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Tatiana Raquel Abreu Freitas Capelo

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Academic year: 2018

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(1)

Tatiana Raquel Abreu Freitas Capelo

MESTRADO EM GESTÃO CULTURAL

fe ve re iro | 2016

A Prostituição de Luxo

Uma construção cultural

(2)

Tatiana Raquel Abreu Freitas Capelo

MESTRADO EM GESTÃO CULTURAL

ORIENTADORA

Cristina Maria Nascimento Guerra dos Santos Pinheiro

CO-ORIENTADOR

José Sílvio Moreira Fernandes

A Prostituição de Luxo

Uma construção cultural

(3)
(4)

II

Agradecimentos

Foi um longo percurso até chegar à conclusão desta investigação. Contudo, o resultado final é muito satisfatório. E por isso quero agradecer o apoio e a ajuda preciosa das pessoas

com quem contei…

Quero agradecer acima de tudo à minha querida orientadora, a professora Doutora Cristina Pinheiro, pela sua total disponibilidade e atenção, pela paciência, pelo apoio incondicional, pelas palavras de incentivo e motivação, pela preocupação, pelas críticas construtivas (sempre com muito senso de humor) e pelos sábios conselhos. Escolhi sem sombra de dúvidas a melhor!

Quero agradecer ao meu co-orientador, o professor Doutor Sílvio Fernandes, pelo apoio e pelas sugestões.

Quero agradecer também à minha família e aos meus amigos, Andreia, Cátia, Cristina, Joana, Lisandra… pelo constante apoio, pela compreensão, pelas palavras de encorajamento e de confiança, por me aturarem e confortarem nas alturas mais críticas…

Destes, em especial à minha querida amiga Andreia Carvalho pelas longas horas de conversas doidas, de queixumes, de incentivo e motivação, pela partilha de experiência… e também pela importante ajuda principalmente com as traduções, tanto da Andreia como da Joana Bettencourt.

Quero também agradecer aos meus colegas de trabalho pela compreensão e pelas palavras de apoio e motivação.

(5)

III

Resumo

Esta investigação tem como objetivo a análise cultural da prostituição a nível ocidental, mais precisamente em épocas passadas como a Antiguidade Clássica, a Idade Média, e o Renascimento, e na atualidade. Com o estudo destas épocas pretendeu-se demonstrar a evolução negativa que a atividade e as suas profissionais sofreram, de uma profissão considerada aceite para uma atividade marginal e criminalizada. Dentro de cada cultura estudada, deu-se particular atenção à evolução do fenómeno da prostituição de luxo feminina, apresentando em cada época histórias de vida das suas intervenientes de forma a analisar a justificação que aí se apresenta para esta escolha de vida. O mundo da prostituição de luxo é muito complexo. Fugindo às imagens estereotipadas e negativas ligadas às profissionais do comércio do sexo, as prostitutas que trabalham num contexto económico e social elevado revelam-se, por norma, como mulheres instruídas, cultas, bonitas, sofisticadas, sem problemas afetivos ou familiares. Muitas vezes, escolhem a atividade da prostituição não por falta de alternativas, mas como uma opção lógica para o seu modo de vida. Contudo, esta não foi uma realidade para todas as profissionais desta indústria em todas as épocas estudadas, tendo em conta que o contexto social, político e cultural é completamente diferente em todas elas. Recorremos também à análise de anúncios publicitários de produtos do quotidiano em comparação com anúncios de prostitutas de luxo. Com estes pretendeu-se demonstrar que este meio de comunicação utilizando a imagem da mulher e do seu corpo, nas mais diversas metáforas consumistas, transforma-a num objeto sexual a ser desejado e consumido, como as mulheres que encontramos nos anúncios das prostitutas de luxo. Foi criada, como componente prática desta investigação, uma galeria virtual (website). Este website contem imagens que retratam as personagens, as histórias e as épocas estudadas. Inclui, de igual forma, um levantamento de artigos, notícias, depoimentos, reportagens e documentários sobre a prostituição na atualidade, e em particular sobre a prostituição de luxo e suas intervenientes.

Palavras-chave: Prostituição; Antiguidade Clássica; Idade Média; Renascimento;

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IV

Abstract

This research aims to provide a cultural analysis of prostitution in the West, more precisely in past ages such as the Classical Antiquity, the Middle Ages and the Renaissance, as well as nowadays. The study of these ages intended to show the negative evolution that the activity and their professionals suffered, shifting from an acceptable activity to a marginal and criminalized one. In each studied culture, it was given special attention to the evolution of the phenomenon of female escort service, presenting in each

era participants’ life stories, in order to analyse their explanation to this life choice. The

world of escort service is a very complex one. Apart from the stereotyped and negative images related to the sex trade professionals, prostitutes that work in a high economic and social contexts generally prove to be educated, cultivated, beautiful and sophisticated women, with no affective or family problems. Many times, they choose this activity as a logical option to their lifestyle and not for lack of alternatives. However, this was not a reality for all the professionals of this industry in all the studied ages, bearing in mind that the social, political and cultural contexts are completely different in all of them. Advertisements of products used in everyday life were analysed, in comparison with advertisements of escorts. The aim was to show that this media uses the image of women and their body, in the most diverse consumerist metaphors, transforming her in a sex object to be desired and consumed like the women that are found in the escorts’ advertisements. It

was created, as a practical component of this research, a virtual gallery (website). This website contains images that portrait the characters, the stories and the studied ages. Furthermore, it includes a gathering of articles, news, testimonies, reports and documentaries about prostitution nowadays and, in particular, about the escort service and its participants.

