• Nenhum resultado encontrado

Diretrizes Constitucionais da Assistência Social MESTRADO EM DIREITO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "Diretrizes Constitucionais da Assistência Social MESTRADO EM DIREITO"

Copied!
168
0
0

Texto

(1)

Antonio Carlos Cedenho

Diretrizes Constitucionais da Assistência Social

MESTRADO EM DIREITO

(2)

Antonio Carlos Cedenho

Diretrizes Constitucionais da Assistência Social

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação do Professor Doutor Vidal Serrano Nunes Junior.

(3)

Banca Examinadora

______________________________________

______________________________________

(4)

Um agradecimento muito especial devo dirigir ao meu estimado orientador Professor Doutor em Direito Constitucional Vidal Serrano Nunes Junior, pelo profissional brilhante que demonstrou ser, pela confiança em mim depositada e pelo apoio, paciência e dedicação, sem os quais não teria conseguido desenvolver o tema proposto.

Agradeço também aos professores Marcelo Souza Aguiar e Luciana de Toledo Temer Castelo Branco, que muito colaboraram com suas considerações sobre o tema.

(5)

Dedico este trabalho ao amigo e companheiro Jediael Galvão Miranda, in memorian, que sempre me incentivou na trajetória acadêmica.

À memória dos meus pais, Hermelinda e José Cedenho, pelo esforço que fizeram para me garantir a educação.

(6)

“Os indivíduos perecem, mas a sociedade a que pertencem – obra aberta que une na mesma trama os valores dos mortos, dos vivos e dos que estão por vir – segue em frente. O passado condiciona; o presente desafia; o futuro interroga. Existem três formas básicas por meio das quais podemos preencher com pensamento o vácuo interrogante do porvir. A previsão lida com o provável e responde à pergunta: o que será? A delimitação do campo do possível lida com o exeqüível e responde à pergunta: o que pode ser? E a expressão da vontade lida com o desejável e responde à pergunta: o que sonhamos ser? As relações entre esses modos de conceber o futuro não são triviais. De um lado está a lógica: o desejável precisa respeitar a disciplina do provável e do possível. Mas, do outro, está o sonho. Se o sonho desprovido de lógica é frívolo, a lógica desprovida de sonho é deserta. Quando a criação do novo está em jogo, resignar-se ao provável e ao exeqüível é condenar-se ao passado e à repetição. No universo das relações humanas, o futuro responde à força e à ousadia do nosso querer. A capacidade de sonho fecunda o real, reembaralha as cartas do provável e subverte as fronteiras do

possível. Os sonhos secretam o futuro.”

(7)

CEDENHO, Antonio Carlos. Diretrizes constitucionais da Assistência Social. 168 fls. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.

O mútuo auxílio e a proteção são imanentes ao homem que, por sua própria natureza é ser gregário. É no seio da sociedade que o homem encontra as melhores condições para explorar todas as suas potencialidades, se desenvolver como ser humano e em última instância ser feliz. Cada pessoa é dotada de uma personalidade humana, portadora de anseios e necessidades que devem ser atendidos para que ela possa ter uma vida plena, digna. Assim, o interesse de um passa a ser o interesse de todos: a dignidade humana trespassa o âmbito pessoal e atinge a coletividade das pessoas. Se antes a proteção e o auxílio eram realizados de forma pessoal, no Estado Democrático de Direito essa configuração se altera, passando a ser de responsabilidade do Estado a consecução das ações necessárias para o atendimento dessas necessidades. Embora superados o Estado Liberal e o Estado de Bem-estar Social – tendo este último inclusive sua efetiva implantação questionada – os valores neles conquistados, consubstanciados essencialmente pelos direitos fundamentais permanecem, não mais como meros valores, mas essencialmente como direito positivado nas constituições. Neste percurso se faz necessária a compreensão da trajetória dos direitos fundamentais em suas cumulativas dimensões, bem como o estudo da dignidade da pessoa humana a fim de delinear o que seria o mínimo existencial. A Assistência Social, objeto do presente estudo, aparece em princípio como elemento da Seguridade Social – que agrega também a Saúde e a Previdência – mas dela se destaca em razão de configurar-se como política de proteção social não contributiva, atendendo assim à parcela dos cidadãos mais necessitados. Explicitam-se os princípios norteadores da Assistência Social, bem como seus elementos e características. O acesso aos benefícios e serviços da Assistência Social é forma de exercício da cidadania, e por esta razão a presença e o posicionamento do Poder Judiciário é essencial para que se garanta o pleno exercício da democracia.

(8)

CEDENHO, Antonio Carlos. Constitutional guidelines on social welfare. 168 pages. Masters Dissertation – Law School - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.

The reciprocal assistance and protection are inherent to human being and their own nature is based on being gregarious grouped. It is in the very essence of society that human being is. These are the best conditions to explore all its potentialities, developed as a human being and as a last resort, being helpful would be the best condition. Every person is gifted with a human personality, carrier of hankering and needs that must be fulfilled so the person may be able to have an entire and dignified life. Thus, the interest that takes place for one person suddenly becomes the interest of all of them: human dignity pierces the personal sphere and reaches people´s collectivity. If, before all that, protection and assistance takes place in a personal point of view, in the Democratic State of Law, such setting is going to change becoming the State responsibility the achievement of necessary action for the meeting of such needs. Although outdated the Permissive State and the Social Well-being – and this last one includes its effective implementation – the amount conquered by it, consubstantiate essentially by the fundamental rights that are maintained, not as mere values but truly as positive law inside constitutions. In such path it is necessary the trajectory of fundamental rights in its accumulated dimension such as the dignity study of a human being aiming in outlining what would represent the lowest possible existence. The Social Welfare, object of such current study, comes out in the beginning as an element of Social Security – which brings together also Health and social security savings. Although having such scenario highlighted for being recognized as social protection policy and not contributory, meeting this way the amount of needed citizens, the principles surrounded by the Social Welfare such as their elements and features are met. The access to benefits and Social Welfare is a citizenship exercise way of bringing it up and, due to that, the presence and positioning of Judiciary Power is essential to ensure the entire exercise of democracy.

(9)

INTRODUÇÃO 12

CAPÍTULO 1 HISTÓRIA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL 18

1.1 As formas assistenciais na passagem do Brasil Imperial à Velha República 20

1.2 Assistência social e o Estado do Bem-estar 28

1.3 Assistência social no Estado Democrático de Direito 39

1.3.1 Seguridade social: os direitos de seguridade 45

CAPÍTULO 2 A PROTEÇÃO SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 49

2.1 A Ordem Social e os direitos sociais 51

2.2 Os direitos sociais enquanto direitos fundamentais 57

2.2.1 Evolução dos direitos fundamentais 62

2.2.2 A eficácia dos direitos sociais fundamentais 68

2.3 Os direitos sociais enquanto objetivos fundamentais da República

Federativa 72

2.4 A dignidade da pessoa humana e os direitos sociais 76

2.4.1 Razões históricas para a fundamentalidade da dignidade da pessoa

humana no ordenamento jurídico brasileiro 79

2.4.2 Um útil conceito de dignidade da pessoa humana 84

2.5 A garantia do mínimo vital sob a ótica da justiça social 89

(10)

3.1. Dos princípios e diretrizes da assistência social no Brasil 105

3.1.1 Dos princípios da seguridade social como princípios subsidiários à

assistência social 107

3.1.1.1 Universalidade da cobertura e do atendimento 107

3.1.1.2 A uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às

populações urbanas e rurais 109

3.1.1.3 Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e dos

serviços 109

3.1.1.4 Irredutibilidade do valor dos benefícios 111

3.1.1.5 A equidade na forma de participação no custeio 112

3.1.1.6 Diversidade de base de financiamento 113

3.1.1.7 Caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e

aposentados 113

3.2 A assistência social como política de proteção social não contributiva 114

3.2.1. O financiamento da assistência social 116

3.3 Prestações da assistência social 119

3.3.1 O Benefício de Prestação Continuada da assistência social 119

3.3.2 Os benefícios eventuais 122

CAPÍTULO 4 A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE VIABILIZAÇÃO

DOS DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS 124

4.1 Democracia e controle social 128

(11)

4.2.2.1 Efetividade normativa no âmbito da seguridade social 145

CONCLUSÃO 153

(12)

O homem como ser gregário tende naturalmente para a vida social, para a comunhão com seus semelhantes, para a participação com os demais diante das necessidades de ordem material, intelectual e moral. Assim, a sociedade se forma como algo inerente à natureza humana, como obra da razão e da vontade livremente consentida.

