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BANKS LEITE; GALVÃO [org.]. A educação de um selvagem as experiências pedagógicas de Jean Itard

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Luci Banks-Leite . Izabel Galvão (Orgs.)

Carlos R. Luis. Heloysa Dantas . Leandro de Lajonquiêre Luciano Migliaccio . Regina Maria de Souza

cionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A Educação de um selvagem: as experiências pedagógicas de Jean Itard / Luci Banks-Leite, Izabel Galvão (organizadoras.) - 2.

ed. - São Paulo: Cortez, 2001.

-A EDUC-AÇ-AO

DE UM SELVAGEM

Vários autores. ISBN 85-249-0765-7

1. Crianças selvagens 2. Educação especial 3.Itard, Jean Marc Gaspard, 1775-18384. Menino Selvagemde Aveyron 5. Pedagogia

I. Banks-Leite, Luci. lI. Galvão, Izabel. As experiências pedagógicas

de JEAN ITARD

00-4286 CDD-370 23edição

índices para catálogo sistemático: 1.Itard,Jean: Experiênciaspedagógicas370

G!JJ!c.oRTEZ

(3)

152 RELATÓRIOSDEJEANITARD

influência capital que têm sobre a mente da criança essas compla-cências inesgotáveis, essas pequenas coisas atenciosas que a natu-reza pôs no coração de uma mãe, que fazem desabrochar os pri-meiros sorrisos e nascer as primeiras alegrias da vida.

.

IV

r>Quarta meta: levá-lo ao uso da fala, determinando o exercício da imitação pela lei imperiosa da necessidade

Se eu quisesse produzir só resultados felizes, teria suprimi-do desta obra esta quarta meta, os meios que usei para cumpri-Ia e o pouco sucesso que obtive. Mas meu intento é bem menos apre-sentar a história de meus cuidados do que a dos primeiros

desen-volvimentos morais doselvagem do Aveyron;e nada devo omitir

daquilo que pode ter a menor relação com eles. Serei mesmo obri-gado a apresentar aqui algumas idéias teóricas e espero que me perdoarão por isso ao ver a atenção que tive de só sustentá-Ias em fatos, e reconhecendo a necessidade que tenho de responder a

es-tas eternas objeções:l!.~elvagem fala? Se não é surdo, por que

não fala?

(4)

154 RELATÓRIOSDEJEANITARD

audição, se a julgamos pela pouca ou nula ação que tinham sobre esse órgão, há um ano, todos os sons e os ruídos que não se refe-riam às necessidades do indivíduo e pela sensibilidade delicada que esse sentido demonstrava para aqueles, ao contrário, que ti-nham alguma relação com elas. Quando se descascava, sem ele saber e o mais devagar possível, uma castanha, uma noz; quando somente se tocava na chave da porta que o mantinha cativo, ele nunca deixava de se virar bruscamente e acorrer ao lugar de onde

partia o ruído. S~Q..órgão @.au_diçãonãQQ~l1tQnstraYaa.mesma

suscetibilidade para os sons da voz, nem sequer para a explosão

~as~as de fogo, é porqu~~le~_r<!n~cessariamente pouco

sensí-vef e põuco atento a qualquer O!l!Taimpre~são q!}e_nãofQsse aque-la côm que tivera um. longo e exclusivo há~i!9lO.Portanto, imagi-na-se por que o ouvido, muito apto para perceber certos ruídos, mesmo os mais leves, deve sê-Io muito pouco para apreciar a arti-culação dos sons. Aliás, não bast'h.Qara falar, perceber o som da voz; c:.\!lIlpreainda apre~iar ~ articulação desse som; duas opera-ções bem distintas e que exigem, da parte do órgão, condiopera-ções diferentes. Basta, para a primeira, certo grau de sensibilidade do nervo acústico; é preciso, para a segunda, uma modificação espe-cial dessa mesma~ensibitidade. Logo, pode-se, com ouvidos bem