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V

Índice

Agradecimentos……….. II

Resumo………... III

Abstract……….………. IV

Introdução………1

1. Tema………... 1

2. Enquadramento teórico-prático………... 1

3. Objetivos da análise da prostituição nas diversas épocas e na publicidade……….... 2

4. Justificação do tema……….... 3

5. Conceitos de prostituição e de prostituta ao longo dos tempos……….. 4

6. Definições de Prostituta de Luxo……….... 9

Capítulo 1 – A prostituição na Grécia e em Roma na Antiguidade Clássica………... 11

1.1.Mitos sobre a criação da mulher e a sensualidade feminina – Eva e Pandora… ……… 11

2. Prostituição na Grécia e em Roma………... 15

2.1.Contexto sócio-cultural na Grécia……… 15

2.2. Prostituição na Grécia……….. 17

2.2.1. Hetera Grega………... 23

2.3. Contexto sócio-cultural em Roma………... 30

2.4. Prostituição em Roma……….. 33

2.4.1. Lex Iulia de adulteriis coercendis e Leges Iulia et Papia de maritandis ordinibus………. 37

2.4.2. Cortesã Romana………... 41

2.4.3. Conclusões……….. 46

Capítulo 2 – Prostituição na Sociedade Medieval ………. 48

1. Antiguidade tardia………... 49

1.1. Teorias Cristãs sobre a sexualidade……….. 49

1.2.Prostituição……… 51

2. Idade Média………. 53

2.1. Alta Idade Média – até ao século X………. 53

2.1.1. Contextualização social ……… 53

(8)

VI

2.2. Idade Média Central ……… 55

2.2.1. Contextualização social………. 55

2.2.2. Prostituição……… 58

2.3. Baixa Idade Média...……… 64

2.3.1. Contextualização social………. 64

2.3.2. Prostituição……… 66

3. Conclusões………71

Capítulo 3 – A prostituição no tempo da Reforma e do Renascimento……… 72

1. Reforma Católica e Contra-Reforma………... 72

2. Cortesã do Renascimento……… 77

2.1.Contextualização socio-cultural……… 77

2.2.Caraterização da Cortesã………... 81

2.3.Cortesãs do Renascimento Italiano………... 87

3. Prostituição séculos XVII – XXI………... 95

Capítulo 4 – Prostituição de Luxo na atualidade………... 99

1. Contextos Sócio-culturais da prostituição na atualidade………. 99

1.1. Caraterização do negócio da prostituição………. 99

1.2. A Internet………... 106

1.3. Políticas vigentes em três países da União Europeia………. 107

1.3.1. Portugal………. 107

1.3.2. Holanda………. 109

1.3.2.1. Cidade de Amesterdão………. 111

1.3.3. França………... 113

1.4. Conclusões………. 116

2. Acompanhantes de Luxo………. 117

2.1. Composição do Corpus de Estudo……… 118

2.2.Análise do Corpus de Estudo………. 119

2.3.Caraterização da prostituição de luxo e dos seus intervenientes……….128

2.4. Métodos de trabalho……….. 130

2.5.Comercialização do corpo e dos seus serviços………133

2.6. Os clientes………. 135

(9)

VII

2.8.Conclusões……….. 140

Conclusão Final……….. 143

ANEXOS……….. 146

Anexo A – Análise da Obra Martelo das Bruxas……….. 147

Anexo B – Mulher sensual/erótica como objeto sexual na publicidade………. 151

1. Imagens estereotipadas da mulher-corpo……….. 153

1.1. Veneração/valorização e importância do corpo e da aparência na atualidade………. 154

1.2. Construção do corpo-objeto na publicidade………. 155

1.3. Contextualização da exposição e exploração do corpo feminino nos mídia………. 157

2. Análise de imagens publicitárias e de anúncios de acompanhantes de luxo… 162 I. Figura 1 – Anúncio do perfume Opium, Ano 2000………... 162

II. Figura 2 –Anúncio de Elena………. 165

III. Figura 3 – Anúncio do batom da Marca Dolce&Gabbana, Ano 2009…. 167 IV. Figura 4 – Anúncio de Brooke Ashlees………. 169

V. Figuras 5 e 6 – Anúncios do Perfume Tom Ford for men, Ano 2007…... 172

VI. Figura 7 – Anúncio de Marybea……… 174

VII. Figura 8 – Anúncio de Rashina………. 174

VIII. Figura 9 – Anúncio do perfume Obsession, Ano 1986………. 177

IX. Figura 10 –Anúncio de Adele……….. 179

X. Figura 11 – Anúncio do desodorante AXE Maniac, Ano 2000…………. 180

XI. Figuras 12 e 13 – Anúncio de Renata……… 182

XII. Figura 14 – Anúncio da seleção Premium de carros usados da BMW, Ano 2008………... 183

XIII. Figura 15 – Anúncio de Englatine………. 186

XIV. Figura 16 – Anúncio da cerveja Devassa Loura, ano 2010……….. 188

XV. Figuras 17 – Anúncio de Isabella……….. 190

2.1. Conclusão………. 192

Anexo C – Imagens do Site……….... 195

I. Imagem 1……… 195

(10)

VIII

III. Imagem 3……… 195

IV. Imagem 4……… 196

V. Imagem 5……… 196

VI. Imagem 6……… 196

VII. Imagem 7……… 196

VIII. Imagem 8……… 197

IX. Imagem 9……… 197

X. Imagem 10……….. 197

(11)

1

Introdução

1. Tema

Esta dissertação intitulada “Prostituição de luxo: uma construção cultural” insere-se no âmbito do mestrado de Gestão Cultural, referente ao ano letivo 2012-2016. Esta terá como objeto de estudo a prostituição de luxo feminina em alguns momentos do passado que foram determinantes para a configuração social, moral e ética da prostituição, e na atualidade, especialmente mediante o estudo da prostituição de luxo. O seu objetivo é ampliar o conhecimento deste fenómeno cultural, assim como servir como ponto de partida para futuras investigações sobre esta temática.