Há uma estreita correlação entre pessoa humana e vida política: a sociedade é, por um lado, um organismo feito de liberdades – tudo aquilo que não é proibido ao indivíduo e que permite que ele se autodetermine enquanto ser humano -, mas, por outro lado, visa um bem que lhe é próprio, distinto do bem dos indivíduos que a compõem.

Isto porque o fim da sociedade não é o conjunto dos fins individuais, mas o bem comum do corpo social.

Neste aspecto o indivíduo é parte subordinada da comunidade política: o indivíduo encontra-se a si próprio subordinando-se ao grupo e o grupo não atinge sua finalidade senão servindo ao indivíduo. Existe indubitavelmente uma teia de deveres da sociedade em relação a cada um de seus componentes e vice-versa.

É nesta relação recíproca entre sociedade e indivíduo que se assentam as diretrizes da Assistência Social, prevista constitucionalmente como a forma de proteção social destinada àqueles indivíduos mais necessitados, desprovidos momentânea ou permanentemente da capacidade de alcançarem por si próprios os elementos necessários a uma vida digna e que por essa razão acabam sendo postos à margem da sociedade.

(13)

Se, num momento histórico anterior o papel do Estado era apenas o de assegurador das liberdades, justificando-se o exercício legítimo de seu poder sobre qualquer membro da sociedade – mesmo contra sua vontade – em razão do

neminem laedere, buscando evitar danos, e resguardando, sobretudo, a ius proprietatis, num segundo momento o Estado é chamado a desempenhar papel diverso.

No cenário mundial, houve uma abrangente mobilização na defesa dos direitos humanos, que culminou em 1948 na Declaração Universal dos Direitos do Homem, da qual se formou a concepção contemporânea dos direitos humanos universais, indivisíveise irrenunciáveis.

A sociedade, a cada dia mais complexa, passava a exigir um amplo leque de direitos asseguradores de uma condição de vida melhor, de uma vida digna. Direitos como alimentação, saúde, educação, moradia, trabalho, lazer passam a integrar o rol mínimo daquilo de que um ser humano precisa para se desenvolver e viver satisfatoriamente.

Desta forma, para regular o ius societatis era agora necessário algo mais que assegurar as liberdades, intervindo em sentido mais amplo que só o de evitar o dano. O Estado e a própria sociedade deveriam fazer mais, para garantir aos indivíduos o acesso a estes direitos, e assim o suum cuique tribuere ao lado do

neminem laedere passa a fazer parte do princípio de justiça que norteia a sociedade atual.

Inimaginável uma sociedade que se mantenha unida sem um critério qualquer de justiça distributiva. Impensável um Estado Democrático sem normas que assegurem a democracia e o exercício pleno da cidadania.

A cidadania é a qualidade social de uma sociedade organizada sob a forma de direitos e deveres majoritariamente reconhecidos, sendo feita de uma constituição cotidiana, e necessitando de empenho e do reconhecimento no outro – seja ele quem for ou de que maneira se apresentar – da existência de uma dignidade.

(14)

específico se forma de valores que o homem intui na experiência social, e nesse sentido objetivo equivale à própria ordem social que a justiça visa a realizar.

A distribuição de riquezas por sua vez depende de um sem número de circunstâncias e fatores do mercado – alheios na maioria das vezes aos poderes do Estado.

Em geral, se houvesse a equânime distribuição das riquezas, cada indivíduo poderia ir buscar por conta própria, e às suas expensas tudo aquilo de que necessita para se satisfazer, já que em regra é no mercado que os indivíduos poderão alcançar o máximo de satisfação.

Porém, a realidade espelha a concentração das riquezas nas mãos de uma minoria. Essa concentração econômica capitalista e seus distúrbios alocativos se estabelecem como fenômeno decisivo da necessidade de intervenção estatal direta como forma de garantia dos mecanismos de reprodução das forças sociais.

Desse modo, as medidas de política social, e a inserção da Seguridade Social como tal na Constituição de 1988 só podem ser entendidas no contexto da estrutura capitalista e no movimento histórico das transformações sociais dessas mesmas estruturas. O Direito, todo o Direito, nasce e se desenvolve a partir de certas questões sociais que demandam solução e a questão social é essencialmente a questão do trabalho e das relações entre capital e trabalho.

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, atenta a esta configuração social trouxe não apenas a garantia jurídico-formal das liberdades, mas como inovação trouxe também a garantia dos direitos sociais dos cidadãos brasileiros, viabilizada em parte pela inserção da Seguridade Social – abarcando neste conceito as políticas de saúde, previdência e assistência social.

(15)

atenção não atua sozinho: toda a sociedade civil participa de sua construção e custeio.

Nesse diapasão, os objetivos fundamentais insertos na Constituição Federal – sobretudo o da justiça social e o bem-estar – ligam-se à Seguridade Social, num primeiro aspecto ao dever de ação que tem o Estado e a sociedade para dar proteção a todos os cidadãos; num segundo aspecto atingem diretamente a assistência social quando da atuação garantidora da proteção aos pobres, e principalmente, aos miseráveis, que desassistidos estarão fadados à morte social, e com pouca sorte à morte propriamente dita.

De suma importância relembrar que a Constituição Federal no artigo 193 consagra o primado do trabalho como base da ordem social que tem como principal objetivo o bem-estar e a justiça social, o que significa que a priori, espera-se que cada indivíduo tenha capacidade de se desenvolver e por si só possa em idade adulta prover o seu sustento e de sua família.

Ter como base o primado do trabalho significa pôr o trabalho acima de qualquer outro fator econômico, por se entender que nele o homem se realiza com dignidade. Ter como objetivo o bem-estar e a justiça sociais quer dizer que as relações econômicas e sociais do país, para gerarem o bem-estar hão de propiciar trabalho e condição de vida, material, espiritual e intelectual, adequada ao trabalhador e sua família, e que a riqueza produzida no país, para gerar a justiça social, há de ser equanimamente distribuída.

O trabalho dignifica o homem não apenas no aspecto laboral, de realização, mas essencialmente no aspecto de subsistência de si próprio e de sua família. É benéfico tanto ao Estado quanto à sociedade que cada cidadão tenha capacidade econômica própria para prover as suas necessidades. Conquanto seja dever do Estado a promoção do bem-estar social, não se pode olvidar que o desenvolvimento nacional depende do desenvolvimento de cada indivíduo em todas as suas potencialidades, inclusive a laboral e econômica.

(16)

Partindo dessa premissa é que se rechaçam as infundadas críticas a um Estado acusado de paternalista quando da implementação de políticas públicas que visem o asseguramento dos direitos sociais dos cidadãos.