10. Observei, para dar mais força a esta asserção, que, à medida que o homem se afasta de sua infância, o exercício de seus sentidos fica dia a dia menos universal. Na primeira idade de sua vida, ele quer ver tudo, tocar em tudo; leva à boca todos os corpos

que se lhe apresentam; o menor ruído o faz estremecer; seus sentidos se detêm em todos

os objetos, mesmo naqueles que não têm nenhuma relação com suas necessidades. À

medida que se afasta dessa época, que é de certo modo a da aprendizagem dos sentidos,

os objetos só o impressionam na medida em que se reportam a seus apetites, a seus

hábitos ou a suas inclinações. Mesmo então costuma ocorrer que haja apenas um ou dois de seus sentidos que lhe despertem a atenção. Como um músico experiente que, atento a

tudo o que escuta, é indiferente a tudo o que vê. Como, também, um mineralogista e um

botânico exclusivos que, num campo fértil de objetos de suas pesquisas, vêem, o

primei-ro só minerais e o segundo só pprimei-roduções vegetais. Como um matemático sem ouvido,

que dirá ao sair de umapeçade Racine: "O que é que tudo isso prova?" Portanto, se,

após os primeiros anos da infância, a atenção só incide naturalmente sobre os objetos

que têm com nossos gostos relações conhecidas ou pressentidas, imagina-se por que o

nosso jovem selvagem, tendo apenas um pequeno número de necessidades, devia

exerci-tar seus sentidos apenas num pequeno número de objetos. Aí está, se não estou

engana-do, a causa dessa desatenção absoluta que impressionava todos por ocasião de sua

che-gada a Paris, e que no momento atual desapareceu quase completamente porque o

fize-ram sentir a ligação que têm com ele todos os novos objetos que o cercam.

...

1r

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RELATÓRIOI - DA EDUCAÇÃODEUMHOMEMSELVAGEMOUDOSPRIMEIROSDESENVOLVIMENTOS... 155

organizadose bem vivos, não apreendera

articulaçãodaspala-vras. Encontramos entre os cretinos muitos mudos e que, entre-tanto, não são surdos. Há entre os alunos do cidadão Sicard* duas ou três crianças que ouvem perfeitamente o som do relógio, uma batida de palmas, os mais baixos tons da flauta e do violino e que, porém, nunca puderam imitar a pronunciação de uma palavra, embora articulada muito alto e muito lentamente. Assim,

podt~ría-Il1osdizer que a fala é uma espécie de músi~_a~à C}!l'!lcertos

ouvi:-dos, embora bem constituídos aliás, podem ser insensíveis. Dar-se-ia o mesmo com o menino em questão? Não o penso, conquan-to minhas esperanças repousem num pequeno número de faconquan-tos. É verda~~_~u~.minhastentativas a esse respeito não foram mais nu-meros(is e que,--muitotempo embaraçado sobre o partido que eu' tinha ~e tomar, limitei-me ao papel de observador. Eis, portanto, o que notei.

Nos quatro ou cinco primeiros meses de sua permanência

em Paris, oselvagem do Aveyron só se mostrou sensível aos

di-ferentes ruídos que tinham com ele as relações por mim indicadas.

No correrde frimário**elepareceuouvira voz humana;e

quan-do, no corredor vizinho de seu quarto, duas pessoas conversa-vam em voz alta, acontecia-lhe muitas vezes aproximar-se da porta para se assegurar de que estava bem fechada e empurrar nela uma meia-porta interior, com o cuidado de pôr o dedo no ferrolho para garantir ainda melhor seu fechamento. Notei, al-gum tempo depois, que ele distinguia a voz dos surdos-mudos, ou melhor, esse grito gutural que lhes escapa continuamente em seus jogos. Ele parecia mesmo reconhecer o local de onde partia o som. Pois, se o escutava ao descer a escada, nunca deixava de subir de novo ou de descer mais precipitadamente, conforme o

grito partisse de

baixo

ou de cima. Fiz, no começo do nivoso,

uma observação muito interessante. Um dia que ele estava na cozinha ocupado em cozinhar batatas, duas pessoas discutiam

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I

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I

II

*o padre Roch-Ambroise Cucurron, conhecido como Sicard, pedagogo francês

nascido em 1742 e falecido em 1822. Autor de várias obras sobre a educação dos

surdos-mudos, Sicard era na época diretor do Instituto de Surdos-Mudos de Paris. (N. daT.)

