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Teoria da perda de uma chance na perspectiva da responsabilidade civil médica / Theory of loss of a chance from the perspective of medical civil responsibility

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Teoria da perda de uma chance na perspectiva da responsabilidade civil médica

Theory of loss of a chance from the perspective of medical civil responsibility

DOI:10.34117/bjdv6n6-286

Recebimento dos originais: 08/05/2020 Aceitação para publicação: 12/06/2020

Mylene Medeiros Dutra

Pós-graduada em Direito Público com ênfase em Gestão Pública pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus

Instituição: Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Balneário Camboriú, SC

E-mail: mylenedutra.adv@gmail.com

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo conceituar a teoria da perda de uma chance na esfera da responsabilidade civil e seus aspectos tradicionalmente considerados, pontuando as premissas mais importantes quando da aplicação da teoria à seara médica, tema bastante controvertido na doutrina clássica. A perda de uma chance nasceu no Direito europeu e consubstancia-se na possibilidade de reparação civil decorrente da perda da oportunidade de obter uma vantagem esperada ou evitar certo prejuízo. Já na esfera da responsabilidade civil médica, recebeu o nome de perda da chance de cura ou sobrevivência. O tema, relativamente novo, não possui previsão legal no direito pátrio, contudo, vem conquistando seu espaço entre a doutrina e tribunais brasileiros. Assim, o objetivo do presente artigo é abordar a teoria da perda de uma chance e seus efeitos, precisamente quando aplicada à responsabilidade civil médica.

Palavras-chave: Direito civil. Perda de uma chance. Responsabilidade civil médica. ABSTRACT

This article aims to conceptualize the theory of the loss of a chance in the sphere of civil liability and its aspects traditionally considered, punctuating the most important premises when applying the theory to the medical field, a very controversial theme in classical doctrine. The loss of a chance was born in European law and is embodied in the possibility of civil reparation resulting from the loss of the opportunity to obtain an expected advantage or avoid a certain loss. In the sphere of medical civil liability, it received the name of loss of chance of cure or survival. The relatively new topic has no legal provision in Brazilian law, however, it has been gaining its space among Brazilian doctrine and courts. Thus, the objective of this article is to address the theory of the loss of a chance and its effects, precisely when applied to medical civil liability.

Key words: Civil law. Missing a chance. Medical liability. 1 INTRODUÇÃO

As transformações sociais experimentadas pela sociedade moderna ao longo do último século perspectiva incitaram o surgimento e expansão de novos danos indenizáveis, visando, sobretudo, a reparação integral do prejuízo injustamente suportado pela vítima nas mais diversas situações.

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Assim, alinhada às novas tendências, é que surge no cenário internacional a perspectiva de responsabilidade civil pela perda de uma chance, que nada mais é do que reparação pela chance frustrada, em virtude do comportamento de outrem, de alcançar determinada vantagem ou de evitar certo prejuízo.

O instituto, amplamente abordado e discutido por doutrinadores brasileiros e estrangeiros, abrange diversas espécies e campos de aplicação, sendo um deles, a perda da chance de cura ou sobrevivência, bem como a perda da chance pela falha no dever de informação, teses muito aplicadas no que concerne à responsabilidade civil médica.

Em outras palavras, o médico, dentro da sua esfera de atuação, pode ser responsabilizado por retirar do paciente a chance deste de se curar, ou de sobreviver a determinada doença, em virtude de uma atuação negligente durante o tratamento ou, ainda, de um diagnóstico equivocado ou tardio? A falha no dever de informar adequadamente dos riscos do procedimento gera o dever de indenizar pela perda da chance do paciente ter sido melhor informado e, portanto, ter tomado outra decisão? Trata-se de uma chance abstrata ou concreta no campo da responsabilidade civil?

Assim, feitos estes questionamentos, é que se passa a discorrer, nas linhas que seguem, acerca desta nova tendência de reparação civil.

2 MÉTODO E OBJETIVO

O método utilizado para a elaboração do presente estudo foi o método dedutivo, analisando de forma cautelosa diversos posicionamentos doutrinários, tanto nacionais quanto estrangeiros, bem como entendimentos jurisprudenciais acerca do tema abordado. Utilizou-se de pesquisa bibliográfica, doutrinas, artigos científicos, e pesquisas jurisprudenciais. O objetivo da pesquisa é alinhar os conceitos da teoria da perda de uma chance, teoria nascida no direito europeu, aos casos práticos de responsabilidade civil médica, suas premissas e dificuldades de aplicação, além de entendimentos distintos entre os doutrinadores no tocante ao tema.