O Estado tem a prerrogativa e ao mesmo tempo o dever de agir por meio de qualquer um de seus Poderes – seja o Legislativo, o Executivo ou o Judiciário – frente às situações de risco e ameaça à vida e à dignidade humanas.

Pensando no ser humano como um ser dotado de valor absoluto, a teoria do mínimo vital impõe a preservação material do ser humano assegurando-lhe condições mínimas para a integração na sociedade; é dever do Estado, caudatariamente ao princípio da dignidade da pessoa humana, garantir a todos um

standard social mínimo incondicional.

O catálogo de direitos fundamentais é a expressão de um sistema de valores, e encontra o seu ponto central na personalidade humana que se desenvolve livremente dentro da comunidade social e na sua dignidade. É direito do cidadão e dever do Estado uma vida digna – sob a ótica dos Direitos Sociais – o atendimento a uma gama de direitos, tais como o direito à alimentação, à saúde, à educação, à moradia, ao trabalho, ao lazer, e quiçá à felicidade.

Em razão do dinamismo da vida humana e das modificações sociais fica difícil estabelecer definitivamente quais direitos integram este mínimo existencial: ele não está previsto expressamente na Constituição, tampouco nas legislações infraconstitucionais, mas é uma construção hermenêutica acerca do princípio da dignidade humana, da aplicabilidade dos direitos sociais fundamentais e de demais direitos que venham a corroborar com o atendimento das necessidades dos indivíduos.

Este chamado conteúdo mínimo aponta que cada direito tem um núcleo mínimo irremissível, associado a sua própria razão de ser. Em suma, são direitos irredutíveis da pessoa humana.

(17)

um elemento instrumental de suma importância: o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação dos direitos.

Ao lado da justiça comutativa que regula os contratos, da justiça distributiva que regula os encargos e as vantagens sociais, imprescindível dar lugar à justiça social, que zela pelo bem comum da qual o Estado é gerente e a que todo indivíduo membro do corpo social é obrigado a servir e corroborar. Beneficiário do bem comum, o indivíduo tem-no de certo modo, a seu cargo, muito embora os governantes sejam os primeiros responsáveis por ele. A justiça social deve penetrar as instituições e a vida dos povos.

(18)

CAPÍTULO 1

HISTÓRIA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, ainda que não responda a todos os anseios dos diversos segmentos da sociedade, indubitavelmente trouxe como inovação a garantia jurídico-formal das liberdades e direitos básicos dos cidadãos brasileiros. Exemplo patente dessa mudança feita pela Carta Magna é a inserção da seguridade social – abarcando neste conceito as políticas de saúde, previdência e assistência social –, que teve como principal reflexo um incremento do nível dos direitos sociais.

A positivação da seguridade social pelo legislador concedeu ao texto constitucional um inovador caráter social, atribuindo ao Estado a responsabilidade na busca da redução das desigualdades sociais, e do atendimento integral aos desassistidos, enfim, a prática de uma justiça social efetiva.

Ademais, a inclusão da assistência social colocou o Brasil em posição avançada: o Poder Público passou a ser o principal responsável pelas políticas sociais, alçadas, então, a um patamar mais elevado, e inseridas dentro de um contexto de ampla proteção social e cidadania. O Estado – responsabilizado por essa política de atenção –, no entanto, não atua sozinho, pois toda a sociedade civil deve participar de sua construção e custeio.

Embora apenas na atual Constituição Federal a preocupação com a seguridade social – conhecida como tal – tenha se manifestado expressamente, e com caráter de norma constitucional, o cuidado com a assistência aos mais necessitados e aos desassistidos remonta há séculos.

A proteção conjunta é a maneira mais corriqueira de se evitar ou minimizar os riscos sociais, sendo uma forma natural de atuação dos membros de um grupo social, independentemente do seu grau de organização. De diversas formas, nas mais diferentes épocas, Estado e sociedade se organizam a fim de atender às necessidades dos mais pobres.

(19)

se fez presente por meio de práticas e fundamentos teórico-ideológicos próprios (como, por exemplo, a caridade, a benemerência e o auxílio aos necessitados), os quais podem ser considerados as raízes da assistência social, no modo como é conhecida nos dias atuais.

Com o escopo de compreender de que forma se deu a conformação do Estado e da assistência social, é preciso analisar, ainda que em apertada síntese, a regulamentação estatal, bem como as práticas assistenciais existentes em cada período histórico brasileiro.

Essa digressão histórica é necessária para a formação de uma representação mais abrangente da assistência social que permitirá sua melhor compreensão e, assim, também uma melhor análise da atual e da ideal situação. Como acertadamente afirma Márcio Pugliesi, “todo estudioso sabe muito bem que, enquanto não conseguir formar uma visão contextualizada do mundo não formulará teses efetivamente „novas‟”, e prossegue assinalando que sem esta percepção o estudioso não “será capaz de estabelecer explicações satisfatórias para fatos ou elaborar interpretações consistentes para sucessões de fatos”1.

De outra forma “a visão histórica de determinado instituto traz luzes para a melhor compreensão das regras a ela atinentes”, conforme as palavras do saudoso Jediael Galvão Miranda, “constitui meio para, diante das diversas transformações sociais, econômicas e culturais, alcançar-se melhor grau de proteção, em face dos riscos e contingências sociais”.2

Em última análise, historiar a evolução da assistência social como instrumento de atendimento aos desassistidos visa tão somente fazer uma breve digressão para, conhecendo as referências mais relevantes, buscar compreender a razão, o conteúdo e a extensão da assistência social – inserida na Constituição Federal – e o cunho social trazido por essas inovações, e que lhe conferiu o título de “Constituição cidadã”.3

1 PUGLIESI, Márcio. Por Uma Teoria do Direito, p. 35.

2 MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social, p. 3 3

(20)

1.1 As formas assistenciais na passagem do Brasil Imperial à Velha República

Os primeiros registros da prática assistencial no Brasil de que se tem notícia referem-se às Irmandades de Misericórdia, e remontam há mais de quatro séculos. Em 1543, Brás Cubas instituiu a Santa Casa de Misericórdia de Santos, auxiliado pelos prósperos moradores da região, tendo sido o alvará real de privilégios concedido pelo rei D. João III, em 2 de abril de 1551.4 Nos anos que se seguiram outras Casas de Misericórdia foram fundadas, como as de São Paulo e do Rio de Janeiro.5

As Santas Casas e os orfanatos possuíam como provedores os próprios governadores6, inaugurando, desta maneira, uma forma de transferência das responsabilidades do Poder Público para as ações de benemerência. Esses estabelecimentos atendiam ao mesmo tempo as funções de albergue e hospital, oferecendo abrigo, alimentação e serviços médicos aos escravos e homens livres.7

Nessa época vigia a “Constituição Política do Império do Brazil”, de 25 de março de 1824, que instituiu um governo monárquico hereditário, constitucional e representativo, estabelecendo ao lado da tradicional tripartição dos poderes

4 Braz Cubas, auxiliado pelos prósperos moradores da região, iniciou em 1542 a construção de um

hospital que inaugurou em 1543, provavelmente no primeiro dia de novembro, data comumente reservada para as grandes comemorações. Chamou-o de Hospital de Todos os Santos, inspirando-se no nome do grande hospital de Lisboa e na data da sua fundação. Segundo Frei Gaspar da Madre de Deus, o povoado de Enguaguassu passou a ser chamado Povoado do Porto de Todos os Santos e do Porto de Santos, por aquisição do nome do hospital. Entre 1545 e 1547, o capitão-mor Braz Cubas elevou o povoado à categoria de vila, com o nome de Vila do Porto de Santos. Disponível em: http://www.scms.org.br/noticia.asp?codigo=42&COD_MENU=24, acesso em 28/06/2010.