2. Enquadramento teórico-prático

A presente investigação teve como enquadramento teórico a análise cultural da prostituição a nível ocidental, mais precisamente em épocas passadas como a Antiguidade Clássica, a Idade Média, e o Renascimento, e na atualidade. A escolha destas épocas deveu-se ao facto de se pretender demonstrar a evolução negativa que a atividade e as suas profissionais sofreram, de uma profissão considerada normal e necessária para uma atividade marginal e criminalizada. Esta foi também integrada num contexto social mais alargado, ou seja, na vida pública e privada dos cidadãos, contudo, dentro de cada cultura estudada, foi dada particular atenção à evolução do fenómeno da prostituição de luxo feminina, apresentando em cada época histórias de vida das suas intervenientes de forma a analisar a justificação que aí se apresenta para esta escolha de vida.

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2 Foi criada, como componente prática desta investigação, uma galeria virtual

(website) disponível no link http://tatiana-capelo2008.wix.com/prostituicaodeluxo. Este

website contem imagens que retratam as personagens, as histórias e as épocas estudadas.

Inclui de igual forma, um levantamento de artigos, notícias, depoimentos, reportagens e documentários sobre a prostituição na atualidade, e em particular sobre a prostituição de luxo e suas intervenientes.

3. Objetivos da análise da prostituição nas diversas épocas e na publicidade A sociedade ocidental inclui inúmeras representações da mulher prostituta. Segundo SCHOUTEN (2010: 85), entre elas incluem-se a de:

(…) pecadora, adúltera, sedutora, pessoa imoral, criminosa, toxicodependente, perturbadora da ordem, desestabilizadora da sociedade, fonte de infeção, mulher neurótica ou psicótica, pessoa desviante, ninfómana, mulher frígida, lésbica, objeto de prazer, mulher oprimida, vítima.

Em todas estas imagens estereotipadas, criadas sobre a mulher prostituta e que serão identificadas ao longo desta investigação, ela é entendida de forma negativa, como uma mulher marginal, má ou vítima, sendo por vezes difícil de associar e de compreender a realidade prostitucional praticada por uma mulher instruída, culta, bonita, sofisticada, normal, sem problemas afetivos ou familiares. Um dos objetivos desta investigação será demonstrar que na indústria1 da prostituição de luxo da atualidade se encontram muitas mulheres com estudos, com alguma estabilidade financeira, com uma boa estrutura familiar, com boas condições de vida, com belos atributos físicos, assim como mulheres com muitas outras opções de profissão.2 São mulheres que fazem esta opção por uma diversidade de razões, sendo o dinheiro uma das principais. Estas estão dispostas a oferecer, o mais discretamente possível, por diversas compensações, os seus serviços, incluindo serviços sexuais ou apenas a sua companhia em eventos sociais diversos, com clientes maioritariamente abastados e bem posicionados socialmente.

1 A prostituição é nesta investigação entendida como uma indústria, tendo em conta que, segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, este termo significa: “1.4. arte ou ofício que alguém exerce para viver; atividade profissional; ocupação; (…) 9. Exploração lucrativa e inescrupulosa de uma atividade que

normalmente não deveria ter tal objetivo. (…).”

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3 Sabemos que a prostituição pode pôr em causa estereótipos relacionados com o género feminino, como o de que e a mulher deve ser uma boa mãe e dona de casa. Contudo, em pleno século XXI começa a haver a noção de que os estereótipos com que se classificam as prostitutas não correspondem à realidade da vida destas mulheres. Dando particular atenção ao corpus de estudo estabelecido, que inclui histórias de prostitutas de luxo da atualidade, é possível perceber que muitas delas mantêm duas vidas completamente opostas, uma vez que no seu dia-a-dia são mães, estudantes, namoradas, funcionárias públicas, donas de casa, etc., ou seja, elas estabelecem e mantêm relações afetivas e sociais, firmes e duradouras, fora do contexto prostitucional, e a maioria destas ligações desconhece a sua vida dupla.

Tendo em conta a perspetiva histórica de diversos autores e textos, bem como os estudos e testemunhos sobre a prostituição (documentários, depoimentos, artigos), um dos objetivos desta investigação é pesquisar a conotação negativa da profissão de prostituta, e a partir daí entender o porquê de a prostituição ser um tema que ao longo da história tem sido marginalizado, e em muitas sociedades ainda ser considerado um tema tabu.

Através do estabelecimento de um corpus de estudo e da investigação produzida pretendeu-se também com esta pesquisa perceber como é que algumas mulheres, vítimas da sua própria sensualidade e sexualidade, se tornaram objetos sexuais, tentando estabelecer uma ligação entre a mulher sensual e erótica com a prostituta e a mulher objeto sexual apresentada na publicidade. Por meio da análise de anúncios publicitários de produtos do quotidiano em comparação com anúncios de prostitutas de luxo, o objetivo de introduzir a publicidade nesta investigação foi demonstrar que este meio de comunicação utilizando a mulher e o seu corpo, nas mais diversas metáforas consumistas, transforma-a num objeto sexual a ser desejado e consumido. A associação deste tipo de publicidade a esta investigação deve-se ao facto das mulheres presentes nos anúncios publicitários serem tão belas e sensuais como as que encontramos nos anúncios de prostitutas de luxo, mulheres que moldam os seus corpos num sentido fetichista, e que com a utilização de técnicas visuais prometem com as suas imagens todas as fantasias presentes no imaginário sexual masculino.

4. Justificação do tema

(14)

4 tabu. Assim como é uma escolha fundamentada no reconhecimento da importância das mulheres na história da civilização, bem como pela sua caraterização como fonte do pecado e de todo o mal em alguns momentos da história, uma história escrita por homens e para homens. Tendo em conta esta visão negativa das mulheres foi importante incluir uma análise dos mitos da criação de Pandora e Eva, referentes às culturas grega e cristã, uma vez que ambos são importantes para compreender as ideias sobre a formação da raça humana e consequentemente à sua hierarquia e diferenciação de papéis de género na sociedade. Através da análise destas figuras começa-se a perceber o poder atribuído ao corpo feminino enquanto elemento de tentação dos homens, e como é que através deste se condicionaram a perceção e modo de vida das mulheres. Nos diferentes capítulos desta investigação foram retratadas várias épocas da história da humanidade, nas quais se tentou uma análise – necessariamente breve e sucinta – da vida pública e privada das mulheres, isto é, como foram caraterizadas nas leis, nos mitos, nos costumes do dia-a-dia, na vida política e familiar, de forma a ter um melhor entendimento da relação e dos papéis de género na sociedade, dando maior enfoque ao fenómeno da prostituição e consequentemente à vida das mulheres que trabalhavam neste meio.