3 TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE E SEUS ASPECTOS CONCEITUAIS

A perda de uma chance pode ser definida como uma teoria que enseja bastante inquietação ns gênese da responsabilidade civil. Aos olhos de Muriel Fabre-Magnan, professora da Escola de Direito da Sorbonne, Universidade de Paris, e autora do prefácio da obra de Carnaúba (2013), é uma noção complexa, que ainda perturba muitos estudiosos e divide a doutrina. Ela refere-se ao dano, mas, na seara médica, não revelaria uma incerteza sobre o nexo de causalidade? É possível utilizá-la na reparação parcial do dano ocorrido ou ser empregada no âmbito do descumprimento do dever de

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informação? Essas são algumas das questões intrincadas sobre a matéria e o consenso não se estabelece.

Para reconhecer a chance perdida enquanto bem passível de proteção jurídica, é necessária a compreensão de sua terminologia e conceito jurídico. Assim é que Amaral (2015, p. 65), em sua obra - fruto de sua tese de doutorado – esclarece que a perda de uma chance traduz-se na subtração de uma possibilidade, probabilidade ou esperança, e ainda de expectativas do indivíduo de auferir um lucro ou uma vantagem, como também de evitar a ocorrência de um evento danoso”.

Para Farias (2018), a perda de uma chance consiste em uma oportunidade dissipada de obter futura vantagem ou de evitar um prejuízo em razão da prática de um dano injusto. O autor elucida que se trata de construção doutrinária e jurisprudencial do direito francês – perte d’une chance –, sem esquecer da contribuição da common law ao estabelecer parâmetros estatísticos que possam auxiliar na fixação da reparação pela perda de uma chance.

Por sua vez, Noronha (2010), ao discorrer sobre a temática, reafirma que a chance perdida – seja de obter uma vantagem futura ou evitar um prejuízo efetivamente ocorrido – caracteriza um dano que será reparável quando reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil. Nesse sentido, acentua:

Quando se fala em perda de chances, para efeitos de responsabilidade civil, é porque esse processo foi interrompido por um determinado fato antijurídico e, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Nestes casos, a chance que foi perdida pode ter-se traduzido tanto na frustração da oportunidade de obter uma vantagem, que por isso nunca mais poderá acontecer, como na frustração de oportunidade de evitar um dano, que por isso depois se verificou (NORONHA, 2010, p. 695).

Ambas as modalidades de perda de uma chance, segundo o autor, possuem como ponto de referência inicial um momento do passado, em que existia a oportunidade agora frustrada, de maneira que a partir de então é que se passa a fazer projeções sobre o que viria a ocorrer, se não fosse o fato antijurídico verificado.

De todo modo, só se viabiliza a teoria da perda de uma chance a partir do momento em que conceituamos o dano, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial, como a lesão a um interesse concreto merecedor de tutela (FARIAS, 2018, p. 925).

Nesse sentido, Amaral (2015) esclarece que a determinação da natureza jurídica do dano pela perda da chance está vinculada ao interesse ao qual o processo aleatório está relacionado, isto é:

Quando a vítima se encontra em um processo aleatório na defesa ou na busca de um objetivo que se apresenta como um interesse de caráter expatrimonial, o dano pela perda da chance será de natureza extrapatrimonial. Ao contrário, quando o lesado se insere em um processo aleatório e visa, ao final dele, obter uma vantagem que lhe trará acréscimo evidentemente patrimonial, o dano causado pela interrupção da sequência dos

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acontecimentos, que prive o indíviduo da chance da qual ele já desfrutava, terá natureza de dano patrimonial e como tal deverá ser ressarcido (AMARAL, 2015, p. 127).

Assim, observa-se que a teoria da perda de uma chance surge justamente para flexibilizar os conceitos tradicionais de que os danos, para serem indenizáveis, devem ser diretos e imediatos. Todavia, como bem destacado por Farias (2018), as chances não equivalem a expectativas meramente subjetivas, uma vez que danos hipotéticos não são indenizáveis. A expressão deve ser compreendida, portanto, na perspectiva de lesão a interesse concretamente merecedor de tutela.

