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ANÁLISE MICROGENÉTICA DE PROCESSOS COGNITIVOS EM CONTEXTOS MÚLTIPLOS DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

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ANÁLISE MICROGENÉTICA DE PROCESSOS COGNITIVOS EM CONTEXTOS MÚLTIPLOS DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Maria Teresa Eglér Mantoan

Faculdade de Educação / Universidade Estadual de Campinas Núcleo de Informática Aplicada à Educação / Universidade Estadual de

Campinas - NIED

Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Reabilitação de Pessoas Deficientes - LEPED/FE

Maria Cecília Martins

Núcleo de Informática Aplicada à Educação / Universidade Estadual de Campinas - NIED

Rosa Giaretta Sguerra Miskulin

Núcleo de Informática Aplicada à Educação / Universidade Estadual de Campinas- NIED

RESUMO

Na constituição do conhecimento, as dimensões funcional (saber fazer) e estrutural (compreender) se complementam. A fusão dessas duas dimensões permite uma análise mais abrangente do processo e do produto intelectual de sujeitos em situação de resolução de problemas.

Estudos realizados por Mantoan (1995), Miskulin (1994) e Martins (1994) analisam os microdesenvolvimentos cognitivos de sujeitos realizando atividades envolvendo conceitos de geometria plana e espacial e de composição musical. Excertos destes estudos são apresentados para demonstrar a funcionalidade da inteligência e o encadeamento dos aspectos axiológicos, teológicos e lógicos na transformação do conhecimento em ação e da ação em conhecimento.

Os Sistemas Abertos de Ensino são apontados como contextos educacionais propícios para se analisar microgeneticamente o sujeito cognoscente.

Palavras-chave: microgêneses cognitivas; processos de criação e resolução de

problemas; construção de conhecimentos; ambientes educacionais abertos.

ABSTRACT

Microgenetic Analysis of Cognitive Processes in Multiple Contexts of Problem Solving

In the constitution of knowledge, the functional dimension (to know how to do) and the structural dimension (to understand) complement each other. The combination of these two dimensions allows for a more encompassing analysis of the intellectual product and process of subjects in a problem solving situation.

Studies conducted by Mantoan (1995), Miskulin (1994) and Martins (1994) analyze the cognitive microdevelopments of subjects carrying out activities involving concepts of plane and spatial geometry and music composing. Excerpts from these

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studies are presented to demonstrate the functional aspects of the intelligence and the interrelation of the axiological, theological and logical aspects of knowledge into action and of the action into knowledge.

The Open Teaching Systems are indicated as educational contexts appropriate to analyze the cognoscent subject microgenetically.

Key words: cognitive microgenesis; processes of creation and problem solving

processes; the building of knowledge; open educational environments

INTRODUÇÃO

Mantoan, Prado e Barrella (1992) desenvolveram no NIED - Núcleo de Informática Aplicada à Educação - UNICAMP um estudo preliminar de análise microgenética do funcionamento mental, enfocando a atividade de programação em linguagem computacional LOGO. Posteriormente, três outros trabalhos foram realizados, envolvendo problemas de geometria plana e espacial em LOGO (Miskulin, 1994), aspectos microgenéticos das organizações cognitivas em sistemas abertos de ensino (Mantoan, 1995), e dinâmica das condutas intelectuais no processo de composição musical (Martins, 1994). Estes estudos investigaram o modo de agir de sujeitos diante de tarefas práticas, com conteúdos diversos, utilizando ou não computadores na resolução das mesmas.

Os trabalhos construtivistas sobre condutas cognitivas de resolução de problemas usualmente detêm-se na observação, descrição e explicação do que ocorre em tais situações, do ponto de vista estrutural. Preocupam-se com os níveis de desenvolvimento mental dos sujeitos e com os processos de equilíbrio geral da inteligência, ou seja, com as regulações, as compensações, os tipos de abstrações; enfim, com os mecanismos da evolução da compreensão. Nos três estudos que compõem este artigo, privilegiou-se o aspecto funcional do comportamento intelectual, isto é, o que é próprio dos processos de equilíbrio local da inteligência, demonstrando “como” o sujeito procede, aplicando o que já sabe, “para” resolver tarefas práticas.

A atividade de programar em LOGO, assim como todas as outras que envolvem processos criativos de resolução de problemas, fazem transparecer a singularidade das condutas intelectuais dos sujeitos nela implicados, provocando adaptações individualizadas. Por essas razões, tais atividades constituem um lugar privilegiado para se observar e descrever as reações de sujeitos formulando e solucionando problemas imprevistos, que demandam atualização de raciocínios e estratégias, aplicação de meios conhecidos e criação de novos recursos para se alcançar os fins desejados.

O sujeito que se dedica a tarefas de resolução de problemas transforma uma ação em conhecimento, ao compreender o procedimento aplicado. Por outro lado, a resolução de problemas propicia a transformação do conhecimento em ação, já que, ao buscar uma solução ou uma nova interpretação do real, o sujeito aplica uma estrutura atemporal a uma situação particular.

A fusão das dimensões estrutural e funcional das ações cognitivas, segundo o ponto de vista das autoras destas pesquisas, permite uma análise mais abrangente do processo e do produto intelectual de sujeitos em situações de resolução de problemas, que merece ser conhecida e discutida pelos que se dedicam à educação e se interessam por suas questões.

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O artigo a ser apresentado foi planejado de modo a situar inicialmente o leitor quanto aos pressupostos teóricos que orientaram os estudos realizados e prossegue com uma síntese de cada um dos trabalhos.

REFERENCIAL TEÓRICO

Uma fecunda cooperação entre a Cibernética e a Psicologia iniciou-se com os últimos trabalhos de Piaget e os estudos desenvolvidos por Minsky, Papert, Cellérier, Inhelder e outros, constituindo uma nova linha de investigação denominada CONSTRUTIVISMO PSICOLÓGICO. Trata-se de uma abordagem que visa esclarecer o que é próprio da inteligência em ação diante de uma perturbação, um obstáculo particular, um conteúdo qualquer. O Construtivismo Psicológico coloca pois em destaque as condutas cognitivas individualizadas e o equilíbrio local, e assim recupera toda a subjetividade do sujeito, ao descobrir meios para atingir fins.

