• Nenhum resultado encontrado

O DIREITO À EDUCAÇÃO NO CAMPO: A “VOZ” DOS ESTUDANTES DAS ESCOLAS DO RIBEIRÃO SECO - ITABUNA - BAHIA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "O DIREITO À EDUCAÇÃO NO CAMPO: A “VOZ” DOS ESTUDANTES DAS ESCOLAS DO RIBEIRÃO SECO - ITABUNA - BAHIA"

Copied!
111
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP

José Carlos Sena Evangelista

O DIREITO À

EDUCAÇÃO NO CAMPO: A “VOZ” DOS

ESTUDANTES DAS ESCOLAS DO RIBEIRÃO SECO -

ITABUNA - BAHIA

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

José Carlos Sena Evangelista

O DIREITO À

EDUCAÇÃO NO CAMPO: A “VOZ”

DOS ESTUDANTES DAS ESCOLAS DO RIBEIRÃO

SECO - ITABUNA - BAHIA

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Dissertação apresentada à banca

examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Educação pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade. Orientador: Prof. Doutor Carlos Antonio Giovinazzo Júnior

(3)

Banca examinadora

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

(4)

DEDICATÓRIA

A minha família, em especial, Mônica A. Araujo Guerra (minha esposa), minha filha Ayana (bela flor da manhã), Marieta Sena (minha mãe), Rosangela Araújo (minha sogra e segunda mãe) pelo incentivo, apoio e compreensão;

A equipe da Fundação Carlos Chagas responsável, no Brasil, pelo IFP: International Fellowships Program – Ford Fundacion: Fúlvia Rosemberg, Maria Luisa Ribeiro, Ida Lewkowich, Leandro Andrade, Raquel Ribeiro, Marcia Caxeta e Marli Ribeiro;

À Assessoria/Coordenação Municipal da Educação do Campo, às professoras e moradores da comunidade do Ribeirão Seco (Itabuna-Bahia), que me receberam com simpatia.

(5)

Agradecimentos

Uma pesquisa acadêmica é resultado de parcerias, de apoio de compreensão e de uma trajetória de vida anterior, por isso, tenho muito que agradecer. Quiçá eu não esqueça nenhuma pessoa e se por acaso isso aconteça, desde já peço perdão.

Agradeço a Deus, força vital do universo, pelo dom da vida. A Fundação Ford e Fundação Carlos Chagas pelo apoio sem o qual seria difícil ter vivido a experiência de cursar o mestrado na PUC-São Paulo;

Ao meu orientador, o prof. Carlos Antonio Giovinazzo Júnior, pela dedicação na leitura de meus escritos.

Aos meus professores do programa EHPS: Prof. Dr. José Geraldo Bueno, Profa. Dra. Circe Bittencourt, Profa. Dra. Leda Maria de Oliveira Rodrigues, Profa. Dra. Alda Junqueira Marin, pelas contribuições acadêmicas; Ao prof. Luiz Bezerra Neto pelas críticas e contribuições e; a Betinha pela amizade.

Aos bolsistas Ford que foram presença mais constantes na minha estada em São Paulo: Mazé, Rafael, Ernandes, Patrício, Flávio, Eduardo Estevam, Linda Terena, Sarlene, Janaína, Joselene, Giane, Maria de Lourdes, Elias, Sandra, Carla, Regimeire, Flaviana, Geisel, Romilda. E aqueles que sempre mandam mensagens eletrônicas (Alessandra, Ailton, Beatriz, Cajetano, Cícero, Elton do Cavaquinho, Euvadelis, Irismar; Jaqueline, Joaquim, João Paulo, Juvenal, Rizia, Ronaldo, Roseane, Wanderson Wladimir, Zanete e Zilma), a certeza de que somos vitoriosos.

Aos companheiros e companheiras do Coletivo de Alfabetizadores Populares da Região Cacaueira (CAPOREC): Marinalva, Noel, Meire, Mariluce, Telma, Célia Souza, Célia Nogueira, Lindaura, Nádia, Eliana, Daí, Dalva, Ceiça, Dene, Eliete, Ariana, Sueli, Rosilda, Rosilene, Rita de Cássia, Geovani, Gilvone Camilleri, Joel, Maria José, Elisa, Soares Neto, Ir. Idalina, Valdir, Frei Vantuir (in memória), Alda, Damiana, Joana, Joélia, Valdirene, com quem vivenciei as primeiras experiências coletivas;

(6)

As professoras Jeanes Larchert, Maria Neusa Oliveira e Gilvânia pelo incentivo e pela leitura inicial de proposta de candidatura a Bolsa de pesquisa;

Ao amigo Issac Vitório Ferraz, bem minuciosa leitura e contribuição na revisão deste trabalho;

A turma do Departamento de Educação Básica da Secretaria de Educação do Município de Itabuna, pessoas com as quais tive o prazer de trabalhar em 2009: Kadja, Regiane, Fátima Vasconcelos, Tânia, Paulo Alves, Rita Lima, Tereza, Lilian, Cristina, Lucinede, Marcia, Marta, Ana Paula, Keila, Lisangela, Cássia, Juliana, etc.

A Lucimara, Aldacir, Val, Braz e toda a comunidade do Ribeirão Seco.

Aos meus primeiros professores: Ciromar, Rosália Barbosa, Eunice Seara, Ivone Soares, Antonio Marcio Aranha, Amélia Belmiro, Cássia Brito, Silvia, Nite e Tereza Soares. E outros professores que vieram a seguir: Isabel, Fátima, Suely, Serly, Jonildes, Eugênia Xavier, Noélia Xavier, Joelma Amparo, Tatá e Euzimar, que me incentivaram a continuar os estudos.

(7)

O direito à

educação no campo: a “voz” dos estudantes das escolas do

Ribeirão Seco - Itabuna - Bahia

RESUMO

A presente investigação teve por finalidade refletir sobre a garantia do direito à educação no campo, analisando as contradições expressas nos discursos dos estudantes oriundos de escolas da comunidade do Ribeirão Seco (Itabuna-Bahia). Esses alunos são transferidos de três escolas da Comunidade do Ribeirão Seco (área rural) para escolas urbanas para a continuidade da escolarização porque na comunidade não é ofertado o ensino regular a partir do segundo segmento do Ensino Fundamental, muito menos ensino médio. A pesquisa foi fundamentada na proposta de valorização da “voz” dos alunos defendida na pedagogia radical de Henri Giroux (1988), na noção de cultura vivida em Raymond Williams (1992) e Terry Eagleton (2005), bem como nas reflexões sobre o direito à educação em Carla Boto (2005), Carlos Jamil Cury (2002), Roseli Caldart (2002), Mônica Molina (2007) e Adelaide Coutinho (2009). Dessa perspectiva foi apresentado o discurso (a voz) dos estudantes do Ribeirão Seco sobre seu percurso escolar, suas dificuldades para estudar, a relação com as escolas e o direito a ter escola no campo. Os resultados da análise indicam que, embora a política educacional existente no município de Itabuna não chega a ser uma negação de seu direito à educação escolar, não supera a limitação de acesso da maioria da população do campo aos níveis mais elevados de escolaridade, por contas da inexistência de escolas no campo com os anos finais do ensino fundamental e ensino médio.

Palavras-chave: direito à educação, escola no campo, estudantes de áreas rurais.

(8)

The right to education in the country: the "voice" of students from

schools of Ribeirão Seco - Itabuna (Bahia)

ABSTRACT

This research aims to reflect on the guarantee of the right to education in the country, analyzing the contradictions of the discourses of students from the schools in the community of Ribeirão Seco (Itabuna-Bahia). These students are transferred from three schools in Ribeirão Seco Community (rural) to urban schools for continuing education because the community is not offered in regular education from the second segment of the elementary school, very least secondary education. The research was based on the policy of appreciating the "voice" of students of radical pedagogy of Henri Giroux (1988), in culture lived in Raymond Williams (1992) and Terry Eagleton (2005), as well as reflections on the Right to Education Carla Dolphin (2005), Carlos Jamil Cury (2002), Roseli Caldart (2002), Monica Molina (2007) and Adelaide Coutinho (2009). This perspective was presented the speech (voice) of the students in Ribeirão Seco on their schooling, their difficulties in studying the relationship with schools and the right to have school in the field. The results of the analysis of the speech of students is that although the existing educational policy in the city of Itabuna not come to be a denial of their right to school education, is at least a limited access of the majority of the field at the level highest education, consequence of the lack of schools in the final years of primary and secondary education.

