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Do não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor

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Academic year: 2020

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DECLARAÇÃO

Nome: Daniela Sofia Braga Pereira

Endereço Eletrónico: daniela.p@live.com.pt

Telefone: 912120852

Número do Cartão de Cidadão: 14318750

Título de Dissertação: Do não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor

Orientador: Professor Doutor Fernando de Gravato Morais

Ano de conclusão: 2017

Designação do Mestrado: Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE;

Universidade do Minho, ___/___/___

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Os meus agradecimentos,

Aos meus pais, pelos valores e ensinamentos transmitidos.

À minha avó, pela coragem e motivação.

Ao Júlio, pelas palavras de conforto, incentivo e ajuda incondicional.

Ao Exmo. Sr.º Professor Doutor Fernando de Gravato Morais por toda a disponibilidade e acessibilidade demonstrada na orientação da presente dissertação.

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DO NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO DE CRÉDITO PELO

CONSUMIDOR

Resumo

A presente investigação visa explorar o tema do não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor.

A mesma preocupa-se em elencar uma série de factos e fatores que influenciam, direta ou indiretamente, a celebração e cumprimento, ou falta dele, do contrato de crédito ao consumo.

Assim, estarão presentes nesta dissertação um conjunto de normas e diretivas que regulam o crédito ao consumo decorrentes do DL n.º 133/2009, de 2 de junho, que revogou o DL n.º 359/91, de 21 de setembro, e transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008.

Com a generalização dos contratos de crédito ao consumo ao longo da história, o legislador sentiu uma necessidade cada vez maior de regulação da relação existente entre financiador e consumidor, sendo decorrente disto uma maior atenção a tudo o que envolve o incumprimento contratual por parte do consumidor. Desta forma, pretende-se, neste estudo, demonstrar a regulação efetuada e a gradual anulação de desigualdades no não cumprimento do contrato entre ambos os contraentes. Para tal, serão exploradas todas as formas que o financiador tem para se proteger de um incumprimento contratual, bem como todos os institutos jurídicos que o mesmo pode invocar para se proteger do decorrente inadimplemento do consumidor, previsto no art. 20º do DL n.º 133/2009, de 2 de junho.

Por fim, será abordada também a questão da aplicabilidade dos juros remuneratórios. No que a esta questão concerne, importa sobretudo saber se a aplicação dos institutos jurídicos da perda do benefício do prazo e/ou a resolução do contrato implicam a imputabilidade ou não do pagamento dos juros remuneratórios relativos às prestações vincendas.

O estudo destas questões revela-se de grande importância, sobretudo para um maior conhecimento por parte do consumidor e para uma regulação mais efetiva da relação que é estabelecida entre financiador e consumidor.

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THE FAILURE TO COMPLY THE CREDIT CONTRACT OF THE

CONSUMER

Abstract

The present investigation aims to explore the issue of the failure to comply the credit contract by the consumer.

The same is concerned with listing a number of facts and factors, which, directly or indirectly, influence the conclusion and accomplishment, or lack of, of the consumer credit contract.

Therefore, it will be present in this dissertation a series of rules and directives that regulate the consumer credit deriving from Decree Law no. 133/2009 of June 2nd, which revoked Decree Law no. 359/91 of September 21st, and transferred the Directive 2008/48 /EC of the European Parliament and Council on April 23rd of 2008 into the internal legal order.

With the generalization of credit contracts consumption throughout history, the legislator felt an increasing need to regulate the relationship between financier and consumer, being recurrent from such, a larger attention for everything that involves the contractual non-compliance by the consumer. This way, is pretended by this study to demonstrate the regulation and gradual elimination of inequalities in the non-compliance of the contract between both parties. In this way, all the ways that the funder has to protect itself from a breach of contract will be explored, as well as all the legal institutes that the same can invoke to protect itself from the consequent breach of contract by the consumer default, expected in article 20º of Decree Law no. 133/2009, of June 2nd.

Lastly, the question of applicability on remunerative interest will also be approached. As far as this matter is concerned, the focus is on whether the application of the legal institutes of the loss of term benefit and/ or contract resolution implies the imputability or not of the payment of compensatory interest related to installment payments.

The study of these matters proves to be of great importance, in particular for better knowledge from the consumer part, as well as a more effective regulation of the relationship that is established between financier and consumer.

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Índice

Abreviaturas ... xi

Introdução ... 1

CAPÍTULO I Origem, desenvolvimento e enquadramento 1. Origem e fases de desenvolvimento ... 5

2. Regime do contrato de crédito ao consumo ... 10

2.1. No plano comunitário: evolução legislativa ... 10

2.1.1. A Diretiva n.º 87/102/CEE, de 22 de dezembro de 1986 ... 10

2.1.2. A Diretiva n.º 2008/48/CE, de 23 de abril... 11

2.2. No plano interno: evolução legislativa... 12

2.2.1. O regime do DL n.º 359/91, de 21 de setembro ... 12

2.2.2. O Anteprojeto do Código do Consumidor ... 13

2.2.3. O atual regime do DL n.º 133/2009, de 2 de junho ... 14

CAPÍTULO II O contrato de crédito ao consumo 1. Direito do Consumo ... 17 2. Noção de consumidor ... 19 2.1. Elemento subjetivo ... 20 2.2. Elemento objetivo ... 21 2.3. Elemento teleológico ... 21 2.4. Elemento relacional ... 22

3. Conceito de contrato de crédito ao consumo ... 23

3.1. Diferimento de pagamento ... 24

3.2. Mútuo ... 24

3.3. Utilização de cartão de crédito ... 27

3.4. Qualquer outro acordo de financiamento semelhante ... 28

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5. Publicidade no contrato ... 31

5.1. A Taxa Anual de Encargos Efetiva Global (TAEG) ... 32

5.2. Taxas de juro ... 35

6. Celebração do contrato ... 37

7. Direito de livre revogação ... 39

CAPÍTULO III Do não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor 1. Não cumprimento do contrato ... 41

2. O regime do DL n.º 359/91, de 21 de setembro ... 43

3. O atual regime do crédito ao consumo, DL n.º 133/2009, de 2 de junho ... 45

4. Consequências do não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor ... 49

4.1. Cobrança de juros moratórios ... 50

4.2. Perda do benefício do prazo ... 52

4.2.1. Juros remuneratórios ... 55

4.2.2. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência ... 57

4.3. Resolução do contrato ... 62

4.3.1. Juros remuneratórios ... 67

Conclusões ... 71

Bibliografia ... 75

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Abreviaturas

Ac. - Acórdão Art. – Artigo Arts. – Artigos CC – Código Civil

CPC – Código de Processo Civil

CRP – Constituição da República Portuguesa DL – Decreto-Lei

EUA – Estados Unidos da América LDC – Lei de Defesa do Consumidor N.º - Número

P. – Página

PARI – Plano de Ação para o Risco de Incumprimento

PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento Pp. – Páginas

Proc. – Processo

ROA –Revista da Ordem dos Advogados STA – Supremo Tribunal Administrativo STJ – Supremo Tribunal de Justiça

TAEG – Taxa Anual de Encargos Efetiva Global TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia TRC - Tribunal da Relação de Coimbra

TRE- Tribunal da Relação de Évora TRG – Tribunal da Relação de Guimarães TRL – Tribunal da Relação de Lisboa TRP – Tribunal da Relação do Porto

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Introdução

A presente dissertação é elaborada no âmbito do Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa, pela Universidade do Minho.