A prostituição existe e é regulamentada de forma direta ou indireta pelas normas sociais, morais e éticas, bem como pelos comportamentos e relações entre homens e mulheres. Como tal, não pode ser um tema tabu ou um assunto a ignorar pela sociedade, pois faz parte da herança cultural da humanidade. Uma investigação nesta área não só vai melhorar a compreensão dos conceitos de prostituta e de prostituição, como vai permitir um melhor entendimento da vida económica, política, cultural e social das diferentes culturas ao longo da história. Tendo em conta que o principal foco é a prostituição de luxo feminina, este estudo irá também levar a um melhor entendimento da realidade de vida destas mulheres, através de questões orientadoras tais como: quem eram/são; o porquê desta escolha de vida; quais os seus atributos, qualidades e instrução; como eram/são vistas e tratadas pela sociedade e pela lei; que tipo de clientes as procuravam/procuram e por que razão; quais os ganhos, benefícios e desvantagens desta profissão.

5. Conceitos de prostituição e de prostituta ao longo dos tempos

A prostituição é entendida como a “mais velha profissão do mundo”. Contudo, a

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5 persistência no tempo e no espaço, integrando-a num contexto social mais alargado, ou seja, abarcando o modo de vida privado, social e político de homens e mulheres nas diferentes épocas, dando particular atenção ao tipo de mentalidades, conceitos e noções assentes nas sociedades.

De acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa, de António Houaiss entende-se

“prostituição” como:

ato ou efeito de prostituir (-se). 1. Atividade institucionalizada que visa ganhar dinheiro com a cobrança por atos sexuais e a exploração de prostitutas. 2. Meio de

vida principal ou complementar de prostitutas e prostitutos. (…) 5. Vida devassa,

desregrada; libertinagem (…).

Prostituição é assim uma atividade comercial de prestação de serviços sexuais entre prostitutas(os) e os/as seus/suas clientes a fim de uma compensação material. Sendo uma atividade exercida por ambos os sexos, contudo ela foi e continua a ser uma atividade em que predomina o sexo feminino como vendedoras e o sexo masculino como compradores.3 Como será explicado mais à frente, de acordo com o papel estrutural dos valores de género, o homem tende a ser educado com base em ideias de masculinidade hegemónica, isto é, sexo dominador, com direito a satisfação sexual e a relações promíscuas, sendo a mulher, por outro lado, pensada em termos de sexo subordinado, de objeto sexual e de prazer dos homens. Tendo em conta este tipo de ideologia, e não só, é natural que os clientes desta atividade sejam maioritariamente do sexo masculino.4

Como foi referido, a prostituição é entendida como “a mais velha profissão do mundo”, contudo, como diz SCHOUTEN (2010: 92) esta é uma asserção duvidosa e pouco realista, uma vez que são raras as sociedades onde a prostituição é reconhecida como profissão, embora, como defendem BINDMAN & DOEZEMA (1997)5, a atividade prostitucional seja realmente um trabalho, uma vez que é uma atividade económica de prestação de serviços que visa a obtenção de recursos para sobreviver ou para melhorar o nível de vida. Como será evidenciado ao longo da investigação, a escolha da prostituição é, na sua maioria, uma opção racional, é uma escolha de sobrevivência, ou então, que visa a melhoria da qualidade de vida. Por estas razões, cada vez mais os profissionais do sexo

3 EDLUND & KORN (2002: 184) e ARNOWITZ (2014: 224).

4 Vide SACRAMENTO & RIBEIRO (2010: 172-173); SILVA (2010: 23; 34); MARCHBANK & LETHERBY (2007: 261) e GIDDENS (1995: 5-8; 77).

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6 exigem os mesmos direitos que têm os trabalhadores de outras profissões. Apesar de serem uma minoria, já existem alguns países onde a prostituição é reconhecida como uma atividade totalmente legal, países como a Holanda, a Alemanha e a Austrália, em que os profissionais do sexo têm os mesmo direitos e deveres que os restantes.

Surgem diferentes tipos de reações para com esta escolha de vida, umas condenatórias e abolicionistas, outras mais tolerantes e progressistas, mas no geral, o atual conceito de prostituição acarreta uma conotação extremamente negativa, preconceituosa e marginal para com as mulheres deste meio. A prostituta é apontada num tom moralista, sendo acusada e vista como responsável pelo modo de vida que leva. Como nos diz SILVA (2010: 24), as prostitutas são identificadas com seres degenerados, mulheres “depravadas,

desonradas, promíscuas e sem-vergonha”. Estes rótulos e preconceitos devem-se aos discursos ideológicos da sociedade, que entende a prostituição como o caminho mais fácil para uma vida sem esforço, descomplicada, acessível, leviana e lucrativa. Contudo, as causas e as motivações que levam uma mulher a este tipo de vida são as mais variadas e nem sempre as mais fáceis de entender ou julgar.6 Tendo em mente a estigmatização social que os intervenientes deste meio sofrem, há ainda que ter em conta a diversidade de problemas que esta atividade envolve, desde a violência física e psicológica ao tráfico de pessoas e ao risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis. Este pode ser o caminho mais curto, mas nunca o mais fácil, pois é uma atividade que envolve dinheiro rápido e de forma simples, mas quem enfrenta os riscos físicos e psicológicos que esta profissão envolve, não considera de forma alguma que este é um caminho fácil, uma vez que o preço a pagar por tal escolha por vezes é demasiado alto. O facto de as prostitutas serem simplesmente marcadas pela sociedade como pessoas inferiores, infames, um mal a evitar só ajuda a marginalizá-las ainda mais, como é referido por FONTINHA (1989: 59):

Ser prostituta é sentir-se diferente das outras mulheres. É sentir-se inferior, é ter vergonha da vida que se faz. É estar em defesa contra todos. É aparentar um porte agressivo para sobreviver aos olhares acusadores dos outros. É sentir-se excluída do

mundo dos “bons”. É viver num mundo à margem.

