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Deficiência, nanismo e mercado de trabalho : dinâmicas de inclusão e exclusão

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Academic year: 2021

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Departamento de Sociologia

Deficiência, Nanismo e Mercado de Trabalho – Dinâmicas de

Inclusão e Exclusão

Raul José Macedo Tomé

Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Ciências do Trabalho e Relações Laborais

Orientador:

Doutor Paulo Jorge Marques Alves, Professor Auxiliar

ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa

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Departamento de Sociologia

Deficiência, Nanismo e Mercado de Trabalho – Dinâmicas de

Inclusão e Exclusão

Raul José Macedo Tomé

Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Ciências do Trabalho e Relações Laborais

Orientador:

Doutor Paulo Jorge Marques Alves, Professor Auxiliar

ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa

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“O que é grande no homem é que ele é uma ponte e não um fim”. Frederico Nietzsche

“Sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura”. Fernando Pessoa

“A maior recompensa pelo nosso trabalho não é o que nos pagam por ele, mas aquilo em que ele nos transforma”. John Ruskin

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Índice

AGRADECIMENTOS ... ii RESUMO ... iii ABSTRACT ... iv GLOSSÁRIO ... v INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO I. CORPO, DEFICIÊNCIA E NANISMO ... 3

1.1.O CORPO ... 3

1.2 A DEFICIÊNCIA ... 5

1.3 O NANISMO ... 7

CAPÍTULO II. ESTIGMA E EXCLUSÃO SOCIAL ... 11

2.1 O ESTIGMA ... 11

2.2 A EXCLUSÃO SOCIAL ... 13

CAPITULO III. INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO AO EMPREGO ... 17

3.1 INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO ... 17

3.2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO AOS INDIVÍDUOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA ... 25

CAPÍTULO IV. METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO ... 31

4.1. MÉTODOS E TÉCNICAS DE RECOLHA DE INFORMAÇÃO... 31

4.2. CARATERIZAÇÃO DA AMOSTRA ... 33

CAPÍTULO V. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ... 35

5.1. UMA INSERÇÃO DIFERENCIADA NO MERCADO DE TRABALHO ... 35

5.2. ESTIGMA E EXPOSIÇÃO DO CORPO ... 39

5.3. NANISMO E ASSOCIATIVISMO ... 42

5.4. O CONHECIMENTO DOS DIREITOS E A INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO ... 43

CONCLUSÃO ... 45 BIBLIOGRAFIA ... 49 ANEXOS ... ANEXO A ... 1 ANEXO B ... 4 ANEXO C ... 11 ANEXO D ... 22 ANEXO E ... 29 ANEXO F ... 33

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AGRADECIMENTOS

Ao Jorge Ferreira que já não conseguiu ver como acabou esta aventura, à Carla Correia e à Sandra Luís, colegas de Licenciatura e grandes responsáveis pela minha chegada até aqui.

À Professora Doutora Graça Carapinheiro que foi a primeira impulsionadora desta grande aventura e que não me deixou desistir quando as incertezas e os medos se apoderaram de mim.

À Carla Caetano, amiga e colega de mestrado e que fez esta grande caminhada do meu lado.

A todas as pessoas portadoras de nanismo com quem me cruzei e que participaram neste estudo, nomeadamente, ao Bernardino Pinto, ao João Araújo, à Isabel Pereira, à Angelina Santos, ao Vítor Vaz, ao Vítor Monteiro, à Luísa Almeida, à Maria Pereira, à Margarida Silva, à Tânia Paiva, ao Ricardo Bastos, à Rosalina Loureiro, bem como a todos(as) os(as) outros(as) que decidiram permanecer no anonimato. Contudo, não posso deixar de tecer um agradecimento muito especial ao António Patrício que foi o meu pilar desde o primeiro dia.

Uma palavra especial a toda a equipa da Farmácia Flores, nomeadamente, à Drª. Ana Pinto, ao Dr. Rui Pinto e ao Dr. Telmo Lino.

Ao Dr. Nuno Capela e ao Dr. João Almeida que me proporcionaram todas as condições para o cumprimento dos meus objetivos.

A todos os amigos que nunca me abandonaram durante anos de ausência e que me recebem sempre com um sorriso e de braços abertos, em especial ao Tiago Bueso e à Inês Oliveira.

À minha irmã Sónia Oliveira por ter sempre acreditado.

Ao meu padrinho José da Silva pelos ensinamentos de disciplina que me ajudaram a superar os momentos de maior pressão.

Ao Professor Doutor Paulo Marques Alves com quem tive o prazer de partilhar a sala de aula e o privilégio de realizar todo este trabalho. Obrigado pela força nos momentos difíceis, pelos ensinamentos nos momentos cruciais e pela amizade em todos os momentos.

À Ana Maria Torres pelo apoio incondicional dos últimos anos. À minha mãe que é uma das maiores responsáveis por tudo isto. À minha mulher por tudo.

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RESUMO

O presente estudo versa sobre a inserção e reinserção de indivíduos com nanismo no mercado de trabalho. Embora existam estudos sobre as (des)igualdades no acesso ao mercado de trabalho, a verdade é que permanecem, ainda, em aberto diversas questões, as quais são particularmente relevantes no caso desta população, pois quase nada se sabe sobre ela devido à escassez de estudos existentes e ao seu reduzido número em Portugal.

Num mercado de trabalho em constante mutação (dinâmico, exigente e incerto), torna-se premente compreender como é que tais indivíduos conseguem ingressar, movimentar-se e permanecer ativos no mercado laboral.

Neste âmbito, procurámos saber se a (re)inserção no mercado de trabalho dos portadores de nanismo é diferenciada, tendo em conta certos atributos, como o capital escolar. Teve-se também como objetivo perceber se o estigma influencia de forma negativa a (re)inserção e se contribui para o seu isolamento social, afastando estes indivíduos das organizações que zelam pelos seus interesses. Em terceiro lugar procurou-se apurar se o nível de informação acerca da legislação que protege os portadores de deficiência e que confere incentivos à sua contratação influencia positivamente a re(integração) profissional.

O presente estudo apresenta resultados relevantes para futuras pesquisas e tem implicações práticas inegáveis, tendo-se conseguido obter algumas evidências sobre a importância da aquisição de habilitações literárias mais elevadas, fato de que os próprios portadores de nanismo revelam estar cientes. Verificou-se, ainda, que contrariamente ao expetável os entrevistados evidenciaram desconhecer a legislação que os protege e os incentivos à contratação, não tendo sido, na sua generalidade, beneficiários dos mesmos. Acresce que, embora os indivíduos com nanismo não encarem a sua situação de forma estigmatizada, não deixaram de relatar atitudes estigmatizantes por parte de potenciais empregadores, o que colocará obstáculos à sua (re)inserção profissional.

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iv

ABSTRACT

This study focuses on the integration and reintegration of individuals with dwarfism in the labor market. Notwithstanding the existence of studies concerning (in)equalities in the access to the labor market, the fact is that many questions remain unanswered which are particularly relevant regarding said population as not much is known provided the scarce existence of studies in relation to dwarfism and the reduced number of these individuals in Portugal.

In a labor market that is constantly changing (dynamic, demanding and uncertain), it is essential to understand how such individuals manage to enter, move about and stay active in the labor market. Within this context, we sought to determine whether the (re)integration of individuals with dwarfism in the labor market is differentiated, taking into account certain attributes such as academic capital. This study also aims to understand if the stigma negatively influences the (re)integration and contributes to the social exclusion of individuals with dwarfism, turning them away from organizations that ensure their interests. Thirdly, we looked to investigate whether the level of information regarding the legislation that protects individuals with disabilities and foresees hiring incentives positively influences their professional re(integration).

Relevant results for future research were obtained through this study which has undeniable practical implications. It was possible to find some evidence with regard to the importance of attaining higher qualifications, having the individuals with dwarfism revealed to be aware of such fact. Additionally, it was found that, contrary to the expected, those who were interviewed revealed lack of knowledge concerning the legislation that protects and foresees hiring incentives for individuals with disabilities. In general, they were not beneficiaries of the same. Moreover, although individuals with dwarfism do not view their situation in a stigmatized manner, they reported stigmatizing attitudes taken on by potential employers, which shall hinder their (re)integration.