Esta investigação terá como foco principal o não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor. Através dela pretende-se analisar o regime do contrato de crédito ao consumo e, posteriormente, examinar o não cumprimento do respetivo contrato por parte do consumidor, em termos gerais e especiais. Consequentemente, analisar-se-á o que pode o financiador fazer perante este mesmo inadimplemento. Assim, o principal objetivo consiste em expor e problematizar os aspetos caraterizadores do regime do contrato de crédito ao consumo resultante do atual DL n.º 133/2009, de 2 de junho, destacando também as alterações que ocorreram em relação ao regime anterior, no que diz respeito ao não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor.

O Direito do Consumo é uma área relativamente recente que tem vindo a assinalar um significativo desenvolvimento nas últimas décadas, acompanhando o progressivo aumento do número de agentes e operações de transação comercial.

A relação jurídica de consumo, que é desenvolvida entre consumidor e financiador, acarreta uma desigualdade contratual entre as partes, presumindo-se a fragilidade do primeiro em relação ao segundo. Esta clivagem de posicionamento contratual tem suscitado preocupação do legislador, nacional e também europeu, que tem aumentado substancialmente a sua intervenção legislativa no que respeita à matéria de crédito ao consumo.

Ora, o contrato de crédito ao consumo, encontra-se atualmente regulado no DL n.º 133/2009, de 2 de junho, que veio revogar o DL n.º 359/91, de 21 de setembro. Este DL transpôs para o ordenamento jurídico interno a Diretiva 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, que revogou o primeiro texto sobre esta matéria, a Diretiva 87/102/CEE, de 22 de dezembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas aos Estados-Membros, referentes ao crédito ao consumo.

A nova Diretiva procurou reforçar a integração do mercado interno de crédito ao consumo e aumentar o grau de proteção dos consumidores, sendo mais exigente quanto aos deveres de informação. De acordo com o Considerando 9 desta diretiva, é necessária uma “harmonização plena” para que os “consumidores beneficiem de um

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nível elevado e equivalente de defesa dos seus interesses e para instituir um verdadeiro mercado interno”. Esta é uma Diretiva de harmonização máxima, ao contrário da Diretiva de 1987, que apenas estabeleceu uma harmonização mínima, estando os Estados-Membros na disponibilidade de adotar medidas mais rigorosas para proteção do consumidor.

Já relativamente ao plano interno, também o DL n.º 133/2009, de 2 de junho, veio preocupar-se em reforçar a tutela conferida ao consumidor a crédito, introduzindo algumas inovações em relação ao anterior regime do DL n.º 359/91, de 21 de setembro. A título exemplificativo, estabeleceu-se uma obrigação para o credor de prestar informações pré-contratuais ao consumidor, bem como um dever de assistência por parte do consumidor. O objetivo é incentivar o mesmo a tomar uma decisão consciente e ponderada, estando devidamente esclarecido de todas as dúvidas inerentes ao contrato de crédito. É fundamental que este tenha todas as informações relativas ao contrato de crédito ao consumo, para não tomar decisões imprudentes que possam colocar em causa os seus rendimentos futuros.

Segundo o art. 4º, n.º 1, alínea c), do DL n.º 133/2009, de 2 de junho, o contrato de crédito ao consumo é o “contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante”. Ou seja, o financiador coloca à disposição do consumidor uma determinada quantia em dinheiro, que este fica adstrito a restituir com acréscimo da remuneração (juros remuneratórios) e outros encargos, segundo um plano prestacional de restituição acordado por ambos os contraentes. Neste sentido, o consumidor considerar-se-á em mora quando, e se, incumprir essa estipulação abstendo-se de efetuar o pagamento de uma ou de mais prestações acordadas.

O presente trabalho visa explorar precisamente as consequências que podem decorrer do incumprimento do contrato de crédito ao consumo por parte do consumidor. Perante o não cumprimento do devedor, o credor poderá optar por aguardar o respetivo cumprimento, diligenciar a perda do benefício do prazo ou resolver o contrato.

Assim, a presente dissertação encontra-se dividida em três capítulos.

No primeiro capítulo (“Origem, desenvolvimento e enquadramento”), proceder-se-á uma reconstituição histórica e uma evolução legislativa que operou no campo do crédito ao consumo. Com efeito, começaremos por explicar a origem e as várias fases de desenvolvimento do crédito ao consumo. Posteriormente, analisaremos a evolução

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legislativa, tanto a nível comunitário, como a nível interno. A nível europeu, a Diretiva n.º 87/102/CEE, de 22 de dezembro de 1986 e a Diretiva n.º 2008/48/CE, de 23 de abril e, a nível interno, o regime do DL n.º 359/91, de 21 de setembro, o Anteprojeto do Consumidor e o atual regime do DL n.º 133/2009, de 2 de junho.

No segundo capítulo (“O contrato de crédito ao consumo”), será analisado o contrato de crédito ao consumo, clarificando a área do Direito do Consumo, a noção de consumidor e os seus quatro elementos constituintes (os elementos subjetivo, objetivo, teleológico e relacional), o conceito de contrato de crédito ao consumo e a qualificação das diversas modalidades contratuais (diferimento de pagamento, mútuo, utilização do cartão de crédito e qualquer outro acordo de financiamento semelhante), a coligação de contratos que se estabelece entre este e o contrato originário de compra e venda ou de prestação de serviços associado, a publicidade (Taxa Anual de Encargos Efetiva Global – TAEG – e as taxas de juro) e a celebração do respetivo contrato e o direito de livre revogação do mesmo.

No capítulo final (“Do não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor”), analisaremos o incumprimento contratual do contrato de crédito pelo consumidor, em termos gerais e especiais, explorando as três posições que o credor pode assumir perante este inadimplemento: a cobrança de juros moratórios, a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato. Neste sentido, contrapomos as regras do anterior regime do DL n.º 359/91, de 21 de setembro e do atual DL n.º 133/2009, de 2 de junho, salientando e analisando as diferenças entre ambos, designadamente no que concerne à possibilidade de exigência de juros remuneratórios relativos às prestações vincendas.

Concluindo, será feita uma análise extensiva, em termos gerais, aos arts. 781º, 934º e 432º e seguintes do CC e, em termos especiais, ao art. 20º do DL n.º 133/2009, de 2 de junho. Estes artigos determinam quais os caminhos que o credor pode assumir perante o incumprimento contratual do consumidor.

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CAPÍTULO I

Origem, desenvolvimento e enquadramento

1. Origem e fases de desenvolvimento

Nas últimas décadas, o direito do consumo adquiriu uma dinâmica exclusiva, fomentada por uma inúmera legislação e também sustentada por incontáveis textos doutrinários1.

O crédito ao consumo teve a sua origem nos EUA. A população americana foi a primeira a reunir todas as condições para antecipar rendimentos futuros, e, em consequência, promover a melhoria da sua qualidade de vida. Assim, os cidadãos americanos rapidamente começaram a utilizar o crédito para esse mesmo efeito. A partir deste pensamento, o crédito deixou de ser sinónimo de pobreza para começar a ser visto “como um meio de adquirir uma máquina de costura ou um automóvel”2. A partir do

século XIX, e sobretudo no século XX, também contribuiu para o desenvolvimento do crédito ao consumo a própria cultura americana, caraterizada com uma diminuta aversão ao risco.

Historicamente, os primeiros exemplos de crédito ao consumo, em geral, estavam relacionados com as vendas a retalho, que aumentaram consideravelmente depois da conquista do Oeste e do Sul e com a maior mobilidade proporcionada pelo sistema de transportes dos EUA3.