(17)

7 Este estigma nem sempre marcou as mulheres que trabalham neste meio nem a prostituição em si foi sempre vista de forma tão negativa. Para uma noção clara da evolução do conceito, bem como para entender o quando e o porquê de ter adquirido esta conotação tão negativa, faremos uma análise de alguns momentos da história, bem como de sociedades nas quais a prostituição era entendida como natural e mesmo necessária, pois não passava de mais uma atividade comercial.

Como já foi referido, há que dar especial atenção à interpretação das mentalidades, dos conceitos e das noções atuantes em diferentes sociedades em momentos diversos, pois o entendimento do conceito de prostituição no bom ou mau sentido depende do tipo de noções relacionadas com a sexualidade e as práticas sexuais dentro e fora do casamento. Isto é, como é que as diferentes sociedades interpretavam e interpretam a natureza da sexualidade humana, que tipo de relações e de práticas eram e são consideradas aceitáveis quer dentro quer fora do casamento, ou seja, como se relacionavam e relacionam homens e mulheres no contexto específico da conjugalidade.

Como explica COCKS (2013: 38-39), o termo “sexualidade”, referindo-se a

“behaviour, orientation, identity, desire, anatomy and other matters that relate to individuality”, é recente, tendo em conta que no século XVIII, este termo era usado especificamente para falar da capacidade reprodutiva de um organismo e até ao século XX

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8 populações. Como explica COCKS (2013: 44): “many forms of legislation, custom and tradition try to prevent people from committing certain sexual acts, and to regulate,

maintain and encourage others regarded as useful and good (...)”.

Thomas McGinn (1998: 18) afirma que existe prostituição quando estão presentes três critérios: 1) indiferença emocional entre parceiros; 2) promiscuidade; 3) pagamento. Estes critérios permitem distinguir este fenómeno nas diferentes sociedades e épocas:

The task of definition is of enormous importance because prostitution must be distinguished from other forms of nonmarital sexual relations, including adultery and concubinage. All of these types will assume different forms in different societies. A definition of prostitution that includes the three criteria of promiscuity, payment, and emotional indifference between the partners seems best suited to this distinction and flexible enough to allow for the great variety these forms of sexuality exhibit in different societies, both present and past.

Em especial, para analisar o fenómeno da prostituição na Grécia e em Roma é necessário ter em conta os critérios apresentados por McGinn, pois, em ambas as sociedades, os homens podiam ter relacionamentos sexuais com as mulheres em contextos diferentes incluindo a concubinagem, o casamento, o adultério ou o seu direito sexual legal sobre as suas escravas. Em nenhuma destas formas de relacionamento coexistiam os três critérios como na prostituição, ou seja, o facto de uma mulher se demonstrar totalmente disponível a nível sexual, de forma completamente indiscriminada, visando o ganho económico, no entanto, não nutrindo qualquer sentimento de afeto pelos diversos parceiros sexuais, estando simplesmente a prestar um serviço. Estas caraterísticas colocam este fenómeno na categoria de atividade sexual e económica, e os seus intervenientes são classificadas como prostitutas(os), com uma visão extremamente negativa do seu trabalho por se considerar que se comportam de acordo com valores imorais e vergonhosos. Segundo FLEMMING (1999: 39), é através destes critérios e dos “rótulos” sociais atribuídos aos seus intervenientes que podemos distinguir claramente este fenómeno na sociedade romana, assim como em sociedades anteriores e posteriores.

O entendimento do conceito de prostituição é também condicionado pelo tipo de sociedade e pelos conceitos de género e de sexo nela predominantes.7 Isto é, que tipo de

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9 relações sociais, estruturas e poderes existem numa determinada sociedade e como é que estes influenciam a compreensão de género. O género é aqui importante porque ele denota o tipo de hierarquias existentes numa sociedade, bem como quais os papéis atribuídos a cada um dos sexos. Ao longo dos tempos, homens e mulheres enfrentam diferentes expetativas e reações relativamente à forma como se vestem, se comportam, trabalham, e ao tipo de relacionamento que devem ter com a família, os amigos, no trabalho, na rua, etc.8 Tudo isto é muito variável, ou seja, os conceitos, as noções do certo e errado, justo e injusto dependem dos padrões de conduta ideais ou apropriados para homens e mulheres de acordo com uma determinada cultura.

As sociedades em análise são consideradas fundamentalmente patriarcais. De acordo com MARCHBANK & LETHERBY (2007: 10-12), entende-se como tal um sistema abrangente que se refere às condições económicas, sociais e culturais, bem como às oportunidades de ser homem ou mulher dentro de uma determinada sociedade de hegemonia masculina. Isto é, a crença subjacente a uma sociedade patriarcal reside no facto de se acreditar, como diz POMEROY (1995: 100), que “ (…) men are born to rule, and women to obey.”

6. Definições de Prostituta de Luxo

Após uma contextualização do conceito de prostituição, em algumas épocas e sociedades, esta investigação dará particular importância à prática da prostituição de luxo.

Na Grécia clássica, encontramos o termo “hetaira”, que segundo LIDDELL & SCOTT (1883: s.v), significa literalmente “companheira”. Esta era, portanto, a companheira de luxo, paga pelos homens de estatuto social elevado para os acompanhar em todo o tipo de convívios e festas, tendo em conta a educação privilegiada que estas mulheres tinham. Como indica CORNER (2011: 69-70), eram também as únicas a quem era permitida a entrada no oikos familiar, embora no contexto específico do simpósio. Contudo, a hetera grega era igualmente solicitada para encontros de caráter sexual com os seus clientes.