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GLOSSÁRIO

ALPE - Fundación ALPE Acondroplasia

APACONDRO – Associação Portuguesa de Acondroplasia APD - Associação Portuguesa de Deficientes

ASCUDT - Associação Sócio-Cultural dos Deficientes de Trás-os-Montes CEI - Contrato Emprego-Inserção

CEP – Centro de Emprego Protegido

CGTP-IN - Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses-Intersindical Nacional CRP – Constituição da República Portuguesa

CT – Código do Trabalho

DECO - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional

INE – Instituto Nacional de Estatística INR – Instituto Nacional de Reabilitação

MTSS - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social OED – Operação de Emprego para Pessoas com Deficiência OMS - Organização Mundial da Saúde

ONU – Organização das Nações Unidas PME – Pequenas e Médias Empresas

QUERCUS - Associação Nacional de Conservação da Natureza

RARÍSSIMAS - Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras SAPA - Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio

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INTRODUÇÃO

Numa era em que o corpo-máquina assume um papel fundamental num mercado de trabalho que está cada vez mais metamorfoseado, incerto, exigente e competitivo, importa compreender como se processa a inserção e reinserção dos portadores de deficiência, que constituem um grupo desfavorecido, no mercado de trabalho. Ocorrerá essa (re)inserção de forma diferenciada? Que fatores poderão concorrer para uma (re)inserção dotada de uma maior qualidade? Sentir-se-ão estes indivíduos estigmatizados, agindo em conformidade?

Tendo presente que o corpo pode apresentar, aprioristicamente, desvantagens relativamente à estética, à dinâmica e à performance exigida e/ou expetável, o presente estudo focar-se-á na deficiência específica do nanismo. Trata-se de indivíduos sobre os quais quase nada se sabe, dada a sua invisibilidade social, o seu reduzido número em Portugal e a escassez de estudos sobre tal população.

A temática em apreço assume especial importância numa época em que é aclamado o direito à igualdade e se produz vasta legislação anti-discriminatória, bem como são implementadas políticas públicas que preveem diversificados incentivos financeiros à contratação destes indivíduos. A ineficácia que a legislação tem evidenciado ao longo do tempo conduz à necessidade de se procurarem as causas desse fato e examinar se existe alguma relação entre tal ineficácia e o desconhecimento que os atores sociais dela possam ter.

Embora a inserção no mercado de trabalho de indivíduos portadores de deficiência tenha já sido objeto de estudos vários, tal matéria está longe de estar esgotada por falta de resultados definitivos e por força da inserção – conforme melhor se ilustrará no presente estudo – se revelar um processo cada vez mais longo, sinuoso e qualitativamente menos conseguido, em virtude do recurso a sucessivos estágios (curriculares e extracurriculares) e ao emprego precário (contratos de trabalho a termo e respetivas renovações extraordinárias, contratos de trabalho temporário, etc.) para redução de custos dos empregadores sobretudo em época de crise.

Para melhor compreender a situação dos indivíduos com nanismo perante o trabalho, far-se-á um enquadramento teórico ilustrando, nos dois primeiros capítulos da dissertação, os resultados da revisão da literatura relativamente à importância do corpo e aos aspetos fulcrais a considerar na aplicação de conceitos como deficiência, nanismo, estigma e exclusão social.

Num terceiro capítulo, far-se-á uma incursão pelas vicissitudes da (re)inserção no mercado de trabalho e serão identificadas as principais políticas públicas de incentivo à contratação, bem como a legislação anti-discriminatória.

O quarto capítulo será dedicado à metodologia e o quinto à análise dos dados resultantes das entrevistas realizadas com base no modelo de pesquisa elaborado. Por fim, algumas conclusões serão retiradas, ao mesmo tempo que se refletirá sobre as limitações do presente estudo e se definirão pistas para futuras pesquisas.

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CAPÍTULO I. CORPO, DEFICIÊNCIA E NANISMO 1.1.O CORPO

O corpo1 é o primeiro e mais natural instrumento do homem, o lugar de soberania do sujeito, a primeira matéria da sua ligação com o mundo, a primeira manifestação do ser humano. É através dele que existimos2, que nos tornamos visíveis e conhecidos para o outro (Veríssimo, 2008; Le Breton, 2004; Jana, 1995).

As interrogações acerca do corpo são cada vez mais inevitáveis, particularmente, na cultura ocidental, uma vez que ele suporta todas as grandes questões que nos configuram e se apresenta como a marca e a fronteira que separa e distingue os indivíduos.

Historicamente, foi considerado como o principal responsável, designadamente, por todos os nossos tormentos, pelos martírios da humanidade e pela origem de todos os pecados perpetrados pelo Homem (Braunstein e Pépin, 2001; Veríssimo, 2008).

Neste âmbito, para os gregos as relações entre as pessoas, as guerras, os prazeres e os sacrifícios manifestavam uma significativa presença corporal, sendo o corpo um lugar privilegiado de investimentos emocionais.

Os gregos entendiam ainda que o corpo belo e são dependia de uma profunda harmonia com o universo e, por essa razão, o seu culto estava associado à atividade religiosa. Estávamos perante uma imagem mística e idealizada, onde o divino era cada vez mais humano e o humano cada vez mais divino (Braunstein e Pépin, 2001; Sennett, 2003). Assim, o corpo grego, radicalmente idealizado, capaz de contrariar qualquer natureza, devia ser permanentemente treinado e aprimorado.

Segundo a visão platónica era essencial aprender a dominá-lo, uma vez que a alma escolheria corpos semelhantes nos futuros processos de reencarnação; caso contrário ela reencarnaria num animal (os quais, nesta época, eram encarados como corpos humanos desfigurados e que haviam sido, outrora, pertença de um pecador).

Na perspetiva de Aristóteles, o corpo era uma máquina bem construída resultado da própria natureza, continha uma finalidade organizadora e era composto de matéria e de forma. Consequentemente, entendia que os seres monstruosos eram fatos da natureza com origem acidental, um excesso de matéria não moldada e portanto destituídos de significado moral e cuja origem se imputava unicamente a causas naturais (Costa, 2005).

Contrariamente ao defendido pelos gregos, os cristãos consideravam que o corpo simbolizava e transportava consigo a ignorância, a corrupção moral, a doença, o mal e a morte. Para eles todas as anomalias e doenças eram consequência do comportamento humano que estava pejado de pecados, no

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Braunstein e Pépin afirmam que “se torna forçoso reconhecer que o corpo é omnipresente na história” e que independentemente da “época, o homem foi sempre simultaneamente o corpo que pensa e o corpo que ele pensa, o corpo que é e o corpo que tem” (Braunstein e Pépin, 2001: 9-11).

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Os indivíduos não têm somente um corpo, os indivíduos são acima de tudo corpos e são esses corpos que dão lugar à existência (Leal, 2006; Nancy, 2000).

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sentido em que defendiam que a moral estava no centro do comportamento humano e o corpo ameaçava a ordem do mundo, uma vez que todos nasciam do e/ou em pecado.

Para que este não devassasse a alma, devia ser objeto de árduas renúncias, dominado pela disciplina, pelas dietas e pela abstinência e, o incumprimento destas restrições, devia ser punido com a tortura e/ou com penitências flagelantes, uma vez que, para os cristãos, as dores assumiam um valor espiritual. O cristianismo assentava, sobretudo, numa doutrina de igualdade entre os seres humanos e por isso estes não eram bonitos ou feios, superiores ou inferiores, mas sim feitos à imagem e semelhança do Senhor. O corpo devia ser guiado pelo pastor responsável pelo rebanho para que a sua alma fosse aprimorada já que este cede, não raras vezes, aos pecados da carne (Veríssimo, 2008; Tucherman, 2004).

Para autores como Braunstein e Pépin (2001), o Homem moderno embora continue a ser cidadão de dois mundos, o espiritual e o material, caracteriza-se por ser um sujeito pensante, com ideias próprias e senhor dos seus atos e do seu futuro.