** Denominação criada durante a Revolução Francesa para o terceiro mês do ano.

(5)

156 RELATÓRIOSDEJEANITARD

I!I

vivamente atrás dele, sem que ele parecesse dar-Ihes a menor atenção. Sobreveio uma terceira que, metendo-se na discussão,

começava todas as suas réplicas com estas palavras: oh! é

dife-rente. Observava que todas as vezes que essa pessoa deixava

escapar sua exclamação favorita: oh!, o selvagem do Aveyron

virava vivamente a cabeça. Fiz, à noite, na hora em que ele ia deitar-se, algumas experiências sobre essa entonação, e obtive quase os mesmos resultados. Passei em revista todas as outras entonações simples, conhecidas sob o nome de vogais, sem

ne-nhum sucesso. Essa preferência pelo o conduziu-me a dar-lhe

um n.().lIleque terminasse com essa vogal.~scol~ do nome

yictor. Esse nome ficou-lhe, e quando

é

pronunciado em voz alta,

ele raramente deixa de virar a cabeça ou de acorrer. Talvez seja ainda pela mesma razão que mais tarde ele compreendeu o

signifi-cado da negaçãonon*,que costumo utilizar para fazê-Io corrigir

seus erros, quando se engana em nossos pequenos exercícios. Em meio a esses desenvolvimentos lentos, mas sensíveis, do órgão do ouvido, a voz continuava muda e recusava emitir os sons articulados que o ouvido parecia apreciar; entretanto, os órgãos vocais não apresentavam em sua conformação exterior nenhum vestígio de imperfeição, e não havia motivo de imaginar alguma em sua organização interior. É verdade que se vê na parte superior e anterior do pescoço uma cicatriz bastante extensa, que poderia lançar alguma dúvida sobre a integridade das partes subjacentes, se não se fosse tranqüilizado pelo aspecto da cicatriz. Ela anuncia, na verdade, uma ferida feita por um instrumento cortante; mas, ao ver sua aparência linear, é-se levado a crer que a ferida era apenas tegumentária e que se reuniu de uma só vez ou, como se diz, por primeira indicação. É de presumir que uma mão, mais disposta do que acostumada ao crime, terá querido atentar contra os dias da-quele menino e que, deixado como morto nos bosques, ele terá devido apenas aos socorros da natureza a pronta cura de sua feri-da; o que não poderia ter-se efetuado de modo tão feliz se as par-tes musculosas e cartilaginosas do órgão da voz tivessem sido di-vididas.

II

*Não em francês. (N. da T.)

6

RELATÓRIOI-DA EDUCAÇÃODEUM HOMEMSELVAGEMOUDOSPRIMEIROSDESENVOLVJMENTOS...

