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A INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA CONTRA O RÉU NO CRIME DE HOMICÍDIO FUNCIONAL

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Academic year: 2020

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A INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA CONTRA O RÉU NO CRIME DE HOMICÍDIO FUNCIONAL

THE ANALOGICAL INTERPRETATION AGAINST THE DEFENDANT IN THE CRIME OF FUNCTIONAL HOMICIDE

Talita Fernanda do Prado1; André Ricardo Gomes de Souza2;Ivan de Oliveira Silva3

RESUMO

O crime de homicídio obteve nova redação com a alteração trazida pela Lei nº 13.142/2015, determinando que os homicídios cometidos contra àqueles agentes públicos, no exercício de sua função ou em razão dela, estendendo-se aos familiares até terceiro grau. A modificação fez nascer nova celeuma doutrinária, pois autores de grande notabilidade, tais como Cezar Roberto Bitencourt e Victor Eduardo Rios Gonçalves tomam posicionamentos completamente diversos, pois o inciso VII, do artigo 121, do Código Penal, trouxe como comando legal, o termo “parente consanguíneo”, o que pode implicar em diferença de tratamento quanto aos filhos adotivos ou, caso contrário, o descumprimento do princípio constitucional da reserva legal.

Palavras-chave: Homicídio funcional, reserva legal, igualdade, adoção, filiação consanguínea.

ABSTRACT

The crime of homicide was redrafted with the amendment brought by Law 13142/2015, determining that the murders committed against those public agents, in the exercise of their function or because of it, extended to relatives up to third degree. The modification gave rise to a new doctrinal boom, because authors of great notability such as Cezar Roberto Bitencourt and Victor Eduardo Rios Gonçalves take completely different positions, since section VII, article 121, of the Criminal Code, brought as a legal command, the term “consanguineal relatives”, which may imply in difference of treatment as to adopted children or, otherwise, noncompliance of the constitutional principle of the legal reserve.

Key-words: functional homicide, legal reserve, equality, adoption, membership inbread.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – 1. HISTÓRICO E CONCEITOS: 1.1. Etimologia do termo homicídio; 1.2. Da redação acrescida ao crime de homicídio; 1.3 Conceito do princípio da legalidade e da reserva legal; 1.4. Subordinação do crime de homicídio funcional à teoria da tipicidade e ao princípio da isonomia; 1.5. Vedação de interpretação analógica contra o réu. 2. DA ADOÇÃO E FILIAÇÃO CONSANGUÍNEA: 2.1. A discriminação aos filhos adotivos estabelecida no crime de homicídio funcional 3. COLISÃO ENTRE 1 Bacharelanda em Direito junto ao Centro Universitário Braz Cubas.

2 Mestrado em POLÍTICAS PÚBLICAS pela Universidade de Mogi das Cruzes, Brasil(2016). Docente do Centro Universitário Brazcubas.

3 Professor Orientador. Doutorado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos, Brasil(2011). Professor Titular do Centro Universitário Brazcubas, Brasil.

Revista do Curso de Direito Brazcubas V2 N1: Dezembro de 2018

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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: 3.1. Princípio da reserva legal x Princípio da igualdade entre os filhos; 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 5. REFERÊNCIAS

INTRODUÇÃO

O crime de homicídio funcional, majorante criada pela Lei nº 13.142/2015, tem grande relevância penal, pois insere no artigo 121, do Código Penal, o inciso VII, que dispõe sobre o aumento da pena quando o crime é praticado contra agente de segurança pública ou contra seus familiares consanguíneos, até terceiro grau, podendo ocasionar prejuízo ao réu se aplicada nos casos de homicídio dos filhos adotivos do tutelado, ou seja, utilizando analogia.

A analogia in malam partem é proibida pelo sistema penal brasileiro, assim, contemplar os filhos adotivos no rol dos beneficiados, sem que esteja expressamente previsto em lei, seria desrespeitar o princípio da reserva legal.

Todavia, a doutrina não possui posição dominante se se deve ou não aplicar o referido inciso extensivamente. Ou seja, não há posição pacificada se a aplicação analógica pode ou não ser aplicada em caso de morte do filho adotivo do funcionário protegido pela norma. A inovação legal trouxe indagações doutrinárias, sendo de grande valia trazer a discussão sobre o tema em pesquisa, principalmente questionar a extensão da norma, especialmente sobre a possibilidade de ela colidir com o princípio da reserva legal.

Para a sociedade a pesquisa contribui demonstrando que a interpretação da qualificadora do homicídio funcional é de relevância tendo em vista tratar-se de um tema de segurança pública e que a não aplicação da norma ou aplica-la de forma extensiva, certamente gerará prejuízo para todo o meio social, com consequente sentimento de incerteza jurídica e ocasionando o choque entre princípios constitucionais.