Dedicada até então a demonstrar o desenvolvimento das estruturas do conhecimento, a Psicologia Genética incluiu em seus domínios o que restava ser explorado no que diz respeito aos avanços individuais do sujeito quando confrontado com problemas particulares, ao conhecimento empírico, pragmático. Dedicando-se à análise funcional das características idiossincráticas das condutas, a Psicologia Genética volta-se agora para a variedade dos esquemas cognitivos mais heurísticos que acompanham e constituem a dinâmica do comportamento cognitivo individual em seus objetivos, escolha de meios e controles próprios do sujeito, sem perder de vista, neste novo cenário, o sujeito cognoscente global (epistêmico e psicológico), construtor ativo do conhecimento.

Segundo Piaget, as estruturas do conhecimento são, ao mesmo tempo, abertura para novos possíveis e fechamento das construções cognitivas na direção da necessidade lógica; os procedimentos, por outro lado, podem ser definidos como seqüências finalizadas de ações realizadas pelo sujeito.

Entre estrutura e procedimento, há diferenças que se impõem. Os procedimentos são condutas temporalizadas, visando objetivos particulares e variáveis; as estruturas são subjacentes ao pensamento e frutos de uma finalidade que é a construção geral do conhecimento. Outra diferença entre estrutura e procedimento tem a ver com condutas que visam a um fim externo, em que o objetivo é o resultado a que se almeja chegar. A estrutura, no entanto, refere-se aos fins internos de uma ação, em que o objetivo é a compreensão em si mesma. Há também que se considerar as diferenças existentes nas formas de organização das estruturas e dos procedimentos. No caso das estruturas, observa-se uma integração hierárquica; nos procedimentos, verifica-se uma diversidade de encadeamentos, que não exclui, no entanto, as subordinações. Essas formas diferentes de organização ocorrem porque as estruturas asseguram a coerência interna do pensamento, e os procedimentos permitem a criatividade, resultante da descoberta de novas heurísticas. Segundo afirma Cellérier (1992), “o procedural é o purgatório dos

esquemas”, ou seja, a depuração do procedimento conduz à estruturação de um

conhecimento. Tanto a estrutura quanto o procedimento não são diretamente observáveis; a estrutura se manifesta naquilo que o sujeito sabe fazer, enquanto o procedimento refere-se a esse saber fazer e pode ser inferido dos índices fornecidos pelas ações do sujeito, quando este busca atingir um objetivo qualquer.

A teoria piagetiana explica o desenvolvimento intelectual pela passagem da ação à conceituação, isto é, do “saber fazer” ao compreender. Essa passagem constitui um processo cíclico, em que há alternância entre estratégias

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(procedimentos) e interpretações do real (estruturas), em todos os níveis de desenvolvimento. A eficácia dos comportamentos de resolução de problemas aumenta naturalmente de um nível ao outro, graças à riqueza das estruturas organizadas.

Na dimensão estrutural procura-se compreender “porque se faz” alguma coisa, ou seja, busca-se a compreensão conceitual. Na dimensão procedural, tenta-se chegar à compreensão de “como” se faz algo. Podemos distinguir dois aspectos no processo de resolução de problemas: o teleonômico e o causal. Newell e Simon (1972), assim como Papert (1967), Cellérier (1976) e Blanchet (1992), relacionaram a análise teleonômica à análise causal.

A teleonomia está presente na planificação de seqüências que se organizam temporalmente em função de um objetivo; trata-se de uma “finalidade sem finalismo”, pois não é o objetivo como tal que determina a conduta cognitiva, mas a representação desse objetivo pelo sujeito. O aspecto teleonômico do aspecto causal se refere às transformações que introduzimos no real para obter um resultado e para compreender o mecanismo das transformações. Mas assim como a representação do objetivo antecede e determina a escolha de meios, a causa precede e determina o efeito produzido.

O aspecto teleonômico das condutas cognitivas implica que o sujeito proceda a avaliações sobre suas ações e o causal, sobre os objetos, para alcançar o objetivo.

Pesquisas atuais em Psicologia Genética dedicam-se a estudar igualmente os aspectos axiológicos das ações adaptativas, ou melhor, a atribuição de valores pelo sujeito a uma dada situação-problema. Em uma palavra, no domínio prático, se existe aplicação de conhecimentos, a aplicação de significações é acompanhada de uma atribuição de valores.

Existem ainda os controles que asseguram a coerência das ações (noções de conservação, inclusão de classes) e os controles com confrontações e acomodação à realidade externa. Os primeiros referem-se à direção imprimida às planificações, são guiados por antecipações ou hipóteses e se denominam controles descendentes (top-down); os segundos −controles ascendentes (bottom-up)- são guiados por observações feitas sobre os objetos (Inhelder et alii, 1992). Constata-se uma alternância entre esses controles, que ora estão ligados aos objetos (causalidade), ora aos meios (teleonomia).

O estudo da dimensão funcional do conhecimento provocou a necessidade de distinguir procedimentos e esquemas de ação. Piaget (1976) já havia proposto esta diferenciação, definindo três tipos de esquemas: procedurais, presentativos e representativos.

Os esquemas procedurais são seqüências de ações que servem de meios para se alcançar um fim; são, portanto, difíceis de ser abstraídos de seus contextos e sua conservação é limitada, uma vez que um meio para atingir um fim não tem mais utilização quando o sujeito recorre ao meio seguinte. Os esquemas presentativos dizem respeito aos caracteres permanentes e semelhantes de objetos comparáveis; podem ser facilmente generalizáveis e abstraídos de seus contextos e se conservam mesmo que integrados em outros conceitos mais amplos, como cor, forma, espessura. Os esquemas representativos são opero-semióticos; eles aplicam operações a símbolos ou significantes mais do que a objetos e têm uma função inferencial, comportando aplicações práticas (antecipar, planificar, reconstituir) e teóricas (deduzir, explicar, remodelar).