Em Roma, não existe nenhum termo que distinga as prostitutas que trabalhavam num contexto social e económico elevado das prostitutas de rua. Ambas são “meretrices”

(meretrizes). As prostitutas de luxo eram aquelas que prestavam serviços sexuais, e

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10 acompanhavam homens poderosos da sociedade a diversos convívios sociais. Eram também as mais privilegiadas a nível da sua educação, da sua beleza e da sua remuneração. Em Itália, no Renascimento, as mulheres ligadas à prostituição de luxo eram designadas “cortesãs”. Segundo SHEMEK (2007: 101), entende-se cortesã:

(...) an educated and talented woman who, in the courtly and urban society of early modern Italy, provided sexual services to wealthy and prominent men. Despite her name, the courtesan was not a direct counterpart to the male courtier (cortegiano) who was usually a court diplomat or intellectual. She is also not to be confused with the palace lady or princess (dama, donna di pallazo) or with the lady-in-waiting (donzella, damigella).

As cortesãs desempenhavam um papel ambíguo na sociedade renascentista, pois eram consideradas mulheres promíscuas, que vendiam o seu corpo ou a sua companhia a homens de elite, a troco de bens, de riqueza ou de ascensão social, embora associadas a uma vida de luxo, de requinte e de cultura. De igual forma, a sua mobilidade social quebrava todas as barreiras convencionais e de classes existentes, pois entravam em esferas proibidas ao seu sexo, e à sua condição, e mantinham relações com e eram protegidas por cidadãos da aristocracia.

Na atualidade, as prostitutas de luxo são denominadas de acompanhantes, escorts ou

call girls – segundo o Longman Dictionary of Contemporary English, o termo “call girl”

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Capítulo 1

A prostituição na Grécia e em Roma na Antiguidade

Clássica

1. Mitos sobre a criação da mulher e a sensualidade feminina – Eva e Pandora

A análise das histórias de Eva e Pandora, duas figuras míticas, é relevante para esta investigação, pois são duas personagens controversas, que surgiram em culturas de caráter patriarcal e com tendências misóginas.9 Nestas culturas, os mitos de criação mostram uma imagem negativa das mulheres, retratando-as como um mal para a humanidade e como seres inferiores aos homens. Daí a análise das histórias de Eva e Pandora ser de extrema relevância, pois ambas são retratadas como as primeiras mulheres da história, através das quais o mal chegou ao mundo. Qualquer um dos mitos providencia um olhar prévio sobre o tipo de relacionamento existente entre homens e mulheres.

Segundo o mito grego descrito por Hesíodo no século VIII a. C., a origem de Pandora, a primeira mulher, terá sido uma vingança, um castigo dos deuses para os homens. De acordo com o mito grego, foi a mulher que trouxe os males e o sofrimento à humanidade, pois Prometeu roubou o fogo aos deuses, e Zeus irado com tal traição prometeu trazer o maior dos males para a terra, como tal no Olimpo criou Pandora. (Hesíodo, Trabalhos e Dias, 60-89).10

Segundo a descrição da criação de Pandora, vemos que todos os deuses a dotaram de caraterísticas únicas, irresistíveis e sedutoras aos olhos dos homens. No entanto, também a dotaram de espírito dissimulado o que a tornava também prejudicial para estes. Pandora foi

9 Para mais informações sobre estas histórias, vide JESUS (2009/2010: 1-13).

10 Tradução de PINHEIRO (2000: 70-71): Ordenou ao ilustre Hefesto que misturasse, rapidamente, terra com água, infundisse a voz e o vigor do homem e assimilasse o seu rosto ao das deusas imortais, a uma bela e deliciosa figura de donzela. De seguida, a Atena que lhe ensinasse os trabalhos, a tecer a tela trabalhada com muita arte; a Afrodite que derramasse na sua cabeça um dourado encanto, um avassalador desejo e inquietantes carícias; a Hermes, mensageiro de Argifontes, ordenou incutir nela cínica inteligência e caráter volúvel. Assim disse e eles obedeceram ao soberano Zeus Crónida. Prontamente o ilustre coxo modelou da terra um ser semelhante a uma obsequiosa donzela, de acordo com a determinação do Crónida; a deusa Atena, de olhos garços, cingiu-a e adornou-a; as divinas Graças e a augusta Persuasão colocaram à volta do seu pescoço doirados colares; as Horas de bela cabeleira coroaram-na com flores primaveris; Palas Atena aplicou todos os cosméticos à sua pele; e depois o mensageiro Argifontes aplicou no seu caráter mentiras, sedutoras palavras e um caráter volúvel, segundo a vontade de Zeus tonitruante. Além disso, o arauto dos deuses infundiu-lhe a voz e chamou a esta mulher Pandora, porque todos os habitantes das moradas Olímpicas lhe concederam um dom, sofrimentos para os homens comedores de pão. Depois que terminou o árduo e irresistível dolo, o pai enviou a Epimeteu o ilustre Argifontes, célere mensageiro dos deuses, com o dom. Epimeteu não se lembrou de que Prometeu lhe tinha dito para não aceitar o dom vindo de Zeus Olímpico, mas que logo o devolvesse, para que não chegasse nenhum mal aos mortais. Depois que o

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12 enviada como prenda a Epimeteu, irmão de Prometeu. Epimeteu, seduzido pela beleza e pelo encanto da mulher, tomou-a em casamento, sem se aperceber do perigo que ela realmente representava, pois Pandora seria a fonte do pesar para os mortais, Na versão da

Teogonia (585) Pandora é considerada um kalon kakon – um mal bonito. Como explicam

ZEITLIN (1996: 56) e KING (1998: 27), uma mulher com um belo exterior, semelhante às deusas imortais, extremamente desejável, mas com um interior abominável e nocivo.