Em suas palavras, “a perda de uma chance será ressarcível na ponderação entre a situação do lesante e do lesado, ao se concluir que o interesse violado é digno de proteção – não em abstrato, mas em concreto – face ao interesse que lhe contrapõe” (FARIAS, 2018, p. 926).

Por fim, Carnaúba (2013) ressalta a complexidade que norteia a teoria da perda de uma chance quando aplicada ao caso concreto, a qual demanda técnicas minuciosas de análise, sem as quais certamente poderiam ocorrer injustiças em sua aplicação.

Segundo o jurista, inúmeras são as contradições existentes entre o Direito e a álea, as quais só podem ser respondidas com a utilização de técnica dogmática. De toda sorte, salienta que “a ordem jurídica jamais poderia valer-se da incerteza para esquivar-se de uma decisão, razão pela qual a responsabilidade deve conter regras compatíveis com o acaso, capazes de dirimir questões afetas à realidade factual” (CARNAÚBA, 2013, p. 10).

4 A PERDA DE UMA CHANCE QUANDO APLICADA À RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA

A aplicabilidade da teoria da perda de uma chance à esfera da responsabilidade civil médica é matéria bastante controvertida e debatida entre a doutrina tradicional. Isso ocorre em virtude da dificuldade de se estabelecer, muitas vezes, se a atuação ou omissão do médico em determinado caso concreto, teria, de fato, contribuído para o resultado danoso experimentado pela vítima ao final daquele processo aleatório.

Nesse contexto, Cavalieri Filho (2014) elucida que na seara médica a teoria recebeu o nome de perda de uma chance de cura ou de sobrevivência, na qual o elemento que determina a indenização é a perda de uma chance de resultado favorável no tratamento. Isto quer dizer que o que se perde, efetivamente, é a chance da cura – a qual pode ser indenizada –, e não a continuidade da vida.

De inspiração francesa, a perda de uma chance de cura ou sobrevivência possibilita ao lesado o suporte jurídico necessário para pleitear indenizações em caso de frustração do atendimento médico que a possa ter privado de alguma chance de obter ou buscar a cura. Para sua procedência, é preciso que estejam devidamente demonstradas, de modo preciso, a seriedade da probabilidade de cura e sua relação de causalidade direta com os atos praticados pelo médico desidioso (MELO, 2014, p. 25).

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Sabe-se que o médico não possui a obrigação de curar o paciente, mas sim de aplicar todo seu conhecimento e técnica de sua profissão a serviço deste, agindo com zelo e propiciando-lhe todas as oportunidades de obter a cura ou a sobrevivência. Contudo, o autor enfatiza:

Se os cuidados prestados forem deficientes ou falhos e, em razão disso, o paciente venha a perder a oportunidade que teria de se curar ou sobreviver, torna-se imperioso responsabilizar o médico faltoso, embora não se possa ter certeza quanto a cura ou sobrevivência daquela pessoa, chances de cura ou sobrevivência poderia ela ter se fosse tratada de forma correta e em tempo hábil (MELO, 2014, p. 26).

Para ilustrar o tema, Noronha (2010) traz à baila um exemplo característico da chamada perda de chance de cura ou de sobrevida: o paciente que ficou definitivamente inválido ou que veio a óbito porque o médico cometeu um erro de diagnóstico ou de tratamento. Nesses casos, poderia ocorrer de o paciente ficar inválido ou falecer da mesma forma, no entanto, com o erro, as chances de que isso acontecesse se mostraram significativamente maiores. Não obstante, esta nova perspectiva de aplicação da teoria encontrou forte resistência por parte dos estudiosos.

O autor traz à baila breve histórico do cenário estrangeiro, no qual expressiva parcela da doutrina francesa, incluindo autores como Jean Penneau, Yvonne Lambert-Faivre e René Savatier, rechaçaram a possibilidade de se invocar a perda de uma chance na seara médica. Para eles, todo problema se resume a uma questão de existência de nexo de causalidade: ou se prova que a falha terapêutica contribuiu efetivamente para o dano, sendo o médico responsável pela integralidade dele, ou não se faz prova cabal dessa relação de causa e efeito, devendo o mesmo ser absolvido.