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É o exercício dos esquemas, ou seja, o fato de serem freqüentemente postos em ação, que fazem deles um instrumento facilmente disponível ao conhecimento, quando o sujeito utiliza conhecimentos anteriores para resolver uma situação nova.

Cellérier (1992) descreveu os “esquemas familiares” como aqueles pelos quais o sujeito opera transformações nos objetos, do ponto de vista mental ou material. Por esses esquemas também percebemos, de imediato, os estados em que esses objetos se encontram, reconhecendo-os sem reconstituições, intermediários, inferências ou planificações. Os esquemas familiares são unidades epistêmicas que atribuem significação a uma situação e, ao mesmo tempo, servem de ferramenta heurística responsável pela direção e controle do procedimento. Em uma palavra, assim como o exercício dos reflexos engendra os esquemas de ação, a aplicação dos esquemas familiares a um objeto ou situação engendra o procedimento.

Quando os objetos resistem aos esquemas do sujeito, ou seja, quando as propriedades dos objetos se confrontam com um “esquema familiar”, eles provocam uma exploração física e mesmo a busca de um princípio físico pelo sujeito. Parece, pois, que os “esquemas familiares” estão funcionalmente ligados aos objetos ou configuração de objetos que eles organizam. Essa ligação funcional indissociável do esquema ao objeto é uma característica dos momentos iniciais da resolução de problemas. Mas seriam os esquemas suficientes para interpretar as situações envolvendo a resolução de problemas?

Os sistemas de esquemas se apoiam sobre as representações a partir do aparecimento da função semiótica. Essa função diz respeito à capacidade do indivíduo utilizar um significante diferenciado para expressar um significado qualquer. Para planejar suas ações, o sujeito faz representações antecipadas. Assim, as representações podem atuar tanto sobre os caminhos a seguir, como sobre os resultados aos quais esses caminhos conduzem. A representação possui uma função instrumental e um caráter de semioticidade, ambos complementares e indissociáveis. A semioticidade é abordada por diferentes modos de representação: gestos, imagem, linguagem, entre outros. A instrumentalidade da representação garante ao sujeito a possibilidade de refletir sobre os objetivos e meios com os quais atua.

Na resolução de problemas, identifica-se uma mobilidade crescente de representações. Tal qualidade parece estar assegurada por um funcionamento intermodal, isto é, por uma tradução das representações de uma modalidade para outra. É o que se observa quando o sujeito inventa procedimentos utilizando o gesto, a descrição verbal ou o desenho. A intermodalidade proporciona-lhe as modificações necessárias para organizar suas idéias iniciais, vencer disparates e contradições frente às representações escolhidas, e transforma as representações em “objetos que ajudam a pensar”, sobre os quais é possível operar. Um dado conhecimento, quando expresso por diferentes sistemas de representação, torna-se cada vez mais compreensível ao sujeito. Progressos e regressões temporárias podem ser observados nessa construção, durante a constituição desse sistema de representações.

OS ESTUDOS REALIZADOS

A dimensão microgenética das adaptações cognitivas tem sido explorada por inúmeros estudos, nos quais é possível constatar o papel da funcionalidade da inteligência ao engendrar soluções (Blanchet, 1992; Achermann, 1992; Saada-Robert, 1992).

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Os estudos que selecionamos para este artigo incluem-se entre esses trabalhos e demonstram como a atividade mental se evidencia, tanto em processos resolutivos mais elementares, como nos que implicam um esforço intelectivo mais intenso e uma elaboração mais complexa das organizações cognitivas para enfrentar as situações-problema.

Assim é que apresentaremos inicialmente os estudos de Mantoan (1995), Miskulin (1994) e Martins (1994), que oferecem ao leitor condições de perceber o alcance do referencial teórico microgenético para a análise de situações-problema de menor e maior complexidade.

A Dinâmica De Programar Em Sistemas Abertos De Ensino

O estudo de Mantoan (1995) refere-se ao uso da linguagem computacional Logo, projetada segundo pressupostos psicológicos e epistemológicos construtivistas, como uma ferramenta didático-pedagógica que possibilita esclarecer e estimular processos pelos quais estruturamos o conhecimento (macrogêneses cognitivas) e aplicamos o que já sabemos para resolver problemas (microgêneses cognitivas).

Por ter sido concebida a partir dessa teoria do conhecimento, a arquitetura computacional de LOGO adequa-se e vincula-se aos propósitos dos sistemas abertos de ensino, pois coloca em evidência o objeto de conhecimento e as atividades do sujeito cognoscente, considerando-os partes do processo interativo que promove a reestruturação contínua e progressiva do pensamento.

O Construtivismo, como fundamento dos sistemas abertos, confronta o uso do computador para fins educacionais com problemas teóricos que transitam entre concepções que subordinam o usuário da máquina a programas prontos, acabados, e os que estimulam a capacidade de programar e de executar autonomamente projetos de trabalho, desenvolvendo-os a partir de necessidades, interesses e possibilidades de cada pessoa.

Os sistemas abertos de ensino, por sua vez, propõem a participação ativa de quem aprende e de quem ensina como condição essencial à construção do conhecimento normativo e à elaboração de conhecimentos empíricos, individualizados.

Não convém aos sistemas abertos manter um equilíbrio homogêneo do comportamento intelectivo, uma vez que a dinâmica que os mantém é caracterizada por uma reorganização constante e permanente dos programas educativos, visando adaptá-los à diversidade dos conteúdos de aprendizagem e às possibilidades de sua assimilação pelo aprendiz. De fato, nos sistemas abertos, o desenvolvimento do sujeito cognoscente é considerado como o centro das atenções dos programas de ensino e as avaliações de seus efeitos recaem sobre a construção ativa do conhecimento e a aplicação do saber a um leque cada vez mais amplo e variado de situações de resolução de problemas. Diante da reorganização permanente do conhecimento, o papel do mediador da aprendizagem nos sistemas abertos reveste-se de grande significação e importância: ele deixa de ser aquele que transmite a verdade ou oferece a situação apropriada à sua revelação para ser aquele que cria “settings” educativos e propicia condições para que o ambiente educacional constitua verdadeiras oficinas do conhecimento.