A Pandora foi-lhe oferecida uma vasilha, a qual não deveria abrir. Contudo, devido ao seu caráter dissimulado e pernicioso, um dos grandes defeitos de Pandora era a curiosidade, devido à qual a mulher desobedeceu e abriu a vasilha para ver o que continha. Dela imediatamente escaparam todos os males que lá estavam enclausurados e que os homens desconheciam: a guerra, a mentira, o ódio, a velhice, a doença, o pesar, etc. Pandora tentou fechar, mas infelizmente era tarde demais, pois a vasilha já só continha a esperança. Contudo, como explica ZEITLIN (1996: 64), a esperança que permaneceu na vasilha pode ser entendida de dois modos: segundo uma perspetiva positiva, a esperança representava uma contínua inspiração e força de vontade por parte dos homens de trabalhar para assegurar e melhorar o seu modo de vida no futuro, por outro lado a esperança também podia representar uma qualidade negativa na vida dos homens, na medida em que os homens ociosos se deixariam viver na ilusão de que tudo melhoraria sem lutarem por isso. Ou seja, a esperança pode servir de consolo ou de engano para os homens.

A figura de Pandora representa assim a origem dos males da humanidade, pois foi devido à sua natureza enganadora e traiçoeira e ao seu caráter frívolo e malicioso que a humanidade conheceu a doença, a morte e os problemas que a assolam. De facto, antes da ação de Pandora reinava a paz, a felicidade e o desconhecimento do mal entre os homens. Pandora serviu de armadilha fatal para os mortais. Uma vez que os homens encontraram o fogo sem a vontade divina, também receberam assim os malefícios da mulher. A mulher passa assim a ser encarada como a personificação do mal. Como se percebe através do

seguinte fragmento: “Oh Zeus porque é que é preciso dizer mal das mulheres? Que seja suficiente dizer apenas mulher.” (Carcinus II, Semele, TGrFFr)11

Como explica KING (1998: 23), Pandora foi dada como uma prenda a Epimeteu sob a forma de donzela, ou seja, virgem. Só se tornaria mulher após dar à luz. No entanto, como afirma ZEITLIN (1996: 59), no mito de Hesíodo não há descrição do seu

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13 relacionamento sexual com Epimeteu, nem da procriação. Na versão da Teogonia (602-6), contudo, Hesíodo indiretamente remete para a necessidade das mulheres para produzir herdeiros e garantir a continuação da raça e a manutenção do património.12

O que se pressupõe é que a união de Pandora a Epimeteu representava também o laço do matrimónio entre o homem e a mulher. Todo o homem que escolhesse casar com uma mulher teria uma longa vida de trabalho árduo, cheia de doenças, guerras, velhice e dor ao lado de uma criatura maldosa e traiçoeira. Esta união visava também a procriação, senão o homem morreria sozinho, sem ninguém que cuidasse de si na velhice, e como tal uma continuação das desgraças para os mortais. Como explica KING (2002: 78), através da figura de Pandora concluímos que os gregos consideravam a mulher como um mal necessário. Um mal por causa do seu caráter indisciplinado, licencioso e da sua falta de auto-controle, no entanto era necessária para a procriação e continuação da espécie.

À semelhança de Pandora também Eva, a primeira mulher segundo a Bíblia, foi criada depois do homem, embora ambas com propósitos distintos, pois enquanto Pandora é criada como uma punição para o homem, Eva foi criada como sua companheira e auxiliar:

“Javé Deus disse: «Não é bom que o homem esteja sozinho. Vou fazer-lhe uma auxiliar

que lhe seja semelhante».” (Gn 2:18). No entanto, tal como Pandora, Eva também é

considerada a causadora dos infortúnios que assolaram a humanidade, por ter desobedecido a Deus ao comer o fruto da árvore proibida, ou seja, a árvore que lhe traria o dom do conhecimento, e ao persuadir também Adão a comê-lo.13

Após comerem o fruto da árvore do conhecimento, Eva e Adão ganharam noção de que estavam nus, assim como tomaram conhecimento do bem e do mal, conhecimento este que levaria à sua infelicidade e consequentemente à sua degradação. Por terem desobedecido às ordens de Deus e por terem pecado, também foram punidos: pois foram

12 “Aquele que, evitando o casamento [gamos] e os vergonhosos trabalhos das mulheres [mermera erga gunaikon], e não quer casar, atinge a velhice mortal sem alguém que cuide da sua idade avançada [gerokomos], e apesar de não ter falta de meios de subsistência enquanto vive, à sua morte, os seus parentes afastados partilham os seus bens. Tradução portuguesa do material de Família.

13 (Gn 3: 2-7) “A mulher respondeu à serpente: «Nós podemos comer dos frutos das árvores do jardim. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: “Não comereis dele nem lhe tocareis, de contrário morrereis”» Então a serpente disse à mulher: «Não, não morrereis. Mas Deus sabe que, no dia em que

comerdes o fruto, os vossos olhos abrir-se-ão e tornar-vos-eis como deuses, conhecedores do bem e do mal.» Então a mulher viu que a árvore tentava o apetite, era uma delícia para os olhos e desejável para adquirir discernimento. Pegou no fruto e comeu-o; depois deu-o também ao marido que estava com ela, e também ele comeu. Então abriram-se os olhos aos dois, e eles perceberam que estavam nus. Entrelaçaram folhas de

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14 expulsos do Paraíso e condenados com a mortalidade e o trabalho árduo, e as mulheres com a procriação acompanhada de grandes dores no parto e a submissão ao marido.14

Ambas as mulheres receberam ordens específicas, às quais desobedeceram. Como consequência a humanidade padeceu. Contudo, é a criação de ambas que garante a continuação da humanidade, pois representa a definição de dois sexos: feminino e masculino, ambos complementares um ao outro, embora os mitos aqui representados relatem a criação das mulheres como uma categoria secundária, na medida em que ambas foram criadas após o homem, uma para seu benefício, outra como seu castigo. Como explica ZEITLIN (1996: 60-61), Eva tornou-se a mãe de toda a humanidade (Gn 3: 20);