No mundo científico o tema ganha maior destaque, visando altear o conhecimento sobre o assunto, contribuindo na análise da norma , objetivando analisar os reflexos que podem ser trazidos para o âmbito jurídico, pois a consequência da aplicação extensiva do texto legal pode ocasionar a majoração da pena para o réu, desconsiderando o amparo do princípio da reserva legal, por outro lado, não utilizar a analogia versaria sobre a discriminação entre filhos consanguíneos e adotivos, o que é expressamente proibido pela Constituição Federal.

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Sob qualquer ótica, princípios constitucionais são violados afetando assim a validação da justiça, portanto a pesquisa procura contribuir na interpretação normativa.

1 HISTÓRICO E CONCEITOS 1.1 Etimologia do termo homicídio

Gramaticalmente, homicídio tem como significado a “morte de uma pessoa, praticada por outrem; assassinato”. Homicídio tem gênese na palavra latina homicidium, que é a união do vocábulo homine (homo) e do sufixo ium, que remete a supressão da existência de alguém.4

No direito material, homicídio é a extinção da vida de uma pessoa ocasionada por outrem.5

O Código Penal Brasileiro optou por não distinguir o delito de homicídio e o assassinato, conforme ocorre em legislações alienígenas, por exemplo a Espanha, que tipifica o crime de homicídio com a pena de prisão de dez a quinze anos, enquanto o assassinato tem pena de prisão de quinze a vinte e cinco anos (artigos 138 e 139 do Código Penal Espanhol6). A

lei estrangeira estabelece essa diferenciação pois considera o assassinato crime de maior gravidade, enquanto o homicídio refere-se ao crime comum.7

4 OLIVEIRA, Marcel Gomes de. A história do delito de homicídio. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9832> Acesso em: 19.04.2018.

5 Na definição clássica de Nélson Hungria (1958, p.25, apud SANCHES, 2015, p. 44): “O homicídio é o tipo central de crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delinquência violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão atávica às eras primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se opera com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada”.

6 Para tornar ainda mais clara a exposição, seguem os textos dos artigos aludidos: “Artículo 138.

1. El que matare a outro será castigado, como reo de homicidio, com la pena de prisión de diez a quince años.

2. Los hechos serán castigados com la pena superior em grado em los siguientes casos: a) cuando concurra em su comisión alguna de las circunstancias del apartado 1 del artículo 140, o

b) cuando los hechos sean además constitutivos de un delito de atentado del artículo 550. Artículo 139.

1. Será castigado com la pena de prisión de quince a veinticinco años, como reo de asesinato, el que matare a outro concurriendo alguna de las circunstancias siguientes:

1.ª Con alevosía.

2.ª Por precio, recompensa o promessa.

3.ª Con ensañamiento, aumentando deliberada e inhumanamente el dolor del ofendido. 4.ª Para facilitar la comisión de otro delito o para evitar que se descubra.

2. Cuando en un asesinato concurran más de uma de las circunstancias previstas en el apartado anterior, se impondrá la pena en su mitad superior.

7 Para Bitencourt, em obra clássica sobre o tema de homicídio: “O atual Código preferiu não criar figuras especiais, tais como o parricídio, matricídio ou fratricídio, rejeitando, enfim, a longa

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O crime de homicídio tipificado pelo legislador pátrio busca tutelar um bem fundamental, responsabilizando o agente não só pelo interesse individual, como também por interesse do Estado, que se preocupa com a proteção do bem maior humano, que é a vida. A importância desse direito estende-se até mesmo sobre o poder estatal, de forma que nem a ele cabe o direito dizimar o indivíduo (art. 5º, inciso XLVII, letra a, da Constituição Federal).

O homicídio é classificado em simples, privilegiado ou qualificado. Todavia, recentemente, novas terminologias vêm sendo utilizadas para descrever com maior simplicidade determinadas qualificadoras, assim como se vê em “feminicídio”, artigo 121, VI, do Código Penal ou ainda, em “homicídio funcional”, artigo 121, inciso VII, do mesmo diploma legal.

1.2 Da redação acrescida ao crime de homicídio

O Código Penal versa sobre o tema de homicídio no artigo 121, tratando em seu texto das classificações acima elencadas, trazendo no bojo de seu inciso VII o crime de homicídio cometido contra integrante de órgãos da segurança pública e seus familiares – homicídio funcional – introduzido recentemente no Código, abordando, in fine, a extensão protetiva aos familiares consanguíneos, até terceiro grau, do tutelado.8

Há algumas situações no direito que podem gerar certa dubiedade interpretativa, como se observa no já mencionado inciso VII, do artigo 121, do Código Penal que surge em decorrência da Lei Federal n. 13.142 de 06 de julho 2015 – Lei do homicídio funcional, que acrescenta no mencionado dispositivo majoração tornando o homicídio praticado “contra autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra o seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição” crime hediondo.9

catalogação que o Código anterior prescrevia (art. 294, §1º, do CP de 1890). As circunstâncias e peculiaridades do caso é que deverão determinar a gravidade do fato e a sua adequada tipificação em uma das três modalidades de homicídio que disciplina – simples, privilegiado ou qualificado.” BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 2: crimes contra a pessoa, p. 51. (destaque do original). 8 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 2: crimes

contra a pessoa, p. 104.