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

O problema de pesquisa ... 15

Hipótese ... 16

Objetivos da Pesquisa ... 16

O percurso da investigação ... 17

Categorias utilizadas para análises ... 21

1. Relação campo-cidade ... 22

2. Natureza e cultura ... 24

3. Cultura vivida ou “cultura como modo de vida” ... 25

4. A “voz” dos alunos em sintonia com a cultura escolar vivida ... 26

CAPITULO I - O DIREITO AO ESTUDO: NO CAMPO E NA CIDADE ... 28

1.1 Relação campo e cidade ... 28

1.2 Educação no campo: uma revisão necessária ... 31

1.3 Do direito humano à educação onde vivem as pessoas ... 33

1.4 Os estudos acadêmicos sobre educação do campo ... 36

1.5 O contexto Histórico e Geográfico do Ribeirão Seco ... 41

CAPITULO II – CONQUISTANDO O DIREITO À ESCOLA NO CAMPO ... 53

2.1 As lacunas e limitações da história da educação brasileira ... 53

2.2 As tendências da educação rural ... 60

2.3 Políticas atuais que definem a educação do campo ... 66

CAPITULO III - A “VOZ” DO ESTUDANTES DO RIBEIRÃO SECO ... 69

3.1 Apresentação e análise dos dados ... 70

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 85

REFERÊNCIAS ... 87

APENDICES ... 94

Questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa ... 95

Roteiro de entrevista aos suejtos da pesquisa ... 97

Entrevista com os suejtos da pesquisa ... 98

(10)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Situação geográfica de Itabuna na microrregião Ilhéus-Itabuna ... 43 Figura 2 - Mapa do Território de Identidade 05 – Litoral Sul da Bahia ... 44 Figura 3 - Mapa Municipal Estatístico de Itabuna – Bahia ... 46 Figura 4 - Nível de escolaridade dos sócios da associação de pequenos produtores do

(11)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Situação educacional dos estudantes sujeitos da pesquisa ... 70 Tabela 2 - Composição das famílias, por gênero, chefes de famílias, faixa etária e renda. ... 72 Tabela 3 - Condições de moradia das famílias do Ribeirão Seco ... 73 Tabela 4 - Dados de Matrícula das Escolas do Campo em Itabuna, Bahia, de 2004 a

(12)

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

APPRS Associação dos Pequenos Produtores do Ribeirão Seco (Itabuna – Bahia) ATAC Associação dos Trabalhadores Agrícolas de Camacã (Bahia)

CBAPGA Comissão Brasileiro-Americana de Produção de Gêneros Alimentícios CBAR Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais CEAA Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos

CET Coordenação Estadual dos Territórios

CNE Conselho Nacional de Educação CNER Campanha nacional de Educação Rural CPC Centros Populares de Cultura

ETA Escritório-Técnico Brasileiro – Americano de Agricultura GTP Grupo de Trabalho Permanente

INEP Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MAIC Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio MCP Movimento de Cultura Popular

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MEB Movimento de Educação de Base MÊS Ministério da Educação e Saúde

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra PAA Programa de Aquisição de Alimentos

PCB Partido Comunista Brasileiro

PNAC Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania Pronera Programa de Educação na Reforma Agrária PTB Partido Trabalhista Brasileiro

SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SEI Superintendência de Estudos Sociais Econômicos da Bahia

SNA Sociedade Nacional de Agricultura SPA Sociedade Paulista de Agricultura

(13)

INTRODUÇÃO

O direito à educação de qualidade é um direito de todos os cidadãos, não apenas de uma minoria privilegiada, mas infelizmente existe um numeroso contingente populacional que não tem esse direito garantido, “afinal, a educação escolar é uma dimensão fundante da cidadania, e tal princípio é indispensável para políticas que visam à participação de todos” (Cury, 2002: 246).

Historicamente, as escolas situadas no meio rural foram criadas para ensinar as primeiras letras, o ensino elementar, por isso, até hoje a maioria delas só funcionam da Educação Infantil ao 5º ano do ensino fundamental, em escolas multisseriadas (Brasil, 2007). A partir do 6º ano, o estudante enfrenta uma difícil maratona para continuar seus estudos em escolas distantes de sua residência e de sua realidade, contribuindo para a reprodução das desigualdades sociais e educacionais. Além disso, as péssimas condições materiais e pedagógicas, a exemplo da estrutura física das escolas, da ausência de material didático-pedagógico de boa qualidade, da baixa formação pedagógica das professoras, das más condições das estradas, do uso de transporte escolar irregular, das práticas educativas e de livros didáticos desconexos da realidade dos estudantes constituem como obstáculos para a aprendizagem (Brasil, 2007).

Tais situações relatadas sobre a escola no campo reforçam o papel desta instituição como reprodutora das desigualdades sociais entre as classes, entre os locais de origem, entre as grandes regiões brasileiras e entre o campo e a cidade.

Ainda assim, em muitos locais no meio rural, “as escolas, ofertadas sob a forma do multisseriado, representam a única presença explícita do Estado” (Antunes-Rocha; Hage, 2010:18).

No último ciclo do ensino fundamental e no ensino médio, só resta uma alternativa para as pessoas que desejam continuar seus estudos, frequentar as escolas das cidades, vilas ou povoados, mediante a política do transporte escolar que tem crescido bastante nos últimos anos. Da mesma forma, a nucleação das escolas multisseriadas em comunidades rurais maiores, em povoados ou nas cidades vem sendo utilizada como solução dos problemas decorrentes desse tipo de instituição de ensino.

(14)

grandes problemas enfrentados pelas escolas rurais multisseriadas, resultando no fechamento de escolas em pequenas comunidades rurais e na transferência dos estudantes para escolas localizadas em comunidades rurais mais populosas (sentido campo-campo) ou para a sede dos municípios (sentido campo-cidade). Dados oficiais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Censo Escolar 2006, fortalecem essa argumentação ao revelarem que as escolas exclusivamente multisseriadas passaram de 62.024 em 2002 para 50.176 em 2006, e as matrículas nesse mesmo período passaram de 2.462.970 para 1.875.318; e que houve um crescimento no deslocamento dos estudantes do meio rural no sentido campo-cidade de mais de 20 mil alunos transportados, e no sentido campo-campo de mais de 200 mil estudantes transportados em 2006 (ANTUNES-ROCHA; HAGE, 2010: 17).

Em meados de 2011, o movimento dos Trabalhadores Rurais lançou uma campanha contra o fechamento de escolas do campo. O movimento denunciou que, entre 2002 e 2009 foram fechados 24.396 estabelecimentos de ensino, sendo 22.179 escolas municipais (Albuquerque, 2011: 01). Na entrevista, um dirigente do MST afirma que o Ministério da Educação tem responsabilidade, pois "não se tem, por exemplo, critérios claros que determinem o fechamento de escolas, que explicitem os motivos pelos quais se fecham, ou em que medida se pode ou não fechar uma escola no campo" (Albuquerque, 2011: 02).

Essa mesma situação ocorre em outros países latino-americanos. No Chile, a Rede Chilena de Universidades para a Educação Rural escreveu um manifesto contra o fechamento de escolas rurais no qual explicita a importância dessas escolas nas comunidades e suas diferenças em relação às escolas urbanas:

As escolas rurais são diferentes das urbanas, têm muitas funções que não existem nas escolas urbanas, a sua relação e impacto com a comunidade, na qualidade de vida, na cultura local e seu patrimônio não é comparável às escolas urbanas. Portanto, os critérios para avaliar a existência de uma escola rural não podem ser os mesmos que das áreas urbanas: qualquer decisão deve considerar as necessidades da comunidade.

A escola rural não deve ser vista apenas como uma forma de educar as crianças rurais, porque para as comunidades que vivem nesses contextos são muito mais do que isso. O fechamento de uma escola pode provocar uma deterioração e dano maior à qualidade de vida de uma comunidade afetada. Uma escola é parte da sua riqueza e de suas oportunidades (RED CHILENA DE UNIVERSIDADES PARA LA EDUCACIÓN RURAL, 2010, tradução minha).