Segundo Carnaúba (2013), René Savatier pode ser considerado como o principal adversário da reparação de chances na seara médica. O autor francês defendia que a perda de uma chance, tradicionalmente conhecida, trata da frustração de uma suposição legítima sobre o futuro. Ocorre que a situação mudaria por completo nas hipóteses em que a pretensa chance tratasse da cura de uma doença ou outra enfermidade qualquer, onde a chance perdida estaria no passado. Nas palavras do jurista, citado por Carnaúba:

Pretendemos que o médico repare as chances que o paciente teria para evitar a morte ou a enfermidade da qual ele sofre de forma definitiva, caso o médico não tivesse cometido a imprudência ou a negligência e ele imputada. Ora, o destino já o decidiu. Por definição, a enfermidade ou a morte já acorreram. Não se trata mais de chances, mas de fatos concretizados.

Tal vertente doutrinária, consoante esclarece Silva (2013), sustenta suas críticas na impossibilidade de se perquirirem as chances após o término do processo aleatório, uma vez que a análise das chances perdidas não mais seria uma suposição em direção ao futuro e a um evento cujo resultado era desconhecido, mas tão somente uma análise posterior de fatos já ocorridos.

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Assim, para estes juristas, a reparação de chances de cura não seria nada mais do que um mero artifício empregado pelos juízes quando não fosse possível identificar a presença clara do liame causal, concedendo, portanto, indenização em virtude de um prejuízo intermediário inexistente, fixado em patamar inferior àquele que a vítima teria por direito na hipótese de restituição integral.

De modo diverso, o Mestre Ruy Rosado, citado por Melo (2014), defende que a jurisprudência francesa tem aceitado a teoria da perda de uma chance na seara médica até como forma de superação da dificuldade quanto à prova do nexo de causalidade. O autor narra o caso de um julgamento ocorrido em 1965, no qual a Corte de Cassação admitiu a responsabilidade médica porque o erro de diagnóstico levou a tratamento errado, privando a vítima da chance de cura. Em verdade, de acordo com a teoria, o juiz não está seguro de que o evento teria ocorrido pela ação do médico, mas a falta facilitou a superveniência do resultado lesivo advindo.

No mesmo norte, Carnaúba (2013) afirma que a distinção entre chances futuras e chances passadas não se mostra convincente, razão pela qual entende não existir qualquer diferença entre os casos tradicionais de perda de chances e os casos de perda de chance de cura. Neste diapasão, ao tratar do nexo de causalidade, salienta:

A dificuldade de se estabelecer um liame causal não constitui uma peculiaridade da perda de chance de cura. Na verdade, a causalidade nunca está presente nos casos de perda de chance, quer trate-se de um caso de perda de chance médica, quer não. Qualquer que seja o exemplo analisado, não é possível determinar se a perda da vantagem seria evitada caso o réu tivesse adotado uma conduta diversa. E disso decorre um inevitável dilema causal (CARNAÚBA, 2013, p. 141).

Todavia, ao mesmo tempo em que defende a aplicabilidade do instituto à responsabilidade civil médica, o autor também impõe a necessidade de se estabelecer um limite ao conceito, a fim de evitar o constante uso indiscriminado da técnica.

Sob esse viés é que aborda os casos concebidos no contexto da pluralidade de riscos, nos quais não se pode afirmar, com certeza, se a causa efetiva do dano decorreu da conduta culposa do médico ou da evolução da própria doença. Nestas circunstâncias, a reparação de chances não poderia ser aplicada, em virtude da inexistência de nexo causal entre a chance perdida e o fato imputado ao réu:

Em verdade, é possível que o ato do réu tenha participado do encadeamento causal e, nessa hipótese, o erro médico seria a causa jurídica dos prejuízos sofridos pelo paciente. Mas é igualmente possível que tal fato não tenha exercido nenhuma influência na concretização do dano. Nesse caso, negligência e prejuízo seriam simplesmente concomitantes, não havendo qualquer relação entre os dois (CARNAÚBA, 2013, p. 156).