Essas considerações me levaram a pensar, 9!!'!.l!~0o ouvido começou a p~rceber alguns sons, queLse ayo.z não os repetia, não. se devia acusar uma lesão orgânica sua, mas as circunstância~..d~~-favoráveis. A falta total de exercício deixa nossos órgãos inaptos para as suas funções; e, se aqueles já afeitos aos seus usos são tão fortemente afetados por essa inação, o que será daqueles que cres-cem e se desenvolvem sem que nenhum agente tenda a pô-Ios em funcionamento? São necessários dezoitomeses pelo menos de uma educação cuidadosa para que a criança balbucie algumas palavras; e vai-se querer que um duro habitante das florestas, que está na sociedade apenas há catorze ou quinze meses, tendo passado cin-co ou seis deles entre surdos-mudos, já estivesse em cin-condições de falar! Não só isso não deve ser; mas cumprirá, para alcançar esse ponto importante de sua educação, muito mais tempo, muito mais trabalho do que são precisos a menos precoce das crianças. Esta não sabe nada; mas possui num grau eminente a suscetibilidade de aprender tudo; tendência inata à imitação; flexibilidade e sensibi-lidade excessivas de todos os órgãos; mobisensibi-lidade incessante da língua; consistência quase gelatinosa da laringe; tudo, numa pala-vra, tudo concorre para produzir nela esse chilreio contínuo, apren-dizado involuntário da voz também favorecida pela tosse, pelo espirro, pelos gritos dessa idade e mesmo os choros, pelos choros que se devem considerar não só os indícios de uma viva excitabili-dade.mas também um móbil poderoso, aplicado sem descanso e nas horas mais oportunas aos desenvolvimentos simultâneos dos órgãos da respiração, da voz e da fala. Que me concedam essas grandes vantagens e respondo por seu resultado. Se reconhecem comigo que já não se deve contar com isso na adolescência do jovem Victor, que concordem também com os recursos fecun-dos da Natureza, que sabe criar para si novos meios de educação quando causas acidentais vêm a privá-Ia daqueles que ela primi-tivamente dispusera. Eis, pelo menos, alguns fatos que podem fazer esperá-Io.

Eu disse, no enunciado desta quarta meta, que me

propu-nha a conduzi-Io ao uso da fala, determinando o exercício da

imitação pela lei imperiosa da necessidade. Convencido, de fato,

pelas consideraçõesemitidas nestes dois últimos parágrafos

e 157

(6)

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158 RELATÓRIOSDEJEANITARD RELATÓRIOI- DA EDUCAÇÃODEUMHOMEMSELVAGEMOUDOSPRIMEIROSDESENVOLVIMENTOS...

159

por umaoutranãomenosconcludentequelogo exporei,quenão sedevia contarsomentecom um trabalhotardio daparte da la-ringe, eu devia agir de tal modo que a ativassecom a isca dos objetosnecessáriosàssuasnecessidades.Eu tinha motivospara crer que,como a vogalofoi a primeira ouvida,seriaa primeira

pronunciada;e achei muito vantajosoparameuplano que essa mera pronunciaçãofosse,ao menos

quanto

ao som, o sinal de uma das necessidadesmais comunsdessemenino.Entretanto, nãopudetirar nenhumpartidodessafavorávelcoincidência.Em vão,nosmomentosemquesuasedeeraardente,eu seguravana frente dele umacanecacheiade água,gritandofreqüentemente

eau, eau*;dando a caneca a uma pessoa que pronunciava a

mes-ma palavra ao lado dele, e eu mesmo a reclames-mando por esse meio, o infeliz se atormentava em todos os sentidos, agitava os braços ao redor da caneca de uma maneira quase convulsiva, soltava uma espécie de assobio e não articulava som nenhum. Seria de-sumanidade insistir mais. Mudei de tema, sem contudo mudar de

método. Foi sobre a palavralait**que incidiram minhas

tentati-vas. No quarto dia dessa segunda tentativa fui bem-sucedido na

medida de meus desejos, e ouvi Victorpronunciar

distintamen-te, de uma maneira um tanto rude na verdade, a palavralait,que

repetiu quase em seguida. Era a primeira vez que saía de sua

boca um somarticulado,

enãoo

ouvisema maisviva satisfação.