Muitos representantes políticos brasileiros que estão no poder escolhem fechar escolas públicas no campo, em vez de fazer um investimento para melhorá-las. Essa postura é criticada por Antunes-Rocha e Hage (2010).

(15)

campo, as condições de conservação e o tipo de transporte utilizado, bem como as condições de tráfego das estradas. Concluímos que a saída do local de residência torna-se uma condição para o acesso à escola, uma imposição, e não uma opção dos estudantes do campo (ANTUNES-ROCHA; HAGE, 2010: 17-18).

Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) foi verificado que houve uma redução das desigualdades de escolaridade entre moradores de áreas rurais e urbanas no período de 1988 a 2008.

No entanto, a maior redução de desigualdade na frequência ao ensino fundamental coube à variável rural/urbana. Em 1988, a taxa de frequência líquida da população de 7 a 14 anos residente no campo era 20 pontos percentuais, menor que de habitantes de áreas metropolitanas, mas, em 2007, a diferença entre esses dois segmentos da população reduziu-se a apenas 1,5 pontos percentuais (CORBUCCI et al., 2008: 53).

Embora tenha diminuído as desigualdades na frequência no ensino fundamental na variável urbano/rural, no ensino médio as desigualdades ainda persistem, tanto no recorte regional, quanto de classe, de gênero e de raça (Corbucci et al., 2008: 55-56). O ingresso e permanência com sucesso no ensino médio é um dos maiores desafios dos estudantes oriundas do meio rural e uma lacuna nas pesquisas acadêmicas sobre a escolarização da população do campo.

Ao escolher como sujeitos desta investigação ex-alunos das escolas do Ribeirão Seco no município de Itabuna - Bahia, que cursaram o 5º ano do Ensino Fundamental entre os anos de 2005 e 2010, passando nos asnos seguintes a frequentar escolas urbanas, pretendia enfocar a dificuldades dos referidos estudantes em continuar seus estudos de com aprendizagem satisfatória. Fiz a opção de concentrar o objeto investigativo na “voz” do estudante, ou seja, na percepção e nos discursos dos alunos sobre a escola, com enfoque na “cultura vivida”, especificamente na “cultura escolar” dos referidos estudantes.

O termo educação e escola no campo estão relacionados com a mudança de paradigma da educação rural defendida pelos movimentos sociais rurais para a educação de seus sujeitos e para o fato de que o município de Itabuna (Bahia) adotou esses termos desde 2005, na contando com uma Assessoria Pedagógica de Educação do Campo na gestão municipal e no Plano Municipal de Educação (2010) contém um tópico sobre a educação no campo com metas e plano de ação. O PME de Itabuna considera que as escolas no campo representam a continuidades das escolas rurais criadas por iniciativas dos fazendeiros.

No Município de Itabuna, registra-se a existência de tais escolas desde a época de

“ouro” da região cacaueira, a princípio, mantidas pelos donos das fazendas, que

(16)

casos a merenda escolar. A partir de 1910, com a emancipação de Itabuna, esse quadro foi modificado com a parceria que se estabeleceu entre Poder Público (Prefeitura Municipal) e os fazendeiros da região. Dessa forma, disponibiliza-se nas fazendas espaço apropriado para a aprendizagem e, em contrapartida, a Prefeitura garante o funcionamento desses espaços dando suporte pedagógico, assessoria técnica e administrativa, e lida também com questões infraestruturais diversas, sempre em parceria com os proprietários das fazendas (ITABUNA, 2010: 142).

As escolas no campo do município de Itabuna são continuidade dessas escolas rurais criadas por iniciativas de fazendeiros e mais recentemente implantadas em parceria com a prefeitura municipal, salvo poucas exceções, não são prédios escolares apropriados, porque as construções ficam em propriedades privadas, um impedimento para que haja investimento de recursos públicos. Dadas estas condições, é grande o desafio para assegurar a qualidade da educação e o direito à escola no campo.

PROBLEMA DE PESQUISA

Esta investigação foi em boa parte fundamentada na política de valorização da “voz” dos alunos como portadores de discursos carregados de intenções (Giroux, 1988: 91), portanto, “a noção de que os estudantes têm histórias diferentes e incorporam experiências, linguísticas, culturas e talentos diferentes é estrategicamente ignorada dentro da lógica e contabilidade da teoria pedagógica administrativa” e que é preciso trazer à tona essas experiências escolares vividas pelos alunos (Giroux, 1988: 101).

A intencionalidade dos discursos nem sempre são explicitas, principalmente nos grupos de pessoas que exercitam pouco a política de valorização da “voz” enquanto instrumento de defesa de seus direitos. Trazer à tona os anseios, as queixas e reivindicações que estão implícitas na “voz” dos estudantes, um desafio a ser superado por educadores e pesquisadores comprometidos com a construção de uma educação de qualidade para todos.

(17)

HIPÓTESE

Considerando que em Itabuna não há escolas no campo nos anos finais do Ensino Fundamental, muito menos instituição de ensino que ofertam o Ensino Médio, bem como as condições das estradas vicinais são precárias, logo a continuidade dos estudos da população do meio rural até a conclusão do Ensino Médio e ingresso no Ensino Superior é marcado por obstáculos e dificuldades a serem superados pelos estudantes e suas famílias.

Partindo do embasamento na política de valorização da voz dos estudantes (Giroux, 1988), enquanto sujeitos de direitos. A hipótese desta pesquisa apontava para a possibilidade de que nos discursos dos alunos fossem explicitadas as reivindicações de construção de escola dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio como garantia do direito à educação, pois a atual situação, no mínimo, limita o acesso da maioria ao nível mais elevado do ensino, defendido por Roseli Caldart (2002), Adalgiza Campolim (2007), Miguel Arroyo (2005), Mônica Molina, (2007), Adelaide Coutinho (2009), entre outros.

OBJETIVOS DA PESQUISA

Objetivo Geral:

Refletir sobre a importância da garantia do direito à escola no campo como condição essencial para assegurar o Direito Humano à Educação, ressignificando a “voz” dos estudantes moradores no Ribeirão Seco (Itabuna-Bahia) no contexto histórico atual e da relação campo-cidade e cultura vivida.

Objetivo Específico:

1) Refletir sobre o direito à escola no campo no contexto histórico recente e na delimitação espacial do Território Litoral Sul da Bahia e das escolas do Ribeirão Seco - Itabuna (Bahia);

2) Debater o direito à escola no campo fundamentado no Direito Humano à Educação no lugar onde as pessoas vivem e situando a discussão na política de valorização da “voz” dos estudantes;

(18)

O percurso da investigação

O ponto de partida para o estudo foi conhecer a realidade de estudantes de três escolas do Ribeirão Seco no município de Itabuna-Bahia: conhecer quais são as suas motivações; quais são as dificuldades para estudar; quais anos/séries consideram mais fáceis e quais anos/séries foram mais difíceis; quais as expectativas desses estudantes com relação ao seu futuro escolar; e, para os que pararam de estudar sem concluir o Ensino Médio, o que os levaram a desistir dos estudos.

A escolha de estudantes nos anos finais do ensino fundamental, moradores do campo, como sujeitos da pesquisa também se deve ao fato de que a faixa-etária entre a adolescência e a juventude do campo ser um público pouco pesquisado.

A juventude rural ainda é pouco pesquisada. As condições de aprendiz de agricultor no seio familiar os tornam adultos precoces, sendo vistos apenas pela ótica do trabalho. [...] Os jovens deixam a escola por sucessivas repetências para ajudar a família no trabalho, definitiva ou temporariamente, porque a escola não oferece perspectivas de futuro profissional e também pela gravidez precoce (BRACHA; BRANDÃO et al., 2006: 431).

Para realizar a pesquisa empírica foi percorrido um caminho que teve início em janeiro de 2011 e perdurou até a primeira quinzena de agosto do mesmo ano. No final do mês de janeiro e início de fevereiro fiz as primeiras visitas à comunidade do Ribeirão Seco para identificar os estudantes pela lista de nomes fornecida pela Secretaria Municipal da Educação, atividade que contei com apoio da presidente da Associação de Pequenos Produtores – Jucimara Carvalho dos Santos – e de outros moradores locais, Fábio Batista, Jacqueline, Val e a professora Aldacy.