Nas zonas agrícolas, era prática comum adquirir cavalos, carroças, ou efetuar outras despesas agrícolas, sendo metade do valor pago em dinheiro e o restante sob a forma de letras, a serem reembolsadas num prazo de 2 ou 3 meses, ou até mesmo após a respetiva colheita. Ora, verificamos que estes artigos de consumo eram geralmente pagos em dinheiro, mas por vezes também a crédito. Os mesmos eram registados num “livro-de-razão”4, extremamente informais, não existindo quaisquer contratos que provassem as

dívidas, ou até mesmo outros custos inerentes ao serviço de crédito. Em conclusão, com

1 Cf. JORGE MORAIS CARVALHO, Os contratos de consumo: reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo,

Coimbra, Almedina, 2012, p. 11.

2 Cf. MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES et. al., O endividamento dos consumidores, Coimbra, Almedina, 2000, p. 16. 3 Cf. ROSA-MARIA GELPI e FRANÇOIS JULIEN-LABRUYÈRE, História do Crédito ao Consumo – Doutrinas e Práticas,

PRINCIPIA, Lisboa, 2000, p. 151.

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todo este cenário começava a desenvolver-se o crédito ao consumo, sendo possível graças aos créditos concedidos pelos grossistas aos seus clientes retalhistas.

Entre 1800 e a Guerra Civil Americana, o crédito continuou a desenvolver-se, embora tendo enfrentado vários problemas, sobretudo porque ia sendo cada vez mais difícil recuperar as somas emprestadas, havia uma grande quantidade de europeus que chegavam ao país, sendo estes menos sensíveis à pressão social, e ainda o facto de terem sido abolidas as penas de prisão pelo não pagamento de dívidas. Apesar disso, a prática de pequenos empréstimos contou com uma maior adesão por parte dos fornecedores de artigos de primeira necessidade. Nas cidades, os salários eram pagos trimestralmente ou até semestralmente, o que fazia com que os patrões disponibilizassem esta forma de crédito aos seus empregados em lojas da própria empresa.

Quanto aos assalariados começaram a recorrer ao crédito para adquirirem bens de consumo duradouros. Em consequência, existiu a necessidade de ser utilizado outro método, a venda a prestações com reserva de propriedade ou hire purchase5, expressão

utilizada na época. Este método de crédito consistia em que o artigo que fosse adquirido se tornasse garantia de empréstimo. O mutuário acordava por contrato em realizar um certo número de pagamentos periódicos, que eram consideradas rendas pagas pela utilização do artigo. Por volta de 1850, temos o exemplo da Singer Sewing Machine

Company que começou a vender as suas máquinas a prestações. A aquisição destes

artigos domésticos em troca de pagamentos mensais teve um enorme sucesso.

Após a Guerra Civil Americana, os prazos de pagamento foram dilatados, as entradas reduzidas e a gama de produtos oferecidos alargada6. Ora, por volta de 1870, os

fabricantes de mobiliário, nas grandes cidades do Leste, aderiram também à venda em prestações. Este desenvolvimento foi fomentado pela urbanização maciça que teve lugar entre a Guerra Civil e a década de 1920, com a chegada de novos emigrantes e a transferência de população da província para as cidades. E, com isto, as famílias, para sobreviverem neste novo mundo, já não podiam depender apenas dos seus esforços. As mesmas tinham de encontrar o seu lugar no mercado de trabalho e, em consequência, era difícil acompanhar o aumento do custo de vida.

5 O que significa “compra em aluguer”.

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Com o surgimento desta nova fase de modernização dos EUA, o crédito ao consumo permitiu que as famílias diminuíssem as dificuldades resultantes deste novo estilo de vida.

Nos períodos entre 1886 e a Primeira Guerra Mundial, assim como nos anos 20, o crédito beneficiou de circunstâncias favoráveis, tais como, as prestações mais fáceis de pagar, períodos de crescimento rápido, baixas taxas de juro e dinheiro fácil e de inflação. Contudo, o crédito ainda era visto como um aspeto negativo na sociedade, apesar de o mesmo ser indiscutível no quotidiano das famílias.

Durante a década dos anos 20, o clima negativo do crédito ao consumo abrandou. As famílias poupavam cada vez menos, ao ponto de o crédito passar a ser respeitável. Esta evolução foi possível com a generalização das vendas a crédito para aquisição de automóveis. Surgem a General Motors Acceptance Corporation e a Ford Credit

Company, grandes sociedades de crédito para aquisição de automóveis. Também

podemos acrescentar a General Electric Capital, do setor de eletrodomésticos. Aqui temos os três maiores intervenientes mundiais do setor nos últimos anos e um exemplo de sucesso americano7.

Depois da venda a crédito se ter estabelecido de forma generalizada, o seu desenvolvimento trouxe alguns resultados económicos positivos, como a facilitação da produção em massa e a consequente redução de preços. Estas eram as bases para um mercado alargado. O pensamento das famílias americanas passou a ser de como melhorar o seu nível de vida, aumentar a sua satisfação e segurança.

Perante um papel tão influente do crédito ao consumo na população americana, sucessivos governos empenharam-se numa dupla tarefa: por um lado, regular esse crédito de modo a combater o mercado ilegal e os seus excessos e, por outro lado, estudar os efeitos económicos positivos e negativos do crédito ao consumo. Assim, de 1920 até à atualidade houve um conjunto de trabalhos empíricos e teóricos de qualidade notável, tais como, a Russell Sage Foundation, a Uniform Small Loan Law, o Consumer

Credit Protection Act de 1968, que criou a National Comission on Consumer Credit.

Nenhum outro país do mundo promulgou tão cedo tanta legislação relativa ao crédito ao consumo.

A situação é completamente diferente na Europa, onde foram feitas poucas análises importantes neste campo e, onde ainda estão em voga algumas ideias fortemente

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influenciadas pelas teorias da Idade Média. A economia americana compreendeu mais cedo os efeitos positivos resultantes do crédito aos consumidores no plano macroeconómico, enquanto a expansão do crédito é mais tardia na generalidade dos países europeus.

Na Europa, o crédito ao consumo propaga-se de Norte para Sul, mais precisamente da Reforma para a Contra-Reforma. Haviam duas mentalidades em confronto relativas à prática do crédito ao consumo: por um lado, a mentalidade dos países protestantes e, por outro, a mentalidade dos países católicos8.

Primeiramente existiam os países protestantes, com destaque para a Grã-Bretanha, sendo o primeiro país europeu a seguir o caminho dos EUA no reconhecimento do crédito ao consumo e as suas vantagens. Até à segunda metade do século XIX, a venda a crédito de artigos de necessidade foi legalizada e tornou-se tão divulgada como as lojas de penhores. Isto porque os clientes começaram a constatar que “era preferível comprarem uma nova roupa a crédito do que pagarem juros para resgatar uma já gasta”9. Posteriormente, desenvolveu-se também no século XIX, uma nova prática de

crédito, a hire purchase, a qual já explicada na evolução americana. Também, tal como nos Estados Unidos, o desenvolvimento da produção de automóveis teve um impacto no crescimento do crédito ao consumo, que para o mesmo efeito surgiram companhias de financiamento especializadas de automóveis, tal como a The Forward Trust10. Em

março de 1971, é publicado o Crowther Report em que o mesmo termina a sua análise com estas conclusões: “A nossa principal conclusão é de que o crédito ao consumo é benéfico, pois contribui de uma forma útil para o nível de vida e para o bem-estar socioeconómico da maioria da população britânica”11. Por conseguinte, desta mesma

expansão foram promulgadas várias leis para regular o crédito ao consumo, tal como o

Consumer Credit Act, a 31 de julho de 1974, que definia um quadro geral de regulação

de todos os empréstimos para consumo inferiores a quinze mil libras12.