Fiz, não obstante, uma reflexão que diminuiu muito, aos meus olhos, a vantagem desse primeiro sucesso. Foi apenas no mo-mento em que, perdendo a esperança de conseguir, eu acabava de verter o leite na xícara que ele me apresentava, que a palavra

laitescapou-lhe com grandes demonstrações de prazer; e ainda

foi somente depois que eu lho tivesse vertido de novo como re-compensa, que a pronunciou pela segunda vez. Vê-se por que esse modo de resultado estava longe de Tealizar minhas inten-ções; a palavra pronunciada, em vez de ser o signo da necessida-de, era, relativamente ao tempo em que ela fora articulada, ape-nas uma vã exclamação de alegria. Se essa palavra tivesse saído

de sua boca antes da concessão da coisa desejada, estava tudo

certo; o verdadeiro uso da fala fora apreendido porVictor;

esta-belecia-se um ponto de comunicação entre ele e eu, e os progres-sos mais rápidos decorreriam desse primeiro sucesso. Em vez de tudo isso, eu acabava de obter apenas uma expressão, insignifi-cante para ele e inútil para nós, do prazer que sentia. A rigor, era mesmo um sinal vocal, o sinal da posse da coisa. Mas aquele, repito, não estabelecia nenhuma relação entre nós; devia ser logo posto de lado, pela própria razão de ser inútil às necessidades do indivíduo e sujeito a uma profusão de anomalias, como o senti-mento efêmero e variável de que se tomara o indício. Os resulta-dos subseqüentes dessa direção errada foram tais como eu os temia. O mais das vezes era apenas na alegria da coisa que a

palavraZaitse fazia ouvir. Algumas vezes ocorria-lhe

pronunciá-Ia antes e outras vezes logo depois, mas sempre sem intenção. Tampouco atriQuQj!!ll'_qrtânciaà repetição espont~~_ea~t? ele

fazia dela,-~ÇLu~j~]: aind~,_l!.~~~ da noite qu~n~o velI1_a

acordar.

Depois desse primeiro resultado, renunciei totalmente ao método pelo qual o obtivera; esperando o momento em que as circunstâncias me permitirão substitui-Io por outro que julgo mui-to mais eficaz, abandonei o órgão da voz à influência da imitação que, embora fraca, não está porém extinta, a julgar por alguns pequenos progressos posteriores e espontâneos.

A palavralaitfoi paraVictora raiz de doisoutrosmonossílabos,

Zaeli,aos quais certamente associa ainda menos sentido. Há pouco

modificou o último acrescentando-lhe um segundoIe

pronuncian-do-osamboscomo oglida línguaitaliana.Ouvem-nofreqüentemente

repetirZhi,lhi,com uma inflexão de voz que não deixa de ser doce.

É impressionanteg~e~l'_alatiza~°1.q~-~~~ as crian_~suma elas

s-íla~s mais difíceis de pronunciar, seja uma das primeiras que ele tenha articulado. Eu não estaria longe de acreditar que há nesse penoso trabalho da língua um tipo de intenção em favor do nome

Julie,

jovemsenhoritade onzea doze

anos,

que vempassaros

do-mingos na casa da Senhora Guérin, sua mãe. É certo que neste dia

as exclamações

Zhi,lhi,

ficammais freqüentese se fazematé,

se-gundo sua govemanta, ouvir durante a noite, nos momentosem que

* A pronúncia em francês para eau (água) éô.(N. da T.)

** Leite em francês. cuja pronúncia éZé.(N. da T.)

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(7)

160 RELATÓRIOSDEJEANlTARD

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hárazões de se acreditarque ele dormeprofundamente.Não se pod~

determinar ao certo a causa e o valor deste último fato. Há que espe-rar que a puberdade mais avançada nos tenha fornecido, para classificá-l o e para explicá-Io, um maior número de observações. A última aquisição do órgão da voz é um pouco mais considerável e composta de duas sílabas que valem bem três pela maneira que ele pronuncia a última. É exatamente oh Dieu!* que aprendeu com a

Senhora Guérin e que deixa freqüentemente escapar em suas gran-des alegrias. Pronuncia-a suprimindo oudeDieu e enfatizando o i

como se fosse duplo, de maneira que o ouvimos gritar distintamen-te:oh Diie! oh Diie! Ooque encontramos nessa última combinação

de som não era novo para ele, e eu havia conseguido algum tempo antes fazê-Io pronunciá-lo.