Impera, atualmente, uma profunda preocupação com a impressão que é transmitida aos outros, sendo o corpo a nossa realidade material transmitida ao outro3 e é ele que nos dá o mundo, mas apenas o mundo que ele próprio nos possibilita. Por essa razão deve ser cuidado fisicamente já que ele é o lado mortal, visível, impuro e terreno que encarcera uma alma imortal, invisível, pura e divina (Jana, 1995) que consubstancia a nossa existência.

Estamos perante a busca pelo corpo perfeito, que está em todo o lado e que é hoje, transversal a homens e mulheres e para o qual muito têm contribuído a moda, o cinema, a publicidade, a cosmética, a cirurgia estética, a televisão e o desporto.

Hoje parece fácil e acessível, a quase todos, metamorfosear a dádiva, nem sempre “justa”, que nos foi conferida pela natureza, permitindo-nos ultrapassar estigmas ligados aos defeitos físicos e/ou à idade. Encontramo-nos perante o delírio da transformação, não estando somente preocupados com a vida eterna e com a purificação antes da morte, mas também empenhados em reverter a morte, trabalhando permanentemente o corpo, transformando-o através dos meios técnicos, médicos e científicos, procurando ser indivíduos cada vez mais saudáveis e produtivos.

Tais fatos levam-nos às palavras de Le Breton que afirma estarmos perante um engano do corpo e uma falsa evidência porque, embora ele pareça explicar-se a si mesmo, não deixa de ser “socialmente construído, tanto nas ações sobre a cena coletiva quanto nas teorias que explicam o seu funcionamento ou nas relações que mantém com o homem que encarna (..) é uma falsa evidência, não é um dado inequívoco, mas o efeito de uma elaboração social e cultural” (Le Breton, 2007: 26).

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Segundo Le Breton a relação com o outro é sempre uma relação corporizada e é através dela que identificamos aquilo que o outro é para nós (Le Breton, 1995).

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Segundo Tucherman (2004) torna-se fundamental investir, através de exercícios físicos e da ginástica, no corpo das crianças, dos trabalhadores, dos soldados, entre outros, de modo a proteger e guardar o corpo social que deve ser sadio e direcionado pela disciplina para o trabalho.

Para Nancy “os corpos estão antes de tudo no trabalho. Os corpos estão antes de tudo a penar no trabalho. Os corpos estão antes de tudo em deslocação para o trabalho, no retorno do trabalho, à espera do descanso, a pegá-lo e rapidamente a despegá-lo, e estão a trabalhar, a incorporar-se na mercadoria, eles próprios uma mercadoria, força de trabalho, capital não acumulável, vendável, esgotável no mercado do capital acumulado, acumulador” (Nancy, 2000: 107).

A pressão sobre o corpo a nível social e laboral transporta os indivíduos para uma procura incessante pela admiração dos outros que lhes permita a sua afirmação segundo as atuais normas de aparência corporal. Esta “obsessão” pelo corpo perfeito, produtivo e rentável, leva a um crescente desprezo por aqueles que se afastam deste estereotipo socialmente construído, deixando de fora os mais velhos e/ou aqueles que padecem de deficiência física e/ou psicológica que tendem a sentir-se incompreendidos, ignorados e socialmente estigmatizados.

1.2 A DEFICIÊNCIA

Não obstante, afirmar-se que o indivíduo portador de deficiência é normal e que a sua dignidade e valor não devem ser abalados por qualquer anomalia física e/ou psicológica, o certo é que nos deparamos, não raras vezes, com a sua exclusão, marginalização e/ou discriminação. Esta marginalização, tão antiga quanto a socialização do homem, estende-se à esfera laboral, à falta de acessos que permitam a locomoção, aos constantes olhares e/ou comentários que provocam desconforto, angústia, solidariedade e/ou repulsa, revelando uma incessante violência para com o indivíduo portador de deficiência (Le Breton, 2007; Maciel, 2000).

A discriminação apresenta-se como uma forma para regular o idêntico e como advertência já que é “preciso manter distante o que é de diferente natureza: a hibridização compromete a humanidade do homem” (Tucherman, 2004: 109).

Apesar de se ter iniciado em 1981 (Ano Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência) um movimento de modo a integrar e a mostrar que os indivíduos não são a deficiência (Saeta, 1999), verifica-se que, ainda hoje, ter-se uma deficiência confunde-se, vulgarmente, com o ser-se deficiente, o que coloca imediatamente barreiras à comunicação quando esta é facilmente observável.

Geoffroy Saint-Hilaire, citado por Canguilhem (2009), esclarece que qualquer desvio do tipo específico ou qualquer particularidade orgânica apresentada por um indivíduo, quando comparado com a grande maioria dos indivíduos da mesma espécie, idade ou género, constitui o que se pode chamar uma anomalia a qual, no entanto, é meramente estatística. Este autor apresenta uma divisão

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das diferentes anomalias4, a saber: variedades – anomalias simples, que não criam qualquer obstáculo à realização de quaisquer funções; vícios de conformação – anomalias simples do ponto de vista anatómico que tornam impossível a realização de uma ou de várias funções; heterotaxias – anomalias complexas, aparentemente graves anatomicamente, mas que não impedem qualquer função e não são visíveis exteriormente; e monstruosidades – anomalias muito complexas e graves que tornam impossível ou difícil a realização de uma ou várias funções.

Ao longo da história sempre existiram relatos de indivíduos com deformações como é observável pelas conhecidas histórias de ciclopes, minotauros, seres gigantes, gémeos siameses, anões, hermafroditas e outros seres com membros a mais e/ou a menos.

São precisamente estes relatos que nos conduzem até à noção de monstruosidade que perdura até hoje no cinema, nas histórias de banda desenhada, nos vídeo jogos, entre outros. Os monstros5 colocam-nos questões bastante atuais, uma vez que tentamos encontrar neles as respostas para o complexo sistema de relações que nos separa e aproxima destes seres.

Possivelmente, estes monstros, que comportam em si um excesso de presença e representam uma subversão do normal6 (Gil, 2006), existem para nos consciencializar daquilo que podíamos ter sido, daquilo que não somos e daquilo em que um dia nos podemos tornar.

A deficiência continua a ser representativa da precariedade da existência humana e desperta, através da cegueira, da paralisia e/ou do corpo desmantelado, toda a fragilidade humana, levando a olvidar-se que embora as deficiências e/ou a falta de saúde7 limitem física e socialmente, elas não

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Canguilhem clarifica, ainda, que quando uma anomalia é interpretada pelos efeitos que repercute na atividade dos indivíduos e, consequentemente, na imagem que estes têm do seu valor e do seu destino, poder-se-á chamar de “anomalia crónica”. Os indivíduos podem nascer com, ou contrair, anomalias crónicas. O fato de se tornarem crónicos é interpretado como uma irremediável diminuição da sua condição física e social, considerada pejorativa quanto à norma e aos parâmetros do ideal humano (Canguilhem, 2009).

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Segundo Gil (2006) os autores que trataram a etimologia da palavra monstro tendem a associá-la com

mostrare, que significa “mostrar” ou “indicar com o olhar”. Para este autor mostrare estará mais próximo de

“ensinar um comportamento”. Todavia, o monstro apresenta o indivíduo muito para além do que é visto.

6

Segundo Canguilhem (1985) o termo “normal” revela-se ambíguo, apontando para um facto suscetível de descrição através de recenseamento estatístico – “média das medidas efetuadas sobre uma característica apresentada por uma espécie e pluralidade de indivíduos que apresentam essa característica segundo a média e com diferenças consideradas indiferentes” – e para um ideal, ou seja, “princípio positivo de apreciação, no sentido de protótipo ou forma perfeita (…)”. De acordo com esta visão, o singular, ou seja, o desvio, a variação, surge como um fracasso, um vício, uma impureza (Canguilhem apud Abdelmalek e Gérard, 1995: 40).