9 JESUS, Damásio de. Homicídio funcional: Primeiras ideias. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/homicidio-funcional--primeiras-ideias/15642. Acesso 23.03.2018.

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Essa dúvida encontrada em alguns preceitos, não gera, na maioria das vezes, grandes problemas em sua aplicação, tornando-se uma questão facilmente contornada pelo aplicador da lei. Porém, no caso da norma citada, não basta a simples interpretação teleológica, pois trata-se de lei penal que deve ser regida pelo princípio da reserva legal, infra fundamentado. Para Bitencourt, a intenção do legislador em tutelar a função pública desempenhada pelos sujeitos passivos do delito, na hipótese em que o crime decorre expressamente por motivos funcionais, ou seja, aplica-se a qualificadora em questão somente quando o agente pratica o ato contra as autoridades ou seus familiares, devido à função ou cargo exercido.10

A redação original do texto11 não estendia a norma protetiva aos parentes, apenas previa

aumento de pena para quem matasse policial, bem como se o policial matasse alguém; o projeto foi alterado, com apoio dos deputados vinculados à segurança pública, após acordo feito no Plenário da Câmara.

Acontece que a inovação legal trazida pelo inciso VII, do artigo 121, do Código Penal trouxe em sua redação o termo “parente consanguíneo” que restringe a custódia àqueles que são parentes biológicos12 de autoridade ou de agente de segurança pública, levantando, assim,

questionamentos doutrinários acerca da colisão entre os princípios constitucionais da reserva legal e o da igualdade entre os filhos.

A admissão da interpretação da norma incluindo o filho adotivo é, em princípio, o posicionamento a ser adotado, todavia, traz como consequência a analogia in malam partem, inadmissível no Direito Penal.

1.3 Conceito do princípio legalidade e da reserva legal no sistema penal brasileiro

Considerando que nesse trabalho pretende-se discorrer sobre a incongruência e discriminação do termo “parente consanguíneo” acrescentado ao artigo 121, do Código Penal, em seu inciso VII, que diz: “VII – contra autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição”, torna-10 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 2: crimes

contra a pessoa, p. 108-111.

11 PICCIANI, Leonardo; SAMPAIO, Carlos. Projeto de lei nº de 2015. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1311509. Acesso em: 12.11.2017. 12 Nesse sentido: “Parentesco civil (morte de filho adotivo de policial, por exemplo): não é abrangido pela norma, salvo a incidência de outra qualificadora.” JESUS, Damásio de. Código penal

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se necessária a exposição dos princípios da legalidade e da reversa legal, que contribuem para a compreensão do tema abordado.

A legalidade é um dos princípios mais importantes do Estado Democrático de Direito. Encontra-se estampado na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso II, que estabelece: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O referido texto deve ser entendido dentro de toda a sistemática constitucional, observando o que se encontra nas normas vigentes.

O princípio da legalidade tem como propósito garantir ao sujeito a segurança jurídica13 e

por esse motivo, aquele que comete o crime de homicídio, em razão da função, contra filho adotivo de quaisquer dos sujeitos previstos no artigo 121, inciso VII, do Código Penal, não pode ser punido pelo Estado com essa norma qualificadora.

Não apenas, entende-se que ao Poder Público é vedado reprimir penalmente seus administrados, senão por força legal, assim conforme prescreve o artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.14

Para que ocorra o exercício pleno do princípio da legalidade, deve-se utilizar o vocábulo

lei no sentido de lei formal, ou seja, feita em conformidade com o procedimento previsto

na Magna Carta e emitido pelos órgãos competentes que representam o povo.15

Corroborando com o exposto, Alexandre de Moraes16 ensina que o princípio da legalidade

tem por objetivo combater o poder arbitrário do Estado. Ainda diz que, somente por meio de espécies normativas apropriadamente compostas é que o indivíduo estará sujeito a obrigações, impedindo, assim, caprichos daqueles que detém o poder, assegurando ao sujeito a possibilidade de impedir ordens que lhe sejam feitas por outro modo que não seja o previsto em lei.

13 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito

constitucional, p. 94.

14 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional, p. 495.

15 Nesse sentido: “...a palavra lei, para a realização plena do princípio da legalidade, se aplica, em rigor técnico, à lei formal, isto é, ao ato legislativo emanado dos órgãos de representação popular e elaborado de conformidade com o processo legislativo previsto na Constituição (arts. 59 a 69) ...” SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo, p. 424. (destaque do original).

