar a família, enfrentam grandes dificuldades para conciliar estudo e trabalho. A sua condição de trabalhador acaba sendo predominante em relação à condição de estudante e impondo-se sobre as exigências da escola. No caso dos jovens migrantes, a situação é mais complexa, visto que a dinâmica da migração ocasiona interrupções no percurso escolar, dificultando o aprendizado e levando muitas vezes ao abandono escolar.

RefeRÊnCIas

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Artigo recebido em: 17/11/2016 Aprovado em: 14/02/2017

Contato para correspondência: Célia Regina Vendramini. e-mail: celia.vendramini@ufsc.br

notas

1 Uma versão ligeiramente modificada do texto foi apresentada na XXnnI Anped Sul 2016 –

Re-união Científica Regional da Anped. Curitiba, PR, 2016.

2 Depoimentos de três estudantes do ensino médio noturno de uma escola pública de

Flori-anópolis no grupo focal realizado no dia 28/10/2015.

3 Depoimento do grupo focal realizado numa escola pública em Florianópolis, no dia 25 de

no-vembro de 2014. 4 Idem.

5 A E.E.B Padre Anchieta localiza-se no bairro Agronômica, em Florianópolis/SC, a qual atende

em sua maioria estudantes que vivem nos morros do entorno da escola.

Referências

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