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Teoria Crítica e a Crítica ao Positivismo

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Academic year: 2020

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Resumo: o presente artigo faz uma leitura de quatro textos

escritos por Adorno e Horkheimer (‘Teoria tradicional e teoria crí-tica’ de 1936; ‘Elipse da razão’, de 1946; ‘Dialética do esclarecimento’, de 1947; ‘Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã’, de 1968), evidenciando as críticas ao positivismo e problema-tizando no embate com a dialética materialista.

Palavras-chave: teoria crítica, dialética, Adorno, Horkheimer O procedimento matemático tornou-se, por assim dizer, o ritual do pensamento. Apesar da autolimitação axiomática, ele se instaura como necessário e objetivo, ele transforma o pensamento em coisa, em instru-mento, como ele próprio o denomina. (Adorno e Horkheimer)

Alex Santos Bandeira Barra TEORIA CRÍTICA E A CRÍTICA

A

produção nas ciências humanas e sociais é marcada pelo confronto entre os métodos de pesquisa. Com isso, a produção de conhecimento científico está atrelada à compreensão dos métodos e, muitas vezes, isso não é realizado de forma clara e correta.

Face a essa questão e no ímpeto de um exercício intelectual, este artigo pretende discutir a relação entre o positivismo e o materialismo dialético, sali-entando a importância do segundo para a compreensão da realidade. Para tanto, seguir-se-á a linha de pensamento dos frankfurtianos Adorno e Horkheimer.

Na produção científica atual, percebe-se o predomínio do conheci-mento científico reduzido à técnica social, típico das ciências naturais que, cotidianamente, permeia os objetos do conhecimento no campo das ciên-cias sociais. Segundo Ianni (1987, p. 232), a redução da ciência a um papel

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de controle de utilidade na sociedade é prática das ciências naturais: “A idéia de que a ciência deve ser útil e influenciar a sociedade – ou as relações dos homens entre si, com a natureza e o sobrenatural – faz parte da ideologia de cientistas e governos”.

O método dialético tem se afirmado – a partir da polêmica instaura-da pelo pensamento marxista – como uma proposta radical de pensar a re-alidade, em contraposição a duas vertentes outras de pensamento1. De um

lado, o idealismo, e do outro o empirismo. Nessa controvérsia, o método dialético inaugura a forma de apreensão do real concreta e objetivamente, ao contrário da posição tomada nas concepções anteriores.

ESCOLA DE FRANKFURT2

Para a melhor compreensão da complexidade da problemática seguir-se-á a ordem cronológica dos textos Teoria Tradicional e Teoria Crítica e Eclipse da Razão, ambos escritos por Horkheimer. Posteriormente, a Dialética do Esclarecimento escrito por Horkheimer e Adorno e, por fim, Introdução à Controvérsia sobre o Positivismo na Sociologia Alemã, de Adorno.

O método positivista é o método que permeia a organização do pen-samento, seja na produção científica que vigora na Universidade, seja na influência nas organizações públicas e governamentais, como partidos po-líticos, ONGs, sistemas de ensino, indústrias, meio de comunicação de massa, etc. Há de se destacar que a difusão do positivismo nas organizações sociais está recheada, de forma camuflada, da reprodução dos sistemas de poder, da ideologização social e da manutenção dos status quo. Nesse sentido, a dialética – método com o qual trabalharam os autores da Escola de Frankfurt – ofe-rece uma contribuição insubstituível de apreensão da realidade.

TEORIA TRADICIONAL E TEORIA CRÍTICA

O texto Teoria tradicional e teoria crítica, publicado por Horkheimer em 1936, tece algumas considerações. O autor tece críticas à noção cientificista, a-crítica, a-histórica, autoritária e aparentemente neutra do método tradicional.

A expressão numérica, reduzida à lógica matemática da quantificação, é parte do sistema positivista. “Também as próprias operações lógicas já estão racionalizadas a tal ponto que, pelo menos em grande parte da ciência natural a formação de teorias tornou-se construção matemática” (HORKHEIMER, 1983, p.120-1).