De outra banda, Noronha (2010) reconhece ser possível a ocorrência de pluralidade de riscos no caso concreto, entretanto, pensa que tal circunstância não seria motivo suficiente para negar a aplicabilidade da perda da chance de cura ou sobrevivência:

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Se só um dos fatores estivesse em questão, não haveria dúvida de que ele seria a causa do dano. Mas pela circunstância de, em vez de um, termos dois fatos, que igualmente poderiam ter causado esse dano, não se pode dizer que o nexo de causalidade fique excluído. Tanto a evolução da doença como o erro médico reúnem as condições indispensáveis para poderem ser considerados causa adequada do dano sofrido pelo paciente. Um tratamento adequado poderia ter interrompido o processo danoso que estava em curso e poderia conduzir ao resultado almejado, a cura ou as melhoras do paciente. Nestas circunstâncias, o ato terapêutico inadequado não pode ser tido como todo indiferente ao dano acontecido: como sabemos, para que um fato possa ser tido como causa adequada, basta que ele crie séria possibilidade de ocorrência do dano (NORONHA 2010, p. 713).

Vale ressaltar, nesse contexto, que não é qualquer falha médica que deve ensejar a reparação civil pela perda de uma chance, como bem pontuado por Grácia Cristina Moreira do Rosário, Mestre em Direito e juíza do estado do Rio Grande do Sul:

Não é uma falha qualquer que deflagra a obrigação de reparar o dano. Deverá tratar-se de um atuar negligente, pois se assim não se visualizar, será impraticável o agir do profissional de medicina, já que o médico lida com o corpo e com a mente humanos, que compõem um círculo frágil, tendo em vista os segredos não revelados pelo próprio corpo do homem. Cabe à ciência se sentir à vontade para labutar nas pesquisas que buscam a cura de diversas doenças, desde que os agentes atuem com diligência e prudência, observando o dever de cuidado (ROSÁRIO, 2008, p. 185).

Como se pode observar, acirradas se mostram as controvérsias quando se trata da teoria da perda de uma chance aplicada aos casos de responsabilidade civil médica e seus efeitos práticos.

4.1 A REPARAÇÃO DAS CHANCES EM RAZÃO DO DESRESPEITO AO DEVER DE INFORMAÇÃO

A chamada perda de uma chance por falta de informação diz respeito à frustração da oportunidade da vítima de tomar uma decisão mais esclarecida, devido à ocorrência da quebra do dever de informar que caía sobre outra pessoa (NORONHA 2010, p.701). Noutras palavras, ocorre quando alguém sofre um dano por não ter tomado a decisão mais acertada, que estaria a seu alcance caso outra pessoa tivesse cumprido o dever que lhe incumbia, de informar ou aconselhar a vítima.

Como bem acentuado por Carnaúba (2013), a questão emerge novamente na responsabilidade médica, já que todo médico está legalmente obrigado a informar seu paciente acerca dos riscos inerentes ao tratamento proposto.

Nessa seara, deve-se atentar para uma questão importante: Silva (2013) esclarece que sempre que existir causalidade direta entre a falta de informação e o dano final sofrido pela vítima, não há que se falar em responsabilidade por perda de uma chance. O autor traz à baila o exemplo de um trabalhador que sofre grave descarga elétrica enquanto utiliza uma máquina devido a uma informação inadequada de seu fabricante: neste caso, a informação defeituosa é que causou o próprio dano final.

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Nas hipóteses em que o risco de dano tivesse sido eliminado se a informação devida houvesse sido prestada, a responsabilidade da pessoa obrigada à informação será plena: ela incorrerá na obrigação de reparar todos os danos sofridos pelo lesado; neste caso, não se poderá falar propriamente em responsabilidade por perda de chance (NORONHA, 2010, p. 715). Para clarear a compreensão do tema, Daniel Carnaúba encontra o ponto-chave que caracteriza tal modalidade de perda de uma chance, no entanto, realça a dificuldade de sua aplicabilidade no caso ou concreto:

Esses litígios, envolvem, em seu cerne, uma dúvida quanto à decisão que seria tomada pela vítima: mais bem informada, ela mudaria de opinião, evitando assim a realização do prejuízo? Essa incerteza sobre a possível decisão da vítima dificulta a constatação de um prejuízo certo – não é possível afirmar que a situação da vítima teria sido melhor caso a informação fosse fornecida –, como também a constatação de um nexo causal entre a omissão do réu e o pretenso prejuízo da vítima (CARNAÚBA, 2013, p. 150)

Por essas e outras razões é que autores franceses também rechaçaram a aplicação da teoria da perda de uma chance pela quebra do dever de informação, como salientado por Silva (2013). Certo é que não se pode afirmar que a vítima, melhor informada, teria tomado atitude diversa para evitar o dano.