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Por outro lado, temos o princípio da reserva legal, que comumente é confundido com o princípio da legalidade, sendo utilizados pela doutrina como expressões equivalentes. Os dois são princípios de natureza constitucional, apesar disso, diferem-se visivelmente.17

O princípio da reserva legal significa que estipulada matéria necessita de lei para sua configuração. Nesse ponto, a palavra lei é encarada em sentido estrito, compreendendo somente a lei complementar e a lei ordinária.18

Como resultado, a lei penal deve determinar expressamente seu alcance, não basta que a conduta do agente que comete homicídio funcional em desfavor de filho adotivo do tutelado seja reprovável, é necessário, para enquadrar-se na majorante, que os parentes civis estejam contemplados pela legislação.19

Ademais, expressa a Constituição Federal que a competência para legislar matéria penal é da União20 e em seu artigo 5º, inciso XXXIX, determina, conforme supracitado que “não

há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, solidificando o entendimento de que a lei deve respeitar os princípios da legalidade e da reserva legal, sobretudo respeitando as formalidades exigidas na criação de um novo tipo penal.

Todavia, considerando hipotético caso concreto, onde a vítima do crime de homicídio é filha adotiva de agente público, estará o juiz, que analisará o caso, diante de grande controvérsia, já que a aplicação do texto legal nessa situação enseja a exclusão da reserva legal e deixar de aplicar resulta em discriminação.

Para Cezar Roberto Bitencourt21 o legislador cometeu um grave equívoco ao restringir o

alcance da norma somente a parentes consanguíneos e que a restrição contida no inciso VII é inconstitucional porque discrimina matéria que pela CF é defeso discriminar – a filiação. 17 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: v1 parte geral, p. 88.

18 Para tornar ainda mais clara a exposição, segue a brilhante explicação de José Afonso da Silva: “Em verdade, o problema das relações entre os princípios da legalidade e da reserva da lei resolve-se com base no Direito Constitucional positivo, à vista do poder que a Constituição outorga ao Poder Legislativo. Quando essa outorga consiste no poder amplo e geral sobre qualquer espécie de relações, como vimos antes, tem-se o princípio da legalidade. Quando a Constituição reserva conteúdo específico, caso a caso, à lei, encontramo-nos diante do princípio da reserva legal.” SILVA, José Afonso da. Direito

constitucional positivo, p. 425.

19 Nesse sentido: “...a despeito da reprovabilidade geral da conduta, do ponto de vista ético, é preciso que, para a configuração de crime sob a perspectiva constitucional, ela esteja contemplada em lei penal anterior que a defina.” MENDES, Gilmar Ferreira;Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional, p. 494.

20 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito

constitucional, p. 95-97.

21 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 2: crimes

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O autor manifesta ainda, que o princípio da legalidade e o da reserva legal em nosso ordenamento jurídico cumpre a exigência de segurança jurídica, são a garantia política de que ninguém será submetido ao poder punitivo do Estado, se não quando leis formais de consenso democrático vigorarem em nosso país.

Já para Victor Eduardo Rios Gonçalves22 a palavra “consanguíneo” foi utilizada com a

intenção de excluir a majorante em casos de parentesco por afinidade, assim, ele considera interpretação extensiva e não de analogia in malam partem, aplicando-se o aumento, também, quando tratar-se de filho adotivo. Portanto, para o autor, não existe qualquer colisão com o princípio da reserva legal.

Por conseguinte, os princípios da legalidade e da reserva legal, emanados constitucionalmente, diferem na medida em que o primeiro abrange as diversas espécies normativas, e o segundo diz respeito a legislação de questões específicas. Depreende-se que o inciso VII, do artigo 121, do Código Penal, é caracterizado por tratar-se de lei com conteúdo especifico, com efeito, deve, em primeiro lugar, obediência ao princípio da reserva legal, contudo, observando a legalidade.

1.4 Subordinação do crime de homicídio funcional à teoria da tipicidade e ao princípio da isonomia

A qualificadora criada no crime de homicídio, ora em análise, inegavelmente, está completamente ligada à teoria da tipicidade e o princípio da isonomia, pois o agente que pratica o crime somente tem convalidada sua conduta ao tipo penal após observação do amoldamento exato ao modelo teórico previsto na lei.

O amoldamento exato quer dizer que, não é suficiente que a conduta do agente, ao praticar o crime de homicídio funcional, contra filho adotivo de autoridade tutelada, seja semelhante ao tipo “contra parente consanguíneo até terceiro grau”, ela deve estar plenamente inserida na lei. Adequando-se, portanto, à tipicidade.23

22 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Curso de direito penal: parte especial (arts. 121 a

183), p.92.

23 Rogério Greco, explicando a tipicidade formal, traz excelente comparação: “Figurativamente, poderíamos exemplificar a tipicidade formal valendo-nos daqueles brinquedos educativos que têm por finalidade ativar a coordenação motora das crianças. Para essas crianças, haveria “tipicidade” quando conseguissem colocar a figura do retângulo no lugar que lhe fora reservado no tabuleiro, da mesma forma sucedendo com a esfera, a estrela e o triângulo. Somente quando a figura móvel se adaptar ao local a ela destinado no tabuleiro é que se pode falar em tipicidade formal; caso contrário, não.” GRECO, Rogério.