A forma pela qual os programas de sistema aberto tratam os processos de ensino e aprendizagem condiz com os princípios filosóficos e científicos do Construtivismo, uma vez que propõem situações que contribuem para a evolução do conhecimento e oferecem condições que estimulam e sistematizam o pensamento do

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aprendiz. Os objetivos educacionais e as práticas educativas dos programas de sistema aberto implicam uma revisão das propostas educativas usuais para adequá-las a uma educação que se redimensiona e ajustá-las à modernização do instrumental de ensino.

Partindo de excertos do experimento de Mantoan, Prado e Barrella (1992), este estudo propõe demonstrar a convergência entre os sistemas de ensino abertos e a análise microgenética das reações intelectuais de H., um sujeito de 10 anos de idade, cursando a 4ª série do primeiro grau, ao desenhar um robô por meio da linguagem computacional Logo (Figura 1).

Em um primeiro momento, foram privilegiadas as reações do referido sujeito ao aplicar um conhecimento a uma dada situação, e a reconstrução deste em função de um novo contexto.

Inserir Figuras 1 e 2

De fato, na sessão em que programou o traçado dos braços do robô, H. retomou o que já aprendera sobre as medidas do ângulo de 90º e de seus múltiplos em LOGO (Figura 2) e então conseguiu controlar os graus complementares do ângulo reto: 90, 180, 270 graus, inclinando as linhas conforme desejava.

Em um outro momento da programação de H., percebe-se que os procedimentos se originam da planificação das ações, mas essas ações, no decurso do processo adaptativo, dependem do que o sujeito é capaz de destacar dos observáveis do objeto sobre o qual atua. Como sabemos, o movimento top-down evidencia-se no processo de planificação da ação, e o bottom-up, quando o sujeito tenta detectar os limites da realidade e as possibilidades do objeto para alcançar um fim desejado (Inhelder et alii,1992).

Durante a resolução de um problema, as ações adaptativas oscilam entre esses dois movimentos, um podendo prevalecer em relação ao outro. A coordenação entre ambos, contudo, confere à situação a adaptação desejada.

H. precisava traçar uma linha reta horizontal na tela, para continuar o seu projeto. Ele tinha uma “teoria” implícita para abordar este novo problema. Para comprovar sua “teoria”, teclou o comando PF 50, avaliou a pertinência do comando efetuado aos seus objetivos e percebeu que não dera certo, porque a linha não tinha ficado reta, mas quebrada.

Para corrigir o traçado da linha, usou comandos de giro aleatórios, tentando compensar o ângulo, sem, contudo, obter sucesso. A verificação do procedimento e sua correção estão relacionados com os observáveis do objeto (movimento bottom-up).

O sujeito pesquisado resolveu então mudar de estratégia, apagando inesperadamente toda a tela e fazendo o computador de calculadora. Digitou 6 x 15 e obteve 90. Voltou em seguida à tela, digitou o comando PE 90 e testou a linha novamente, em busca da confirmação de sua nova hipótese. Retornou à direção top-down da composição procedural, continuando o seu trabalho.

Neste experimento, podemos também observar o uso de representações intermediárias, ou seja, de diagramas, desenhos e outras atividades extra-computador que funcionam, conforme Inhelder e Caprona (1992), como “objetos que ajudam a pensar” e que apóiam o sujeito na depuração dos procedimentos.

A Figura 3 ilustra uma representação que H. fez da queda de um lápis para a esquerda e os cálculos executados para solucionar o problema de desenhar o corpo do robô, que implicava em orientar a tartaruga para riscar um ângulo reto.

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A representação da queda do lápis exige ajustes para que se compreenda o traçado de um ângulo reto em LOGO, porque o ângulo inicial nesta linguagem é de 0 graus, obrigatoriamente, e não de 90 graus, como pensara o sujeito.

A mobilidade das representações pode ser observada neste outro momento da programação. Além de possibilitar um “interplay” entre o conhecer e o fazer, esta mobilidade permite representar uma mesma realidade em diferentes sistemas (no caso, a linguagem LOGO e o desenho de H.) e concorre para o enriquecimento das estruturas do conhecimento, beneficiando-as com novos parâmetros figurativos e diferentes perspectivas de operacionalização da tarefa.

Quais seriam, pois, as implicações das reações de H. aos propósitos deste estudo?

Sabemos que as estruturas asseguram a coerência interna de um pensamento e revelam os níveis de compreensão do sujeito, e que é o procedimento que possibilita a criação, a novidade, as descobertas. Assim sendo, reconhecer os movimentos de planificação de uma seqüência de ações em função de um objetivo a ser alcançado (aspecto teleonômico das condutas adaptativas), e os que implicam no conhecimento dos limites da realidade (aspecto causal) visando concretizar a planificação referida, expande o campo de atuação do mediador da aprendizagem ao promover a construção do conhecimento e reporta aos princípios pedagógicos dos sistemas abertos de ensino. A atuação do mediador, em consequência, se enriquece, pois a dimensão microgenética de análise aumenta a precisão dos desafios que ele propõe ao aprendiz para que avance em suas hipóteses e modifique seus procedimentos até chegar ao que pretende.

Como ocorrem alternadamente centrações do sujeito nos aspectos funcionais e estruturais da cognição, ao interpretar as condutas dos aprendizes em termos de composição de relações meios-fins (intenções) e causa-efeito, o mediador da aprendizagem consegue acompanhar e compreender os processos de conhecimento em suas peculiaridades; ele pode perceber como o aprendiz se comporta, não apenas de uma perspectiva estrutural, mas também do ponto de vista dos esquemas procedurais envolvidos.

Assim sendo, a convergência entre LOGO, Construtivismo e sistemas abertos de ensino aponta para uma possível e desejável recombinação de propósitos e ações dos que se dedicam a projetos educacionais inovadores e dos que investigam os caminhos da descoberta e da criação do saber.