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Outra característica do positivismo é a ideologização social presente neste pensamento. Segundo Horkheimer (1983), toda a ordem social de-senvolvida na sociedade capitalista é acompanhada dos progressos técni-cos desenvolvidos pelo pensamento positivista. E isto não é coincidência. A ordem burguesa tem se organizado pela forma de pensar positivista, pois ela reproduz a lógica capitalista, ideologizando a realidade. “Na medida em que o conceito da teoria é independentizado [...] ele se transforma em uma categoria coisificada e, por isso, ideológica” (HORKHEIMER,1983, p. 121). Como o método positivista reduz o movimento da sociedade ao processo numérico e racionalizado da lógica quantitativa, Horkheimer jus-tifica que a verdadeira compreensão da sociedade só pode se realizar na or-ganização e compreensão dos processos sociais. No conhecimento, “suas determinações que não têm origem em elementos puramente lógicos ou metodológicos, mas só podem ser compreendidos em conexão com os pro-cessos sociais reais” (HORKHEIMER, 1983, p. 121).

Por isso, pode-se distinguir a Teoria Tradicional, de cunho positivista, da Teoria Crítica de cunho dialético. Enquanto a primeira reproduz a lógica social vigente pela sua racionalidade estrita e imediata de pensar, a segunda concebe o movimento do real através da leitura dos processos sociais como exigência para revelar a sociedade.

Retirar da sociedade o papel germinal da produção do conhecimento é retirar, também, a possibilidade de compreensão do real. “Nas etapas mais elevadas da civilização a ‘praxis’ humana consciente determina inconsciente-mente não apenas o lado subjetivo da percepção, mas em maior medida tam-bém o objeto” (HORKHEIMER, 1983, p. 126). Com isso, Horkheimer (1983) está sinalizando que só é possível entender a realidade se a teoria se fizer parte da sociedade e conceber esta na relação com o homem social percebido na sua praxis, isto é, em suas transformações oriundas do processo histórico. ECLIPSE DA RAZÃO

A partir dessas críticas ele publica, em 1946, Eclipse da razão. Neste livro, Horkheimer tece novas críticas à lógica tradicional. Ele explicita uma série de questões acerca da crise da razão, situando como a racionalidade moderna tem se convertido em irracionalidade, desde a pré-história – quando a razão tinha como promessa desencantar o mito e se converteu ela própria em mito – até à modernidade. Ele evidencia a racionalidade instrumentalizada do positivismo, denunciando sua formalização, instrumentalização e coisificação na sociedade vigente.

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Horkheimer (2000) salienta que a razão moderna é concebida dentro dos limites daquilo que ele denominou de Razão instrumental ou razão subjetiva3 – que porta a lógica empirista-pragmática do positivismo – e que

avançou para múltiplos espaços sociais. Segundo ele, a racionalidade, toma-da na acepção positivista, perde seu sentido imanente, reduzindo-se à técni-ca. “Todos os conceitos básicos, esvaziados de seu conteúdo, vêm a ser apenas invólucros formais. Na medida em que é subjetivada, a razão se torna tam-bém formalizada” (HORKHEIMER, 2000, p. 17). A formalização da razão implica na sua ideologização e na perda-de-si. Isto é – retirada a sua função de pensar – a razão torna-se antecipadamente pensada, sem a necessidade de refazer a trajetória que leva à busca do próprio pensamento. Ou seja: “segun-do o ponto de vista da razão formalizada [...] atividade é simplesmente um instrumento, pois retira o seu significado apenas através de sua ligação com outros fins” (HORKHEIMER, 2000, p. 44). A razão só serve quando mediada por algum fim. Ela, na sua imanência, se perde, justamente, por-que a racionalidade instrumental se sustenta pela fetichização aos meios.

Os meios dão comando à razão e não mais os fins. Horkheimer vê no pensamento um projeto organizado nos mesmos moldes do maquinário. Por isso sustenta essa crítica. “Quanto mais as idéias se tornam automáticas, instrumentalizadas, menos alguém vê nelas pensamentos com um significa-do próprio. São consideradas como coisas, máquinas” (HORKHEIMER, 2000, p. 30). As implicações para a formalização da razão são diversas.

Tal mecanização é na verdade essencial à expansão da indústria; mas se isso se torna a marca da característica das mentalidades, se a pró-pria razão é instrumentalizada, tudo isso conduz a uma espécie de materialidade e cegueira, torna-se um fetiche, uma entidade mágica que é aceita ao invés de ser intelectualmente apreendida

(HORKHEI-MER, 2000, p. 31).

A automatização das funções ocorre pela lógica da classificação, matematização, quantificação, instrumentalização, formalização, coisificação. Em todos estes elementos percebe-se uma outra máxima positivista: a necessidade de controle sobre o objeto pesquisado.