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Embora a OMS defina saúde como um estado de completo bem-estar físico, psíquico e social, e não apenas a ausência de doença ou incapacidade (Carapinheiro, 1986; Leal, 2006; Pereira, 2003), o certo é que esta definição tem sido alvo de inúmeras críticas, uma vez que definir saúde como um estado de completo bem-estar pode levar à ideia de que ela possa ser algo ideal e inatingível. A este propósito, Stepke afirma que a

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significam um limite total dos indivíduos, uma vez que cada um para fazer qualquer coisa na sua vida necessita apenas de uma saúde que lhe é particular (Dubos apud Carapinheiro, 1986).

O aspeto central a considerar deve assentar na “construção social da deficiência”, isto é, nas expetativas dirigidas aos grupos e/ou indivíduos portadores de deficiência e que serão basilares nas inter-relações estabelecidas no seio do grupo social. No fundo, o fenómeno da deficiência deve ser analisado também à luz das reações das pessoas que não são portadoras de deficiência mas que, em última instância, definem alguém como sendo ou não deficiente. Assim, a deficiência deve ser encarada tendo em conta a situação individual, o meio onde se encontram inseridos os indivíduos e a atitude da sociedade perante os portadores de deficiência, uma vez que esta se carateriza, em grande medida, nas respostas destes às exigências do meio.

Tem-se vindo, inclusivamente, a comprovar que os indivíduos sem deficiência evitam, em regra, a interação com os portadores de deficiência como meio de obstar ao seu próprio desconforto. Por sua vez, estes últimos colocam-se à distância como modo de evitar a sua marginalização. Existe, nas pessoas e nos grupos, uma necessidade de proteção em relação ao desconhecido, por isso, o contacto com indivíduos portadores de deficiência poderá significar um encontro com algo desconhecido e estranho que ameaça a ordem do universo e o valor de orientação do espaço social (Bauman, 2003), causando medo e conduzindo a uma maior necessidade de proteção8.

1.3 O NANISMO

De entre as diferentes deficiências, o nanismo carateriza-se por ser uma doença em que o crescimento esquelético dos indivíduos ocorre de modo anormal quando comparado com a média dos indivíduos da mesma idade e sexo.

De um modo geral, a definição de nanismo está sujeita a uma grande margem de subjetividade e, apesar de ser difícil estabelecer um limite de estatura que separe os indivíduos com nanismo dos restantes indivíduos de uma população, considera-se que se pode falar dele sempre que o tamanho seja até 20% inferior à média dos indivíduos da sua espécie, ou seja, quando um homem apresenta uma estatura inferior a 1,50m e uma mulher apresenta uma estatura inferior a 1,45m (Costa, 2012; Coutinho, 1979; Manuila et al, 2000).

O nanismo apresenta-se através de duas formas distintas: o proporcionado; e o desproporcionado. O primeiro carateriza-se pela baixa estatura do indivíduo ainda que o tamanho dos membros mantenha a mesma proporção. Este tipo apresenta, frequentemente, causas muito variadas e é, em alguns casos, tratável.

OMS não apresenta uma definição de saúde mas sim uma definição celestial de felicidade e de paraíso ancorando a saúde a algo estático (Stepke, 2006).

8

Edward T. Hall na sua obra A Dimensão Oculta afirma que “ a 3,60m, um indivíduo válido pode adoptar um comportamento de fuga ou de defesa se se sentir ameaçado. É mesmo possível que tal distância desencadeie uma forma de reação de fuga vestigial, mas subliminar (Hall, 1986: 144).

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8

O nanismo proporcionado mais conhecido é o pituitário/hipofisário, é causado por uma deficiência completa ou parcial das hormonas de crescimento, podendo estar associado à deficiência de outras hormonas e distingue-se pela apresentação de um crescimento demasiadamente lento, provocando uma estatura anormalmente baixa por disfunção da hipófise anterior, sendo a velocidade de crescimento de um indivíduo inferior a 4cm por ano e a idade óssea, pelo menos, dois anos inferior à sua idade cronológica. Embora estes indivíduos apresentem uma baixa estatura, o seu corpo é proporcional.

Geralmente, as crianças portadoras de nanismo pituitário/hipofisário nascem com peso normal e tamanho ligeiramente inferior à média. Os primeiros sinais clínicos são sentidos a partir dos seis meses de idade com um atraso no crescimento, uma idade óssea atrasada, a acumulação de gordura periabdominal, a diminuição da massa muscular, o crescimento retardado da dentição, o corpo capilar demasiado frágil, o deficiente crescimento das unhas, a apresentação de uma voz fina (hipoplasia da faringe) e, em alguns casos, pela hipoglicemia e pelo micropénis (nas crianças do sexo masculino).

Na idade adulta, estes indivíduos alcançam, frequentemente, uma altura próxima dos 1,50m podendo, contudo, existir na adolescência um atraso no seu desenvolvimento sexual (Muzzo e Muñoz, 1942).

Quanto aos nanismos desproporcionados, também chamados de displasias esqueléticas, caraterizam-se pelas reduzidas dimensões dos membros, que contrastam com o normal (ou quase normal) desenvolvimento do tronco e “devem-se a anomalias congénitas no desenvolvimento dos ossos longos distinguindo-se umas formas das outras pela intensidade do defeito, outros defeitos associados, modo de transmissão da doença e anomalias metabólicas eventualmente presentes” (Coutinho, 1979: 1551). Todavia, alguns órgãos apresentam um tamanho maior em relação à altura, quando comparados com os órgão de indivíduos que não são portadores da deficiência.

O tipo desproporcionado mais comum é a acondroplasia e as suas causas são muito numerosas. Contudo, as mais frequentes são de natureza cromossómica e endócrina e podem, ou não, ser hereditárias.

A acondroplasia ou acondroplastia é uma perturbação que se traduz por insuficiência do crescimento (nanismo), acompanhada por diversas anomalias, mantendo-se o crescimento em espessura, de que resultam indivíduos com os quatro membros anormalmente curtos (micromelia), mas cuja cabeça e tronco apresentam dimensões normais (Costa, 2012; Coutinho, 1979; Manuila et al, 2000)9. Existem, no entanto, dificuldades em diagnosticar o problema aquando do nascimento uma vez

9 Resumidamente, trata-se, de uma formação óssea endocondral inadequada, cujas principais caraterísticas são:

baixa estatura; braços (limitada movimentação dos cotovelos, que não se dobram completamente) e pernas (curvas) pequenas e desproporcionais em relação ao tamanho da cabeça e comprimento do tronco; mãos pequenas; pés pequenos e largos; e curvatura acentuada e saliente na parte final da espinha (Vieira, et al., 2005).

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que a sua determinação pode ser pré ou pós-natal e algumas crianças nascem com um comprimento dentro de percentis aparentemente normais.

As crianças cujos pais (também acondroplásicos) contribuam cada um deles com um gene afetado raramente atingem um ano de vida. Na idade adulta, estes indivíduos quase nunca atingem uma estatura superior a 1,30m de altura.

Outro tipo de nanismo desproporcionado é o diastrófico e a sua causa resulta de um padrão de herança genética autossómica recessiva. As suas caraterísticas mais relevantes são: a presença da micromelia; o pé torto congénito, as deformidades digitais (em especial no polegar em afastamento permanente), a face (que tende a ser quadrada) e o nariz (estreito na sua porção proximal e largo na porção média). Na sua maioria, os indivíduos afetados vivem até à idade adulta, sendo a sua altura média cerca de 1,12m (Gonzalez e Marcondes, 1980).

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CAPÍTULO II. ESTIGMA E EXCLUSÃO SOCIAL 2.1 O ESTIGMA

O termo estigma surgiu na Grécia e assumiu desde cedo um sentido pejorativo, reportando-se a sinais corporais feitos através de cortes ou fogo que serviam para evidenciar aqueles que deviam ser evitados, sobretudo em locais públicos, nomeadamente, escravos, criminosos e/ou traidores.