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A teoria da tipicidade é desenvolvida a partir de uma evolução doutrinária e ganhou estabilidade com o pensamento de Beling, que foi o criador da teoria dogmático-jurídica. Anteriormente, a tipicidade possuía uma amplitude exacerbada. Era defendida no campo processual, de forma que sua existência era condicionada à sentença condenatória. Em sua amplitude tratava da materialidade do fato delituoso, da ilicitude, da culpabilidade e dos conjuntos de pressupostos da punibilidade, conforme assevera Flávio Augusto Monteiro de Barros.24

Assim, quando a conduta da vida real se adequa ao tipo legal, configura-se a tipicidade. Basta, portanto, verificar se o fato se encaixa no tipo penal, onde, tipo penal nada mais é que a exposição abstrata do crime elaborada pela legislação.

Barros25 traz ainda que o estudioso Max Ernst Mayer, aperfeiçoando a teoria de Beling,

acercou a tipicidade da antijuridicidade, separada anteriormente por Beling, fazendo existir a presunção de que todo o fato típico fosse também antijurídico, até provar-se o contrário, ficando conhecida como teoria indiciária ou Teoria Beling-Mayer. A teoria da tipicidade foi ainda aprimorada, juntando-se a ela os elementos dolo e culpa.

Cabe ainda ressaltar que a teoria da tipicidade deu início a nova corrente doutrinária, tal corrente defende a existência da teoria da tipicidade conglobante. Em conformidade com essa teoria, a tipicidade é simplesmente o amoldamento do fato material ao tipo legal, enquanto, a teoria conglobante é complementada pela antinormatividade, que se refere ao impedimento da conduta pelo remanescente das normas jurídicas.

A teoria conglobante, advogada por Eugenio Raúl Zaffaroni, diz que a conduta do agente somente poderá ser punível quando se adequa completamente a norma, ou seja, requer que o fato concreto viole a norma e lesione o bem jurídico.26

24 Nos dizeres do autor: “O conceito moderno de tipicidade é fruto das ideias de Beling, que, em 1906, desenvolveu a sua famosa teoria dogmático-jurídica. Antes disso, conferia-se à tipicidade uma amplitude exagerada. Tipicidade compreendia: a materialidade do fato delituoso (corpus delicti), a ilicitude, a culpabilidade e o conjunto de pressupostos da punibilidade. Na prática, transferia-se a análise da tipicidade para o campo processual, condicionando a sua existência à prolação de uma sentença condenatória.” BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral, p. 229.

25 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: parte geral, p. 230.

26 Para o renomado autor: “Não obstante, não se deve pensar que, quando uma conduta se adequa formalmente a uma descrição típica, só por esta circunstância é penalmente típica. Que uma conduta seja típica não significa necessariamente que é antinormativa, isto é, que esteja proibida pela norma (pelo “não matarás”, “não furtarás” etc.). O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se adequem à descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma e nem lesivas ao bem jurídico tutelado.

A antinormatividade não é comprovada somente com a adequação da conduta ao tipo legal, posto que requer uma investigação de alcance da norma que está anteposta, e que deu origem ao tipo legal, e uma

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Nesse segmento, temos o tipo legal do artigo 121, VII, do Código Penal, ora em estudo, que determina a majoração da pena nos casos em que o homicídio foi causado devido a qualidade da vítima ser autoridade ou agente das Forças Armadas, Marinha, Exército, Aeronáutica e polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal, civis, militares, corpo de bombeiros militares, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, estendido ao seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, que, portanto, deverá adequar-se à todo ordenamento jurídico para tornar-se tipo penal. Por esse motivo, o crime de homicídio funcional deve respeitar todos os parâmetros legislativos, adequando-se basilarmente aos princípios constitucionais. Por esse motivo, há de se verificar sua conformidade ao princípio da isonomia, esse encontra-se no caput do artigo 5º, da Constituição Federal, que assevera: “Todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade...”.

O princípio da isonomia supracitado teria caráter apenas jurídico-formal, com intuito de acabar com os privilégios, dispensas pessoais e prerrogativas da classe política. Daí, porque, fala-se em interpretação abrangente da norma, o que quer dizer que o princípio da isonomia declarado na Constituição deve respeitar as exigências sociais, não se limitando ao texto puro da lei e sim, o princípio deve levar em conta as diferenças entre as pessoas, tutelando quem se ache em posição econômica inferior, procurando a igualização social. Quando se fala em isonomia diante da lei penal, pode-se entender que essa igualdade não significa a aplicação da mesma pena para o mesmo crime. E sim, deve querer dizer que o tipo penal será aplicado ao fato concreto estabelecido como crime.27

investigação sobre a afetação do bem jurídico. Esta investigação é uma etapa posterior do juízo de tipicidade

que, uma vez comprovada a tipicidade legal, obriga a indagar sobre a antinormatividade, e apenas quando esta se comprova é que se pode concluir pela tipicidade penal da conduta.” ZAFFARONI, Eugenio Raúl.