5 A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

– instituição privada, fundada há mais de quatro séculos, é o mais importante complexo hospitalar na cidade de São Paulo. A História não registrou a data exata de sua fundação, todavia há indícios de que teria sido criada por volta de 1560. São Paulo era então uma pequena vila, distante de tudo e de todos, que se desenvolvia em torno da escola criada pelos jesuítas José de Anchieta e Manoel da Nóbrega. Esteve alojada no Pátio do Colégio, nos Largos da Glória e da Misericórdia, até ser inaugurado, no bairro de Santa Cecília, em 1884, o Hospital Central, sua sede até os dias de hoje. Disponível em: http://www.santacasasp.org.br/historico.html, acesso em 28/06/2010.

O Hospital Geral foi fundado em 24 de março de 1582 pelo sacerdote espanhol José de Anchieta, para acudir os homens da frota de Diogo Flores Valdez. Com destino ao Estreito de Magalhães, a tripulação foi atacada por uma peste e aportou no Rio de Janeiro. Providenciando agasalhos e remédios, o jesuíta, para abrigar os enfermos, mandou construir um barracão de palma coberto de sapé na orla marítima do morro do Castelo, que teria dado origem à Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e, possivelmente, ao primeiro hospital da cidade. Disponível em: http://www.santacasarj.org.br/#, acesso em 28/06/2010.

6 Nesse período vigorava o sistema de governadores-gerais; dividido em capitanias, o Brasil não

dispunha de um governo central. Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 72.

(21)

(Legislativo, Executivo e Judiciário) o Poder Moderador, exercido privativamente pelo Imperador. O território do Império foi dividido em províncias (que correspondiam às capitanias existentes), e estas passaram a ser subordinadas ao poder central, por meio de um presidente e de um chefe de polícia – escolhidos e nomeados pelo Imperador. 8

A Constituição de 1824 determinava o direito aos “soccorros públicos” dentre outros direitos sociais, ainda como um direito incipiente na Carta. O artigo 179 garantia a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, tendo por base a liberdade, a segurança individual, a propriedade e assegurando estes direitos dentre outras formas pelos socorros públicos (inciso XXXI), pela instrução primária e gratuita (inciso XXXII) nos colégios e universidades em que seriam ensinados elementos das ciências, belas letras e artes (inciso XXXIII).9

Averigua-se que nesse período toda a organização política estava efetivamente concentrada na pessoa do Imperador, que reinava, administrava e governava. Por intermédio do Poder Moderador o soberano agia sobre o Poder Legislativo em face do poder de dissolução da Câmara, do direito de adiamento e de convocação, pelo direito de escolha dos senadores na lista tríplice; atuava também sobre o Poder Judiciário para suspender os magistrados, e não era diferente no Poder Executivo em que dirigia todo o organismo administrativo.

Observa-se que contra esse mecanismo centralizador os liberais lutaram por mais de sessenta anos,10 e, em 1889, finalmente, venceram. Foram as forças

descentralizadoras

(...) organizadas, mais coerentes, e não mera fragmentação e diferenciação de poder como existentes na colônia, mas certamente como projeção daquela realidade colonial que gerou, no imenso território do país, os poderes efetivos e autônomos locais (...) também aliados aos novos fatores que apareceram e se firmaram na vida política brasileira: o federalismo, como princípio constitucional de estruturação do Estado, a democracia, como regime político que melhor assegura os direitos humanos fundamentais.11

8Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 75. 9 Disponível em: www.planalto.gov.br/legislacao, acesso em 26/06/2010.

10 Rebeliões como as “Balaiadas”, as “Cabanadas”, as “Sabinadas”, a “República de Piratini”, e

movimentos que predecessores, como a Inconfidência Mineira e a Revolução Pernambucana foram presentes durante toda a monarquia, e representaram a luta contra o mecanismo centralizador e sufocador das autonomias regionais. Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, pp. 76-77.

(22)

Com a passagem do regime monárquico ao republicano (1889), a economia que antes se baseava num modelo mercantil escravagista, passa a se caracterizar como uma economia exportadora capitalista. Assim, não mais havia a submissão econômica e política do Brasil a Portugal.

No final do século XIX os grandes centros são marcados pela emergência da produção de mercadorias, do desenvolvimento comercial das cidades e da instalação de melhorias públicas, pois a população crescia a olhos vistos. Em São Paulo o desenvolvimento da atividade cafeeira estava em franca expansão, e era comum a utilização da abundante mão de obra estrangeira que recebia baixíssima remuneração pelos trabalhos prestados na lavoura. Assim, surge a Hospedaria do Imigrante, criada e mantida por fazendeiros paulistas para abrigar os recém-chegados, adotando medidas de higiene (quarentena, vacinação), bem como medidas de atenção médica. 12

Nessa época é editada a Lei nº 3.397, de 24 de novembro de 1888, criadora da “Caixa de Socorros” para os trabalhadores das estradas de ferro de propriedade do Estado, e considerada a lei que primeiro trouxe algum conteúdo previdenciário no Brasil.

Segue-se, nesse contexto, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, elaborada integralmente com inspiração na constituição norte-americana, de modelo declaradamente liberal, que adotava como forma de governo a República Federativa, constituindo-se pela união perpétua e indissolúvel de suas antigas províncias. Também instituía o regime representativo e o presidencialismo à moda norte-americana: o equilíbrio entre freios e contrapesos dos poderes.13

Essa Constituição tinha caráter eminentemente liberal. A ideia corrente era a de que “o Estado que governa melhor é aquele que governa menos”.14

O liberalismo remonta ao século XVII, em que se preconizava a livre iniciativa e a livre concorrência, exprimindo dessa maneira tanto o liberalismo político

12 SPOSATI, Aldaíza. História da Pobreza assistida em São Paulo, p. 18.

13 Nesse momento histórico retoma-se a doutrina tripartite de Montesquieu: Poder Legislativo,

Executivo e Judiciário, deixando para trás o Poder Moderador que tanto desconforto causou com a centralização da administração e a forte ingerência sobre os demais poderes. Cf. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, pp. 78-79.

(23)

quanto o liberalismo econômico, que se contrapunham aos já decaídos absolutismo e mercantilismo. O liberalismo tinha como principal característica o não intervencionismo, a pregação radical do individualismo e da livre concorrência, manifestando-se como garantia dos valores de liberdade e propriedade, fundando-se na liberdade de discussão pelos indivíduos e pela comunidade das diretrizes orientadoras do destino da vida social, política e econômica, era o autogoverno da sociedade civil. Comunga desse entendimento Vidal Serrano Nunes Júnior in verbis:

Neste período histórico, preconizavam-se relações econômico-sociais libertas de amarras jurídicas, com o mercado produzindo os insumos básicos para sua auto-regulação. Os institutos jurídicos gerais, em especial a propriedade privada e a autonomia da vontade, aplicados à seara das relações econômicas, eram os únicos balizamentos para as relações então entabuladas.15

É importante notar que a Constituição promulgada constituíra-se tão somente num formoso arcabouço formal: inspirada quase que em sua totalidade no modelo norte-americano, e embasada no liberalismo do Século XVII, não correspondia à realidade brasileira da época, que funcionava na base do coronelismo.16

Acerca da proteção social, a Constituição de 1891 trouxe apenas dois artigos: o artigo 5º que determinava a possibilidade de a União prestar socorros aos Estados em casos de calamidade pública (a regra era que cada Estado provesse suas necessidades com recursos próprios), e o artigo 75, que previa a aposentadoria como benefício aos funcionários públicos em caso de invalidez em serviço da Nação, assegurando de forma inédita a proteção social a uma determinada categoria de trabalhadores. Em outras palavras, as normas relativas aos socorros foram suprimidas.