Hodiernamente, o estigma é um atributo que lança um descrédito profundo no indivíduo. Consideram-se tais atributos um estigma quando os seus efeitos de descrédito são grandes e são considerados um defeito, uma fraqueza e/ou uma desvantagem e se equaciona a possibilidade de reclassificar o indivíduo numa outra categoria face à existência de atributos incongruentes com o estereótipo expetável (Becker, 2009; Goffman, 1988; Xiberras, 1993).

Tem sido a sociedade a estabelecer aquilo que se designa de natural/comum para diferentes categorias de pessoas inseridas em diferentes ambientes sociais. A sociedade cria categorias ou quadros sociais para que qualquer indivíduo possa, face ao desconhecido, classificar os objetos em categorias conhecidas. Os indivíduos possuem a capacidade de compreender em que categorias se enquadram e como devem classificar/enquadrar os outros numa determinada categoria. No entanto, os que são classificados podem ter uma opinião diferente e não aceitar a categoria em que são enquadrados como podem, também, não encarar aqueles que os julgam como competentes ou legitimados a fazê-lo. Por essa razão, no encontro entre estes, o tempo é utilizado para verificar se a pertença à categoria atribuída está correta. Em regra, se o desconhecido transportar consigo um atributo (amputados, deficientes, viciados, entre outros) que se desvia da ordem dos indivíduos é imediatamente reclassificado na categoria dos estigmatizados.

Segundo Howard Becker (2009) são os grupos sociais que impõem as regras e, quando o fazem esperam que os indivíduos vivam de acordo com as mesmas, pelo que se eles as infringirem podem ser vistos como especiais e/ou outsiders10.

De acordo com Goffman (1988), existem dois tipos de estigmatizados havendo, por um lado, quem considere a caraterística distintiva imediatamente percetível (o “desacreditado”) e, por outro, quem a considere à partida desconhecida e de difícil perceção imediata (o “desacreditável”). No caso do “desacreditado” podemos identificar três tipos de estigma: as abominações do corpo (deformidades físicas); as culpas de carácter individual (alcoolismo, homossexualidade, desemprego); e estigmas tribais (transmitidos através da linhagem).

Confrontados com atributos diferentes daqueles inicialmente perspetivados, os indivíduos normais11 deixam, geralmente, de atender a outros atributos de caráter positivo do estigmatizado.

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O autor utiliza o termo outsiders para designar aquelas pessoas que são consideradas desviantes por outras, situando-se, por isso, fora do círculo dos membros normais do grupo (Becker, 2009: 27).

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São chamados normais os indivíduos que não se afastam das expetativas normativas e que correspondem perfeitamente à categoria onde estão classificados. A conceção mais simples é essencialmente estatística definindo como normal/anormal tudo o que varia excessivamente em relação à média. Note-se que, se

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Passam, na verdade, a utilizar termos específicos de estigma (por exemplo, aleijado) e atribuem ao estigmatizado aspetos sobrenaturais (por exemplo, sexto sentido).

Quanto ao estigmatizado, adota em regra uma de inúmeras posturas consoante o nível de angústia atingido: sente-se um ser humano perfeitamente normal; aceita as suas características; sente vergonha ao imaginar a possibilidade de não ter tais atributos distintivos; esforça-se por corrigir diretamente o atributo distintivo (corrigir a fala, esticar o corpo, entre outros); corrige indiretamente o atributo distintivo (dedicando-se a atividades vedadas a indivíduos com uma determinada deficiência física); assume a sua condição como uma bênção secreta; ou reafirma as limitações dos normais demonstrando a estes que afinal embora saibam, por exemplo, ver não o fazem devidamente. No entanto, a aceitação e a consciência orgulhosa que o indivíduo tem de si mesmo, pode ser perigosa e conduzir os estigmatizados a um desfasamento considerável e a uma construção delirante em relação ao real, situando-os de maneira fictícia em representações inaceitáveis para o resto da sociedade, uma vez que o orgulho que eles podem almejar está diretamente dependente do olhar dos outros, das suas opiniões, dos seus juízos e/ou da capacidade da sociedade levar em conta a sua existência (Wieviorka, 2002).

Saliente-se que as respostas dos normais e estigmatizados tendem a ser diferentes em situações de confronto imediato e presencial. Desde logo, ambos os grupos podem procurar evitar o confronto, caindo os estigmatizados em situações de isolamento extremo, tornando-se desconfiados, deprimidos, hostis e interiorizando que detêm atributos degradantes.

Existindo efetivamente o confronto, o estigmatizado pode sentir-se inseguro numa conversação com um normal desconhecido por não saber como este irá acolhê-lo e por ignorar em que categoria ele o pretende enquadrar. Mesmo que a determinação da categoria aplicável ocorra apenas no íntimo do normal, o estigmatizado tem a sensação de desconhecer o que os outros estão, na realidade, a pensar sobre si (Goffman, 1988; Xiberras, 1993; Vieira et al., 2009; Wieviorka, 2002).

Para além do referido, também a autoconsciência e controlo do estigmatizado podem assumir níveis elevados com vista à melhoria da impressão a causar nos outros, uma vez que ele tem tendência a sobrevalorizar eventuais erros cometidos. Caso se trate de um indivíduo “desacreditável” (cujo atributo distintivo não é percetível de imediato), este ao interagir com normais pode sentir que a sua privacidade está a ser abusivamente invadida, especialmente quando lhe é oferecida ajuda que considera desnecessária. A tendência, nestes casos, é para assumir uma capa defensiva, que nem sempre é bem vista pelos normais e pode potenciar situações de violência.

considerarmos a título de exemplo, a variação da altura da população e admitindo uma média calculada de 1,75m resultado de uma variação entre 1,60m e os 2m de altura, consideram-se anormais os indivíduos cuja altura seja inferior a 1,60m, onde se podem incluir os indivíduos portadores de nanismo, enquanto os indivíduos com altura superior a 2m, serão os gigantes (Abdelmalek e Gérard, 1995).

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Os comportamentos dos estigmatizados podem influenciar, deste modo, os comportamentos dos normais fazendo com que estes sintam que eles percebam cada fonte potencial de mal-estar na interação, levando à adoção de sucessivos artifícios por ambas as partes numa relação presencial (por exemplo, poderá haver uma sobrevalorização do estigmatizado ou a sua consideração como uma “não pessoa”).

Numa sociedade que aclama, cada vez mais, os valores da igualdade e da fraternidade, o estigma que desacredita os indivíduos (doença, atributos fenotípicos) é insuportável uma vez que lhes proíbe o acesso inteiro e pleno a esses valores.

Tais valores ficam comprometidos, particularmente, quando encontramos num dicionário de Língua Portuguesa definições com caráter pejorativo. Veja-se, por exemplo, a definição de anão/anã que determina tratar-se de uma “pessoa de estatura muito inferior à normal e com cabeça e membros desproporcionados; indivíduo pequeno e enfezado; personagem imaginária da literatura tradicional e dos contos infantis; pessoa de pouca inteligência ou mérito; de raça pequena ou muito enfezado, muito pequeno ou escasso” (Dicionário de Língua Portuguesa, 2012).

Em suma, o corpo não deve ser um lugar de exclusão mas de inclusão e deve ser através dele que o indivíduo se deve unir com os outros. As sociedades ocidentais transformam a deficiência em estigma e, desse modo, avaliam negativamente os indivíduos, tendência que é urgente contrariar. O importante é compreender que o normal e o estigmatizado não são pessoas, mas sim pontos de vista (Le Breton, 2007, Xiberras, 1993).

2.2 A EXCLUSÃO SOCIAL

O termo exclusão social12 transporta consigo representações e experiências de cariz negativo que se manifestam através do medo, da compaixão e/ou rejeição, quer em relação ao indivíduo quer em relação a um determinado segmento social e é extensível a vários domínios, podendo existir exclusão ao nível económico (desempregados, desempregados de longa duração e desencorajados), da educação (elevadas taxas de analfabetismo), da habitação (sem-abrigo), da saúde (deficientes, doentes mentais), da justiça (detidos) e/ou da política (participação) (Almeida, 1993, Arruda et al., 2014). Segundo Paugam, citado por Capucha, é ainda “o paradigma a partir do qual a nossa sociedade toma consciência de si própria e dos seus disfuncionamentos” (Capucha, 2005: 79-80).