Manual de direito penal – v. 1, parte geral, p.394. (destaque do original).

27 Para Silva, um dos maiores doutrinadores de direito constitucional contemporâneo: “Essa igualdade não há de ser entendida, já dissemos, como aplicação da mesma pena para o mesmo delito. Mas deve significar que a mesma lei penal e seus sistemas de sanções hão de se aplicar a todos quantos pratiquem o fato típico nela definido como crime. Sabe-se por experiência, contudo, que os menos afortunados ficam muito mais sujeitos aos rigores da justiça penal que os mais aquinhoados de bens materiais. As condições reais de desigualdade condicionam o tratamento desigual perante a lei penal, apesar do princípio da isonomia assegurado a todos pela Constituição (art. 5º).” SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional

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Quando a finalidade das intervenções normativas desiguais possuir um legítimo motivo, poderá existir compatibilidade constitucional. Assim, o que é defeso são as discriminações arbitrárias e as distinções incoerentes.28

Destarte, tem-se o crime de homicídio funcional como norma diferenciadora, que visa punir de forma mais consistente o sujeito que pratica seu tipo legal. Traz em sua redação a possibilidade de aumentar a pena daquele que comete o crime em razão da função do agente público, relativizando o princípio da isonomia.

Consequentemente, vê-se que o homicídio funcional, como fato concreto, depende da tipicidade da conduta, mas não somente que o fato tenha que se adequar a norma legal, como também tenha que ser antinormativo. Cabe ainda, verificar se, por tratar-se de norma diferenciadora, está em conformidade com o princípio da isonomia e com o restante do ordenamento jurídico.

1.5 Vedação de interpretação analógica contra o réu

O crime de homicídio funcional fala expressamente que a norma estende-se aos parentes consanguíneos até terceiro grau da autoridade tutelada, de modo que, não diz respeito ao parentesco civil, portanto, ou a qualificadora seguirá os ditames da interpretação extensiva29, que ocorre quando o legislador disse menos do que necessitaria dizer, ou

entende-se que sua aplicação aos casos em que a vítima é filha adotiva do agente público não passa de analogia in malam partem.

Por isso, cabe esclarecer que, analogia quer dizer o emprego, ao ato não previsto na legislação, de lei que regule ato semelhante. A utilização da analogia ocorre para solucionar casos em que a lei é omissa, aplicando o mesmo entendimento de caso congênere.

28 Na lição de Moraes, atualmente Ministro do Supremo Tribunal Federal, temos: “A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja existência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.” MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 63.

29 “... tendo em vista o primado do princípio da legalidade (art. 1º, CP), é força destacar que toda interpretação encontra limites na letra da lei, de modo que a interpretação extensiva somente deverá ser empregada para incluir no âmbito de um preceito penal comportamentos que o seu teor literal admita.” PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: v. 1 parte geral, arts. 1º a 120, p. 154.

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A analogia pode ser dividida no Direito Penal em dois segmentos, quais sejam: in bonam

partem e in malam partem.30

Analogia in bonam partem é aplicada quando lei mais favorável regula caso semelhante ao caso omisso. É admitida sua aplicação no direito penal, exceto nos casos relacionados às leis excepcionais.31

Por outro lado, analogia in malam partem aplica-se a legislação similar ao caso concreto não regulamentado, prejudicando o réu. É inadmissível no direito penal brasileiro o emprego dessa analogia, pois a legislação vigente é pautada pelo princípio da reserva legal.32

Portanto, o agente que comete o crime ora em estudo não pode ter sua pena aumentada em razão da analogia, pois a palavra “consanguíneo” só deve ser usada dentro de seu significado e não deve ser hipótese para agravar a situação do autor do delito.33

2 DA ADOÇÃO E FILIAÇÃO CONSANGUÍNEA

2.1 A discriminação aos filhos adotivos estabelecida no crime de homicídio funcional O objeto principal deste estudo é a análise do termo “consanguíneo” trazido pelo texto do artigo 121, VII, do Código Penal e as consequências legais que pode trazer no âmbito das qualificadoras no direito penal.

Considerar no tipo penal os parentes civis, estendendo o significado da palavra consanguíneo traz como resultado para o réu a pena mínima de doze anos de reclusão, ou 30 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: v1 parte geral, p. 94.

31 Para Zaffaroni a aplicação da analogia é ainda mais restrita: “...Cremos que, como regra geral, sempre que se trata de integrar a lei, a analogia está proscrita, independentemente do sentido que a ela for dado, ainda que, eventualmente possa admitir-se analogia in bonam partem para salvar a racionalidade do direito e, com ela, o princípio republicano de governo, que exige esta racionalidade.