No primeiro domingo de março retornei à localidade para apresentar o projeto de pesquisa na Assembléia Geral da Associação de Pequenos Produtores do Ribeirão Seco, expondo sobre os objetivos, o problema, os sujeitos e os cuidados éticos da pesquisa, com a oportunidade de ser sabatinado pelas pessoas presentes na reunião.

(19)

das famílias ou diretamente com o estudante maior de idade, era precedida de uma breve apresentação do pesquisador, da pesquisa (tema, finalidade, problema) e da leitura e explicação do termo de “consentimento Livre e Esclarecido”, assinado pelo informante ao aceitar participar da pesquisa, lembrando que nesta pesquisa, os estudantes que participaram da pesquisa receberam pseudônimo para manter o anonimato.

No primeiro momento só foi possível localizar nove dos doze estudantes escolhidos; um deles não aceitou participar e outro retirou o consentimento mais tarde porque estava indo embora da localidade. Durante o mês de julho, aconteceram várias visitas para completar o conjunto de doze estudantes sujeitos da pesquisa, utilizando como critério o seguinte: que o estudante fosse alguém da mesma escola daqueles que foram excluídos da seleção inicial. Ao final, foi composto o grupo de doze estudantes, com distribuição quase igual em relação ao recorte de gênero, sete do sexo feminino e cinco do sexo masculino. No mesmo período foram aplicados os questionários e entrevistei dez dos doze estudantes.

Em agosto, a inexistência de dados sócio-econômicos que desse suporte às informações da população local, voltei ao Ribeirão Seco para aplicar um formulário de levantamento de dados das famílias, a saber: quantidade de pessoas por domicílio, quem era o chefe de família, idade, sexo e escolaridade das pessoas, renda familiar, condições de moradia, consumo de água, energia, destino final do lixo e esgoto. As visitas ao Ribeirão Seco significaram para mim, ao mesmo tempo, sacrifício e alegria. O sacrifício foi por conta da estrada (em péssimas condições), saía de casa, em Ilhéus, bastante cedo, enfrentava chuva ou sol, a lama e os buracos na estrada, e retornava somente à noite. A alegria ficou por conta das pessoas da comunidade, pois são bastante receptíveis, acolhedoras e simpáticas.

Desde a minha primeira visita fui recebido com bastante hospitalidade pelos moradores da área do Ribeirão Seco. Fui testemunha também da solidariedade, por exemplo, em uma das visitas encontrei a confraternização de algumas pessoas que haviam encerrado um mutirão para a limpeza de uma das propriedades, tinham provado da feijoada e estavam comemorando. Ao longo da pesquisa empírica notei a integração das famílias do Ribeirão Seco nos mutirões (trabalhos coletivos), no futebol, nas assembleias da associação, nas celebrações religiosas, nas comemorações e nas rodas de conversas informais.

(20)

concluir o Ensino Médio. Três residem em Itabuna e retornam para a localidade para passar o final da semana com a família. Todos os demais moram no Ribeirão Seco. Dos doze, três estão trabalhando regularmente, os demais ajudam em casa e estudam: as moças no trabalho doméstico e os rapazes, de vez em quando, no serviço da propriedade.

Para analisar as informações contidas nos questionários e entrevistas dos estudantes, foi considerada a noção de experiências e cultura vivida e, sua relação com os conteúdos escolares, discussão presente em alguns trabalhos de Williams (1992), Giroux (1988), Eagleton (2005) e descrito por Paixão (2009) como sendo:

O estudo e a reflexão sobre o movimento dos sujeitos no cotidiano da escola é uma das vias de que dispomos para verificar as intersecções que resultam das relações travadas entre a cultura vivida e o conteúdo das disciplinas curriculares (cultura erudita/formal), escapando do pessimismo, reafirmando o caráter plural do processo de escolarização e as possibilidades de um relacionamento democrático-esperançoso entre educandos e educadores (PAIXÃO, 2009: 10).

O Ribeirão Seco também foi escolhido como o lócus dessa pesquisa porque é a área com maior concentração de pequenos produtores vivendo em minifúndios, constituindo-se num espaço territorial de significativa relevância para verificar a escolarização de camponeses. Na área denominada de Ribeirão Seco existem três escolas públicas municipais, são elas: Escola Municipal Bom Jesus da Lapa, Escola Municipal Cosme e Damião e Escola Municipal Santa Terezinha. Estas são pequenas unidades escolares, de uma única sala, unidocente, com turmas multisseriadas de 1º ao 5º ano do ensino fundamental. As tensões existentes nesse tipo de estabelecimento de ensino são expostas por Souza e Santos (2007):

As escolas multisseriadas encontram grandes dificuldades de funcionamento no sistema educacional brasileiro. Além de correr risco de fechamento pelas prefeituras por não haver demanda de alunos, elas são marginalizadas pela sociedade como escolas com o ensino deficiente. Nesta perspectiva, tenta-se legitimar a idéia de que, para o homem do campo, não são necessárias as letras, apenas a enxada. Por outro lado, as escolas multisseriadas podem ser compreendidas como possibilidade de desenvolver um processo educativo diferente, em que alunos de diversas faixas etárias e experiências podem participar/criar formas coletivas de apropriação do conhecimento. É preciso repensar a organização secular da instituição escola, os tempos e espaços fragmentados (SOUZA; SANTOS, 2007: 214).

Os sujeitos da pesquisa passaram pela experiência escolar multisseriada no Ribeirão Seco, entre 2005 e 2010. Saindo das escolas locais passaram a estudar em escolas urbanas seriadas ou organizadas em ciclos. Faz-se necessário explicar que o sistema municipal de Itabuna é organizado por ciclos da aprendizagem desde 2002, com a existência de algumas escolas seriadas oriundas da política de municipalização realizadas em 2004 (Itabuna, 2008).

(21)

Geral das Escolas do Campo, sediada na Casa do Educador da Escola Grapiúna, localizada na Avenida Inácio Tosta Filho, no centro da cidade de Itabuna, para que tivesse acesso aos nomes dos estudantes egressos das referidas escolas no período de 2005 a 2010, que totalizam 92 (noventa e dois) estudantes que concluíram a antiga 4ª série, atual 5º ano do Ensino Fundamental nas três escolas municipais consideradas.

Desde a fase inicial da pesquisa ficou evidente a importância de ouvir os estudantes moradores do campo sobre suas experiências de vida, seus anseios, seus desejos, suas queixas, suas angústias e seus dilemas, inclusive sobre a experiência escolar, afinal, “os estudantes precisam estar no centro das discussões sobra à transformação da escola: é para eles e elas que a escola deve ser pensada” (Caldart, 2010: 20).

A posição assumida aqui é a da democratização da sociedade com a colaboração da educação escolar, ainda que o caminho para a democracia seja longo e tortuoso. Henri Giroux (1998: 55) supõe a escola como “espaço onde as habilidades para a democracia possam ser praticadas, debatidas e analisadas”. Para isso, os professores, devem realizar atividades pedagógicas que assegurem o que este autor propõe: dar “voz” aos alunos. O conceito de “voz” dos alunos nesse autor reflete a ideia de que no espaço escolar, nas atividades educativas, os anseios, os raciocínios e a fala dos estudantes possam ser considerados.

Esse é o debate que tem lugar no campo educacional, pelo menos desde a década de 1980. Dermeval Saviani (2008: 25), estudioso brasileiro que se aproxima das proposições de Giroux faz a seguinte interrogação: “é possível uma teoria da educação que capte criticamente a escola como um instrumento capaz de contribuir para a superação da marginalidade?” Sua resposta é, antes de tudo, uma confissão de crença na escola e na prática pedagógica, não uma crença ingênua, mas crítica, que vislumbra essa possibilidade de mudança da sociedade via escola e democracia. Além disso, prevê as armadilhas que podem cruzar o caminho por conta dos mecanismos de adaptação usados por aqueles que detêm o poder político e econômico.