Pode afirmar-se, neste contexto, que os excluídos constituem uma falha no tecido social e que as dinâmicas de exclusão a que estão sujeitos geram uma quebra de laços entre o indivíduo e a sociedade, privando-os de recursos materiais e sociais que os arrastam para fora da esfera social e para uma espiral de rejeição que culmina, não raras vezes, num sentimento de auto-exclusão. Exemplo disso é a exclusão do mercado de trabalho, que gera baixos níveis de rendimento, conduzindo a uma fraca

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O termo surgiu na década de 70 para identificar as novas fontes de desigualdade que atingiam um importante setor da população e que, apesar do crescimento do bem-estar das sociedades modernas, foi deixado de fora dos benefícios provenientes desse mesmo progresso.

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participação social, cultural, política e a situações de pobreza13 que impedem o acesso a bens e serviços de enorme relevo social, como a saúde, a habitação, a educação, o lazer, entre outros.

Tem-se defendido que o emprego e a participação no mercado de trabalho são fundamentais para a inclusão social14. Neste âmbito, Xiberras (1993) afirma que “numa sociedade onde o modelo dominante continua a ser o homo economicus convém participar na troca material e simbólica generalizada”. Todos aqueles que recusam ou são incapazes de participar no mercado serão logo percebidos como excluídos. A pobreza15 significa a incapacidade de participar no mercado de consumo (Xiberras, 1993: 28) e o desemprego sublinha a incapacidade de participação no mercado de produção16.

Os empregadores veem o desemprego como uma deficiência e os desempregados (incluindo os de longa duração) começam a duvidar da sua capacidade de reintegrar o mercado de trabalho, gerando-se

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Giddens identifica como principais formas de pobreza (i) a absoluta, que está ancorada à noção de subsistência e que assenta em condições básicas que permitam manter a saúde e o funcionamento eficaz do corpo; e (ii) a relativa, que se encontra relacionada com o padrão de vida geral dominante numa determinada sociedade, uma vez que a pobreza é culturalmente definida e, como tal, não deve ser medida de acordo com o padrão de privação universal (Giddens, 2009). Embora não seja possível traçar um perfil que nos permita descrever quem são os pobres, podemos afirmar que se encontram mais sujeitos, em determinado momento da sua vida, a situações de pobreza os indivíduos cujo vínculo laboral é parcial e/ou precário, indivíduos que auferem baixos salários, os desempregados, os idosos, os enfermos e/ou portadores de deficiência, os membros de minorias étnicas, as mulheres, as crianças, os membros de famílias alargadas com crianças e os membros de famílias monoparentais.

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A inclusão social está associada aos processos de incorporação e deve integrar dois movimentos. Por um lado, a inclusão como movimento do indivíduo face à coletividade, que deve ter subjacente a existência de justiça social onde todos os seus membros devem ser reconhecidos como cidadãos legítimos, garantindo que os seus direitos e as suas diferenças sejam aceites entre os indivíduos como algo normal e, por outro, o da integração como movimento da coletividade face aos indivíduos, ou seja, estes devem encontrar-se absorvidos e entrelaçados na e pela estrutura social e possuir e usufruir de competências virtuais ligadas à vida social (Almeida, 1993; Arruda, 2014; Mader, 1997; Salgado, 2002).

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Para Pereirinha, citado por Capucha, a pobreza implica a escassez de recursos materiais e a exclusão social refere-se aos aspetos relacionais e aos mecanismos de inserção e/ou desinserção social. No entanto, para este último autor, é fundamental distinguir-se a noção de exclusão social da noção de pobreza, já que a primeira deve ser concebida como uma realidade processual, multidimensional, de carácter cumulativo, estrutural e resultante da rutura dos laços sociais enquanto a segunda mostra-nos que é possível ser-se pobre sem se ser excluído e ser-se excluído sem se ser pobre (Capucha, 2005).

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Importa frisar que, particularmente no caso português, a inserção no mercado de trabalho não é suficiente para evitar situações de pobreza. Tal realidade é claramente observável quando analisamos os dados do INEque nos indicam que cerca de 10,5 % da população empregada se encontra em risco de pobreza. Os mesmos dados evidenciam uma estreita relação entre o desemprego e a pobreza cuja taxa de risco se situa já nos 40,2% (INE, 2014).

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uma exclusão reciproca (Xiberras, 1993; Goldfinger 2002; Capucha 2000; Oliveira e Chaves, 2009; Neves e Graça, 2000).

Saliente-se, no entanto, que tal não significa sempre uma exclusão do sistema, uma vez que as situações de desemprego e pobreza podem arrastar os excluídos para aquilo a que Capucha designa de desemprego de exclusão, ou seja, para os territórios da economia ilegal, deixando-os submetidos, não raras vezes, pelos mais fortes laços às piores situações de existência marginal (Capucha, 1998, 2005).

Capucha realça, ainda, que “estar em situação de exclusão, não é ser um ‘não membro’ da sociedade, mas sim um (pelos menos tendencialmente) ‘não cidadão’, isto é, um membro da sociedade a quem foram retirados, objetivamente, direitos de cidadania” (Capucha, 2000: 196).

A exclusão social firma-se de modo visível, mas também de modo dissimulado, através da rutura com o laço simbólico passando, assim, os excluídos a estar ausentes e/ou invisíveis. Por isso, importa perceber em que medida esse lado invisível da sociedade pode condicionar e/ou influenciar as tomadas de decisão e as práticas no lado visível, tanto ao nível das instituições como dos atores, através de um reforço da visibilidade de fenómenos conhecidos, porém esquecidos e invisíveis, como é o caso, por exemplo, dos indivíduos com nanismo.

Por vezes, são os próprios protagonistas os responsáveis pela ocultação de partes das suas vidas, quer por vergonha quer por medo de condenação e/ou desvalorização social (Dornelas, et al 2010), o que leva à sua auto-exclusão de aspetos centrais da sociedade, através do abandono escolar, da recusa na procura e/ou aceitação de propostas de trabalho que geram, consequentemente, inatividade económica e/ou através da não-participação cívica e política, como a abstenção de voto em eleições políticas (Giddens, 2009).

As sociedades modernas, que em nome da igualdade, prometiam alterar as diferentes dinâmicas de exclusão que nos acompanham desde a idade média, mais não fizeram que reabilitar e camuflar tais dinâmicas.

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CAPITULO III. INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO AO EMPREGO

3.1 INSERÇÃONO MERCADO DE TRABALHO

Quando analisamos o universo da população em idade ativa, deparamo-nos com um subgrupo de pessoas cuja deficiência condiciona o direito constitucionalmente consagrado na generalidade dos países desenvolvidos do acesso à formação e ao emprego e para quem as possibilidades de integração no mercado de trabalho são mais escassas, gerando sentimentos de exclusão social, uma vez que o emprego é um dos principais mecanismos de integração social nas sociedades modernas.

A inserção profissional constitui apenas uma das dimensões da integração social, consistindo no “processo através do qual os indivíduos que nunca integraram a população ativa acedem a uma posição estabilizada no sistema de emprego” (Vernières, 1997: 11). Ademais, trata-se de um processo que resulta de uma interação entre as empresas, o Estado e outros atores, de modo a articular o desemprego e a atividade profissional e não pode ser entendida como um momento isolado que se inicia aquando da procura de emprego (Oliveira, 1998).

Note-se que na época do pleno emprego a inserção profissional assumia um carácter quase instantâneo, consistindo numa simples passagem da inatividade à atividade em virtude da penúria de mão-de-obra, que conduzia as empresas a contratar jovens logo à saída da escola com contratos de duração indeterminada. Neste período, uma inserção social desfavorável não era um obstáculo decisivo para a inserção profissional. Ocorre que a deterioração da situação do emprego a partir de meados dos anos 70, caraterizada pelo aumento da taxa de desemprego (em primeiro lugar dos jovens), levou progressivamente os sociólogos e os economistas a descobrir a existência de um período de inserção que tendia a alongar-se e que surge caraterizado por fenómenos específicos, como sejam a precariedade elevada e a vulnerabilidade ao desemprego. Inclusivamente, surgiu um novo ator até então quase ausente: os poderes públicos (Vernières, 1997).