Com referência à analogia in bonam partem, cabe precisar que no caso de causas de justificação que, por remissão do direito penal a outros campos legislativos (em virtude do art. 23, III, do CP), sejam outros ramos do direito que devam precisar seus limites, é lícita a analogia se nestas legislações ela é admitida.” ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro – v. 1, parte geral, p. 155. (destaque do original)

32 “Quando se inicia o estudo da analogia em Direito Penal, devemos partir da seguinte premissa: é terminantemente proibido, em virtude do princípio da legalidade, o recurso à analogia quando esta for utilizada de modo a prejudicar o agente, seja ampliando o rol de circunstâncias agravantes, seja ampliando o conteúdo dos tipos penais incriminadores, a fim de abranger hipóteses não previstas expressamente pelo legislador etc.” GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral v1, p. 94. 33 Nesse sentido Jorge de Figueiredo Dias (1958, p.174, apud MENDES, 2015, p. 497): “...há de se considerar, igualmente, a proibição da analogia in malam partem, ou seja, da adoção de analogia para tipificar uma conduta como crime ou agravar o seu tratamento penal. A despeito do caráter polissêmico da linguagem, não parece haver dúvida de que não pode o intérprete agravar a responsabilidade do agente “fora do quadro das significações possíveis das palavras”. MENDES, Gilmar Ferreira; Paulo Gustavo Gonet.

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seja, o dobro da pena de homicídio simples. Por certo a relevância do entendimento do alcance da norma, traz para o agente que cometeu o crime a garantia de uma pena mais branda ou, caso contrário, a interpretação de uma palavra pode custar-lhe até trinta anos de liberdade.

Com efeito, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu em seu artigo 227, § 6º, a igualdade entre os filhos, sendo eles consanguíneos ou adotivos, determinando expressamente a proibição de quaisquer designações discriminatórias relacionadas a filiação.34

A fim de efetivar o comando constitucional, a Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – regulamentou a adoção dos menores de 18 anos, garantindo aos adotados os mesmos direitos dados aos filhos consanguíneos. A adoção dos maiores de idade permaneceu atribuída ao Código Civil de 1916.35

Dentre os direitos que consagram a adoção destaca-se o princípio da igualdade entre os filhos. Tal princípio visa assegurar constitucionalmente aos adotados a equidade entre eles e os filhos consanguíneos.

3 COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 3.1 Princípio da reserva legal x Princípio da igualdade entre os filhos

Conforme explicado, os princípios da reserva legal e da igualdade entre os filhos estão esposados à Constituição Federal e emanam para a legislação sua obrigatoriedade vinculativa.

Ocorre que, conforme exposto, a Lei nº 13.142/2015, traz em seu texto o vocábulo “consanguíneo”, deixando de mencionar os filhos adotivos, o que gera divergência entre os princípios, o que é inadmissível.

Ressalta-se que o legislador se preocupou em estender a majorante expressamente quando a vítima é companheira do agente público, demonstrando com isso a importância de inseri-la no texto legal, mesmo havendo proteção constitucional para a união estável (artigo 226, 34 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, v. 6: direito de família, p. 375-376.

35 “Permaneceu o Código Civil de 1916 regulamentando a adoção dos maiores de idade. Podia ser levada a efeito por escritura pública. O adotado só tinha direito à herança se o adotante não tivesse prole biológica. Advindo filhos depois da adoção, perceberia o adotado somente metade do quinhão a que fazia jus a filiação “legitima”. Esses dispositivos, entretanto, foram considerados inconstitucionais pela jurisprudência a partir da vigência da Constituição Federal.” DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das

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§3º, da Constituição Federal). Ou seja, nessa situação o Poder Legislativo optou por compreender o companheiro no texto legal, contudo, omitiu os filhos adotivos do agente público da lei.36

Como também, destaca-se que o vínculo de consanguinidade para fins matrimoniais, demonstrando sua relevância para o tipo penal em estudo, é o único que se mantém existente com a família biológica mesmo após efetivada a adoção. Ou seja, o parentesco consanguíneo não pode ser interpretado como equivalente ao parentesco civil para determinar a existência de majorante, pois, conforme percebe-se o liame familiar é completamente diferente em ambos os casos.37- 38

Ao cometer essa omissão, por um lado, surge no ordenamento jurídico a possibilidade de o réu ser condenado com a referida majorante, desrespeitando completamente o princípio da reserva legal, por outro lado, a observação da reserva legal constitui o desprezo ao princípio da igualdade entre os filhos.

Diante da situação apresentada no inciso VII, do artigo 121, do Código Penal, os princípios da reserva legal e da igualdade entre os filhos tornam-se concorrentes, devendo, para solucionar esse conflito, ser feita a ponderação principiológica, de forma a escolher entre eles qual terá prevalência.