(22)

condições históricas atuais (SAVIANI, 2008: 25).

A pretensão deste estudo foi entender o que os estudantes consideram como dificuldades e obstáculos e motivações para continuar seus estudos em escolas urbanas e, nas entrevistas com os estudantes, além de interpretar seus discursos sobre a escolarização, empregando o termo ouvir a “voz do aluno”, permitindo que expressassem o que vivenciam. Nesse sentido, “voz” significa tanto uma tradição partilhada de sentidos, experiências, concepções, como uma forma específica de discurso que lhe assegure autonomia e espírito crítico (GIROUX, 1988: 55).

O questionário respondido pelos estudantes continha algumas questões referentes à sua trajetória escolar, se tinham ficado sem estudar em algum ano, qual o motivo, se foram reprovados alguma vez, como eles avaliavam a escola da comunidade onde estudaram, bem como avaliavam as escolas urbanas. As entrevistas feitas com os estudantes contemplaram perguntas que ajudaram a avaliar o interesse pelo estudo, a escola e as dificuldades dos estudantes em estudar e em adaptar-se nas escolas urbanas.

As entrevistas aos estudantes contemplaram perguntas que ajudam a avaliar o interesse pelo estudo, avaliar a escola e as dificuldades dos estudantes em estudar e em adaptar-se nas escolas urbanas.

Categorias utilizadas para análises

Conforme Cury (1986: 21), “as categorias são conceitos básicos que pretendem refletir os aspectos gerais e essenciais do real, suas conexões e relações”. Portanto, utilizei nesta investigação algumas categorias para contribuir na análise da situação real de estudantes de uma comunidade rural, levando em consideração o contexto econômico, social e político atual do município de Itabuna-Bahia.

As categorias possuem simultaneamente a função de intérpretes do real e de indicadores de uma estratégia política. Portanto, a exposição formal que se segue só tem sentido enquanto instrumento de compreensão de uma realidade social concreta, compreensão esta que só ganha sentido quando assumida pelos grupos e agentes que participam de uma prática educativa.

(23)

As categorias que utilizei nesta pesquisa, em função do tema, do contexto histórico, político e econômico e da prática da educação rural e educação do campo foram: 1) Relação campo/cidade; 2) Natureza/Cultura; 3) Cultura vivida; 4) As experiências escolares vividas e a “voz” dos alunos.

1. Relação campo/cidade

Para entender a relação campo-cidade, utilizei os autores Henri Lefebvre (2001) e Raymond Williams (1989). A relação campo-cidade na Inglaterra pós-Revolução Industrial foi exaustivamente analisada na obra clássica de Raymond Williams. Já no início do livro, ele afirma que:

“Campo” e “cidade” são palavras muito poderosas, e isso não é de estranhar, se

aquilatarmos o quanto elas representam na vivência das comunidades humanas. O termo inglês country pode significar tanto país quanto campo, the country pode ser toda a sociedade ou só a parte rural. Na longa história das comunidades humanas, sempre esteve bem evidente esta ligação entre a terra da qual todos nós, direta ou indiretamente, extraímos nossa subsistência, e as realizações da sociedade humana. E uma dessas realizações é a cidade: a capital, a cidade grande, uma forma distinta de civilização(WILLIAMS, 1989: 11).

Raymond Williams fala das relações históricas entre o campo e a cidade como uma questão pessoal, como testemunha ocular das transformações ocorridas em seu tempo e local de origem.

[...] vale dizer que, para mim, a questão [das relações históricas entre o campo e a cidade] sempre foi pessoal, desde que me entendo por gente. [...] Antes de ter lido qualquer descrição ou interpretação das mudanças e variações das comunidades e formas de vida, eu as vi concretamente, com uma clareza inesquecível (WILLIAMS, 1973: 11 apud CEVASCO, 2001: 117).

O autor inglês lembra que essa relação entre o campo e a cidade tem variações conforme o contexto histórico, de localização geográfica, de formas de produção e de organização social e política.

(24)

em comum entre as cidades antigas e medievais, e as metrópoles e conurbações modernas é o nome e, em parte, a função – mas não há, em absoluto, uma relação de identidade. Além disso, em nosso próprio mundo, entre tradicionais extremos de campo e cidade existe ampla gama de concentrações humanas: subúrbio, cidade-dormitório, favela, complexo industrial. (WILLIAMS, 1989: 11-12).

No decorrer da obra, o autor analisa como o campo foi “engolido” pelo processo de urbanização intenso vivido pela Inglaterra a partir da Revolução Industrial, que “não transformou só a cidade e o campo: ela baseou-se num capitalismo agrário altamente desenvolvido, tendo ocorrido muito cedo o desaparecimento do campesinato tradicional” (Williams, 1989: 12); essa análise é precedida de um extenso exame da literatura e do contexto histórico (do Século XVI ao XX).

Henri Lefebvre (2001: 74) corrobora com a análise de que a relação campo-cidade “mudou profundamente no decorrer do tempo histórico, segundo as épocas e os modos de produção. Ora foi profundamente conflitante, ora mais pacífica e perto de uma associação”, situando que:

Assim é que na feudalidade ocidental, o senhor territorial ameaça a cidade renascente, onde os mercadores conseguem seu ponto de encontro, seu porto de ancoragem, o lugar de sua estratégia. A cidade replica a essa ação da senhoria da terra e é uma luta de classe que se desenrola, ora latente, ora violeta. A cidade se liberta, sem se integrar ao se tornar senhoria plebéia, mas é do Estado monárquico (do qual ela era uma condição essencial) que ela se integra. Contrariamente, na

mesma época, conquanto se possa falar de uma feudalidade islâmica, o “senhor”

reina sobre uma cidade artesanal e comerciante, e dali sobre um campo vizinho frequentemente reduzido a jardins, a cultura exígua e sem maior extensão. Em semelhante relação, não há nem germe nem possibilidade de uma luta de classes. Atualmente, a relação cidade-campo se transforma: aspecto importante de uma mutação geral. Nos países industriais, a velha exploração do campo circundante pela cidade, centro de acumulação do capital, cede lugar a formas mais sutis de dominação e de exploração, tornando-se a cidade um centro de decisão e aparentemente de associação. Seja o que for a cidade ataca o campo, corrói-o e dissolve-o (LEFEBVRE, 2001: 74).

Portanto, a cidade se sobrepôs ao campo, mais do que isso, o homem do campo passou por um processo de desumanização com o surgimento de estereótipo em relação aos trabalhadores rurais que resistiram ao convite da urbanização e industrialização.

É difícil dizer isto, mas, apesar de tudo o que se fala a respeito da degeneração do trabalhador (e as condições objetivas a ele impostas eram, fora de qualquer dúvida, o

que hoje em dia entendemos por “desumanizadoras”), o que mais vejo, nesse

período terrível, é um desenvolvimento de fibra de habilidade. Com frequência, afirma-se que, com o processo de industrialização e urbanização, todas as pessoas capazes foram para as fábricas e para as cidades, ou resolveram emigrar, restando apenas os lerdos, os incapazes e ignorantes (WILLIAMS, 1989: 252).

(25)

preciso considerar que “o “urbano” contém o sentido da produção industrial, assim como a apropriação contém o sentido da dominação técnica sobre a natureza, com esta deslizando para o absurdo sem aquela” (Lefebvre, 2001: 87, grifo no original).

A relação cidade-campo é uma categoria fundamental na análise do fenômeno educacional de uma comunidade rural que não possuí instituição de ensino básico completo, onde, para escolarizar-se uma pessoa, precisam sair da “roça” para estudar na cidade.

2. Natureza /cultura

Os termos natureza e cultura são complexos, de forma que todos os teóricos que debatem sobre essas categorias destacam a complexidade do termo. Terry Eagleton afirma que “cultura” é considerada uma das duas ou três palavras mais complexas da língua inglesa, e ao mesmo tempo o que é considerado seu oposto, a “natureza” – é comumente conferida a honra de mais complexos de todos os termos (Eagleton, 2005: 09). E prossegue o autor:

No entanto, embora esteja atualmente em moda considerar a natureza como um verdadeiro da cultura, o conceito de cultura, etimologicamente falando, é um conceito derivado do de natureza. Um de seus significados originais é “lavoura” ou “cultivo agrícola”, o cultivo do que cresce naturalmente [...]. A palavra inglesa coulter, que é um cognato de cultura, significa “relha de arado”. Nossa palavra para

a mais nobre das atividades humanas, assim, é derivada de trabalho e agricultura, colheita e cultivo (EAGLETON, 2005: 09).