Eis, quanto ao órgão da voz, o ponto em que estamos. Vê-se que todas as vogais, com exceção dou,já entram no pequeno

nú-mero de sons que ele articula e que nele encontramos apenas três consoantes, I, d eIpalatizado. Esses progressos sem dúvida são

muito fracos, se os comparamos aos exigidos pelo desenvolvimento completo da voz humana, mas pareceram-me suficientes para ga-rantir a possibilidade desse desenvolvimento. Expus acima as cau-sas que devem necessariamente torná-Io longo e difícil. Há mais uma que não deixará de contribuir para isso e que não devo deixar passar em silêncio. ..!ta-Íag!i<tade..qlle .2_~ selYag~m tem de expre~~~!:,de outr.2..!!!odo.9.!!.~I}ã.opelaJa1a,_Q.pequeno~ro..de ~uas nec.essidadesl1. Cada uma de suas vontades se pla,nifesta..~ ~osmais expressivos sinais~QdQ...çomo os nos-sos, s_uasg!:~d~ções e sua sinonímia. Chegou a hora do passeio, ~e[ese apresenta várias vezes diante da vidraça e diante da porta de

seu quarto. Se então percebe que sua governanta não está pronta, dispõe na frente dela todos os objetos necessários para sua toalete e, em sua impaciência, chega mesmo a ajudá-Ia a vestir-se. Feito

* Ó Deus, cuja pronúncia é 6 Diê. (N. da T.)

11. Minhas observações confirmam ainda, sobre esse ponto importante, a opinião

de Condillac que diz, falando da origem da linguagem dos sentidos: "A linguagem de

ação, então tão natural, era um grande obstáculo para superar; poder-se-ia abandoná-Ia

por uma outra cujas vantagens não se previam e cuja dificuldade se fazia sentir tão

bem?".

...

JJ II

RELATÓRIO I-DAEDUCAÇÃODEUMHOMEMSELVAGEMOUDOSPRlMEIROSDESENVOLVIMENTOS... 161

isso, é Oprimeiro a descer e puxa sozinho ocordãoda porta. Ten-do chegaTen-doao Observatório, seu primeiro cuidaTen-do é pedir leite; o que faz apresentandouma gamela de madeira, quenunca esquece, ao sair, de pôr no bolso e daqual se muniu pela primeira vez no

dia seguinte àquele em que havia quebrado, na mesmacasaepara

o mesmo uso, uma xícara de porcelana.

Aí também,para tornar mais completos os prazeres de suas

tardes, tiveram, faz algum tempo, a bondade de transportá-Io num carrinho de mão. Desde então, assim que é tomado pela vontade, se ninguém se apresenta para satisfazê-Io, ele entra em casa, pega alguém pelo braço, leva-o ao jardim e põe-lhe entre as mãos as varas do carrinho, no qual se instala imediatamente; se resistem a esse primeiro convite, sai do assento, retoma às varas do carrinho, faz que dêem algumas voltas e vem instalar-se de novo, imaginan-do decerto que, se seus desejos não são realizaimaginan-dos, não é por falta de tê-Ios manifestado claramente.