Em que pese a possibilidade da jurisprudência optar pelo princípio da igualdade entre os filhos, é uma perspectiva completamente contrária aos ditames da reserva legal e conforme analisado, o princípio da reserva legal é um dos corolários do Estado Democrático de Direito, sendo assim, não observar tal princípio é o mesmo que não guardar a democracia. A prevalência do princípio da reserva legal, vem ainda, em conformidade com a vedação de interpretação analógica contra o réu, pois sua não aplicação acarreta em analogia in

malam partem, ilícita nas normas jurídicas nacionais.39

Finalmente, após análise do crime de homicídio funcional e as possibilidades jurídicas decorrentes da observação de um princípio em detrimento de outro, fica cristalina a 36 JESUS, Damásio de. Homicídio funcional: Primeiras ideias. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/homicidio-funcional--primeiras-ideias/15642. Acesso 23.03.2018.

37 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, v. 6: direito de família, p. 398. 38 “...a filiação adotiva cria uma relação de parentesco civil, que não se confunde com o

parentesco consanguíneo, exigido na previsão legal da nova qualificadora do crime de homicídio.”

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – v.2: parte especial – crimes contra a pessoa, p. 109. (destaque do original).

39 MENDES, Gilmar Ferreira; Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, p. 495.

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importância do princípio da reserva legal e por questões de segurança jurídica deve esse prevalecer. De outra forma, o Estado estará punindo pessoas sem obedecer aos preceitos formais, que são resultados da vontade democrática.40

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a alteração trazida pela Lei Federal nº 13.142/2015 instaurou-se nova questão doutrinária a respeito dos efeitos da norma. Embora existam excelentes doutrinadores a favor da aplicação analógica da majorante do crime de homicídio funcional aos casos em que a vítima é filha adotiva do agente tutelado, este não é o recurso mais apropriado ao analisar a sistemática penal brasileira, que se encontra sob a égide protecionista e democrática da Carta Magna.

A majorante do crime de homicídio funcional, dentre outros tutelados, protege o parente consanguíneo até terceiro grau do servidor do público. Acontece que ao estender a qualificadora para proteger também os parentes civis, viola-se o princípio da reserva legal, da legalidade, da tipicidade, da isonomia e da vedação de interpretação analógica contra o réu.

É importante reconhecer que o legislador buscou custodiar a função pública e o cargo exercido pelos sujeitos passivos e abrangeu essa proteção aos parentes dessas autoridades, todavia, a inclusão do filho adotivo do agente, sem a devida alteração legislativa, impõe extremo prejuízo ao réu e gera insegurança jurídica, pois extrapola os limites dados ao Poder Público de coibir criminalmente seus administrados.

Pelos motivos apresentados que a lei analisada deve ser aplicada e entendida no sentido de lei formal, obedecendo-se o rigor técnico e em harmonia com o procedimento determinado pela Constituição Federal.

Considerando o princípio da reserva legal, a Carta Magna não deixou restar espaço para qualquer dúvida, estabelecendo que a legislação penal deve ter determinada taxativamente

40 Nesse sentido: “Quanto ao princípio de reserva legal, que complementa o princípio de legalidade, significa que a regulação de determinadas matérias deve ser feita, necessariamente, por meio de

lei formal, de acordo com as previsões constitucionais a respeito. Nesse sentido, o art. 22, I, da Constituição

brasileira estabelece que compete privativamente à União legislar sobre Direito Penal.

...o princípio de legalidade e de reserva legal representam a garantia política de que nenhuma pessoa poderá ser submetida ao poder punitivo estatal, se não com base em leis formais que sejam fruto do consenso democrático.” BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – v.2: parte especial –

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e que mesmo sendo a atitude do autor condenável na esfera da moral, não o é para o direito penal.

Assim, insustentável é advogar a possibilidade de interpretação analógica e que a intenção do legislador foi apenas de excluir os parentes por afinidade. Ademais, o objetivo da mudança foi tutelar a função exercida pelos sujeitos passivos do delito, e a qualificadora foi estendida em benefício de pessoas determinadas, tanto é que o legislador se preocupou em incluir expressamente o termo “companheiro” no texto legal, não deixaria ele, por mero esquecimento ou por considerar desnecessário, de incluir o filho adotivo no rol dos tutelados.

5 REFERÊNCIAS

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BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal: v.1 parte geral. 9º ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 2: crimes contra a pessoa. 17ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). 7ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11ª ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. v. 6: direito de família. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Curso de direito penal: parte especial (arts. 121 a 183). 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral v.1. 17ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

JESUS, Damásio de. http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/homicidio-funcional--primeiras-ideias/15642. Acesso em 23.03.2018.

MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 8ª ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2000.

OLIVEIRA, Marcel Gomes de. A história do delito de homicídio. Disponível em: < http:// www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?

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PICCIANI, Leonardo; SAMPAIO, Carlos. Projeto de lei nº de 2015. Disponível em: http:// www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1311509. Acesso em: 12.11.2017.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: v. 1 parte geral arts. 1º a 120. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo. 39ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2016.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: v. 1 parte geral. 8ª ed., rev., atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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