Diante da ausência de mecanismos públicos que assegurassem o amparo material e os cuidados médicos aos necessitados, o mutualismo surgiu como uma forma de desenvolvimento do atendimento assistencial: a Benemérita Associação

15 Cf. NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988, p. 49. 16

(24)

Portuguesa de Beneficência, fundada em 1859 por um grupo de imigrantes portugueses, tinha o fito de auxiliar os doentes, arrumar emprego para os que não possuíam subsistência, facilitar a educação dos filhos dos portugueses, angariar recursos para os que desejassem voltar a Portugal, e contratar advogados para auxiliar em questões jurídicas, dentre outras atribuições.17

Da mesma maneira, surgiam os movimentos operários para atender às necessidades da classe trabalhadora, mas, nitidamente com outra postura: a reivindicatória. Assim as pressões exercidas por este movimento culminaram tempos depois com a propositura de diversos projetos de lei versando sobre os direitos dos trabalhadores.18

No cenário Mundial, diversos países, preocupados em atribuir novos rumos para a questão social19 assinaram, em 1919, o Tratado de Versailles que, na parte XIII, criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), como sujeito de direito internacional direcionado para o progresso dos direitos trabalhistas.

Em 24 de janeiro de 1923 é promulgado o Decreto Legislativo nº 4.682, conhecido como a “Lei Eloi Chaves”, e considerada a primeira “lei” brasileira de previdência social, restando determinado inclusive o dia 24 de janeiro como o “Dia da Previdência Social” por esta razão.20 Este Decreto estabelecia as normas para

criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões dos trabalhadores das ferrovias, e

a vida, a obediência e a fidelidade. É por isso que o coronelismo significa força política e força militar”.

Cf. CARONE, Edgar. A Primeira República, p. 103.

17Cf. CARRO, Silvina Maria. A Assistência Social no Universo da Proteção Social, pp. 143-144. 18 Em 1919 aprovou-se o projeto de lei apresentado por Adolfo Gordo que tratava dos acidentes de

trabalho. Marco na legislação trabalhista, pois, que o princípio da responsabilidade era substituído pelo princípio do risco profissional. Se antes era necessário provar em juízo que havia dolo ou culpa do patrão na ocorrência de um acidente de trabalho para que houvesse o direito à indenização, agora todo e qualquer acidente de trabalho passava a ser de responsabilidade do empregador, risco objetivo da atividade econômica. CARRO, Silvina Maria. A Assistência Social no Universo da Proteção Social, p. 145.

19

(25)

fincou as bases para a criação dessas Caixas também para outras categorias de trabalhadores. Desvendando as tensões então existentes, José Ricardo Caetano Costa afirma:

Não foi por caridade ou algum fim humanístico que os ferroviários foram os primeiros a ter os seus direitos sociais assegurados, mas sim por interesse das forças dominantes e dirigentes expressas através do Estado, na segunda década de 1900. Melhor dizendo, foi justamente a correlação de classes, naquele momento histórico, que propiciou o nascimento desta primeira forma de proteção securitária: de um lado os trabalhadores, inicialmente do setor férreo, fortemente organizados buscando os seus direitos e, de outro, a necessidade do crescimento do estado brasileiro a partir de um incipiente processo de industrialização, em que o transporte (ferroviário e marítimo) passa a ser o principal meio para incrementar a industrialização.21

Com efeito, ainda que de forma tímida, começava a se desenvolver a legislação previdenciária e da saúde.

Em 1926 foi elaborada Emenda à Constituição para adequá-la à realidade nacional, que naquele momento consubstanciava-se numa oligarquia dominante: o poder monárquico centralizante antes combatido transmudara-se no coronelismo que sustentava o poder dos governadores. A referida Emenda não surtiu efeito, e em 1930 irrompe a Revolução que poria abaixo a Primeira República.

Segundo José Afonso da Silva, naquele momento “o desenvolvimento da economia já propiciava condições para o desmonte do coronelismo, ou quando nada, o seu enfraquecimento”.22 Getúlio Vargas sobe ao poder como líder civil da

revolução, e, em resposta às urgentes demandas sociais que pululavam, inclina-se para a questão social.

Vê-se então que o Estado passa a se reestruturar para um processo de centralização da administração, orientando-se para a sociedade civil com base em entidades representativas dos interesses de diversas categorias profissionais e de diferentes setores da elite. Em 1930 foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde.23

20 MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social, p. 6.

21 COSTA, José Ricardo Caetano. Previdência: Os Direitos Sociais Previdenciários no Cenário

Neoliberal, p. 27.

22 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 81.

(26)

A assistência social, que até aquele momento carecia de efetiva regulamentação começa a ser objeto de preocupação do Estado, o qual, por meio do Decreto nº 20.531/31, estatui a Caixa de Subvenções, para auxiliar instituições de caridade. Este Decreto foi alterado pela Lei Federal nº 119/35 que extingue a Caixa de Subvenções e cria um Conselho Consultivo, vinculado ao Presidente da República, incluindo também as instituições de saúde e educação dentre as beneficiárias.24

Em 16 de julho de 1934 é promulgada nova Constituição, que inspirada na Constituição Social Alemã (Weimar)25, de 1919, expande os direitos fundamentais para incluir os direitos sociais: família e trabalho passam a ser preocupações latentes. O título III que cuidava dos direitos e garantias individuais deixava expresso o dever do Poder Público de amparar, na forma da lei, os que estivessem em indigência (artigo 34). Conforme afirmado por Jediael Galvão Miranda:

A Constituição Federal de 1934 trouxe diversas disposições acerca da proteção social, prevendo assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta o descanso, antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, além de prever a instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, para cobrir os eventos de velhice, invalidez, maternidade, acidentes do trabalho ou morte. Tratou, portanto, do custeio tripartite do sistema, bem como foi a

primeira carta Constitucional a utilizar o termo “previdência”, porém sem o complemento “social”.26

Todavia, somente em 1938, com a criação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), é que se consolida a primeira regulamentação da assistência social no Brasil.27

24Cf. Maria Luiza MESTRINER, O Estado entre a filantropia e a assistência social, pp. 58-63. 25

Sobre a Constituição Alemã cabe anotar a lição de Vidal Serrano NUNES JUNIOR: “A evolução de direitos sociais foi sucessivamente marcada pela Constituição de Weimar de 1919, que, a seu modo, consubstanciou significativos avanços no campo dos direitos fundamentais, que serviram de inspiração para diversas Constituições posteriores. Sem esquecer que a Constituição de 1919 foi a instituidora da República na Alemanha, no campo dos direitos sociais, embora não tenha tido a minudência na discriminação de direitos trabalhistas como sua antecessora mexicana, teve a fortuna de veicular um rol muito mais amplo de direitos sociais.” A Cidadania Social na Constituição de 1988, p. 13

26 MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social, p. 7.

27 “O Conselho Nacional de Serviço Social (1938) foi um dos órgãos de cooperação do Ministério da

(27)

E, muito embora a Constituição de 1934 apresentasse nuanças de caráter social, e alguma legislação já existisse,

A persistência do componente liberal nos conteúdos constitucionais fará com que se determine o equacionamento da assistência social, sempre tendo como referência, de um lado, o trabalho, e, de outro, o princípio de subsidiariedade, que desresponsabiliza e libera o Estado dessa intervenção.28

Devidamente calcado na pregação radical do individualismo e da competição entre os indivíduos, o liberalismo contribuiu em enorme parcela para o estabelecimento de uma profunda desigualdade social. Aos poucos, o equilíbrio foi dando lugar à monopolização de determinados setores da economia e a parcela trabalhadora da população viu-se cada vez mais oprimida pelas imposições fixadas unilateralmente pelos detentores dos meios de produção. Aqueles, então, que estavam fora do mercado – crianças, idosos, ou inválidos – indubitavelmente sofreram mais gravemente as consequências deste desequilíbrio.