Dinâmica da Construção de Conceitos Geométricos em LOGO Tridimensional

Este estudo aborda o processo de resolução de problemas geométricos em ambientes informatizados e traça uma relação dialética entre os componentes funcionais da inteligência de um dado sujeito e a descrição microgenética de processos de resolução de problemas.

A diferença entre este estudo e o anteriormente descrito está na complexidade da situação e no uso do LOGO Tridimensional - uma extensão do LOGO Geométrico, na qual os movimentos da tartaruga não estão mais limitados ao plano. Eles percorrem uma dimensão a mais, a profundidade, possibilitando escapar do plano por inclinação, por exemplo, e dessa forma, descrever objetos no espaço.

Serão apresentadas, a seguir, partes relevantes do estudo de caso realizado por Miskulin (1994), que descreveu os procedimentos do sujeito pesquisado em uma escala temporal, destacando sua interação com o objeto e analisando em detalhes as condutas cognitivas, ou seja, os encadeamentos, os cortes de ações, a atribuição de

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significação às tarefas, as escolhas dos instrumentos de conhecimento postos em ação e o controle e pertinência das ações aos fins a que se propõe o sujeito.

Apresentou-se ao sujeito um problema - a construção de uma casa - em que este deveria coordenar a integração de mais de um sólido no LOGO tridimensional, representando esta integração na tela do computador. A análise que segue está baseada na elaboração do programa computacional casatri e no resultado deste programa, como pode-se observar nas Figuras 4 e 5.

Inserir Figura 4

Inicialmente, observamos que a partir da descrição dos procedimentos do sujeito e dos valores atribuídos às variáveis de entrada do programa casatri, o ponto de observação, do qual a casa representada na Figura 4 é vista, está situado do lado esquerdo do leitor, acima do eixo x da tela. O estabelecimento do ponto de observação decorre da combinação de comandos como virar, rolar e cabecear, utilizados no início do programa casatri, para posicionar a tartaruga. Esses comandos exercem função de posicionamento, que é distinta da desempenhada por outros comandos que ordenam a tartaruga a fazer deslocamentos e giros, próprios do LOGO Bidimensional. Neste sistema, a coordenação processa-se através de dois eixos, representados no sistema cartesiano (horizontal e vertical), enquanto no LOGO Tridimensional acresce-se mais um eixo, o perpendicular à tela do monitor. Assim sendo, o desenho de um sólido ou a integração de mais de um sólido, sem o recurso tecnológico da holografia, implica em um tipo de raciocínio mais complexo para o usuário, que terá que considerar, além das dimensões altura e largura, a noção de profundidade.

Inserir Figura 5

Através do sub-procedimento retn (Figura 5), o sujeito construiu um retângulo, que foi usado na representação do corpo e do telhado da casa. Na construção desse retângulo, a tartaruga, no centro da tela e voltada para cima, rolou sobre seu lado direito (rolar 40) e, cabeceando para fora da tela (cabecear - 20), partiu do vértice inferior esquerdo e traçou o retângulo. Este se transformou em um paralelogramo pela ação combinada dos comandos rolar e cabecear, como se vê na figura 5. O sujeito conseguiu construir o retângulo percorrendo-o no sentido horário e retornando ao ponto e à posição de partida (canto inferior esquerdo, centro da tela e para cima - c.i.e.). Por meio dos comandos virar: x, rolar: y e cabecear: z do programa casatri, a tartaruga posicionou-se no centro da tela para iniciar suas ações e, seguindo os procedimentos contidos no sub-procedimento corpo, construiu a representação do corpo da casa. Para tanto, utilizou o sub-procedimento retn, construiu a lateral da casa num plano fora da tela e, com o mesmo sub-procedimento, seguiu construindo o corpo da casa, na seqüência indicada na figura 6.

Inserir Figura 6

A casa tem a forma de um prisma quadrangular deitado, cuja altura é o dobro da aresta da base. Ressalta-se nesse momento a interrelação da Geometria da Tartaruga com a Geometria Plana, através de conceitos como polígonos retangulares, ângulos, paralelismo e perpendicularismo, entre outros.

Uma conclusão que pode ser extraída da observação da Figura 4 é que, como o sujeito não virou a casa na tela, os segmentos que representam as interseções de

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uma das paredes laterais com o piso e com o forro deveriam ser paralelos. Como os segmentos superiores não eram contínuos, percebe-se o efeito da projeção cônica, inerente ao sistema LOGO Tridimensional, evidenciando nesse momento as interrelações entre as Geometrias da Tartaruga e Projetiva. De fato, pelas potencialidades do LOGO Tridimensional, o usuário pode também trabalhar com conceitos como projeção, retas paralelas, perpendiculares, polígonos, poliedros e propriedades das figuras planas, sem a demasiada axiomatização das fórmulas, os algoritmos prontos e as abstrações da Matemática e da Geometria, trabalhadas de forma tradicional. A descrição geométrica do objeto é inerente ao LOGO Tridimensional, no sentido de que ela não faz referência a nenhum elemento que lhe é externo. Esse fato não é evidenciado no ensino tradicional da Geometria, no qual a descrição geométrica é externa às figuras: o indivíduo, realizando a tarefa de representar um sólido qualquer, lança mão de fórmulas e algoritmos, leis e teoremas, pertencentes à Geometria, para conseguir o seu intuito.

A utilização do LOGO Tridimensional permite integrar as figuras projetadas pelo sujeito no mundo real. Essa integração se dá pela descrição espacial dos objetos e de sua visualização no plano. Outra conclusão vem da observação da forma da Figura 6 e da análise dos procedimentos usados na elaboração do programa corpo. Após a construção da primeira lateral, o sujeito cabeceou para fora da tela (cabecear - 90) antes de proceder à construção do segundo retângulo que corresponde ao forro, repetindo este procedimento na construção da segunda lateral e do piso. Programada dessa maneira, a tartaruga percorreu, por dentro, o corpo da casa. Parece-nos correta essa estratégia, considerando que a casa não é um sólido manipulável e que seria impossível percorrê-la totalmente, por fora. De fato, o plano inferior da casa está sobre o solo e acima do plano superior está o telhado. Percebe-se, nesse momento, o conceito de sintonicidade corporal, que é vivenciado pelo usuário quando utiliza o sistema computacional LOGO. Partindo do canto superior esquerdo da casa - c.s.e.

cabeceou - 30 e, utilizando o sub-procedimento retn, construiu a sua parte posterior.