O cientista tem que conceber e classificar os fatos em ordens conceituais e dispô-los de tal forma que ele mesmo e todos os que devem utilizá-los possam dominar os fatos o mais amplamente possível (HORKHEIMER,

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Crochik (1998, p. 27) salienta que o protótipo burguês, do formalismo da razão, separa a palavra da coisa nomeada, justamente para superar o mito, reduzindo a conceitos operacionais: “Se na magia o símbolo resguardava a imagem da coisa e ela própria a astúcia dá independência ao símbolo, que não deve se identificar ao fato, mas dominá-lo”. Essa é uma rotina positivista, que se separa da coisa nomeada, pelo disfarce da neutralidade, e, com isso, tem-se a impressão de maior controle, previsibilidade e cientificidade do objeto pesquisado. Embora, na aparência, esse subterfúgio possa parecer concreto, ele é a prova da redução do pensamento às operações técnicas. Isto é, reduz-se o pensamento ao empírico.

DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO

A fecundidade do pensamento positivista segue a ordem burguesa e sua harmonia é também o equilíbrio falseado da sociedade capitalista que promete uma série de características, como liberdade, progresso, razão, individuação mas converte o indivíduo em seu contrário: na submissão, regressão, irracionalidade, individualização nos termos do progresso tecnológico. Domina-o na sua exata falsa promessa. É nesse sentido que Adorno e Horkheimer empreendem a discussão sobre o Iluminismo na obra

Dialética do esclarecimento, de 1947.

Segundo os autores, os princípios fundamentais do Esclarecimento ou Iluminismo eram a autonomia e liberdade do homem. A ciência moderna, que veio superar a superstição, tinha como promessa desencantar o mundo, e a razão seria a sua responsável. Contraditoriamente, é o oposto que ocorre no continum da história. Segundo Adorno e Horkheimer (1985, p. 27),

A abstração, que é o instrumento do esclarecimento, comporta-se com seus objetos do mesmo modo que o destino, cujo conceito é por ele eli-minado, ou seja, ela se comporta como um processo de liquidação. Sob o domínio nivelador do abstrato, que transforma todas as coisas na natu-reza em algo de reproduzível, e da indústria, para a qual esse domínio do abstrato prepara o reproduzível, os próprios liberados acabaram por se transformar naquele ‘destacamento’ que Hegel designou como o resul-tado do esclarecimento.

A razão, formalizada pela racionalidade instrumental, impregnada de substância positivista, apenas liquidou o desencantamento do mundo. Com isso, o Esclarecimento é transfigurado em sua forma, ele próprio encantado. E esse

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caminho, que resultou na razão formalizada, está atrelado à lógica matematizada que segue a esteira do progresso tecnológico da sociedade capitalista.

A própria idéia de progresso4 – é um conceito que deve ser pensado

segundo à lógica dialética – e não reduzido à instrumentalidade. Segundo Silva (2001b), o conceito de progresso, naquilo que ele deve ser preservado, é um conceito radicado na lógica dialética, pois a reflexão dialética retira a noção identitária do pensamento unívoco da lógica positivista. “Adorno pretende romper com uma rede que, enquanto fecha as lacunas daquilo que ela própria não é, ousadamente se insinua no lugar da coisa mesma” (SILVA, 2001b, p. 165). A operacionalização na relação sujeito-objeto se constitui numa fórmula em que o objeto é destruído; com isso, o próprio pensamento é sabotado, uma vez que o sujeito deixa de pensar o objeto, a não ser que submetido à lógica definida, antecipadamente pela razão formalizada. “A difusão do princípio impõe a todos a obrigação de tornar-se idêntico, tornar-se total” (ADORNO; HORKHEIMER apud SILVA, 2001a, p. 165). No que consiste à quantificação da realidade social, Adorno e Horkheimer retomam essa discussão na Dialética do Esclarecimento. Eles enfatizam:

Quando, no procedimento matemático, o desconhecido se torna a incógnita de uma equação, ele se vê caracterizado por isso mesmo como algo de há muito conhecido, antes mesmo que se introduza qualquer valor. A natureza é, antes e depois da teoria quântica, o que deve ser apreendido matematicamente. Até mesmo aquilo que não se deixa compreender, a indissolubilidade e a irracionalidade, é cercado por teoremas matemáticos (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 37). Isso significa que o desconhecido converte-se, na era burguesa, no falso desencantamento do mito que antecipadamente já é ‘pensado’ pelo formalismo matematizado. Converte-se o ‘todo’ em ‘tudo’. Toda curiosida-de do homem é liquidada pela quantificação racional que regula o que ainda nem foi conhecido. Falar de filmes não é falar de um filme como totalidade do existente, mas é enumerar as dezenas de filmes assistidos, por exemplo. Segundo os frankfurtianos, o que justifica o massacre da razão desen-cantadora é o medo do próprio homem. É na tentativa de revelar o desco-nhecido, de apreendê-lo, que o homem fecha o fluxo do pensar, desenvolvendo uma forma de pensar, instrumentalizada e tautológica, que pensa o impen-sado antes mesmo deste se revelar. Em outras palavras: a razão instrumental encanta e contamina com a fórmula empiricista, tecnicista e matematizada, o que deveria ser desencantado.

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O procedimento matemático tornou-se, por assim dizer, o ritual do pensamento. Apesar da autolimitação axiomática, ele se instaura como necessário e objetivo, ele transforma o pensamento em coisa, em instru-mento, como ele próprio o denomina (ADORNO; HORKHEIMER,

1985, p. 37).

Do medo o homem presume estar livre quando não há nada mais de desconhecido. É isso que determina o trajeto da desmitologização e do esclarecimento, que identifica o animado ao inanimado, assim como o mito identifica o inanimado ao animado. O esclarecimento é a radicalização da angústia mítica. A pura imanência do positivismo, seu derradeiro produto, nada mais é do que um tabu, por assim dizer, universal. Nada mais pode ficar de fora, porque a simples idéia do ‘fora’ é a verdadeira fonte da angústia (ADORNO; HORKHEIMER, 1985,

p. 29).

Isso significa que a submissão do homem é posta de modo manifesto: “o preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a alienação daquilo sobre o que exercem o poder” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 24).

Além da sua submissão, o homem tem reduzido sua percepção do real à racionalidade do imediato, o que interfere diretamente na compreensão do real, “o que aparece como triunfo da racionalidade objetiva, a submissão de todo ente ao formalismo lógico, tem por preço a subordinação obediente da razão ao imediatamente dado” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 38). A razão instrumental significa, em outras palavras, o embotamento do pensamento. Nega o pensamento, pois o converte em tautologia; já pen-sada e ‘liberta’ dentro dos limites da lógica positivista.

Hoje, com a metamorfose que transformou o mundo em indústria, a perspectiva do universal, a realização social do pensamento, abriu-se tão amplamente que [...] o pensamento é negado pelos próprios dominadores como mera ideologia (ADORNO; HORKHEIMER,

1985, p. 48).

A negação do pensamento – parte fundamental da organização do pensar e, portanto, do desenvolvimento social – é paralisada pela fetichização do particular em prol do universal. A lógica positivista converte o universal em abstrato, ou seja, em impossível para o pensamento. A razão formalizada apenas repõe o particular tornado na ideologia positivista – universal. Ela

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inverte a lógica social, ao transformar o que está por vir – em imediato, prático, presente, empírico, particular.

É dentro dessa idéia que o pensamento positivista é reposição da ideologia, pois, ao converter o universal em particular, ele retira as possibi-lidades de um pensamento livre e autônomo e transforma o presente na eterna posição de futuro antecipado ou de passado esquecido. Assim, o positivismo retira do passado a possibilidade de compreender o presente, uma vez que o passado serve apenas como consulta e não como lógica da imanência do presente. Acontece o contrário da dialética, conforme apontou Marx (2003, p. 15), quando reconheceu o valor do passado na constituição do presente: “a tradição de todas as gerações mortas oprime o cérebro dos vivos como um pesadelo”.

A lógica que infringe sua dominação é a mesma que repete o real sem mais se endiabrar com o desconhecido. O “factual tem a última palavra, o conhecimento restringe-se à sua repetição, o pensamento transforma-se na mera tautologia. Quanto mais a maquinaria do pensamento subjuga o que existe, tanto mais cegamente ela se contenta com essa reprodução” (ADOR-NO; HORKHEIMER, 1985, p.39). Isso é o que justifica a eternização do social, a presentificação do tempo. Sem movimento, este é petrificado numa lógica que não reconhece a historicidade do real.