Em segundo lugar encontravam-se os países católicos, como por exemplo a França, que condenava a prática do crédito ao consumo. Ora, os franceses apresentavam

8 Cf. MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES et. al., op. cit., p. 16. 9 Idem., p. 191.

10 Idem., p. 193.

11 Idem., p. 195. Em 1968, a comité presidido por Lord Crowther, foi examinada a situação informe da legislação e foi apresentada

uma análise detalhada do impacto do crédito ao consumo na população inglesa. De tal análise surgiram conclusões, tais como, não havia ligação aparente com a inflação, não tinha qualquer influência negativa na poupança, não tinha efeito sobre o caráter cíclico da economia e as consequências sociais pareciam ser muito poucas.

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resistência no crescimento do crédito ao consumo, caraterizados como conservadores e pouco permeáveis a práticas de origem norte-americana. Após a Primeira Guerra Mundial, com a propagação do automóvel, o crédito ao consumo começou a fazer as primeiras aparições e, com isso, surgem as primeiras empresas de financiamento especializado. Como exemplos do mesmo temos a SOVAC (Société pour la Vente à

Credit d’ Automobiles – Sociedade para a Venda a Crédito de Automóveis), fundada

pela Citroën, em 1919, a DIAC (Diffusion Industrielle Automobile par le Crédit Distribuição Industrial de Automóveis através do Crédito), fundada pela Renault, em 1924 e a DIN (Diffusion Industrielle Nationale – Distribuição Industrial Nacional), fundada pela Peugeot, em 192813.

Apesar da mentalidade negativa quanto ao crédito ao consumo que incentivava as pessoas a viverem acima dos seus meios, este fenómeno cresceu na França como forma de dar resposta às necessidades da sociedade moderna. Era inevitável que este mecanismo não se instalasse em França. Contudo, em relação aos EUA e à Grã-Bretanha, apresentará sempre um grande atraso.

Como exemplos de leis temos a Loi Scrivener, de 10 de janeiro de 1978, relativa à informação e proteção dos consumidores no domínio de certas operações de crédito e as Leis de 23 de junho e de 31 de dezembro, ambas de 1989, designadas Leis Neiertz, as quais constituíam a legislação que regulava o crédito ao consumo14.

Concluímos assim que houve um desfasamento temporal na Europa, mas todos os países europeus acabaram por aceitar este fenómeno e os seus efeitos positivos.

Em Portugal, o crédito ao consumo apenas chega na década de noventa, de onde se conclui que há um atraso significativo em relação aos outros países europeus.

No nosso país já existiam algumas formas de antecipar rendimentos para a aquisição de bens, como por exemplo, os cheques pré-datados e as vendas a prestações. Mas estas práticas de compra de bens não tiveram o mesmo impacto que o crédito ao consumo.

Quanto ao desenvolvimento do crédito em Portugal podemos aqui distinguir duas etapas distintas: por um lado, a evolução nos anos setenta e oitenta e, por outro lado, a evolução nos anos noventa15. Ora, durante a primeira fase, a expansão do crédito aos

consumidores foi imobilizada pela implementação de um regime de limites de crédito.

13 Idem, p. 201. 14 Idem, pp. 205-207.

15 Cf. ANA PATRÍCIA GOMES FERREIRA, A Invalidade na Coligação de Contratos de Crédito e Venda para Consumo,

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Isto porque, com a Revolução de 1974 e o primeiro choque petrolífero, criou-se um ambiente de instabilidade e as medidas de política monetária restritiva contribuíram para esta mesma diminuição. Já a década de noventa caraterizou-se por uma imensa expansão do crédito ao consumo. Este mesmo fenómeno deve-se, nomeadamente, à desregulamentação do sistema bancário nacional, à liberalização e descida das taxas de juro, em conjunto com a adesão à União Económica e Monetária, aliada à entrada na zona euro, e à eliminação de políticas de limites de crédito e surgimento de novos instrumentos de crédito16.

Embora Portugal tenha sido dos países onde o fenómeno do crédito ao consumo tenha chegado tardiamente, houve imediatamente uma acelerada expansão.

Atualmente, o crédito ao consumo é utilizado por todo o mundo como forma de adquirir bens e serviços de consumo e tornou-se um indicador do estado de avanço da sociedade. Como diziam os americanos: “Buy now, pay later”17.

2. Regime do contrato de crédito ao consumo

2.1. No plano comunitário: evolução legislativa

2.1.1. A Diretiva n.º 87/102/CEE, de 22 de dezembro de 1986

A União Europeia teve, de forma constante, uma preocupação em relação ao consumidor e aos seus direitos inerentes, sendo que o crédito ao consumo foi sempre alvo de atenção por parte desta.

De forma a evitar grandes diferenças nas legislações dos Estados-Membros no domínio do crédito ao consumo e considerando que essas mesmas diferenças de legislação pudessem conduzir a distorções de concorrência entre mutuantes no interior do mercado comum, em inícios da década de setenta do século passado, começaram a desenvolver-se trabalhos com vista a disciplinar a designada matéria. Em 1974, surge o primeiro documento respeitante à mesma. Posteriormente, mais concretamente em 1979, é elaborada uma Proposta de Diretiva apresentada pela Comissão ao Conselho,

16 Cf. FILIPA RAMOS MOREIRA, “O consumo e o crédito na sociedade contemporânea”, in Gestão e Desenvolvimento, 19, 2011,

p. 107.

17 Cf. DANIEL BOORSTIN, “Credit History: The Evolution of Consumer Credit in America”, s/d, texto disponível em https://www.bostonfed.org/education/ledger/ledger04/sprsum/credhistory.pdf [01.12.2016].

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em 27 de fevereiro. Depois, em 22 de junho de 1984, são efetuadas alterações à citada proposta. Até que, em 1987 é publicada a Diretiva 87/102/CEE, de 22 de dezembro de 1986, respeitante à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas ao crédito ao consumo.

A Diretiva 87/102/CEE expunha um conjunto variado de temas, mas há três momentos a que devemos dar importância. Primeiramente, a fase prévia à celebração do contrato, em segundo lugar, a conclusão do contrato – seja ao nível das formalidades, seja em sede de informação a conceder ao consumidor – e, por fim, a execução do contrato. Neste último, emergiam questões como o cumprimento antecipado, a utilização de títulos cambiários, a cessão de créditos e os reflexos das vicissitudes da venda no financiamento18. De notar que o presente diploma foi posteriormente

modificado pela Diretiva 90/88/CEE, de 22 de fevereiro de 1990 e pela Diretiva 98/7/CE, de 16 de fevereiro de 199819.

2.1.2. A Diretiva n.º 2008/48/CE, de 23 de abril

Decorridos alguns anos de vigência da anterior diretiva, a União Europeia concluiu que os esforços utilizados na procura de harmonização legislativa europeia não estavam a obter os efeitos pretendidos. Assim, surge a Diretiva 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores, que revoga a Diretiva 87/102/CEE, de 22 de dezembro de 1986. É esta diretiva que se encontra atualmente em vigor e que regula, a nível comunitário, o regime jurídico dos contratos de crédito ao consumo.

Segundo a diretiva, a harmonização plena é necessária para garantir que todos os consumidores da comunidade beneficiem de um nível elevado e equivalente de defesa dos seus interesses, para instituir um verdadeiro mercado interno20. O desenvolvimento

de um mercado de crédito mais transparente e mais eficaz num espaço sem fronteiras internas, como a União Europeia, é fundamental para promover a expansão das atividades transfronteiriças.

18 Cf. FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, Contratos de crédito ao consumo, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 26-27.

19 Estas modificações são feitas sobretudo no modo de cálculo da Taxa Anual de Encargos Efetiva Global (TAEG) e o custo total do

crédito para o consumidor.