Em seguida, construiu a água anterior do telhado e a parte plana sob o telhado, ou seja, o seu forro.

Inserir Figura 7

Da análise dos procedimentos utilizados na elaboração do sub-procedimento

telhado, concluimos que, durante a representação do telhado (Figura 7), a tartaruga

percorreu por dentro (cabecear - 120). Porém, haveria o mesmo efeito na tela se a tartaruga o tivesse percorrido por fora. Portanto, do ponto de vista dos procedimentos utilizados, nada impede a tartaruga de percorrê-lo por fora, mas depois de integrar o telhado com o corpo da casa, obtendo uma construção única que representa a casa. Com o corpo e o telhado integrados, se nos imaginarmos reproduzindo os movimentos da tartaruga (sintonicidade corporal), concluimos que a estratégia da tartaruga percorrendo-o por dentro está correta.

A situação-problema apresentada propicia uma oportunidade rica para a exploração de conceitos da Geometria Espacial. Fatos como os apresentados acima elucidam as potencialidades do LOGO Tridimensional no que se refere às visualizações e interpretações das imagens produzidas pelo usuário. Todas as partes da casa foram percorridas e descritas pela tartaruga, através do micromundo tridimensional, considerando-se a concretude do problema a ser representado (casa), a conicidade inerente ao sistema computacional e a sintonicidade corporal. Além disso, o sujeito integrou o corpo e o telhado em uma só representação, atingindo seu

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objetivo principal, que consistia em integrar mais de um sólido e representar esta integração na tela do computador, através do micromundo tridimensional.

Na visão microgenética, a análise dos procedimentos do sujeito ao procurar compor os dois sólidos (prisma quadrangular − corpo da casa e prisma triangular − telhado da casa) e integrar o todo representado pela casa com a construção da frente e do fundo implica um processo de generalização construtiva que se caracteriza por uma reconstrução de conhecimentos anteriores, advindos de outras situações-problema no contexto do LOGO Tridimensional, com vistas a atingir um objetivo pré-determinado pelo sujeito. Essa reconstrução constitui-se de uma planificação dos procedimentos, em que grande parte dos elementos que compõem a heurística procedural são meras adaptações de contextos vivenciados anteriormente no LOGO Bidimensional. Contudo, o problema da construção da casa exigiu dele movimentos intencionais, que constituem os aspectos teleonômicos da resolução.

As particularidades do objeto a ser construído (causalidade) também foram evidenciadas. O problema levou o sujeito a fazer reavaliações e controles constantes; reajustes complexos, pois a situação exigia a representação imagética e a sintonicidade corporal para a combinação de dois sólidos no espaço. De fato, coordenar os deslocamentos da tartaruga para traçar as figuras geométricas com o LOGO Bidimensional e coordenar os mesmos deslocamentos no espaço implica operações qualitativamente diferentes e menos complexas do que no LOGO Tridimendional, como já referimos. Coordenar simultaneamente três dimensões e os comandos responsáveis pela representação tridimensional dos objetos em uma tela bidimensional implica vislumbrar a solução do problema, considerando uma tela que existe concretamente com os demais planos imaginários onde ocorrem as ações da tartaruga, o que só é possível quando o sujeito é capaz de operar sobre o real e o virtual concomitantemente. A coordenação torna-se ainda mais complexa quando o sujeito, ao desenhar a casa no LOGO Tridimensional, necessita trabalhar ao mesmo tempo com as especificidades da construção de um sólido na tela, como resultado da coordenação de outros sólidos, e com as diferentes possibilidades de representá-lo em diferentes posições na tela. Trata-se pois de lidar com os limites de transformação dos objetos, ou seja, com a causalidade objetiva.

A análise microgenética permite perceber não apenas as formas de raciocínio necessárias à resolução de um dado problema, mas também que a criação de heurísticas está subordinada aos controles e conhecimentos anteriores do sujeito (representação de figuras planas, representação dos diversos sólidos) e aos fins e objetivos (representação da casa). O processo de generalização, portanto, não é simplesmente um processo de repetição de procedimentos anteriores para servir a novos contextos. Trata-se de uma verdadeira reformulação de heurísticas, planificações e combinações anteriores e atuais, constituindo sempre uma reconstrução, uma nova elaboração do problema.

Fatos como os acima delineados evidenciam a potencialidade e as idéias poderosas dos ambientes computadorizados, mais especificamente do contexto LOGO, pois este está sempre sugerindo ao sujeito aquisição de novos conhecimentos e proporcionando condições de reelaboração de suas estratégias e de criação de heurísticas e possibilitando a construção de novas idéias. A linguagem LOGO se distingue como ferramenta educacional pelos seus aspectos interativos, que proporcionam aos usuários a geração de novos problemas e de novas possibilidades de resolução, constituindo dessa maneira um artefato metodológico poderoso para se compreender o processo de raciocínio em situações práticas de resolução de problemas.

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Os educadores matemáticos precisam estar atentos às novas mudanças que se impõem com o avanço da tecnologia, refletindo-se sobre as formas de gerar, disseminar e dominar o conhecimento e, assim sendo, torná-las compatíveis com as teorias e métodos de ensino abertos, para que possamos proporcionar condições e ambientes de aprendizagem condizentes com novas linguagens e ideologias de ensino.