Não obstante, Carnaúba (2013) destaca a existência de julgados que fazem uso da técnica de reparação de chances em casos como esses: há quem entenda que a falha na informação teria privado a vítima da chance de tomar uma decisão mais esclarecida, o que poderia, possivelmente, ter evitado o dano. Por sua vez, a indenização devida pelo réu terá a exata medida da chance perdida.

O autor, de forma pertinente, mais uma vez remete o leitor ao caráter subjetivo da álea, que deve ser analisada com a devida cautela. Nos exemplos mencionados, o evento litigioso reporta-se à decisão que a vítima teria tomado diante da informação omitida. Neste cenário, o que se percebe é que a suposta decisão é aleatória para quase todos os indivíduos, salvo para a própria vítima:

Em princípio, o juiz poderia afirmar que a possível decisão é um elemento desconhecido, logo, aleatório. E ele não teria mentido. A escolha da vítima é efetivamente aleatória para o juiz, para o réu e os demais indivíduos estranhos ao litígio. Como toda escolha reporta-se à vontade íntima daquele que deve escolher, esse fato escapa ao conhecimento do resto da humanidade. Mas esse mesmo juiz jamais poderá afirmar que a eventual decisão da vítima é um elemento desconhecido para ela mesma. Tal afirmação seria logicamente absurda: para a vítima, a vontade em questão não representa qualquer mistério. Ela é a única pessoa que controla essa álea e que pode afirmar, com segurança, se a informação ocultada teria ou não mudado sua opinião (CARNAÚBA, 2013, p. 152).

Com efeito, é evidente que esta modalidade de perda de uma chance encontra certa resistência na doutrina tradicional, tanto nacional quanto estrangeira, devido à grande dificuldade de se estabelecer os critérios específicos afetos ao instituto.

Não obstante as críticas, é possível encontrar registros na jurisprudência que se valem da técnica de reparação de chances para indenizar a quebra do dever de informação. Nessa esteira, o Tribunal

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de Justiça do Estado de São Paulo manteve a condenação de uma médica cirurgiã que adotou técnicas cirúrgicas sem informar adequadamente a paciente sobre a escolha realizada e os riscos inerentes, retirando-lhe, portanto, ante a falta de informação adequada, a chance de optar pela não realização do procedimento cirúrgico:

RESPONSABILIDADE CIVIL - ERRO MÉDICO – FALTA DE INFORMAÇÃO ADEQUADA – MÉDICACIRURGIÃ QUE NÃO SEGUE SUGESTÃO DO MÉDICO DA AUTORA E ADOTA OUTRA TÉCNICA CIRURGICA SEM INFORMAR ADEQUADAMENTE A PACIENTE SOBRE A ESCOLHA REALIZADA E OS RISCOS INERENTES – TÉCNICA ESCOLHIDA QUE APRESENTAVA MAIOR RISCO DE RECIDIVA DO QUE A TÉCNICA SUGERIDA – RECIDIVA EFETIVADA – PERDA DE UMA CHANCE – DEVER DE INDENIZAR DANOS MATERIAIS E MORAIS – SENTENÇA MANTIDA. A autonomia do médico coexiste com a autonomia do paciente. Em razão disso, é dever do médico dar todas as informações necessárias ao paciente, esclarecendo todas as dúvidas sobre o procedimento e o pós-operatório, com ênfase, no caso, para os riscos de recidiva, que vem a ser o maior problema no tratamento de pterígio.(AC n. 0008253-82.2011.8.26.0004. Juiz relator: Alexandre Coelho. Julgado em 25.11.2015.) No mesmo sentido é o posicionamento da juíza Grácia Cristina Moreira do Rosário:

A informação dos riscos do ato médico deve relacionar-se àqueles normalmente verificados na prática; deve ser honesta, desobstruída e apropriada. Em segundo lugar, deve trazer detalhadamente as informações incidentais do tratamento ou das continuações do ato médico. É o mesmo no que diz respeito aos riscos para as intervenções estéticas. Depois da informação, o consentimento deve ser coletado, não podendo ser ignorado que é uma liberdade fundamental do indivíduo recusar qualquer intervenção sobre o seu corpo (ROSÁRIO, 2008, p. 168).