(26)

A atual diretiva tem como objetivo a harmonização de determinados aspetos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de contratos que regulam o crédito aos consumidores21.

A presente diretiva é composta por 8 capítulos: o capítulo I por “objeto, âmbito de aplicação e definições” (art. 1º a 3º), o capítulo II respetivo a “informação e práticas anteriores à celebração do contrato de crédito” (art. 4º a 8º), o capítulo III referente ao “acesso a bases de dados” (art. 9º), o capítulo IV sobre a “informação e direitos relativos aos contratos de crédito” (art. 10º a 18º), o capítulo V respeitante à “Taxa Anual de Encargos Efetiva Global” (art. 19º), o capítulo VI com os “mutuantes e intermediários de crédito” (art. 20º e 21º), o capítulo VII as “medidas de execução” (art. 22º a 28º) e, por fim, o capítulo VIII sobre “disposições finais e transitórias” (art. 29º a 32º).

Comparando esta diretiva com a anterior, a Diretiva 2008/48/CE instituiu um regime mais completo para a regulação dos contratos de crédito ao consumo, bem como confere ao consumidor uma proteção mais ampla. Podemos ainda afirmar que esta diretiva veio limitar ainda mais a liberdade de intervenção legislativa dos Estados-Membros em matérias relacionadas com o consumo e o consumidor, impondo o acolhimento das regras harmonizadas nos respetivos ordenamentos jurídicos.

2.2. No plano interno: evolução legislativa

2.2.1. O regime do DL n.º 359/91, de 21 de setembro

Inicialmente, em Portugal, enquanto não existia legislação quanto ao regime do crédito ao consumo, no CC vigoravam os arts. 934º a 936º, os negócios a pagamento diferido22. Posteriormente, surgiu o DL n.º 457/79, de 21 de setembro que estabelecia as

regras relativas à venda a prestações. Mais tarde, este diploma foi complementado pela Portaria n.º 602/79, de 21 de novembro e pela Portaria n.º 62/80, de 27 de fevereiro.

No ano de 1991, a Diretiva 87/102/CEE foi transposta para o nosso quadro jurídico através do DL n.º 359/91, de 21 de setembro. Este DL foi o primeiro diploma a regular o regime do contrato de crédito ao consumo em Portugal.

21 Cf. Art. 1º da Diretiva 2008/48/CEE.

22 Cf. LILIANA BASTOS PEREIRA SANTO, Da concessão de crédito ao sobreendividamento dos consumidores, Universidade

(27)

Este diploma foi alterado em 2000 e 2006, pelo DL n.º 101/2000, de 2 de junho e pelo DL n.º 82/2006, de 3 de maio, respetivamente23.

O presente DL era composto por quatro capítulos, a saber: “âmbito de aplicação” (arts. 1º a 3º), “regime geral” (arts. 4º a 12º), “regimes especiais” (arts. 13º a 16º) e “disposições finais” (arts. 17º a 23º).

No primeiro capítulo do referente DL encontrávamos a noção de contrato de crédito, referindo-se como o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante24.

Neste diploma deparávamos temas como a introdução da Taxa Anual de Encargos Efetiva Global (TAEG), as comunicações comerciais, os requisitos formais, procedimentais e um conjunto de menções essenciais do contrato de crédito, tal como as correspondentes sanções inerentes à sua inobservância, o direito de revogação, o cumprimento antecipado, a cessão de créditos, a utilização de títulos de crédito com função de garantia e a conexão contratual.

Para concluir este ponto, o respetivo texto retratava três tendências: primeiro, transpunha literalmente em determinados aspetos o diploma comunitário, segundo, segue noutras hipóteses, com alguns melhoramentos, o regime do DL n.º 457/79, de 21 de setembro e, em terceiro, dispunha noutras situações sobre matérias que estavam muito além da diretiva25.

2.2.2. O Anteprojeto do Código do Consumidor

O Anteprojeto do Código do Consumidor foi dado a conhecer no dia 15 de março de 200626. O mesmo tinha como objetivo integrar as regras sobre o crédito ao consumo.

Neste sentido, começou a falar-se na criação de um Código do Consumidor que conseguisse englobar todas as matérias, de forma a facilitar a consulta, o conhecimento e a compreensão da legislação do consumidor. Com o presente código, também se

23 No DL n.º 101/2000, de 2 de junho, a modificação apenas envolveu a forma de cálculo da TAEG, enquanto no DL n.º 82/2006, de

3 de maio, a modificação é feita no âmbito das comunicações eletrónicas.

24 Cf. Art. 2º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 359/91, de 21 de setembro. 25 Cf. FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, op. cit., p. 36. 26 Idem, pp. 36-37.

(28)

pretendia instituir um Sistema Português de Defesa do Consumidor (SPDC), com o objetivo de assegurar os direitos dos consumidores.

Em 1996 iniciou-se um processo de reforma do Direito do Consumo e de criação de um Código do Consumidor, tendo sido criada, para esse mesmo efeito, uma comissão de trabalho. O objetivo consistia em criar um repositório onde se encontrassem todas a regras e direitos inerentes à proteção do consumidor27.

O Anteprojeto continha 708 artigos e tratava as matérias ligadas ao direito do consumo. A matéria repartia-se por capítulos, secções e divisões e, por vezes, dentro destas, ainda por subsecções e subdivisões. O mesmo estava dividido em quatro títulos principais: no I “Disposições Gerais”, no II “Dos Direitos do Consumidor”, no III “Do exercício e Tutela dos Direitos” e IV “Das Instituições de Defesa e Promoção dos Direitos do Consumidor”.

Contudo, a aprovação de um Código do Consumidor não se concretizou devido ao intenso debate público entretanto ocorrido e, em consequência, não se conseguiu alcançar a unanimidade em relação ao Anteprojeto. A elaboração desde código mostrou grande dificuldade, sendo que o Anteprojeto se traduziu apenas numa mera compilação ou recolha do direito do consumo já existente. Em conclusão, não há uma previsão de data em que possa ocorrer a aprovação de um texto legal relativo a um código específico para as matérias de direito dos consumidores.

2.2.3. O atual regime do DL n.º 133/2009, de 2 de junho

O DL n.º 133/2009, de 2 de junho estabelece o novo e atual regime jurídico para os contratos de crédito aos consumidores, tendo entrado em vigor no dia 1 de julho de 200928. Este DL veio assim revogar o DL n.º 359/91, de 21 de setembro, e procedeu à

respetiva transposição da Diretiva 2008/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril, para a nossa ordem jurídica interna.

Após a promulgação do mesmo, foi publicada a Declaração de Retificação n.º 55/2009, de 31 de julho que procedeu a 18 alterações circunstanciais.

27Foi elaborada uma “Comissão para a Reforma do Direito do Consumo e do Código do Consumidor”, presidida pelo Senhor Prof.

Dr. António Pinto Monteiro. O objetivo primordial da Comissão foi a elaboração de um código de forma a assegurar a proteção do consumidor, bem como de consagrar o regime jurídico das relações de consumo.

(29)

Entretanto, ocorreram duas alterações a este regime de 2009, sendo a primeira por via do DL n.º 72-A/2010, de 17 de junho e a segunda em consequência do DL n.º 42-A/2013, de 28 de março.

O mercado, ao longo de duas décadas, transformou-se inteiramente, tendo passado a haver consumidores mais informados e exigentes, novos atores e agentes intermediários, bem como novos métodos na oferta e novas ferramentas. Por isso, surge a necessidade de uma nova legislação comunitária que reflita esta mesma evolução, verificada neste novo mercado, e resultante mudança no direito interno.