Dinâmica Da Ação Cognitiva Composicional

Neste estudo, a análise microgenética focaliza o dinamismo das condutas cognitivas de um sujeito durante um processo de composição musical (Martins, 1994). Esta análise é demonstrada com vistas a explicitar os encadeamentos das ações desse compositor para alcançar um objetivo específico: um desenvolvimento musical. No processo composicional, o sujeito efetua um trabalho cognitivo complexo. Diante dos vários caminhos à sua escolha, o sujeito tem de tomar as decisões que melhor satisfaçam os objetivos traçados por ele e, ao mesmo tempo, considerar os limites impostos pela realidade na qual ele está atuando. A ação cognitiva do compositor diante dessa atividade transita de sua intenção para a ação e vice-versa. Ao analisarmos o processo composicional, pretendemos demonstrar como o compositor fez evoluir uma idéia musical.

O processo composicional pode ser abordado como um “processo de design que implica em se ter idéias, tentar dar forma a elas e concomitantemente avaliá-las e depurá-las”.

Quando o sujeito se depara com uma tarefa de resolução de um problema específico, ele põe em ação alguns processos cognitivos. De acordo com os significados que atribui ao objeto, e com base em um quadro teórico que ele tem sobre o assunto, supõe um conjunto de transformações possíveis para o mesmo. Além das ações que dizem respeito ao conhecimento do objeto, o sujeito, ao longo do processo de execução de uma tarefa, vai definindo algumas ações e idéias a serem postas em prática em função das transformações dos objetos de que ele dispõe. Ao longo de todo o processo de resolução do problema, ele vai coordenando os aspectos referentes aos objetos e aos objetivos traçados para chegar à solução.

A atividade de compor música pode ser vista como um processo cíclico, no qual o indivíduo implementa algumas idéias musicais, estabelecendo relações entre elas, reflete e depura o material gerado. Todo esse processo permite ao indivíduo integrar a significação das idéias geradoras em um determinado contexto, ou seja, integrar o que é próprio do objeto (causalidade) aos fins que se pretende alcançar (teleonomia).

O relato que segue tem por objetivo explicitar a dinâmica da ação cognitiva de um compositor durante a atividade de design composicional. Neste relato são destacados alguns trechos dessa dinâmica ocorridos ao longo da atividade experimental proposta ao compositor, na qual ele busca criar um desenvolvimento musical partindo de um conjunto de notas anteriormente dado.

O compositor, colocado diante da situação-problema, ao iniciar sua atividade explica: “Tá. Aí eu crio alguma coisa em cima de um exemplo desses...”.

Sendo esta uma atividade intencional, num primeiro momento o compositor busca envolver-se com o problema proposto e traça as suas diretrizes de trabalho: “... vai

trazer sentido prá mim eu pegar esse trecho musical e tentar observar todos os detalhes que ele tem, do que é formado...”.

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O ponto de partida do compositor foi observar as características do tema inicial, tentando buscar possibilidades para o desenvolvimento da composição musical. As falas, a seguir, expressam algumas características e detalhes levantados pelo compositor quanto às notas fornecidas, objeto com o qual ele iria atuar: “Em

cima desse trecho eu já tirei 5 notas que eu posso trabalhar em torno delas; são notas importantes porque foram as apresentadas. A pulsação que eu senti foi compasso quaternário”.

Nesta fase da composição, evidencia-se o movimento bottom-up (Inhelder, 1992) da atividade cognitiva do sujeito. Suas atitudes revelam uma busca para detectar as possibilidades do objeto com o qual ele está atuando; ao interagir com esse objeto, leva em consideração as restrições deste, bem como as regras convencionais às quais ele está atrelado.

Além do compositor se deparar com as delimitações que ele mesmo atribui ao objeto, depara-se também com suas intenções, como veremos a seguir: “Eu sinto

aqui organizando, preparando meu material de trabalho”.

No próximo trecho, o compositor começa a planejar algumas diretrizes para sua ação. Essas diretrizes dizem respeito às possíveis transformações que o compositor atribui ao objeto. Evidencia-se então o movimento top-down da atividade cognitiva do sujeito: “eu posso fazer a inversão desse tema, o retrógado desse tema,

e é o que eu vou fazer...”.

As operações musicais levantadas e implementadas pelo compositor são as transformações possíveis que, no momento, ele vislumbra para o objeto.

Ao longo da atividade composicional, há momentos nos quais o compositor reflete sobre o que fez e traça planos em um nível mais geral. Evidencia-se novamente o movimento top-down, pois ele se detém no que poderia ser feito, sem se ater aos objetos disponíveis: “... não sei se vão ter uso todas estas informações, mas

pelo menos eu vou ter um material grande de trabalho e vou tentar sobrepor uma informação com outra, juntar, misturar...”.

Na seqüência das ações, o sujeito volta a evidenciar o movimento bottom-up, pois o compositor retoma a busca de características do objeto musical dado inicialmente: “O que eu posso buscar mais de informação é que as relações

intervalares do trecho que você me passou compreendme uma 2ª maior, uma 4ª justa e outra 2ª maior. São informações legais, pro tamanho do trecho; só tem duas relações intervalares: 2ª maior e 4ª justa”.

Como pudemos perceber, durante sua tarefa o compositor oscila entre os

movimentos top-down e bottom-up.

O compositor, depois de implementar as transformações que vislumbrou para o tema inicial, toca no piano o tema gerador e as derivações criadas. Na seqüência, faz uma uma reflexão: “Bom, agora, o que fazer com isso?”

Como se verifica na atividade composicional até aqui descrita, o sujeito intenta analisar o objeto (tema musical inicial). Estuda suas características, vislumbra um conjunto de transformações possíveis, ou seja, destaca os aspectos causais que deverá considerar para chegar ao que se propõe. Ao vislumbrar um conjunto de transformações possíveis, o sujeito passa a dispor de elementos necessários para realizar a sua tarefa: compor o trecho musical. Mas dispor de elementos e transformações pertinentes ao objeto não é suficiente para que, de imediato, o sujeito defina objetivos e sub-objetivos e chegue a uma solução. Para tanto, ele precisará definir objetivos acessíveis, em função das transformações disponíveis por ele levantadas.