A exacerbação dos conflitos entre trabalho e capital e o clamor por maior liberdade política implicaram na emergência de um Estado intervencionista, de efetiva ingerência em diversos setores, que surge para atenuar as desigualdades sociais criadas pelo modelo liberal não intervencionista. Essas medidas foram implementadas por meio da determinação da instrução obrigatória (educação), da assunção pelo Estado da previdência social, do ajuste das finanças públicas por meio da tributação, etc. Ou seja, pode-se sustentar nitidamente que a preocupação maior desloca-se da liberdade para a igualdade.29

Releva destacar que o cerne da crise do Estado Liberal residia na questão dos trabalhadores, os quais, organizados nos movimentos operários, mobilizaram-se, e fizeram com que as mudanças acontecessem. Nesse momento histórico pouca ou nenhuma importância teve a questão social dos desassistidos.

administração estatal federal, com a função de subsidiar as organizações sociais de amparo social.”

Cf. CARRO, Silvina Maria. A Assistência Social no Universo da Proteção Social, p. 150.

(28)

Ana Cristina Costa Meireles alude sobre o liberalismo que “as suas premissas traziam o germe da própria destruição”.30

Como solução para a situação no momento vivida, surge o Estado Social, também designado de Estado do Bem-estar ou ainda Estado-providência.

1.2 Assistência social e o Estado do Bem-estar

Como já visto, irrompeu a Revolução de 1930 que derrubou o Estado Liberal, e em 1934 iniciou-se o período ditatorial instituído por Getúlio Vargas, também conhecido como “Estado Novo”. A Constituição de 1937, outorgada pelo governante, enumerava os riscos sociais cobertos pelo seguro social, mas, infelizmente, em nada avançou nas determinações já contidas na Carta anterior.

Lastimavelmente, o interesse latente era implantar uma legislação social que servisse de sustentação ao processo de desenvolvimento econômico brasileiro, calcado essencialmente no setor industrial. Poucas eram as preocupações com a garantia dos direitos individuais e a assistência aos necessitados. José Afonso da Silva aponta que a Constituição de 1937 teve como principais preocupações:

(...) fortalecer o Poder Executivo, a exemplo do que ocorria em quase todos os outros países, julgando-se o chefe do governo em dificuldades para combater pronta e eficientemente as agitações internas; atribuir ao Poder executivo uma intervenção mais direta e eficaz na elaboração das leis, cabendo-lhe, em princípio, a iniciativa e, em certos casos, podendo expedir decretos-lei; reduzir o papel do parlamento nacional, em sua função legislativa, não somente quanto à sua atividade e funcionamento, mas ainda quanto à própria elaboração da lei; eliminar as causas determinantes das lutas e dissídios dos partidos, reformando o processo representativo, não somente na eleição do parlamento, como principalmente em matéria de sucessão presidencial; conferir ao Estado a função de orientador e coordenador da economia nacional, declarando, entretanto, ser predominante o papel da iniciativa individual e reconhecendo o poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo; reconhecer e assegurar os direitos de liberdade, de segurança e de propriedade do indivíduo, acentuando, porém, que devem ser exercidos nos limites do bem público; a nacionalização de certas atividades e fontes de

29Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão,

franquia, terceirização e outras formas, p. 20.

(29)

riqueza, proteção ao trabalho nacional, defesa dos interesses nacionais em face do elemento alienígena.31

Durante o período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) surge a primeira grande instituição brasileira de assistência social, a Liga Brasileira de Assistência, inicialmente designada Legião de Caridade Darcy Vargas.

Comandada pela então primeira dama – Darcy Vargas −, tinha o objetivo de prestar assistência social diretamente ou em colaboração com instituições especializadas, mediante a mobilização do trabalho civil feminino de elite, em apoio às forças nacionais do Brasil na Guerra Mundial. As voluntárias atuavam nas mais diversas atividades, como as legionárias da costura que produziam roupas e materiais médico-hospitalares para serem usados no front pelos soldados; havia aquelas que colaboravam na distribuição de objetos coletados pela Liga aos soldados, ou ainda organizavam bibliotecas, angariando livros que deveriam servir aos soldados aquartelados.32

Silvina Maria Carro, ao analisar essa atuação do Estado, revela:

O volume das medidas e das atribuições que são assumidas pelo Estado durante o período de 1930-1945 permite ponderar a relevância dada à questão do trabalho e ao recurso da legislação social centrada no controle estatal. A saúde e a educação relacionam-se com o trabalho. De um lado, a educação favorece a formação de mão-de-obra qualificada por meio do ensino profissionalizante, e os investimentos na saúde melhoram a capacidade produtiva do trabalhador. 33

Após a Segunda Guerra Mundial, da qual o Brasil participou com os Aliados contra as ditaduras nazi-fascistas, inicia-se o processo de redemocratização do Estado brasileiro e o desenvolvimento social passa a ser encarado como um dever do Estado paralelamente à necessidade de maior organização das forças de trabalho.

No cenário mundial, assistia-se a uma abrangente mobilização na defesa dos direitos humanos, que culminou em 1948 na Declaração Universal dos Direitos

31Cf. Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 83.

(30)

do Homem. A partir daí formou-se a concepção contemporânea dos direitos humanos universais,34 indivisíveis35 e irrenunciáveis. 36

Nesse clima, em 1946 foi promulgada uma nova Constituição brasileira, que no campo da assistência social preservou as inovações trazidas pela Constituição anterior, buscando equilibrar o princípio da livre iniciativa com o da justiça social. Essa Carta adotou ainda eleições diretas para Presidente da República, mandato de cinco anos, instaurou um Senado Federal dentro de um bicameralismo do tipo federativo, dentre outras criações.

A questão social, objeto fim do preceito da justiça social, foi erigida a um alto patamar por um modelo de Estado intervencionista, planificador dos problemas econômicos e sociais. Com efeito, em 1947 realizou-se o primeiro Congresso Brasileiro de Serviço Social em São Paulo, tendo como objetivo estabelecer por processos científicos e técnicos o bem-estar social da pessoa humana, individualmente ou em grupo.

As ideias debatidas no Congresso e aventadas à época em toda a sociedade acerca do bem-estar social eram fruto da ressonância de outras ideias: por exemplo, o Relatório Beveridge, que ressoou não apenas no Brasil, carente de um modelo estruturado de seguridade social, de um sistema previdenciário organizado, em que a maximização da equidade significaria o atendimento da justiça social. Publicado em 1942, o Relatório Beveridge apresentou o resultado de um exame geral de todos os sistemas de proteção social existentes na Inglaterra, realizado pelo Comitê Interministerial sob o comando de William Beveridge (que deu nome ao relatório), e trazia inovadores conceitos acerca da seguridade social.

Tamanha a relevância do Relatório de Beveridge que até os dias atuais é tomado como parâmetro.

34 Norberto BOBBIO afirma que é possível crer na universalidade dos direitos humanos uma vez que

“universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens”. Destaque-se que alguns pensadores, em uma visão jusnaturalista, acreditam que a universalidade dos direitos humanos fundamenta-se na natureza humana desses direitos, eternamente válidos para os povos em todos os tempos. A Era dos direitos, p. 28.