O DL é composto por seis capítulos: o capítulo I corresponde ao “objeto, âmbito de aplicação e definições” (art. 1º a 4º), o capítulo II é sobre a “informação e práticas anteriores à celebração do contrato de crédito” (art. 5º a 11º), o capítulo III diz respeito a “informação e direitos relativos aos contratos de crédito” (art. 12º a 23º), o capítulo IV sobre a “Taxa Anual de Encargos Efetiva Global” (art. 24º), o capítulo V respeitante aos “mediadores de crédito” (art. 25º), o capítulo VI sobre “disposições finais” (art. 26º a 37º) e, por fim, é composto por três anexos29.

O presente texto destaca sobretudo o terceiro capítulo, o qual, para além da maior dimensão normativa em relação ao texto antigo30 (art. 12º a 23º), dá realce a novas

matérias (art. 20º), a novas particularidades quanto a assuntos já tratados (arts. 17º e 19º) ou a clarificações na esteira da doutrina e da jurisprudência portuguesas (art. 18º), sem prejuízo de, em alguns casos, a temática se manter igual (art. 22º)31.

Analisando este novo decreto-lei, podemos concluir que é um diploma mais extenso onde as disposições, na sua maioria, também o são. Tal facto deve-se ao texto comunitário o ser igualmente. Este abrange todas as matérias e direitos já consagrados nos diplomas anteriores, acrescentando algumas ressalvas. Há uma melhoria significativa no âmbito da tutela do consumidor a crédito. Existem aspetos novos que foram agora introduzidos, tais como, o dever de informação clara, completa e verdadeira, as condições a que deve obedecer a publicidade, os requisitos do contrato, o direito de revogação e a instituição da Taxa Anual de Encargos Efetiva Global (TAEG). Este DL será estudado com mais rigor ao longo da presente dissertação.

29 Os três anexos são respeitantes ao modo de cálculo do TAEG, à informação normalizada europeia em matéria de crédito a

consumidores e relativo à informação normalizada em sede de descobertos, créditos concedidos por certas organizações e conversão de dívidas.

30 Composto por 12 disposições, enquanto no DL n.º 359/91 era composto por 7 artigos (arts. 6º a 12º).

31 Cf. FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, “Protecção do consumidor a crédito na celebração e na execução do contrato”, in Revista Electrónica de Direito, n.º 1, Fevereiro de 2014, p. 5.

(30)
(31)

CAPÍTULO II

O contrato de crédito ao consumo

1. Direito do Consumo

O Direito do Consumo é uma área recente que tem vindo a assinalar um significativo crescimento nas últimas décadas.

A proteção dos consumidores tem como marco histórico o célebre discurso do presidente norte-americano JOHN F. KENNEDY, proferido no Congresso de 15 de março de 1962. Nesta exposição o mesmo destacou que “consumidores, por definição, somos todos nós, acrescentando que, apesar de não se encontrarem organizados e de não serem ouvidos, constituem o maior grupo económico a actuar no mercado, sendo influenciados por (e influenciando) todas as decisões tomadas a este nível”32.

No entanto, há sinais anteriormente existentes a este mesmo acontecimento, podendo afirmar-se que os primeiros sinais de perceção de que existe um desequilíbrio na relação de consumo são muito mais arcaicos, servindo como exemplo a Bíblia33.

Nos EUA, mais concretamente nos anos vinte do século XX, começaram a ser criadas as primeiras instituições com o objetivo de analisar a problemática do consumo e a defesa dos consumidores, tendo sido aprovadas normas para impedir as práticas comerciais desleais, abusivas, intrusivas e assentes em publicidade enganosa a promover a etiquetagem de determinados produtos34.

Já em Portugal, para proteger os consumidores, existiam algumas normas penais obsoletas. Estas, ainda que indiretamente, puniam práticas comerciais como a venda de substâncias nocivas para a saúde pública ou o engano sobre a natureza ou a quantidade das coisas35.

Mas, é a partir do final dos anos sessenta do século XX, que esta problemática começa a ser tratada de forma organizada e sistemática, com a aprovação de diplomas legais que visavam diretamente a proteção dos consumidores. Com efeito, na Europa, em meados da década de setenta, surge a Carta do Conselho da Europa de 1973 e,

32 Cf. JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, Coimbra, Almedina, 2013, p. 9. 33 Ibidem.

34 Cf. JORGE MORAIS CARVALHO, Os contratos de consumo: reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo,

Coimbra, Almedina, 2012, p. 11.

(32)

inspirada na mesma, a Comissão Europeia aprovou, em 1975, o primeiro programa de ação relativo à proteção dos consumidores. Neste documento abordavam-se cinco direitos fundamentais: a proteção da saúde e da segurança, a proteção dos interesses económicos, a indemnização dos danos, a informação e educação e, por fim, a representação. Quanto à consagração da proteção dos consumidores nos tratados, tal só se verifica a partir do Ato Único Europeu, em 1986, tendo sido reforçada a sua posição pelos Tratados de Maastricht, em 1992, e de Amesterdão, em 1999. Contudo, o direito europeu do consumo tornou-se a fonte inspiradora dos direitos dos Estados-Membros pelo grande número de diretivas aprovadas desde o início da década de oitenta.

Em Portugal, o primeiro ato no qual se releva a preocupação sobre os consumidores é a Proposta de Lei sobre a promoção e a defesa do consumidor, em 1974. Mas esta proposta não teve seguimento. A Lei n.º 29/81, de 22 de agosto é que aprovou a primeira LDC. Em 1982, a primeira revisão da CRP introduziu claramente alguns direitos dos consumidores. Em 1989, com a segunda revisão da CRP, continuou o caminho que já havia sido iniciado com a revisão anterior, sendo agora inserida a matéria dos direitos dos consumidores no capítulo dos direitos fundamentais. Os direitos dos consumidores também foram reforçados com a revisão de 1997.

Analisando o art. 60º da CRP36, constata-se que o mesmo “tem cariz essencialmente

programático, embora alguns autores reconheçam a aplicabilidade directa às relações jurídicas de consumo de parte dos direitos consagrados no preceito”37. Posteriormente,

no início da década de oitenta, foram publicados inúmeros diplomas que tratam de questões relacionadas com o direito do consumo, tendo a primeira LDC sido substituída pelo diploma atual, a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho38, em 1996.

Atualmente, as normas inerentes às relações de consumo não são colocadas em causa pela globalidade da doutrina, pelo menos nos países mais desenvolvidos a nível económico. Porém, a relação jurídica desenvolvida pelo consumidor e pelo financiador tem conduzido a uma desigualdade contratual entre as partes, na qual se presume a

36 Dos direitos constitucionais dos consumidores temos aqui representados: o direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à

formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação dos danos. Cf. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 778-786.

37 Cf. JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, Coimbra, Almedina, 2013, p. 11.

38 O art. 1º da LDC, no n.º 1 diz-nos que incumbe ao Estado, às regiões autónomas e às autarquias locais proteger o consumidor,

designadamente através do apoio à constituição e funcionamento das associações de consumidores e de cooperativas de consumo, bem como à execução do disposto na presente lei. O n.º 2 afirma que a incumbência geral do Estado na proteção dos consumidores pressupõe a intervenção legislativa e regulamentar adequada em todos os domínios envolvidos.

(33)

fragilidade inevitável do consumidor. Este posicionamento tem levado a uma preocupação crescente do legislador, tanto a nível nacional como a nível comunitário, efetivando um aumento na sua intervenção legislativa de forma a proteger mais eficazmente o consumidor. Desta forma, é necessário e praticamente obrigatório o desenvolvimento e aprofundamento de novos mecanismos para promover um equilíbrio jurídico entre ambos. Ora, se por um lado, há um desequilíbrio técnico, em que o profissional tem um maior conhecimento do que o consumidor sobre o próprio bem ou o serviço em causa, por outro lado, há um desequilíbrio económico no âmbito da contratação de crédito ao consumo, em que o profissional tem um poder económico superior em relação ao consumidor, na medida em que pode aproveitar-se dessa mesma posição para impor condições injustas ou até mesmo abusivas39.