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O trecho seguinte revela um momento em que o compositor começa a propor objetivos em função das características do objeto e das transformações que conseguiu provocar no mesmo. Nesse momento, então, o compositor começa a estabelecer algumas delimitações para o seu trabalho. Ele traça objetivos mais amplos, considerando os objetos e as regras convencionais às quais eles se subordinam. Sua decisão é fruto de uma coordenação possível entre aspectos causais (dados relativos ao tema) e telenômicos (linha de evolução de idéias). As novas delimitações para o trabalho dão conta de coordenar objetivos mais amplos com sub-objetivos: “O que eu penso nessa composição é tentar jogar essas informações,

principalmente ligadas ao que me ocorreu: inversão, retrógado e tal, mas também tentar manter o aspecto tonal que ela tem. E dentro desse aspecto tonal tentar criar alguma coisa dentro de uma proporção áurea, que é você sair de um ponto X, desenvolver, até criar um clímax e o desfecho”.

Podemos dizer que, no momento a seguir, o compositor efetivamente chega à construção de uma solução para o seu desenvolvimento musical, pois considera os objetivos como possíveis de serem atingidos a partir dos objetos disponíveis. Este trecho revela, pois, uma coordenação entre aspectos causais e teleonômicos:

“a idéia que vou tentar fazer aqui, pra não ser muito extenso - que seria uma das alternativas, de todas as idéias que me ocorrem - é ir estreitando essa intersecção até fazer uma totalmente sobreposta à outra e depois inverter a coisa

(faz gesto com as mãos, demonstrando a idéia a ser desenvolvida de justapor gradualmente os tempos das duas vozes) ... “Foi essa idéia que me pintou agora e

que daria uma certa coesão para a peça. Vamos ver como vai rolar”.

Nessa coordenação dos aspectos teleonômicos e causais, os objetivos que delimitam linhas mais abrangentes de ação (misturar as informações disponíveis, fazendo com que o desenvolvimento tenha um início, atinja um clímax e tenha um desfecho) são atrelados a sub-objetivos que visam especificar como essas diretrizes poderiam ser efetivadas (fazer sobreposição gradativa dos tempos das duas vozes e posteriormente fazer o movimento inverso), levando em consideração os objetos necessários para realizá-los.

Finalmente o compositor, ao finalizar seu trabalho, passou a representá-lo:

“Agora uma coisa que eu quero fazer é ter uma noção panorâmica do que eu fiz agora, pra eu poder dar uma continuidade depois”... “Eu vou chamar seu tema de T, inversão de I, retrógado de R, retrógado da inversão de RI... Vamos ver o que eu

usei em todos os compassos”. Ele fez uma representação gráfica, registrando,

segundo um eixo temporal, as seqüências musicais utilizadas nas duas vozes. Representou-as por traços e siglas, numerou os compassos e demarcou a sobreposição dos tempos entre as duas vozes. Nesta situação específica, podemos observar o que Blanchet (1992) refere como tarefa de representação, ou seja, uma das partes do desenvolvimento da experiência de resolução de um problema, em que o sujeito expressa a solução.

Os dados obtidos no experimento acima analisado mostram que a ação do indivíduo que compõe é bastante sofisticada. Nota-se também que as fases de desenvolvimento de um processo de criação não são lineares. O que ocorre é um “diálogo” no qual a ação do compositor transita do geral para o particular e vice-versa. Esses saltos são inesperados, dado o tipo de objeto e objetivo que são tratados em cada momento do design.

Do ponto de vista da aprendizagem musical e do “fazer composicional”, podemos concluir, pela dinâmica apresentada, que o aprendiz também pode desfrutar das condições propiciadas por esse ciclo de ações, em que há momentos de

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coordenação dos aspectos causais e teleonômicos e em que o sujeito pode compreender o seu fazer e explicitar o que fez. Um ambiente de composição musical, assim como qualquer outro espaço de aprendizagem para principiantes, precisa oferecer situações em que o aprendiz possa atuar e refletir sobre sua atuação de modo a construir e internalizar os conceitos e estratégias utilizados no contexto da resolução de sua tarefa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intenção de reunir estes três estudos em um artigo foi a de levar ao conhecimento dos interessados um referencial teórico bastante atual, que anuncia novas tendências e possibilidades de redimensionamento do processo cognitivo através da complementaridade das análises micro e macrogenéticas do pensamento.

Os três estudos apresentados relacionam-se com o “saber fazer”, ou seja, ao “como” e ao “para que” da atividade intelectual. Destacam não apenas o que se consegue a partir da inteligência em ação - solucionar problemas- mas o que o “saber fazer” demanda em termos de raciocínios, estratégias e planificações que fogem às concepções tradicionais de resolução de problemas, que navegam entre o geral e o particular, os meios e fins. De fato, essas concepções não transcendem tais polaridades, de modo a permitir a invenção de maneiras próprias de agir, para consumar tarefas.

Os estudos apresentados não se restringem à funcionalidade da inteligência por si mesma; ao tratar de raciocínios abdutivos, designs e soluções a partir de conhecimentos anteriores, demonstram a necessidade de se oferecer aos aprendizes e especialistas cenários de construção do conhecimento que incitem e possibilitem ao pensamento atuar ativa e autonomamente, liberto de modelos, padrões e fórmulas pré-determinadas. Estes cenários são próprios dos sistemas abertos de ensino, que exigem uma interação cada vez mais próxima e integrada entre o que o sujeito dispõe (conhecimento) e o que o meio propõe ( problemas).

A análise microgenética considera o que é subjacente aos comportamentos do aprendiz, do especialista e dos mediadores da aprendizagem. Refere-se à subjetividade destes sujeitos, que é resgatada pelo aspecto inferencial desse tipo de análise, não se limitando apenas a listar comportamentos observáveis do sujeito. As microgêneses revelam como os aspectos axiológicos (valores, crenças), teleonômicos (objetivos) e lógicos se encadeiam, em um processo geral de transformação do conhecimento em ação e da ação em conhecimento.

Antevemos, com estudos da natureza dos que ora apresentamos, novas perspectivas para abordar e compreender o processo de construção do conhecimento envolvendo atividades de resolução de problemas.

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