A natureza se modifica a partir da cultura enquanto ação humana, e assim ela conhece o processo de humanização cada vez maior na atualidade, como afirma Milton Santos (1988).

A natureza conhece um processo de humanização cada vez maior, ganhando a cada passo elementos que são resultado da cultura. Torna-se cada dia mais culturalizada, mais artificializada, mais humanizada. O processo de culturalização da natureza torna-se, cada vez mais, o processo de sua tecnificação. As técnicas, mais e mais, vão incorporando-se à natureza e esta fica cada vez mais socializada, pois é, a cada dia mais, o resultado do trabalho de um maior número de pessoas. Partindo de trabalhos individualizados de grupos, hoje todos os indivíduos trabalham conjuntamente, ainda que disso não se apercebam. No processo de desenvolvimento humano, não há uma separação do homem e da natureza. A natureza se socializa e o homem se naturaliza (SANTOS, 1988: 89).

(26)

“Cultura” aqui é um termo utilizado para representar tudo o que a população produz de cultura, desde “aquilo de que vivemos” até “aquilo para o que vivemos”, fundamentada com a seguinte proposição de Eagleton (2005):

A cultura não é unicamente aquilo de que vivemos. Ela também é, em grande medida, aquilo para o que vivemos. Afeto, relacionamento, memória, parentesco, lugar, comunidade, satisfação emocional, prazer intelectual, um sentido de significado último: tudo isso está mais próximo, para a maioria de nós, do que carta de direitos humanos ou tratados de comércio (EAGLETON, 2005: 184).

No ensaio “Cultura is Ordinary” (1958)1, Williams defende a idéia de que cultura parte

da experiência pessoal, portanto ordinária. “Cultura é ordinária, você e eu também experimentamos, mesmo que não entremos na catedral não vejamos a biblioteca, não entremos no cinema. A cultura já está dada no nosso modo de vida” (CEVASCO, 2001: 47).

Na análise da realidade da educação do campo é fundamental a compreensão da relação natureza-cultura, sendo a valorização da cultura do campo um dos desafios e compromissos assumidos na I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo.

3. Cultura vivida ou “cultura como modo de vida”

As ideias de ‘experiência’, ‘cultura vivida’ ou ‘cultura como modo de vida’ são fundamentadas em Raymond Williams, para representar a experiência ordinária ou social da cultura de uma classe, da parcela de uma sociedade ou de um determinado povo em um determinado tempo histórico, assim:

Toda sociedade humana tem sua própria forma, seus próprios propósitos, seus próprios significados. Toda a sociedade humana expressa tudo isso nas suas instituições, nas artes e no conhecimento. A formação de uma sociedade é a descoberta de significados e direções comuns, e seu desenvolvimento se dá no debate ativo e no seu aperfeiçoamento, sob a pressão da experiência, do contato e das intervenções, inscrevendo-se na própria terra. [...]

As perguntas que faço a respeito de nossa cultura são perguntas a respeito de nossos propósitos comuns e gerais, mas também perguntas sobre significados pessoais profundos. A cultura é de todos, em todas as sociedades e em todos os modos de pensar (WILLIAMS, 1958, p. 4 apud CEVASCO, 2001: 49).

A ideia da ‘cultura vivida’, portanto, tem uma característica fundamental: a experiência pessoal, corporificada no tempo, espaço e no contexto social, econômico e

1 Conforme Maria Elisa Cevasco (2001), “Culture is Ordinary”, o primeiro ensaio importe de Raymond

(27)

político, além das oportunidades experimentadas por cada sujeito, tem produzido resultados diversos, “até ênfases mais modernas em uma ‘cultura vivida’ – é determinada, primordialmente, por outros processos sociais, hoje designados de maneira diversa” (Williams, 1992: 11).

4. A “voz” dos alunos em sintonia com a cultura escolar vivida

Esta categoria tanto pode ser expressa na necessidade da comunidade escolar criar mecanismos que favoreça a democracia, tendo em vista que possam ser respeitadas e valorizadas a “voz” da escola, “voz” dos estudantes, a “voz” do professor. Para Giroux (1988, p. 98), “cada uma dessas vozes indica os conjuntos de prática que atuam e interagem para produzir experiências pedagógicas específicas dentro de diferentes configurações de poder”.

A compreensão dessa categoria tem relação com a imprescindível tomada de decisão de educadores radicais que lutam pela democracia e questionam os múltiplos e variados significados que constituem o discurso da “voz dos estudantes”, além de “confirmar e recuperar criticamente as linguagens polifônicas que seus alunos trazem para dentro da escola” (Giroux, 1988: 98).

Aqui cabe ressaltar o papel dos professores como intelectuais orgânicos, como define

Gramsci (1991), sendo possível quando o processo educacional visa à emancipação se apresenta como fundamental para que as massas possam se inserir de modo ativo e consciente na vida política, com a mediação dos intelectuais orgânicos.

Giroux (1997) defende também essa posição de professores como intelectuais transformadores. Para ele os professores, enquanto intelectuais transformadores cabem à tarefa de tornar o “político mais pedagógico”. E, uma das funções dos professores como intelectuais transformadores é a valorização dos discursos para nomear as experiências vividas, como afirmam Giroux e Mclaren (1993)2.

[...] Dizem eles: Apenas quando podemos nomear nossas experiências - dar voz a nosso próprio mundo e afirmar a nós mesmos como agentes sociais ativos, com vontade e um propósito - podemos começar a transformar o significado daquelas experiências, ao examinar criticamente os pressupostos sobre os quais elas estão construídas (GIROUX; MCLAREN, 1993 apud CUNHA, 1997).

Dá “voz” aos alunos significa valorizar as experiências culturais vividas por eles,

2 GIROUX, Henry & MACLAREN, Peter. 1993. Linguagem, escola e subjetividade: elementos para um

(28)

porque “o discurso das culturas vividas pode ser usado para o desenvolvimento de uma pedagogia radical do contexto popular, que resgate o conhecimento da experiência vivida por meio do método duplo de confirmação e questionamento” (Giroux, 1988, p. 97).

Portanto, no corpo desta dissertação, faço uso destas categorias para buscar compreender a totalidade existente na garantia ou negação do direito à educação pela população do Ribeirão Seco (Itabuna – Bahia).

Apresentados estes esclarecimentos gerais, passo a descrever como esta dissertação está organizada.

No Capitulo I – O Direito ao estudo: no campo e na cidade, apresento os referenciais teóricos e revisão de literatura pertinente à temática e contextualizo com a realidade histórica e geográfica da área de estudo.

No Capitulo II – Conquistando o direito à escola no campo, no qual faço um breve levantamento histórico da educação do campo e do direito à educação no Brasil.

No Capitulo III A “voz” dos estudantes do Ribeirão Seco (Itabuna – Bahia), apresento e analiso os dados obtidos na pesquisa empírica, à luz das categorias de análise e da experiência com a escolarização dos estudantes da Comunidade do Ribeirão Seco – Itabuna – Bahia.

(29)

CAPITULO I - O DIREITO AO ESTUDO: NO CAMPO E NA CIDADE

O campo e a cidade são realidades históricas em transformações tanto em si próprias quanto em suas inter-relações. Temos uma experiência social concreta não apenas do campo e da cidade, em suas formas mais singulares, como também de muitos tipos de organizações (WILLIAMS, 1989: 387).

1.1. Relação campo e cidade

A epígrafe de abertura deste capítulo chama a atenção para o fato de que “o campo e a cidade são realidades históricas em transformações”. No século XXI essas ocorrem num ritmo mais intenso do que no século passado, em que o autor escreveu a sua obra. Quanto maior a cidade, mais rapidez e intensidade nas mudanças e inovações tecnológicas; quanto menor a proximidade entre o campo e os centros urbanos dinâmicos, mais intensos os ritmos das transformações.