2. Noção de consumidor

O conceito de consumidor tem como função principal demarcar o âmbito de aplicação de vários regimes jurídicos40. Mas não existe um conceito único, tanto a nível

nacional como a nível internacional, mostrando-se, portanto, necessário analisar em cada caso qual o âmbito subjetivo de aplicação do diploma em causa.

A nível europeu, analisando as várias diretivas europeias que tratam matéria relacionada com o direito ao consumo, concluímos que definem consumidor como a pessoa singular que atua com fins alheios às suas atividades comerciais ou profissionais.

No direito português podemos encontrar diversas definições de consumidor. A primeira lei a inserir o conceito de consumidor foi a Lei n.º 29/81, de 22 de agosto. Mas é na atual LDC41 que nos devemos focar. A presente lei, mais concretamente no art. 2º,

n.º 1, diz-nos que: “considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”. Ora, segundo FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA “onde, em qualquer diploma rege determinada relação de consumo não vier adoptado o conceito restrito às pessoas singulares, ter-se-á que seguir o conceito amplo contido na

39 Cf. ANA PATRÍCIA DO ROSÁRIO PEREIRA, O incumprimento do contrato de crédito ao consumo pelo consumidor,

Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2015, Dissertação de Mestrado, pp. 16-17.

40 Cf. JORGE MORAIS CARVALHO, op. cit., p. 12. 41 Lei n.º 24/96, de 31 de julho.

(34)

LDC”42. Na mesma posição, JORGE MORAIS CARVALHO: “nos casos em que

determinado diploma utiliza, mas não define o conceito de consumidor, a tendência mais comum consiste em recorrer à definição da LDC”43.

Ainda no âmbito de investigação do conceito de consumidor, o mesmo pode ser examinado com melhor rigor, baseando-se em quatro elementos: o elemento subjetivo, o elemento objetivo, o elemento teleológico e o elemento relacional44. Assim,

analisaremos estes mesmos elementos em seguida, tendo sempre como base a noção de consumidor estabelecida pela LDC.

2.1. Elemento subjetivo

O elemento subjetivo (“todo aquele”), é bastante amplo, abrangendo, numa primeira análise, todas as pessoas, físicas ou jurídicas45. Está aqui em causa a qualificação da

parte que assume a posição passiva, ou seja, o mutuário, no âmbito do negócio jurídico inerente à concessão de crédito.

No DL n.º 133/2009, de 2 de junho, para efeitos do contrato de crédito ao consumo, o consumidor apenas poderá ser qualificado como uma pessoa singular46. Neste

conceito temos dois critérios orientadores do mesmo: um subjetivo e o outro finalista47.

Quanto ao primeiro critério, devemos referir que a lei não se aplica quando estivermos perante um sujeito que não é uma pessoa física, como por exemplo, uma sociedade comercial ou uma associação. No entanto, importa referir que, estando várias pessoas físicas em causa, podem ser simultaneamente sujeitos passivos, enquanto contraentes,

42 Cf. FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, O Conceito de Consumidor – Perspectivas Nacional e Comunitária, Coimbra,

Almedina, 2009, p. 77.

43 Cf. JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, Coimbra, Almedina, 2016, p. 17.

44 Segundo JORGE MORAIS CARVALHO devemos ter em conta que a qualificação como consumidor é matéria de direito, ou

seja, a mesma não tem que ser alegada. Assim, se não forem incluídos no objeto do processo por outra via, cabe ao consumidor a alegação e, em princípio, a prova dos factos, relativos aos quatro elementos indicados, que sustentam esta qualificação, designadamente o “uso não profissional”. O Ac. do TJUE de 04/06/2015 conclui que o órgão jurisdicional nacional “está obrigado, sempre que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para tal ou deles possa dispor mediante mero pedido de esclarecimento, a verificar se o comprador pode ser qualificado de consumidor na aceção da mesma diretiva, ainda que este não tenha expressamente invocado essa qualidade”. No direito português, a referência a um pedido de esclarecimentos, deve ter como base os arts. 7º e 594º, n.º 2 do CPC, sob a orientação do princípio da cooperação.

45 Cf. JORGE MORAIS CARVALHO, op. cit., p. 18.

46 Cf. Art. 4º, n. 1, do DL n.º 133/2009, de 2 de junho: “Para efeitos da aplicação do presente decreto-lei, entende-se por: a)

“consumidor” a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente decreto-lei, atua com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional”.

47 Cf. FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, Crédito aos consumidores. Anotação ao DL 133/2009, Coimbra, Almedina, 2009, p.

(35)

num único contrato. Quanto ao segundo critério, pretende-se que a atuação do consumidor decorra de objetivos estranhos à sua atividade comercial ou profissional.

Desta forma conclui-se que o conceito de consumidor apresentado pelo DL relativo aos contratos de crédito a consumidores é mais restrito relativamente ao conceito geral previsto na LDC.

2.2. Elemento objetivo

O elemento objetivo também tem uma amplitude considerável (“a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços e transmitidos quaisquer direitos”), parecendo abranger qualquer relação estabelecida entre as partes48.

Relativamente ao DL n.º 133/2009, de 2 de junho, o elemento objetivo neste regime específico restringe-se à celebração de contratos de crédito ao consumo. Ora, nos termos do art. 1º, n.º 2 “o presente decreto-lei aplica-se aos contratos de crédito a consumidores (...)”. E, de acordo com o art. 4º, n.º 1, alínea c), entende-se por contrato de crédito ao consumo “o contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante”.

2.3. Elemento teleológico

O elemento teleológico (“destinados a uso não profissional”) remete para a finalidade que o consumidor conferirá ao bem ou serviço que adquiriu ou pretende adquirir. A finalidade pode ser revelada por forma positiva (“uso privado”) ou por via negativa (“uso não profissional”)49.

No que respeita ao contrato de crédito ao consumo, o mesmo está dependente do uso a que o consumidor destinará ao montante do crédito.

De acordo com o DL n.º 133/2009, de 2 de junho, nos termos do art. 4º, n.º 1, alínea a), o adquirente do bem ou serviço deverá atuar “(...) com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional”, ou seja, deverá o mesmo subverter a respetiva aquisição a uma utilização pessoal, mais concretamente, isenta de interesses relacionados com o lucro financeiro.

48 Cf. JORGE MORAIS CARVALHO, op. cit., p. 19. 49 Idem, p. 20.

(36)

Quando se considera que o bem é misto, ou seja, quando o mesmo é considerado, em simultâneo, como uso profissional e não profissional – como por exemplo, um automóvel que é utilizado no exercício da atividade profissional, mas também na vida privada – nestas situações, segundo JORGE MORAIS CARVALHO, o melhor critério para determinar se o mesmo se trata de uma relação de consumidor, consiste no uso predominantemente dado ao bem, independentemente de este corresponder ao seu uso normal50.

Por fim, o financiamento do bem será, por natureza, sempre prévio à aquisição, pelo que devem ser excluídos deste contexto os bens e serviços cobrados posteriormente. É por esta razão que não se enquadram nesta mesma classificação os contratos de “prestação continuada de serviços ou de fornecimento de bens de um mesmo tipo em que o consumidor tenha o direito de efetuar o pagamento dos serviços ou dos bens à medida que são fornecidos” 51. A título exemplificativo, o elemento teleológico não se

deve considerar preenchido quando seja celebrado um contrato de crédito com o objetivo de liquidar valores cobrados pela disponibilização mensal de serviços públicos essenciais, como o serviço de internet ou até mesmo o fornecimento de água, sendo que nestes exemplos apresentados a função principal não é o financiamento, mas sim o pagamento de um contrato de prestação continuada52.