Trata-se de jantar? Suas intenções são ainda menos duvido-sas. Ele mesmo põe a mesa e apresenta a Senhora Guérin as

tra-vessas,que ela develevarà cozinhapara pegar seus alimentos. Se

é na cidade que ele janta comigo, todos os seus pedidos se dirigem à pessoa que faz as honras da mesa; é sempre a ela que se

apresen-ta para ser servido. Se fingem que não oentendem, ele colocaseu

prato ao lado da comida, que devora com os olhos. Se isso não resulta em nada, pega um garfo e bate-o duas ou três vezes na borda da travessa. Insistem ainda? Então já não mantém comedi-mento; mergulha uma colher ou mesmo sua mão na travessa e, num piscar de olhos, esvazia-a inteira em seu prato. Não é muito m~nos expressivo n~.E1a~~irade demonstrar. as-,lf.~içQ.e~Qe_su~ <Y1!!a;sobr~o aimpaciêJ.1.c:.~flJ!QtécUo.Inúmeros curiosos sabem

como, com mais franqueza natural do que polidez, ele os manda embora, quando, cansado com a duração de suas visitas, apresenta a cada um deles, e sem equívoco, sua bengala, suas luvas e seu

chapéu,empurra-os suavemente para a porta, que fecha em

segui-da impetuosamente sobre elesl2.

12. É digno de nota que essa linguagem de ação lhe é inteiramente natural e que, já

nos primeiros dias de sua entrada na sociedade, empregava-a da maneira mais

expressi-I

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162 RELATÓRIOS DEJEANITARD

Para completar a história dessa linguagem com pantomimas,

devo dizer ainda que Victor a entende com a mesma facilidade

com que a fala. Basta a Senhora Guérin, para enviá-lo buscar água, mostrar-lhe a moringa e fazê-Io ver que está vazia dando ao reci-piente uma posição invertida. Um procedimento análogo basta-me para incentivá-Io a servir-basta-me de beber quandojantamos juntos etc. Mas o que há de mais espantoso na maneira pela qual se pres-ta a esses meios de comunicação é que não há necessidade de ne-nhuma lição preliminar, nem nene-nhuma convenção recíproca para se fazer entender. Convenci-me disso um dia com uma experiên-cia das mais concludentes. Escolhi, entre uma infinidade de ou-tros, um objeto sobre o qual me assegurei de antemão que não existia entre ele e sua govemanta nenhum sinal indicador. Era o caso, por exemplo, do pente que utilizavam para ele e que eu quis que me trouxesse. Eu estaria bem enganado se, eriçando meus ca-belos em todas as direções e apresentando-lhe assim minha cabe-ça em desordem, não tivesse sido compreendido. Fui, de fato, e logo tive entre as mãos o que eu pedia.

Muitas pessoas vêem em todos esses procedimentos só o modo de agir de um animal; quanto a mim, confessarei, creio re-conhecer aí, em toda a sua simplicidade, a linguagem de ação, essa linguagem primitiva da espécie humana, originalmente em-pregada na infância das primeiras sociedades, antes que o traba-lho de vários séculos tivesse coordenado o sistema da fala e

fome-i cido ao homem civilizado um fecundo e sublime meio de

aperfei-çoamento, que faz desabrochar-lhe o pensamento mesmo em seu

f berço, e que ele emprega toda a vida sem apreciar o que é para ele,

e o que ele seria sem esse meio se ficasse acidentalmente privado dele, como no caso que nos ocupa. Decerto virá um dia em que necessidades mais multiplicadas farão o jovem Victor sentir a

ne-cessidade de usar novos signos. O emprego defeituoso que ele faz de seus primeiros sons poderá mesmo retardar essa época, mas

va, "Quando teve sede", disse o cidadão Constant-Saint-Esteve, que o viu no início

des-sa época interesdes-sante, "levou seu olhar à direita e à esquerda; tendo avistado uma moringa,

põe minha mão na sua e conduziu-me para a moringa, na qual bateu com a mão

esquer-da, para pedir-me de beber. Trouxeram vinho que ele desdenhou demonstrando

impa-ciência pela demora que eu mostrava em dar-lhe água",

.

RELATÓRIO 1- DA EDUCAÇÃO DE UM HOMEM SELVAGEM OU DOS PRlMElROS DESENVOLVIMENTOS '" 163

não a impedir. Ocorrerá talvez nem mais nem menos o que acon-tece à criança que primeiro balbucia a palavra papai, sem lhe

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