35 Os direitos humanos hão de ser tutelados, não só cada um singularmente, mas no seu conjunto, com vista a uma relação de complementaridade. Uma proteção parcial significaria uma espécie de não reconhecimento.

36 Irrenunciáveis, enquanto inerentes à pessoa humana e à sua dignidade e porque seria vão

(31)

De forma sucinta, Nilson Martins Lopes Junior indica como propostas do

Relatório de Beveridge a “proteção do berço ao túmulo” (que garantia a proteção de toda pessoa pelo sistema de seguridade social desde o nascimento até seu falecimento, o que não afastava a proteção à gestante e aos dependentes do segurado quando de sua morte, constituindo-se assim em uma proteção pré-nascimento e pós-morte), “um só carnê, um só selo, todos os riscos” (que expressava a necessidade de unificação dos sistemas de financiamento até a cobertura dos riscos sociais), “igualdade na prestação para riscos sociais distintos” (que significava a equiparação das prestações seja na forma de atendimento ou no montante pago ao segurado), “igualdade na contribuição dos semelhantes” (a indicar que o financiamento deveria ser igual para aqueles que se encontrassem em situação semelhante, nada mais que a observância do princípio da equidade), “uniformização das regras sobre os períodos de carência” (uniformização do período mínimo de contribuição para o direito às prestações) e “unificação administrativa” (que denotava a necessidade de a seguridade social ser administrada centralizadamente por um único órgão de governo) – propostas que até os dias de hoje servem de balizamento para a seguridade social. 37

Wagner Balera, bem observando a conformação do Estado Social de Direito que se afigurava e a iminente necessidade de sua regulamentação, assinala que “o Direito, todo o Direito, nasce e se desenvolve a partir de certas questões sociais que demandam solução” e estabelece que “a questão social é a questão do trabalho e das relações entre capital e trabalho”. 38

No mesmo sentido, Cristiano Carvalho assegura que o princípio ético que rege a ideologia do Estado do Bem-Estar é o da redistributividade: “esse princípio é absorvido pelo sistema jurídico, que o positiva sob a forma de princípios e valores e os instrumentaliza por meio da criação de institutos jurídicos”.39

Sob a égide da Constituição de 1946, nos anos seguintes, embora houvesse grande agitação no cenário político,40 prosseguiu a modernização do aparelho

37 LOPES JUNIOR, Nilson Martins. Direito Previdenciário, pp. 37-38.

38 BALERA, Wagner. Noções preliminares de direito previdenciário, pp. 9-10.

39 CARVALHO, Cristiano Rosa. Teoria do sistema jurídico: direito, economia e tributação, p.295 40 Getúlio Vargas elegeu-se para o primeiro período governamental implantando um controverso

(32)

estatal por meio da implantação de grandes complexos industriais (siderurgia, hidrelétricas), prosperou a economia, e no serviço social vigorou o modelo implantado pela Liga Brasileira de Assistência.

Em julho de 1952, em Genebra, ocorre a 35ª Conferência Internacional do Trabalho, e embora reconhecida a grande diferença entre os Estados Membros da OIT (Organização Internacional do Trabalho) quanto ao desenvolvimento social, mais especificamente em relação às condições econômicas, é adotado o Convênio nº 102, que instituiu a necessidade da observância da norma mínima de proteção social a ser prevista em cada legislação nacional.

Para acolher os anseios da sociedade, e responder às demandas sociais, no campo jurídico houve a edição da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que significou expansão da proteção social previdenciária. Todos aqueles que trabalhassem como empregados no território nacional, brasileiros e estrangeiros domiciliados e contratados no Brasil para trabalharem como empregados nas sucursais ou agências de empresas nacionais no exterior, os titulares de firma individual e diretores, sócios gerentes, sócios solidários, sócios cotistas, sócios de indústria, de qualquer empresa cuja idade máxima fosse, no ato da inscrição de cinquenta anos, bem como os trabalhadores avulsos e autônomos passavam a ser segurados obrigatórios (artigo 5º).

No início de 1960 o Brasil passava por uma grave crise político-institucional, resultante, em 31 de março de 1964, na tomada do poder pelas Forças Armadas: era o golpe Militar.

Então, a Constituição de 1967 foi promulgada num cenário de autoritarismo ditatorial, quando assumia a presidência o Marechal Arthur da Costa e Silva. Inspirada na Carta de 1937 preocupava-se essencialmente com a segurança nacional, e estava voltada completamente para o fortalecimento do Poder Executivo, da autoridade do Presidente da República – conferindo-lhe a competência de expedir decretos-lei. Os demais Poderes – Legislativo e Judiciário – viram-se tolhidos em suas funções e competências.

então o Presidente do Senado Nereu Ramos, que entrega a presidência a Juscelino Kubitschek que conclui seu mandato. Elege-se Jânio Quadros, que depois de sete meses renuncia, o Vice-presidente João Goulart enfrenta reação militar visando impedir a sua posse, mas assume a presidência. Cf.

(33)

Toda a administração foi centralizada nas mãos do Executivo Federal: Estados e Municípios perderam importância político-administrativa. Reduziu-se a autonomia individual permitindo a suspensão de diretos e garantias individuais. A Carta de 1967 foi mais autoritária que as anteriores, equiparando-se à Constituição de 1937.

Esta Constituição não durou muito: o regime constitucional acabou por ser rompido pelos diversos Atos Institucionais emanados durante a ditadura bem como pelas incontáveis emendas constitucionais, e na realidade não se configuravam como emendas, mas equivocadas tentativas do estabelecimento de uma nova ordem constitucional.

No campo da assistência social permanecia a Liga Brasileira de Assistência. A partir da década de 1940 (e até meados da década de 1970), diferentemente do período em que foi criada, a Liga passou a ser administrada de forma descentralizada, independente de uma política estatal – embora ainda sob os cuidados da primeira dama –, tendo uma rede de serviços próprios, que iam desde a assistência social, judiciária, do atendimento médico-social e materno-infantil, a distribuição de alimentos aos necessitados, a manutenção de creches e abrigos, a qualificação e iniciação profissional de jovens, a assistência ao idoso até o atendimento aos portadores de deficiência.

Numa avaliação ex post das atividades da LBA, Sposati e Brant de Carvalho (1989) denotam que na trajetória histórica da ação foram se ampliando seus programas e modernizando suas ações em três eixos. A creche substituiu o orfanato, embora subsista o orfanato. A assistência à mulher transitou da distribuição de alimentos ou agasalhos à educação social, ao controle da natalidade, à formação profissional, etc. Contudo, nos programas da área da assistência, novas e velhas formas se combinam, daí o amplo elenco de programas nos quais convivem formas arcaicas e modernas. Em segundo lugar, a expansão dos programas da LBA deu-se via introdução de atividades decorrentes da conjuntura econômico-política, como, por exemplo, na década de 1970, a área de formação e reciclagem de mão de obra. Finalmente a LBA assumiu áreas não desenvolvidas pelas demais políticas sociais, como os idosos, os excepcionais e a infra-estrutura urbana para os destituídos. 41

(34)

Com a centralização administrativa na esfera federal, é feita, então, a unificação de todas as caixas e institutos de aposentadoria e pensões: surge o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS). Unificadas as Caixas e Institutos, efetua-se uma reestruturação da forma de proteção social, e, como marco, a criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS)42, regulado pela Lei nº 6.439 de 1º de janeiro de 1977. O SINPAS foi criado com a finalidade de integrar as atividades de assistência social, previdência social, assistência médica e administração financeira e patrimonial das várias entidades vinculadas ao Ministério da Previdência e Assistência Social.43