2.4. Elemento relacional

Por último, a noção de consumidor ainda contém o elemento relacional, impondo que a contraparte seja uma “pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”53. Este elemento remete-nos para a

qualidade em que atua a contraparte da relação jurídica, o financiador.

Nos contratos de crédito ao consumo, segundo o art. 4º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 133/2009, de 2 de junho, o credor é a pessoa, singular ou coletiva, que concede ou promete conceder um crédito no exercício da sua atividade comercial ou profissional.

50 Idem., p. 21.

51 Cf. Art. 4º, n.º 2, do DL n.º 133/2009, de 2 de junho.

52 Cf. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 224. Segundo este

autor: “não se devem confundir as dívidas a prestações e as dívidas periódicas. Nestas últimas há uma pluralidade de obrigações distintas, embora todas emergentes de um vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente (...). Nas primeiras, pelo contrário, há uma só obrigação cujo objeto é dividido em frações, com vencimentos intervalados.”

(37)

Para a qualificação de credor devemos ter em consideração dois requisitos: por um lado, pode abarcar-se qualquer pessoa jurídica (singular ou coletiva), por outro lado, pressupõe-se uma concessão de crédito no exercício da sua atividade comercial ou profissional. No entanto, aqui já não se exige que a concessão do crédito seja uma atividade principal ou até mesmo habitual do credor54.

3. Conceito de contrato de crédito ao consumo

Depois da análise minuciosa da noção de consumidor, importa agora dissecar o conceito de contrato de crédito ao consumo.

O DL n.º 133/2009, de 2 de junho, contém uma definição ampla de contrato de crédito ao consumo, definindo-o como o “contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante”55. Porém, já não “é considerado contrato de crédito o

contrato de prestação continuada de serviços ou de fornecimento de bens de um mesmo tipo em que o consumidor tenha o direito de efetuar o pagamento dos serviços ou dos bens à medida que são fornecidos”56.

CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA considera que, o “crédito consiste, em geral, numa operação pela qual alguém cede voluntariamente a outrem um bem (coisa ou serviço), mediante uma contra-prestação futura”57.

Podemos dividir a disposição do art. 4º, n.º 1, alínea c), em dois momentos distintos. Em primeiro lugar, na parte inicial deste enunciado normativo encontramos vários elementos que é pertinente identificar. Assim, estamos perante “um contrato”, “pelo qual um credor”, “concede ou promete conceder”, “a um consumidor”, “um crédito”. E, em segundo lugar, concretizam-se as modalidades que tais negócios podem assumir: diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou outro qualquer acordo de financiamento semelhante.

A operação de que aqui falamos tem sempre como base um “contrato”, enquanto “acordo formado por duas ou mais declarações que produzem para as partes efeitos

54 Cf. FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, op. cit., p. 27. 55 Cf. Art. 4º, n.º 1, alínea c), do DL n.º 133/2009, de 2 de junho. 56 Cf. Art. 4º, n.º 2, do DL n.º 133/2009, de 2 de junho.

(38)

jurídicos conformes ao significado do acordo obtido”. Ora, por via deste negócio, uma pessoa singular ou uma pessoa coletiva propõe-se no exercício da sua atividade comercial ou profissional, conceder um crédito. Por fim, acresce ainda que, o mesmo negócio, há de ter por destinatário um consumidor, pessoa singular que atua, no quadro legal em análise, com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional58.

3.1. Diferimento de pagamento

Em termos históricos, o diferimento de pagamento é a primeira forma de crédito ao consumo. Ora, numa fase inicial desta modalidade, os próprios comerciantes concediam o financiamento diretamente aos consumidores, pois dada a pouca disponibilidade monetária destes, a única forma encontrada era a da retardação do pagamento do preço dos bens ou dos serviços prestados.

Hoje em dia, as instituições bancárias têm um papel fundamental nos modelos de concessão de crédito ao consumo e, em muitos casos, são também parte de um contrato em que se preveja o diferimento de pagamento. No entanto, ainda subsistem situações de crédito concedido pelo fornecedor do bem ou prestador do serviço. Podemos dizer que esta relação jurídica é apenas bilateral, entre o profissional que fornece o bem ou presta o serviço e concede a possibilidade de diferimento do pagamento ao consumidor. Em conclusão, esta modalidade pressupõe o pagamento do preço de alguma coisa, ou seja, o consumidor assumiu uma obrigação de entrega de um preço. Todavia, não releva nem de que coisa se trata (bem, serviço ou direito), nem o tipo ou categoria de contrato que está na base dessa obrigação de pagamento do preço. Como exemplo, pode ser integrado neste grupo a venda a prestações, com ou sem reserva de propriedade.

3.2. Mútuo

Quanto ao mútuo, podemos encontrar este contrato no art. 1142º do CC, onde se define o mesmo como “o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.

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No entanto, o mútuo que aqui está em causa é apenas o que tem como objeto o dinheiro, podendo-se falar assim de mútuo bancário. Este é considerado “um negócio através do qual uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira se obriga a entregar a outrem (o mutuário) uma determinada quantia pecuniária, devendo este restituir a referida importância, em regra acrescida dos respectivos juros e de outros encargos”59.

Segundo JORGE MORAIS CARVALHO e FERNANDO DE GRAVATO MORAIS este contrato não pode ser qualificado como um contrato real quoad constitutionem, tendo em conta que a propriedade do bem não se transfere com a celebração do mesmo60. Em contraposição, LUÍS MENEZES LEITÃO diz-nos que, “o mútuo é

claramente (...) um contrato real quoad constitutionem, exigindo a tradição das coisas mutuadas para a sua constituição (...)”, sendo que essa tradição “(...) não tem, no entanto, que corresponder a uma entrega material das coisas mutuadas, podendo considerar-se suficiente que o mutuante atribua ao mutuário a disponibilidade jurídica das coisas mutuadas, como sucederá, por exemplo, se a soma for creditada na conta-corrente do mutuário”61.

Porém, o STJ já se pronunciou sobre esta questão ao “esclarecer que a não entrega efetiva da importância mutuada ao consumidor, o que geralmente acontece nos contratos de crédito ao consumo, não colide com a eficácia real quoad constitutionem deste”62.

Segundo o TRG “a circunstância de a entrega da quantia mutuada ser feita diretamente ao vendedor do bem, ou prestador de serviço, corresponde ao cumprimento de um (...) mandato para pagamento ou, eventualmente, uma delegação de pagamento conferida pelo consumidor ao financiador (...), pelo que (...) não afasta a natureza real do contrato de crédito ao consumo na modalidade de mútuo, tendo-se esse contrato por cumprido com a entrega da importância mutuada ao fornecedor do bem adquirido pelo devedor”. Assim, pelo exposto, “deve concluir-se que o contrato de mútuo tem natureza real quoad constitutionem, assente na premissa de que a tradição do objeto mutuado não

59 Idem., p. 49.

60 Cf. JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, Coimbra, Almedina, 2016, p. 292 e FERNANDO DE

GRAVATO MORAIS, Contratos de Crédito ao Consumo, Coimbra, Almedina, 2007, p. 50.

61 Cf. LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, 9ª Edição, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 347-353. 62 Ac. do STJ de 22/06/2005, proferido no âmbito do processo 1618/05.

Referências

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