Presentemente, estar desempregado não é somente ficar privado da fonte normal de rendimento, é também perder um dos vínculos mais importantes de ligação à sociedade e à rede de relações interpessoais que o emprego proporciona (Neves e Graça, 2000).

O fato de existirem indivíduos portadores de deficiência com taxas de sucesso de empregabilidade, não afasta que a deficiência continue a constituir um fator de risco para a participação destes indivíduos no mercado de trabalho (Greve, 2009), especialmente considerando que existem fatores intrínsecos e extrínsecos que comprometem, desde logo, a respetiva posição como, por exemplo, baixas habilitações literárias, reduzida formação, mobilidade limitada, barreiras arquitetónicas e saúde por vezes mais frágil (Jans et al, 2012).

A reduzida participação dos referidos indivíduos no mercado de trabalho tem originado preocupações sobre a sua discriminação por parte dos empregadores e respetiva exclusão social (por

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exemplo, Barnes, 1991; Bynoe et al., 1991; Finkelstein, 1991; Oliver, 1990; Roulstone, 1998 apud Newton et al., 2007; Jones, 200817).

Nesta senda, anteriores estudos têm revelado que indivíduos portadores de deficiência relatam experienciar uma maior discriminação no acesso ao mercado de trabalho do que aqueles que são apelidados de “normais”, inclusivamente o grau de discriminação experienciado é influenciado pelo tipo de deficiência física em causa (Bender, 1981; Bowman, 1987; Fuqua et al., 1984; Stone e Colella, 1996; Johnson e Baldwin; 1993 apud Perry et al., 2000), bem como em razão da duração da deficiência e idade em que surge (Jones, 2008). A variedade dos caminhos individuais percorridos também não pode ser olvidada.

Quem nasce com uma deficiência ou a adquire numa fase inicial do ciclo de vida funda toda a sua interação social a partir dessa condição. Diferentemente, quem se torna portador de uma deficiência na idade adulta tem de passar por uma mudança na perceção que tem de si mesmo e no modo como é visto pelos outros (Jenkins, 1991 apud Pedroso e Alves, 2014). Para fazer face a esta mudança, o sistema de reabilitação profissional assume um papel central, mas nem sempre se tem revelado, em Portugal, suficientemente eficaz na recondução ao emprego de quem adquire uma deficiência (Pedroso e Alves, 2014).

As dificuldades sentidas no acesso ao emprego prendem-se, habitualmente, com a evolução demográfica, as transformações culturais associadas ao efeito geracional e/ou a inadaptação do sistema de ensino e formação face às necessidades de procura do mercado de trabalho.

No entanto, no caso dos portadores de deficiência estes veem-se confrontados com alguns obstáculos adicionais para além dos que são extensíveis à generalidade dos (des)empregados. O seu acesso ao emprego é negado em virtude de estereótipos e atitudes negativas dos empregadores que assumem, em muitos casos, que o indivíduo portador de deficiência irá ser menos produtivo, ter mais acidentes de trabalho e contribuir para uma maior rotatividade da mão-de-obra (Bender, 1981; Doyle, 1995; Kilbury et al., 1992; Mahoney, 1976; Stone e Colella, 1996; Fuqua et al., 1984; Greenwood e Johnson, 1987; Lester e Caudill, 1987 apud Perry et al., 2000).

De fato, os empregadores obstam à integração no mercado de trabalho dos portadores de deficiência por terem, nomeadamente, dúvidas acerca da sua capacidade e/ou adaptabilidade; inibição do exercício de ações disciplinares e/ou à aplicação de decisões de racionalidade económica (temendo julgamentos morais e sociais que coloquem em causa a imagem e o bom nome da empresa); legislação aplicável; e reação dos trabalhadores não portadores de deficiência (Carreira, 1997).

Outros argumentos são, por vezes, invocados para recusar o recrutamento de um trabalhador portador de deficiência, como sejam a “má imagem” dada e a sua fraca adaptabilidade (Triomphe,

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Jones (2008), tendo presente a importância desta temática, realizou uma revisão da literatura internacionalmente existente sobre o impacto da deficiência no mercado de trabalho.

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1997), originando casos em que a integridade física se assume como critério de exclusão destes indivíduos (Anache, 1996).

A este propósito refira-se que o estudo As PME e o Emprego das Pessoas com Deficiência (Centeno, 2001), evidencia que os receios dos empregadores na contratação de pessoas com deficiência apresentam contornos claramente psicológicos, influenciados mais por expetativas e imagens negativas acerca destas pessoas do que pela experiência, e que existe uma maior disponibilidade para o recrutamento de pessoas portadoras de deficiência por parte das empresas que já têm estes trabalhadores por comparação com aquelas que os não empregam. Assim, o contacto com esta realidade tem contribuído para uma diminuição das resistências, tanto por parte de empregadores, como por parte dos trabalhadores das empresas, uma vez que as capacidades das pessoas com deficiência tendem a sobressair, melhorando a imagem positiva sobre si e sobre a sua prestação laboral (Capucha, 2005, Centeno, 2001).

Já em 2014, o relatório preliminar sobre a Monotorização dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência em Portugal (Pinto e Teixeira, 2014) ilustra que ainda nos deparamos com uma significativa negação e/ou violação dos direitos dos indivíduos portadores de deficiência no mercado de trabalho. Segundo o relatório, estes indivíduos não veem reconhecidas as suas competências, são frequentemente desvalorizados e rejeitados, quer no mercado de trabalho quer na progressão na carreira o que resulta em sentimentos de frustração, desvalorização e humilhação.

Aluda-se, igualmente, que existem estudos que ilustram que tais indivíduos desempenham as respetivas funções igual ou melhor que os demais trabalhadores, têm igual ou menor absentismo, acidentes de trabalho e rotatividade (Braddock e Bachelder; 1994, Goodyear e Stude; 1975, Greenwood e Johnson, 1987 apud Perry et al., 2000). Acresce que tais indivíduos são também considerados como mais leais, sendo preciso dar-lhes uma oportunidade e auxiliá-los a (re)conquistar a sua autoestima (Buciuniene e Kazlauskaite, 2010).

Assim, é importante que os empregadores compreendam que estão perante uma força de trabalho e não perante uma pessoa incapacitada18. Compete às empresas, antes de iniciar a fase de recrutamento e seleção, efetuar uma cuidada análise dos cargos contidos no manual da organização, do respetivo perfil profissional e psicológico e das rotinas afetas para o desempenho das funções contratadas. Este

18 Importa compreender que uma pessoa com deficiência é, em grande medida, o que a sociedade constrói acerca

dela. Se construirmos uma ideia de uma pessoa capaz, ela será vista como capaz e se construirmos uma ideia de uma pessoa incapaz, então ela será vista como incapaz. É de referir ainda que não podemos tratar uma pessoa com deficiência como igual sob pena de a colocarmos em desvantagem, isto é, se tratarmos todas as pessoas como iguais não será possível promover a igualdade nem assegurar a igualdade de oportunidades (Rodrigues, 2009).

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conjunto de informações permite às entidades empregadoras definir a natureza do trabalho, as tarefas típicas, as competências necessárias, a forma de preenchimento, o plano de carreira e o período expetado de permanência no cargo. Isto pode significar operar de forma inovadora através da ideia da “pessoa certa no lugar certo” como diretriz preciosa para a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho encarando-a não como uma nova força de trabalho, mas sim como uma nova forma de encarar essa força de trabalho (Amaral, 1994).

Às referidas situações de exclusão juntam-se as inacessibilidades ao local e posto de trabalho que comprometem a sua efetiva participação e inclusão. Os estudos têm revelado que os empregadores preocupam-se sobretudo com os custos relacionados com a adaptação do local de trabalho (Lester e Caudill, 1987; Mcfarlin et al., 1991 apud Perry et al, 2000), obstando assim à integração de trabalhadores com limitações. Porém, existem evidências que algumas alterações são bastante simples e não têm custos significativos (Braddock e Bachelder; 1994; Croft, 1996; Johnson e Baldwin, 1993 apud Perry et al, 2000).