Atualmente esse ritmo é mais intenso, principalmente entre as pessoas mais jovens que absorvem com mais intensidade os costumes e a cultura urbana.

O Ribeirão Seco enquanto bairro rural tradicional tem em seu agrupamento familiar e coletivo, uma das características dos agrupamentos sociais rurais descrito por Lefebvre (1986).

Chegamos, assim, a uma definição: a comunidade rural (camponesa) é uma forma de agrupamento social, que se organiza, segundo modalidades historicamente determinadas. Um conjunto de famílias fixadas ao solo. Estes grupos elementares possuem, por um lado, bens coletivos indivisos, e por outro lado, bens “privados”, conforme relações variáveis, mas sempre, historicamente determinadas. Encontram-se ligados por disciplinas coletivas e designam – tanto tempo quanto a comunidade guarda uma vida própria – mandatários responsáveis para dirigir a realização dessas tarefas de interesse geral (LEFEBVRE, 1986: 156, grifo do autor).

É fundamental explicitar que o campo não é uniforme, sendo assim, Williams (1989) destaca a existência de variadas formas de organização do campo e da cidade:

(30)

cidade-dormitório, favela, complexo industrial. (WILLIAMS, 1989: 11-12, grifo no original).

Este autor focaliza o contraste entre o campo e a cidade.

[...]. O contraste entre campo e cidade e, de modo claro, umas das principais maneiras de adquirirmos consciência de uma parte central de nossa experiência e das crises de nossa sociedade. Isto, porém, dá origem à tentação de reduzir a variedade histórica de formas de interpretação aos chamados símbolos e arquétipos, ou seja, de abstrair até mesmo estas formas tão evidentemente sociais e dar-lhes um status basicamente psicológicos ou metafísico. Muitas vezes, tal redução acontece quando constatamos que certas formas, imagens e ideias importantes persistem durante períodos de grandes transformações. Mas, se percebemos que a persistência depende das formas, imagens e ideias em mudança – ainda que, muitas vezes de modo sutil, interna e, por vezes, inconscientemente -, podemos ver também que a persistência indica alguma necessidade permanente ou praticamente permanente, que se reflete nas diferentes interpretações que vão surgindo (WILLIAMS, 1989:387).

O debate sobre o que é ser camponês no Brasil atual tem apresentado algumas controvérsias e digressões, já quem nem todos concordam com a conceituação tradicional, e há aqueles que não aceitam a conceituação contemporânea.

Na coleção História Social do Campesinato, sobre esse conceito as organizadoras afirmam:

Em termos gerais, podemos afirmar que, campesinato, como categoria analítica e histórica, é constituído por poliprodutores, integrados ao jogo de forças sociais do mundo contemporâneo. Para a construção da história social do campesinato no Brasil, a categoria será reconhecida pela produção, em modo e grau variáveis, para o mercado, termo que abrange, guardadas as singularidades inerentes a cada forma, os mercados locais, os mercados em rede, os nacionais e internacionais, [...] condição de existência desses trabalhadores e de seu patrimônio material, produtivo e sociocultural, variável segundo sua capacidade produtiva (composição e tamanho da família, ciclo de vida do grupo doméstico, relação de composição de unidade de produção e unidade de consumo). [...] Para que a forma camponesa seja reconhecida, não basta considerar a especificidade da organização interna à unidade de produção e à família trabalhadora e gestora dos meios de produção alocados. Todavia, essa distinção é analiticamente fundamental para diferenciar os modos de existência dos camponeses dos outros trabalhadores (urbanos e rurais), que não operam produtivamente sob tais princípios. [...] Da coexistência com outros agentes sociais, o camponês se constitui como categoria política, reconhecendo-se pela possibilidade de referência identitária e de organização social, isto é, em luta por objetivos comuns ou, mediante a luta, tornados comuns e projetivos (NEVES; SILVA, 1996: 07-09).

(31)

produtor dono de sua própria produção, inclui, entre esses sujeitos, pequenos produtores, assentados e posseiros tradicionais.

No Brasil, o camponês tem tido significativa presença na defesa da reforma agrária, desde as Ligas Camponesas até o nascimento e ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Alguns pesquisadores prognosticam o desaparecimento inevitável do campesinato, absorvido pelo turbilhão proletarizante que produziria o capitalismo agrário num processo de máximo nivelamento social. Segundo esta posição teórica, o campesinato tenderia a desaparecer. Estudiosos afirmam, pelo contrário, que o campesinato não somente não está em vias de extinção, mas que, em algumas regiões e por razões diversas, aparece como um grupo sólido e em pleno vigor (PEZZIN, 2007: 21-22 ).

Aqui cabe diferenciar as concepções de trabalhador rural, trabalhador rural sem terra e de camponês, cabendo uma breve explicação de que são termos muitos parecidos, com pequenas nuances que os distinguem uns dos outros.

 Trabalhador rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste, mediante salário (Cf. Central Jurídica)3.

 Trabalhador sem terra é termo dúbio e pode significar tanto o trabalhador rural que não possui a propriedade da terra, quanto o assentado associado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, por isso:

[...] Sem Terra é um nome que revela uma identidade, uma herança trazida e que já pode ser deixada aos seus descendentes, e que tem a ver com uma memória histórica, e uma cultura de luta e de contestação social (CALDART, 2001: 211).

O camponês: é caracterizado por ser o dono de produção, ter autonomia total ou parcial na gestão da propriedade e produzir sozinho e/ou com ajuda de sua família e parceiros (Sandroni, 1985: 44).

Pessoa (2006: 211) traçou um perfil do agricultor familiar, de sua importância para a produção de alimentos e afirmou que o espaço rural vem tendo significativas mudanças na atualidade.

(...) atualmente o espaço rural brasileiro está em constantes transformações, passando a ser referido não apenas como sinônimo de produção agrícola, mas também como referência de lazer, moradia, artesanato, turismo, etc. representa, portanto, mais do que uma categoria social, uma opção de vida, para viver e

3 Definição retirada deCentral Jurídica. Disponível em:

(32)

produzir bens agrícolas e não-agrícolas (PESSOA, 2006: 211)

Para essa autora a “agricultura familiar é peça chave, embora não exclusiva, a ser

defendida na promoção do desenvolvimento rural” (Pessoa, 2006: 211). Portanto, a educação do campo tem que olhar para essa realidade e possibilidade.

1.2. Educação no campo: uma revisão necessária

Os termos e conceitos são carregados de ideologias e motivações políticas, eles têm um momento na história. A utilização de um ou de outro depende da aceitação de paradigmas e das intenções políticas. Assim, um dos traços da ideologia é a necessidade de representação dos grupos sociais.

Conforme Giles (1985)4, há cinco traços, ou dimensões da ideologia. O primeiro

traço seria a necessidade que um grupo social tem de representar-se, se apegando ao

“atofundador” que o originou. Dessa forma, apesar da distância que separa o “ato fundador” de um determinado momento da vida de uma sociedade, o ideário, a energia, a força vital do ato fundador continua existir, estando presente de forma dogmática em todas as ações e tomadas de decisões desse grupo (GILES, 198 apud RUIZ; PIASSA, 2004: 03).

No caso específico da educação do campo, ela é a representa dos anseios dos movimentos sociais de defesa da reforma agrária, entretanto, os movimentos sociais vêm conseguindo convencer setores governamentais a adotarem este conceito, recaindo sobre o segundo traço da ideologia:

O que move a ideologia é a motivação social de um grupo a fim de que se mantenha na posição na qual se encontra, sendo assim, para Giles (1985), o segundo traço da ideologia é a dinamicidade que a move e o desejo do grupo de se tornar autêntico, justificando suas razões, suas ideias, suas opiniões, como as únicas verdadeiras, estabelecendo, dessa maneira, sua identidade(GILES, 198 apud RUIZ; PIASSA, 2004: 04).

Uma publicação do INEP caracterizam as escolas rurais como instituições distintas das urbanas, por suas precariedades nos aspectos da infraestrutura e de recursos materiais.

As escolas rurais apresentam características físicas e dispõem de infra-estrutura bastante distintas daquelas observadas nas escolas urbanas. [...] A precariedade na infra-estrutura afeta, no caso da inexistência de energia elétrica, aproximadamente 766 mil alunos do ensino fundamental. A impossibilidade de ter acesso a uma biblioteca contribui de forma negativa para o aprendizado de cerca de 4,8 milhões (BRASIL, 2007).