Vale a pena transcrever o interessante comentário de Silvina Maria Carro a respeito:

Nesta época o Estado se estabelece como regulador das estruturas de proteção social, com a organização de demandas dos trabalhadores por instrumentos de política social, e da legislação trabalhista, mas incorporando seletivamente aquelas frações da classe trabalhadora que, por estarem situadas em setores mais dinâmicos da economia, incrementaram seu poder de pressão e negociação. Portanto, estabelecendo um modelo de proteção a partir do qual se corporizou uma estrutura fragmentada composta por multiplicidade de instituições, cada uma delas funcionando com diferentes parâmetros de contribuições, critérios de negociação e categoria de benefícios; dependendo do poder de negociação e poder no interior do aparelho estatal da categoria do assegurado. 44

José Ricardo Caetano Costa, por sua vez, observa e descreve a centralização administrativa da seguinte forma:

Muito embora esses diversos institutos começassem a apresentar diferenças entre si, até mesmo devido à sua organização, eis que cada qual tinha a sua independência e autonomia de decisão, o que dificultava a transferência de aportes quando da migração dos segurados entre os mesmos. O motivo fundante da unificação destes

42 O SINPAS agregava sete entidades, a saber: o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o

Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS), o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), a Legião Brasileira de Assistência (LBA), a Fundação Nacional de Bem-estar do Menor (FUNABEM), a Empresa de Processamento de Dados da Previdência (DATAPREV) e a Central de Medicamentos (CEME), e tinha por objetivos integrar todas as atribuições da previdência social rural e urbana, dos servidores públicos federais e das empresas privadas.

43 MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social, p. 8.

(35)

institutos no Instituto Nacional de Previdência Social, levada a cabo em 1960, foi o controle dos trabalhadores por parte do Estado e a tomada de seus significativos numerários para impulsionar obras que, segundo as prioridades do governo, eram fundamentais para o País se desenvolver: a construção de Brasília, da Transamazônica, somente para citar dois exemplos mais conhecidos.45

A predominância dos interesses do Estado e das prioridades do governo sobre os interesses dos trabalhadores não foi a única crítica enfrentada pelo sistema implantado; a legislação como fora elaborada desprestigiava enormemente aqueles que não contribuíssem para o seu financiamento: no modelo então vigente as relações de direitos constitucionalmente assegurados foram substituídas pelas relações contratuais; o campo da previdência social é o dos “assegurados”, enquanto o campo da assistência social é o dos “necessitados”.46

E embora o Estado mantivesse uma postura interventora, atuando diretamente nas mais diversas esferas (econômica, política e social), tendo ampliado enormemente suas funções, não conseguia suprir todas as necessidades que lhe eram apresentadas. Muitas foram as responsabilidades avocadas pelo Estado, e, talvez por esta razão, não conseguiu desempenhar todas a contento, figurando como aparelho excessivamente burocrático, dispendioso, ineficiente e restritivo às atividades de outros agentes sociais.

Maria Sylvia Zanela Di Pietro descreve a situação do Estado do Bem-Estar Social da seguinte maneira:

a) algumas atribuições foram assumidas pelo Estado como serviços públicos, entrando na categoria de serviços públicos comerciais, industriais e sociais; para desempenhar esses serviços o Estado passou a criar maior número de empresas estatais e fundações; b) outras atividades, também de natureza econômica, o Estado deixou na iniciativa privada, mas passou a exercê-las a título de intervenção no domínio econômico, por meio de sociedades de economia mista, empresas públicas e outras empresas sob o controle acionário do Estado; c) finalmente, outras atividades, o Estado nem definiu como serviço público nem passou a exercer a título de intervenção no domínio econômico; ele as deixou na iniciativa privada e limitou-se a fomentá-las por considerá-las de interesse para a coletividade.47

45 COSTA, José Ricardo Caetano. Previdência: Os Direitos Sociais Previdenciários no Cenário

Neoliberal, p. 28.

46 SPOSATI, Aldaíza. História da Pobreza assistida em São Paulo, passim.

47 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão,

(36)

Diversas foram as críticas dirigidas ao modelo do Estado do Bem-Estar Social em face do modelo da previdência social; desde aqueles que acreditavam no princípio do livre mercado e do Estado Mínimo, e defendiam ferrenhamente a livre concorrência e a adaptabilidade (aqueles que não se adaptassem ao mercado sucumbiriam), negando qualquer política social por parte do Estado (que tornaria os pobres dependentes e acomodados), passando pelos defensores do “capitalismo competitivo”, que de forma análoga afirmava que cada cidadão deveria financiar sua própria assistência, desonerando assim o Estado e a sociedade (seria o fim do déficit público), havendo ainda os preconizadores do retorno ao liberalismo, pois o socialismo e o Welfare State não teriam passado de modelos utópicos.48

Enquanto o Estado agigantava sua intervenção – agora já vista como um certo paternalismo – crescia o déficit público e manifestava-se a apatia política nos cidadãos, os quais passaram a “mendigar” o que a máquina estatal podia lhes oferecer. O Estado do Bem-Estar Social surgido das necessidades sociais não atendidas pelo Estado Liberal, agora enfrentava sua própria crise. Na leitura feita por Boaventura Souza Santos, neste esteio,

o Estado parece estar a perder o estatuto de unidade privilegiada de análise e de prática social. Esta perda relativa de protagonismo do Estado nos países centrais tem tido um papel determinante nas políticas sociais. Desregulação, privatização, mercado interno do Estado, compartição nos custos, mercadorização, cidadania activa, ressurgimento da comunidade são algumas das denominações do variado conjunto de políticas estatais com o objectivo comum de reduzir a responsabilidade do Estado na produção de bem-estar-social.49

Boaventura Souza Santos, inaugurando outra linha argumentativa crítica arrisca-se até mesmo a dizer que este Estado de Bem-estar Social nunca chegara a existir efetivamente em determinados estados periféricos ou semi-periféricos (dentre os quais poderia se incluir o Brasil):

48 A este respeito ver as teorias de Ludwig Heinrich Edler VON MISES (Socialismo, 1922; Liberalismo – segundo a tradição clássica, 1927; Governo Onipotente, 1944; Burocracia, 1944; Ação Humana, 1949; Teoria e História, 1957 e o póstumo As seis lições, 1979) informações disponíveis em http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=33), Friedrich Augusto VON HAYEK (O Caminho da servidão, 1944, disponível em: http://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=31) e também Milton Friedman (Capitalismo e Liberdade, 1962).

Referências

Documentos relacionados

Tomemos como objeto de análise o artigo intitulado O culto da mãe d´água, escrito por Édison Carneiro para o jornal Estado da Bahia:.. Na Bahia o culto da mãe d’agua se

o Transporte do ponto mais próximo acessível a automóvel até à chegada, em caso de abandono ou ser impedido pela organização para continuar em prova; o Massagem de

I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional

As Empresas concederão a todos os seus empregados vale refeição no valor de R$ 20,20 (vinte reais e vintecentavos) por dia de trabalho, a partir de 01/11/2020, salvo para

[r]

Besides the potential for positive effects on soil fertility, when applied to agricultural soils, biochar may contribute to reduce nitrous oxide (N 2 O)

O aumento de concentração da produção na agroindústria canavieira de Minas Gerais está relacionado ao avanço da competitividade das empresas, especialmente as maiores, que

Os produtos utilizados serão o Revit Architecture (para concepção da cenográfica), o 3D Studio MAX (para finalização do modelo 3D, texturização e iluminação),