Com essa crítica à desistoricização do real – a apatia a história, ou o ‘movimento’ de uma história linearizada, eternizada e, portanto, naturaliza-da e ideologizanaturaliza-da – constitui-se as bases do positivismo. Horkheimer (1983, p. 125) criticou essa questão em 1968, quando da publicação de Teoria Tradicional e Teoria Crítica:

Os homens não são apenas um resultado da história em sua indumentária e apresentação, em sua figura e seu modo de sentir, mas também a maneira como vêem e ouvem é inseparável do processo de vida social tal como este se desenvolveu através dos séculos.

Em outro momento ele é categórico: “O mesmo mundo que, para o indivíduo, é algo em si existente e que tem que captar e tomar em consideração é, por outro lado, na figura que existe e se mantém, produto da práxis social geral” (HORKHEIMER, 1983, p. 125).

A matança da história promulgada pela racionalidade instrumental, ainda sim subjuga o homem à lógica do progresso – do mundo capitalista. Essa é outra questão fundamental, e é ela que dá direção à ideologia contem-porânea – isto é, de seu reflexo na aparelhagem técnica do mundo do capital.

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“Quanto mais o processo da autoconservação é assegurado pela divisão burguesa do trabalho, tanto mais ele força a auto-alienação dos indivíduos, que têm se formar no corpo e na alma segundo a aparelhagem técnica” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 41).

É importante situar que para os frankfurtianos a história não linearizada é fundamental. Segundo Matos (1989, p. 13),

para os frankfurtianos, a História é sinal de descontinuidade, seu processo está permanentemente em aberto. A História não garante identidade da razão e da realidade. Melhor dizendo, a história se desenvolve nos espaços entre sujeito e objeto, homem e natureza, cuja não identidade garante as transformações história. A história é a li-nha de demarcação da identidade. Não se trata de o homem ser ‘aquele que objetiva o sujeito-objeto da história, mas ao contrário, a dialética dos momentos divergentes entre sujeito e objeto é reiteradamente ar-rancada da história.

INTRODUÇÃO À CONTROVÉRSIA SOBRE O POSITIVISMO NA SOCIOLOGIA ALEMÃ

Nesse texto de 1974, Adorno faz um debate sobre o papel do positi-vismo na sociologia alemã, fazendo seu contraponto a partir do pensamento dialético. Vários são os pontos.

Adorno (1999) faz uma crítica importante ao pensamento tradicional, pois este abdica de pensar pela contradição. A objetividade científica adotada como princípio positivista retira dele mesmo a possibilidade de pensar o con-traditório, com isso, tornando subjetivo o que justamente seria o mais obje-tivo de todos. Afirma Adorno (1999, p. 128) que o positivismo “reduz a um mesmo conceito coisas essencialmente irredutíveis e contraditórias, por meio da escolha do aparato conceitual e a serviço de sua unanimidade”.

A austeridade positivista nomeada pela força do pensamento que diz o correto, apenas põe a verdade num plano subjetivo, justamente contrário do que pretendem. “Por pretender ser toda a verdade, a verdade cientificista não o é” (ADORNO, 1999, p. 135).

A vantagem da dialética, segundo Adorno (1999), está justamente na possibilidade de fazer crítica ao seu próprio método, contrariamente do que pode ser feito pelo positivismo. A dialética “é capaz de crítica a seu próprio conceito e de designar concretamente o que escapa à ciência, a sociedade na sociologia” (ADORNO, 1999, p. 135).

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Ele aponta uma série de elementos fundamentais na produção do conhecimento que, reduzidos à lógica dedutiva do pensamento positivista, perdem seu teor de conhecer a verdade. Enquanto o positivismo supõe co-nhecer a realidade na sua imediaticidade, na relação com os fatos empíricos dados, o pensamento dialético vai mais além, “não renuncia à distinção entre essência e fenômeno” (ADORNO, 1999, p. 122).

Uma outra distinção fundamental é entre totalidade na acepção positivista e na forma mais complexa da dialética, conforme aponta Adorno (1999, p. 125):

a diferença entre a visão dialética da totalidade, e a positivista, se aguça justamente porque o conceito dialético de totalidade pretende ser ‘obje-tivo’, isto é, ser aplicável a qualquer constatação social singular, enquan-to as teorias de sistemas positivistas tencionam somente, pela escolha de categorias o mais gerais possível, reunir constatações sem contradição em um contínuo lógico, sem reconhecer os conceitos estruturais supe-riores como condição dos estados de coisas por eles subsumidos. Ao denegrir este conceito de totalidade como retrocesso mitológico e pré-científico, o positivismo, em infatigável luta contra a mitologia, mito-dologiza a ciência.