4

(33)

Desde a fase inicial da pesquisa ficou evidente a importância de ouvir os estudantes sobre suas experiências de vida, seus anseios, seus desejos, suas queixas, suas angústias e seus dilemas, inclusive sobre a experiência escolar. Porque “os estudantes precisam estar no centro das discussões sobra à transformação da escola: é para eles e elas que a escola deve ser pensada” (Caldart, 2010: 20).

A perspectiva de colocar os estudantes no centro das discussões sobre a transformação da escola ajusta com o ideário de democracia e cidadania ativa, que já virou até chavão, estando presente nos discursos dos governos, dos técnicos educacionais, dos gestores escolares, dos professores e até de representantes da sociedade civil. Todavia, a escola não se transforma sem uma prática democrática.

É a partir do que é considerado como cultura comum que a educação no campo encontra espaço para dialogar com a população e promover seu desenvolvimento, com “programas de valorização e apoio às produções culturais próprias e ao intercâmbio cultural” (Kolling; Neri; Molina, 1999: 61), considerando tudo que a população produz de cultura material (aquilo de que vivemos) e cultura simbólica (aquilo para o que vivemos), que pode ser fundamentada com a seguinte afirmação de Eagleton (2005).

A cultura não é unicamente aquilo de que vivemos. Ela também é, em grande medida, aquilo para o que vivemos. Afeto, relacionamento, memória, parentesco, lugar, comunidade, satisfação emocional, prazer intelectual, um sentido de significado último: tudo isso está mais próximo, para a maioria de nós, do que carta de direitos humanos ou tratados de comércio (EAGLETON, 2005: 184).

Os movimentos sociais rurais cobram sua participação na elaboração de políticas públicas para que a diversidade cultural, política, econômica e social que eles representam sejam utilizadas em favor do desenvolvimento rural e da educação do campo para superação das desigualdades e para assegurar o acesso e permanência à educação básica e superior.

Queremos políticas públicas de educação do campo que garantam desde a pré-escola até o acesso e permanência na universidade. E que a escola seja do campo e no campo, e que os processos pedagógicos [...] atendam às características camponesas e não urbanas. Por isso a importância de termos educadores/as profissionais do próprio campo. Entendemos que os/as educadores/as são mais que professores e a escola mais que escolarização. (SANTOS, 2006: 33).

(34)

mais de 30 anos para atingir o atual nível de escolaridade da população urbana” (Molina, 2007: 06).

Portanto, garantir as políticas públicas educacionais afirmativas para a população rural, cujo direito à educação foi historicamente negado, conforme Molina (2007) constitui-se como uma estratégia para assegurar a educação básica de qualidade.

A elaboração de políticas públicas educacionais que objetivem suprir as desigualdades históricas existentes no país não pode prescindir os dispositivos consagrados também no artigo 206 da constituição: o principio da igualdade de condições de acesso e permanência na escola [...]. Ele é a base legal para proposição de políticas afirmativas com o intuito de efetivar o direito à educação a aqueles sujeitos históricos, concretos e privados do acesso à educação escolar [...]. Desenhar políticas públicas que busquem suprir as enormes desigualdades no direito ao acesso e permanência na escola para este grupo faz parte desta estratégia, o que implica reconhecer e valorizar as diferenças que os caracterizam (MOLINA, 2007: 07-08).

O direito à educação no campo é, portanto, a garantia do princípio universal da igualdade de condições de acesso e permanência na escola, porque quanto mais distante a escola está das residências dos estudantes mais difícil fica a garantia desse direito previsto na Constituição Federal.

1.3 Do Direito Humano à educação para a população do campo

Conforme Cury (2002), o direito à educação está intimamente ligado ao processo de garantia de igualdade de oportunidades, condições de primordial para a democracia. Daí a instrução se torna pública e a educação um dever do Estado.

(35)

Em uma reflexão sobre a educação escolar como um Direito Humano, Boto (2005) afirma que os direitos humanos foram formados e firmaram na modernidade. Para esta autora, a o direito à educação é produto da evolução dos próprios direitos humanos.

Em um primeiro nível, estariam a liberdade e a igualdade civis propugnadas nas primeiras declarações de direitos, junto com a idéia de tolerância religiosa. Esses postulados iniciais ante os direitos dos homens supunham o universalismo da condição do indivíduo humano como agente de direitos. Contudo, derivados das

teorias do século XVIII europeu, esses direitos primeiros “são universais em relação

ao conteúdo, na medida em que se dirigem a um homem racional fora do espaço e do tempo, mas são extremamente limitados em relação à sua eficácia, na medida em

que são (na melhor das hipóteses) propostas de um futuro legislador” (BOTO, 2005: 777).

A segunda geração dos Direitos Humanos refere-se aos direito públicos, já a terceira geração são os direitos subjetivos.

Posteriormente, desde o reconhecimento público de que tais direitos teriam sido apropriados pelas primeiras declarações que os firmaram – mais particularmente a norte-americana e a francesa –, surge uma segunda etapa no feitio dos direitos públicos; fase esta que confere positividade e torna concreta a legitimação e o reconhecimento dos direitos expressos nas filosofias das Luzes.

Finalmente, a partir da Declaração de 1948 terá início uma terceira fase quando se propugnará a tese de proteção jurídica dos direitos – possibilitando a idéia de direito subjetivo, cujo não-cumprimento torna possível ação judicial contra o Estado, garantindo a prerrogativa do direito existente. Desde aquela segunda metade do século XX, ganhariam força as reivindicações específicas por direitos intrínsecos a grupos sociais específicos; que reclamam a identidade na diversidade (BOTO, 2005: 777).

Conforme trabalho organizado por Mariangela Graciano (2005: 12), essa divisão dos direitos humanos em etapas de desenvolvimento é apenas uma exposição didática e acompanha o surgimento desses direitos ao longo da história; o importante é entender que eles são universais, interdependentes, indivisíveis e justificáveis.

Boto defende a tese de que o direito à educação também passa por três momentos:

- o ensino torna-se paulatinamente direito público quando todos adquirem a possibilidade de acesso à escola pública;

- a educação como direito dá um salto quando historicamente passa a contemplar, pouco a pouco, o atendimento a padrões de exigência voltados para a busca de maior qualidade do ensino oferecido e para o reconhecimento de ideais democráticos internos à vida escolar;

- o direito da educação será consagrado quando a escola adquirir padrões curriculares e orientações políticas que assegurem algum patamar de inversão de prioridades, mediante atendimento que contemple – à guisa de justiça distributiva –

Imagem

Figura 1 - Localização do Território Litoral Sul da Bahia
Figura 2 - Mapa do Território Litoral Sul da Bahia
Figura 3 - Mapa Municipal Estatístico de Itabuna – Bahia
Tabela 1 - Situação educacional dos estudantes sujeitos da pesquisa
+3

Referências

Documentos relacionados

Os principais objetivos deste projeto são o aumento da rentabilidade da unidade de Vilela, através da imputação de parte dos custos fixos aos produtos

O presente trabalho foi realizado em duas regiões da bacia do Rio Cubango, Cusseque e Caiúndo, no âmbito do projeto TFO (The Future Okavango 2010-2015, TFO 2010) e

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

Foi membro da Comissão Instaladora do Instituto Universitário de Évora e viria a exercer muitos outros cargos de relevo na Universidade de Évora, nomeadamente, o de Pró-reitor (1976-

O presente capítulo tem por objetivo abordar o contexto histórico nacional e local que impulsionou o Governo Estadual do Ceará, a partir de 2008, a promover a

As práticas de gestão passaram a ter mais dinamicidade por meio da GIDE. A partir dessa mudança se projetaram todos os esforços da gestão escolar para que fossem

A análise dos instrumentos apresentaram fragilidades no desempenho da gestão, descritas no estudo do caso e nas entrevistas que revelam equívocos institucionais,

nesse contexto, principalmente em relação às escolas estaduais selecionadas na pesquisa quanto ao uso dos recursos tecnológicos como instrumento de ensino e