Portanto, verifica-se que a falha no dever de informação também pode gerar seus efeitos na responsabilidade civil médica utilizando-se da teoria da perda de uma chance, a qual, no viés aqui abordado, pode ser traduzida como a perda da chance de um paciente ser corretamente informado, pelo profissional da medicina, acerca dos procedimentos adotados e os riscos a ele inerentes, além dos efeitos colaterais e adversos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No cenário atual do instituto da responsabilidade civil, propício para o surgimento de novos danos indenizáveis, a teoria da perda de uma chance conquistou o seu espaço, permitindo a responsabilização civil do agente que frustrar a chance de alguém de obter determinada vantagem ou evitar certo prejuízo.

Nascida em terreno europeu, a teoria pode ser aplicada em inúmeras situações distintas, desde que presentes os seus pressupostos perante a real chance perdida e probabilidades em relação à vantagem esperada ou o prejuízo a ser evitado.

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Ao adentrar o campo referente à responsabilidade civil médica, observa-se grande divergência na doutrina nacional e estrangeira no que se refere à aplicabilidade da chamada perda de uma chance de cura ou sobrevivência. Isso porque, existe uma grande dificuldade de se verificar, no caso concreto, se o erro médico, a conduta negligente ou o diagnóstico tardio foram, de fato, os responsáveis pela perda da chance do paciente de ter se curado ou sobrevivido àquela enfermidade.

Em verdade, nessa espécie de perda de uma chance, a possibilidade de cura já se encontra no passado, e não mais em uma projeção de futuro, que acabou por não ocorrer em virtude de comportamento de terceiro que interrompeu o processo aleatório, dificultando a verificação do efetivo nexo de causalidade. Não há como se ter uma certeza absoluta, de que determinada conduta do profissional teria evitado a piora ou até a morte do paciente, salvo nos casos de nexo causal evidente, nos quais o médico será então responsabilizado pelo dano direto, e não mais pela perda da chance de curar o paciente, por meio de um diagnóstico mais célere, por exemplo, que representaria um nexo de causalidade mitigado.

A maior parte da doutrina francesa rechaçou tal aplicação da teoria da perda de uma chance, justamente em virtude da dificuldade de se estabelecer o nexo de causalidade no caso concreto, entretanto, verifica-se que tal entendimento tem sido relativizado por entendimentos jurisprudenciais da própria Corte francesa, na qual é possível encontrar precedentes tratando da matéria.

No tocante à frustração da chance pela falha no dever de informação, observa-se que o médico também pode ser responsabilizado, tendo em vista o papel indispensável da informação adequada no que diz respeito à atividade médica (seja ela diagnóstica, preventiva ou terapêutica), sem a qual o profissional não deve se utilizar de tratamentos ou meios de diagnóstico sem informar devidamente o paciente dos riscos daquele procedimento e sem apresentar outras alternativas. No entanto, a doutrina também encontra certos óbices à aplicação da teoria em casos como esse: o paciente, acaso tivesse sido mais bem informado, teria tomado decisão diversa acerca do futuro de seu tratamento?

Portanto, é cediço que o tema comporta inúmeras controvérsias e demanda reflexões principalmente pela ausência de regulamentação no direito positivo, o que abre margem para discussão de quais seriam, de fato, os limites de aplicabilidade do instituto da perda de uma chance na seara da responsabilidade civil, mais precisamente na seara médica, onde a verificação do nexo de causalidade se mostra um tanto mais dificultoso.

Dessa forma, é um assunto que merece toda atenção dos juristas e um estudo um tanto quanto aprofundado, dada a sua complexidade e importância no âmbito do direito civil.

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REFERÊNCIAS

AMARAL, Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do. Responsabilidade civil pela perda da chance: natureza jurídica e quantificação do dano. Curitiba: Juruá, 2015.

CARNAÚBA, Daniel Amaral. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: a álea e a técnica. vol. 13. São Paulo: Método, 2013.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. FARIAS, Cristiano Chaves de; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito civil – volume único. 3. ed. Salvador: Ed. Juspodvm, 2018.

MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade civil por erro médico: doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

ROSÁRIO, Grácia Cristina Moreira do. A perda da chance de cura na responsabilidade médica. Revista da EMERJ, v. 11, nº 43, 2008.

SÃO PAULO, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 8ª Câmara de Direito Civil. Apelação cível n. 0008253-82.2011.8.26.0004. Juiz relator: Alexandre Coelho. Julgado em 25.11.2015. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do>. Acesso em 01 dez. 2017.

SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

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