A idéia de totalidade na dialética segue a ordem do universal, do pró-prio movimento do pensamento, enquanto que no positivismo isso se reduz à pura generalidade de idéias e conceitos, sem qualquer relação contraditória entre o particular e o universal. Enquanto os positivistas criticam o método dialético por sua tentativa de desenvolver a totalidade ou apenas de reduzi-lo a um conjunto de fatos ligados entre si, Adorno (1999, p. 124) faz uma crítica ao positivismo que não enxerga a ideologia de seu pensamento:

à objeção de que por trás do conceito de totalidade nada mais existe do que a trivialidade de que tudo se relaciona com tudo, há que replicar que a má abstração desta proposição não constitui apenas um produto débil do pensamento, mas o teor básico da sociedade: o da troca. É importante situar que a relação contraditória entre universal e parti-cular é que movimenta a dialética. A dialética não eterniza o universal, mas se contrapõe permanentemente nesta relação, “a dialética não procede a partir do alto, mas trata de dominar teoricamente pelo seu procedimento a relação antinômica do universal e do particular” (ADORNO, 1999, p. 154).

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Pode-se afirmar que esta relação é parte integrante da substância dialética. E isso se traduz em crítica à própria sociedade.

A idéia de verdade científica não pode ser dissociada da de uma so-ciedade verdadeira. Apenas esta seria livre tanto da contradição como da não-contradição. Esta última, resignadamente o cientificismo a relega unicamente às formas simples do conhecimento” (ADORNO,

1999, p. 141).

Embora a lógica positivista não dê valor à luta pela sociedade verda-deira, é neste ponto que se projeta a crítica da dialética, a de reconhecer o verdadeiro e o falso e procurar alinhar o pensamento em direção à ‘verdade’ científica.

Todo conhecimento necessita de confirmação, todo conhecimento precisa racionalmente distinguir o verdadeiro do falso, sem dispor autologicamente as categorias de verdadeiro e falso conforme as re-gras do jogo de ciências estabelecidas (ADORNO, 1999, p. 141-2). A comparação entre a crítica dialética e o conservadorismo positivista demonstra que são dissonantes na forma de pensar a realidade. A vantagem da primeira está em justamente enxergar uma crítica que a classificação ló-gica não vê.

A contradição dialética exprime os antagonismos reais que não ficam visíveis no interior do sistema lógico-cientificista de pensamento. O sis-tema, conforme o modelo do lógico-dedutivo, constitui algo desejável, algo positivo para os positivistas; já para os dialéticos, tanto real como filosoficamente, constitui o cerne a ser criticado (ADORNO, 1999,

p. 140).

Assim, Adorno (1999, p. 156-7) encerra um conjunto de críticas ao positivismo, mesmo onde eles mesmos não possam enxergá-las: “A determi-nação dialética do singular como algo simultaneamente particular e universal altera o conceito social de lei”, significando, no entanto, a tentativa constante de fazer da crítica o instrumento necessário para pensar o real. “A dialética se comporta de modo intransigente durante a disputa, porque acredita continu-ar pensando ali onde seus opositores se detêm, em face da não questionada autoridade do empreendimento científico” (ADORNO, 1999, p. 189).

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Conforme exposto nesses quatro textos, pode-se dar ênfase à idéia de crítica desenvolvida nos estudos dos frankfurtianos, justamente na sua crítica à lógica positivista que, na contemporaneidade, tem impregnado as diversas organizações sociais e o modo de pensar. Segundo Chauí (2003, p. 7),

o discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem institu-cionalmente permitida ou autorizada, isto é, com um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos como tendo o direito de falar e ouvir, no qual os lugares e as circunstâncias já foram predeterminados para que seja permitido falar e ouvir e, enfim, no qual o conteúdo e a forma já foram autorizados segundo os cânones da esfera de sua própria competência.

E é onde a racionalidade, já previamente determinada, impregna, que mais se vê dissolvida a esperança do pensar pelo saber transcendental. As idéias e os valores transformados e cooptados pela racionalidade predeter-minada perdem seu sentido crítico e revelador do real, uma vez que são pressionados a pensar pela forma determinada.