Sem prejuízo do referido, alguns autores colocaram a questão de saber se afinal a reduzida empregabilidade destes indivíduos se deve ao fato deles não quererem trabalhar ou às suas preferências (por exemplo, apenas quererem desempenhar determinadas funções, ter determinado vencimento, terem horários mais flexíveis), tendo os resultados obtidos apontado em sentido negativo, pelo que é preciso perceber a que se deve tal reduzida empregabilidade (Ali et al., 2010).

Apesar dos indivíduos portadores de deficiência expressarem vontade em trabalhar, a verdade é que se revelam menos ativos na sua procura o que poderá resultar do fato de serem menos otimistas em encontrarem um emprego por força das suas limitações, habilitações literárias e formação. Segundo Ali et al. (2010), as atitudes dos desempregados portadores de deficiência perante o emprego e potenciais empregadores tem merecido pouca atenção, devendo futuros estudos incidir sobre este aspeto.

Ocorre que não é apenas no acesso ao mercado de trabalho que são experienciadas situações de discriminação, pois as mesmas são também relatadas depois da contratação e durante a relação laboral (por exemplo, processos de promoção mais lentos, atribuição de tarefas menos desejadas ou desafiantes, menores aumentos remuneratórios e reduzidas oportunidades de formação).

Tanto assim é que continuam a subsistir relatos, inclusivamente, de situações de assédio e/ou de comportamentos desrespeitosos por parte de colegas e empregadores que sugerem a urgência de implementação de uma cultura de respeito e não descriminação para com as pessoas portadoras de deficiência (Pinto e Teixeira, 2014).

Apesar dos referidos relatos de discriminação não existem, ainda, resultados conclusivos sobre a sua existência (Colella et al., 1998; Stone et al., 1992 apud Perry et al, 2000), salvo no que concerne à discriminação remuneratória (por exemplo, Johnson e Baldwin, 1993 apud Perry et al., 2000; Jones, 2008).

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A este propósito refira-se que embora o inquérito experimental realizado por J. F. Ravaud et al. (1992) ilustrasse a existência de práticas discriminatórias face às pessoas portadoras de deficiência na sua procura de emprego e que quanto maior era a dimensão da empresa, maior a tendência a discriminar, a sua contribuição para a verificação empírica da hipótese da discriminação no emprego deverá ser matizada pela especificidade da pesquisa realizada: foram analisadas candidaturas espontâneas que representam para os empregadores somente uma das modalidades de recrutamento e apenas foi retido um tipo de deficiência, a paraplegia. Deve admitir-se que este fato limita a credibilidade da verificação empírica de uma discriminação no emprego e implica que se tenham em conta múltiplos fatores entre os quais a influência de comportamentos discriminatórios por parte das empresas. Deste modo, a discriminação tem difícil determinação (Triomphe, 1997).

Acresce que existem estudos que tendem a confirmar que a discriminação contra os indivíduos portadores de deficiência está sobrestimada, desde logo porque a simples distinção entre aqueles com deficiência e sem deficiência constante dos estudos ignora a heterogeneidade existente dentro destes grupos (Jones, 2008).

Ademais, tradicionalmente, os estudos têm-se dedicado à análise da discriminação no acesso ao emprego ou à discriminação durante a execução da relação laboral, não abordando os dois casos em simultâneo conforme aludem Perry et al. (2000). Estes autores procedem a tal análise, chamando a atenção para a necessidade de futuras pesquisas neste campo.

Saliente-se, ainda, que não obstante os Estados implementarem legislação especificamente destinada a proteger os indivíduos portadores de deficiência (por exemplo, sistema de quotas, incentivos financeiros, legislação anti-discriminação) continuam a existir desigualdades. Esta realidade não conseguiu alterações significativas mesmo tendo o Estado passado a suportar parte dos custos financeiros e assumido a organização da inserção através da redução dos encargos sociais com a contratação, as subvenções à formação profissional complementar e à implementação de instituições localizadas de acolhimento e orientação. Destaque-se que outra parte deste custo passou a ser assegurada pelas famílias, dado o alongamento dos períodos de desemprego, o desenvolvimento de formas particulares de emprego a tempo parcial ou por força de empregos remunerados a um nível inferior ao do salário médio (Vernières, 1997).

Atualmente, existem dois paradigmas políticos internacionais dominantes: um, derivado dos Estados Unidos e do Canadá, que tem como foco fortes medidas anti-discriminação, com ênfase nos direitos civis e no modelo de vida independente por parte da(s) pessoa(s) portadoras de deficiência; outro, derivado de países europeus, em que são fixadas quotas obrigatórias de emprego e é extensiva a ação do Estado (Carvalho-Freitas e Marques, 2007).

De acordo com este último paradigma cabe sobretudo ao Estado intervir de modo a melhorar os problemas de inserção profissional, nomeadamente, através de políticas de emprego e formação, cujas conceções mais correntes se inspiram na teoria do capital humano, que privilegia a oferta de trabalho e as características individuais.

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Concretizando o exposto, estudos realizados nos Estados Unidos têm evidenciado que os indivíduos portadores de deficiência têm menor empregabilidade e auferem menor remuneração quando estão empregados do que os demais trabalhadores (Perry et al 2000). Adicionalmente, neste país existem evidências de que estes indivíduos são, habitualmente, trabalhadores independentes, a tempo parcial, e temporários (Schur, 2002, 2003 apud Jones, 2008). Restará saber-se se se trata de uma imposição ou de uma escolha voluntária (Schur, 2003 apud Jones, 2008). Também no Reino Unido se comprovou que a taxa de trabalhadores independentes é superior para portadores de deficiência (Boylon e Buchardt, 2002 apud Jones, 2008).

Nos Estados Unidos e no Reino Unido verificou-se, ainda, que os portadores de deficiência ocupam sobretudo cargos de administração e secretariado (Hale et al., 1998; Meager et al., 1998; Blackaby et al., 1999; Smith e Twomey, 2002 apud Jones, 2008).

Atento o exposto e as alterações legislativas verificadas, defende-se que os indivíduos em apreço devem ser conhecedores da legislação que os protege (como referem, por exemplo Thompson e Dickey, 1994 apud Perry et al., 2000).

Defende-se, igualmente, a necessidade de tal conhecimento por parte dos empregadores visto esta falta de informação poder contribuir para uma menor empregabilidade (Ali et al., 2010). Aliás, as diferentes lógicas de inserção encontram-se balizadas pelas diferentes estratégias das empresas, entre as quais podemos destacar: a flexibilidade interna/externa; a renovação dos trabalhadores; a exigência de experiência profissional; o maior ou menor grau de autonomia; e os contratos a tempo inteiro/parcial. Estas estratégias influenciam de modo determinante a inserção profissional dos indivíduos.

É precisamente o modo como as empresas gerem a mão-de-obra que pode estar na origem de dois modelos de inserção: a inserção profissional qualificante, que passa pela valorização dos recursos humanos, nomeadamente, através de políticas de proteção dos trabalhadores, contratos de trabalho estáveis, satisfatórias condições de trabalho, políticas de formação, sistema de gestão de carreiras, remunerações aliciantes; e a inserção profissional não qualificante, que tem subjacente a desvalorização dos trabalhadores, a existência de contratos de trabalho precários, inexistência de políticas de formação, a ausência de um sistema de gestão de carreiras, uma política de salários baixos, entre outras (Cordeiro, 2002).

É no quadro da inserção profissional não qualificante que encontramos os grupos mais vulneráveis, como é o caso das pessoas portadoras de deficiência que possuem um handicap específico e, por isso, exigem uma formação específica, adaptada ao seu tipo de deficiência. Por outro lado, a sua integração profissional deve contemplar condições adequadas aos seus problemas, sendo necessário, em alguns

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