Ultrapassar a representação ou o fenômeno é função da ciência e, consequentemente, do pesquisador. Essa função é que revela o verdadeiro conhecer da realidade, uma vez que desnuda ou desopaciza o real, sem enco-bri-lo com a sombra da ideologia. E a Teoria Crítica da Sociedade costurou um caminho em direção à revelação do real com a crítica e o ‘correto’ pensar da dialética. Como afirma Matos (1989, p. 21),

a Teoria Crítica procura, com seu olhar melancólico, reconhecer o caos por detrás da ordem aparente das coisas, sem no entanto se preocupar com a impossibilidade da reconciliação. A ‘filosofia negativa’ não dá as regras; nela não há jogo: ‘O autor, tanto quanto possa, coloca as cartas na mesa; o que não é de maneira nenhuma a mesma coisa que jogar’. E o jogo posto, embaralhado pela racionalidade técnica, é engodo que mascara e impede a liberdade e conhecimento do real, e isso é satisfeito cotidianamente pelo lógica que controla e impede a revelação da realidade: a lógica positivista.

Este trabalho procurou discutir e refletir acerca da relação positivismo e dialética, salientando a importância da crítica, pois a lógica formal que quantifica, adestra e manipula o real – transformado em sistemas e estrutu-ras matematizadas pela racionalidade técnica – tem sua raiz no pensamento

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positivista. Percebe-se sua manifestação nas indústrias, meios de comunica-ção, sistemas de ensino, governo, etc.

Notas

1 Para compreender melhor esta discussão sugere-se a leitura de As aventuras de Karl Marx contra o

barão de Munchaussen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento”. São Paulo: Cortez,

6º Edição, 2001. Neste livro Lowy faz uma discussão mais aprofundada sobre as diferentes concep-ções de idealismo e relativismo, historicismo e outras distinconcep-ções.

2 Freitag (1990) aponta que a terminologia Escola de Frankfurt, muitas vezes sugere uma unidade de idéias

e temas entre os pensadores, o que não deve ser confundido com homogeneidade de pensamento. Nesse sentido, é importante situar e respeitar as diferenças teóricas e políticas dos autores, justamente no que concerne a pluralidade de temas como razão, cultura, ciência, arte, Estado e outros.

3 É necessário fazer uma distinção elaborada por Horkheimer entre razão subjetiva e razão objetiva.

A primeira é tomada pelo autor como razão instrumental ou razão formal uma vez que ela se prende aos meios e fins tornados idênticos para fins de autoconservação. Nesse sentido, esta razão está atrelada às funções de classificação, dedução, ligados ao imediatamente dado. A razão objetiva, ao contrário, supera a autoconservação, pois não se limita a ela, pois é capaz de determinar os fins últimos e não apenas se regular pelo imediatismo que reúne meio e fim e que os identifica. A esse respeito, ver Silva (2001a).

4 A discussão a respeito do progresso na sociedade capitalista e sua relação com o pensamento positivista

pode ser encontrada também no texto Progresso escrito por Adorno e publicado no Brasil em 1995.

Referências

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ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã. In: ADORNO, T. W. Consultoria: Paulo Eduardo Arantes. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção os Pensadores).

ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Progresso. In: ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M.

Palavras e sinais: modelos críticos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.

CHAUÍ, M. Cultura e democracia. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

CROCHIK, J. L. O computador no ensino e a limitação da consciência. São Paulo: Casa do Psicólo-go, 1998.

FREITAG, B. A teoria crítica ontem e hoje. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. São Paulo: Centauro, 2000.

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IANNI, O. Sociologia da sociologia. São Paulo: Ática,1987.

LOWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o barão de Munchaussen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

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SILVA, A. C. Ruptura e esperança: sobre o conceito de progresso em Theodor W Adorno. In: PUCCI, B. et al. Teoria crítica, ética e educação. Piracicaba: Ed. da Unimep, 2001b.

SILVA, R. C. Razão instrumental, dominação e globalização: a dialética como tarefa da filosofia de Max Horkheimer. In: PUCCI, B. et al. Teoria crítica, ética e educação. Piracicaba: Ed. da Unimep, 2001a.

Abstract: this article makes a reading of four texts written by Adorno and

Horkheimer (‘Traditional Theory and Critical Theory’, of 1936, Eclipse of Reason, of 1946, Dialectic of Enlightenment, of 1947, Introduction to Controversies about Positivism in German Sociology, of 1968), showing the critical to positivism and questioning on the argument about the material dialectic.

Key words: critical theory, dialectic, Adorno, Horkheimer

ALEX SANTOS BANDEIRA BARRA

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