Pandora, por outro lado, está ligada à criação da “raça das mulheres”, sem as quais não

existiria humanidade. No entanto, a ideia transmitida através destas narrativas míticas é de que o mundo era um local melhor antes da criação das mulheres, ou seja, elas são vistas como uma outra raça, estranhas que foram introduzidas como ameaça no mundo masculino. O mesmo é dizer que os males dos homens como a sua infelicidade devem-se à mulher.15 Segundo estas histórias, foi devido ao caráter dissimulado, astuto, traiçoeiro e sedutor das mulheres, que os homens foram levados a cair no seu enleio e consequentemente adveio a desgraça para a humanidade. A mulher é assim encarada como uma tentação para o homem e a personificação do mal.

Como indica ABREU (2007: 66), a interpretação destas histórias sobre a criação das mulheres demonstra uma clara tentativa de desresponsabilização dos atos dos homens, pois em ambas as narrativas estes tendem a justificar as suas ações e responsabilidades como consequência de confiarem nas terríveis e perversas criaturas que são as mulheres. Consideram-nas traiçoeiras, sendo impossível confiar nestas, pois como diz ZEITLIN

(1996: 56): “Man and woman cannot converse with one another because she conceals the

truth in order to deceive.” Ou seja, são histórias que transmitem a ideia de que o homem

pecou e como tal foi punido por “dar ouvidos” à mulher. Com estas narrativas demonstra -se a condição de inferioridade das mulheres, e por esta razão os homens ditaram e regularam as vontades destas. Estes são mitos que justificam a submissão feminina ao

14 Segundo a (Gn 3: 16-19): “Javé Deus disse então à mulher: «Vou fazer-te sofrer muito na tua gravidez: entre dores, darás à luz os teus filhos; a paixão vai arrastar-te para o marido, e ele te dominará». Javé Deus disse ao homem: «Já que deste ouvidos à tua mulher e comeste da árvore cujo fruto Eu te tinha proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Enquanto viveres, dela te alimentarás com fadiga. A terra produzir-te-á espinhos e ervas daninhas, e comerás a erva dos campos. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até

que voltes para a terra, pois dela foste tirado. Tu és pó, e ao pó voltarás»”

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15 homem, bem como a sua dependência deste. Ambos os mitos são assim importantes quando pretendemos compreender as ideias sobre a formação da raça humana e consequentemente a sua hierarquia e a diferenciação de papéis de género na sociedade.

2. Prostituição na Grécia e em Roma

Para compreender o conceito de prostituta e prostituição no período clássico há que enquadrar este modo de vida na vida social e política dos restantes membros da sociedade, especialmente das mulheres. O estudo da prostituição melhora o entendimento da história clássica a nível económico, político, cultural e social. Como indicam GLAZEBROOK & HENRY (2011: 13), é igualmente necessário ter noção de que até hoje existem mais estudos e dados arqueológicos sobre a prostituição em Roma do que na Grécia e é errado tentar assumir que os dados sobre a prostituição romana são iguais para a civilização grega.

Neste período da história, as fontes são quase exclusivamente masculinas, e normalmente relacionadas com homens de classes sociais elevadas, o que indica que as

“verdades” no que diz respeito às mulheres são por vezes um pouco distorcidas, também pelo facto de estes terem dado pouca atenção às mulheres de classe baixa, às não cidadãs e às escravas, representando maioritariamente a sua classe. Tratando-se de um estudo sobre a prostituição é difícil compreender a verdadeira história desta quando a construção ideológica da sexualidade é feita por uma elite de homens que legislaram, regularam e escreveram sobre ela. Como refere FLEMMING (1999: 38), não houve um esforço para ter em conta a verdadeira perspetiva das prostitutas. É igualmente importante referir que nas diferentes cidades-estado gregas do período clássico, as mulheres não tinham os mesmos papéis e estatutos sociais. Nesta investigação, teremos em conta a cidade de Atenas.

2.1. Contexto sócio-cultural na Grécia

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16 necessidades e desejos dos homens, pois pertenciam a um Estado que as excluía do sistema político e militar.

Como explicam FANTHAM et al. (1994: 7), nesta sociedade, os homens visavam criar uma reputação digna e duradoura na sua cidade, para si e para a sua família. Para tal era necessário que as mulheres pertencentes à sua família (esposa, filhas, netas, mãe, etc.) evitassem ter má reputação para não comprometerem a da sua família. Estas deveriam permanecer em silêncio em público ou pelo menos de maneira controlada, para evitar serem comentadas pelos homens. As suas únicas preocupações deveriam ser gerar filhos legítimos e herdeiros, cuidar destes e da casa. Outro tipo de conduta que pusesse em causa a sua castidade ou pudor arruinaria a sua reputação e consequentemente a da família.

A vida das mulheres gregas era marcada por diversos tipos de rituais de importância diferente. Por exemplo, um ritual de iniciação na vida adulta eram as Arkteia, que eram realizadas num santuário em Bráuron, em honra da deusa Ártemis Braurónia.16 Nestes rituais as raparigas eram preparadas para dançar, cantar e participar nos eventos religiosos. Em Atenas, a mulher era dada em casamento pelo seu pai, irmão ou parente a um homem por este escolhido, não tendo ela voz na escolha do seu parceiro. Engyesis é o termo que designa o contrato feito entre dois homens, o parente da noiva e o noivo.17 Oesposo passava a ser o novo kyrios da mulher.18 Havia também o casamento por

epidikasia.19 O que fazia a legitimidade do casamento ateniense era a co-habitação do casal

e o reconhecimento social. O casamento entre um cidadão e um não cidadão era considerado ilegal, ou seja, as mulheres estrangeiras com estatuto de meteco não podiam casar com um cidadão ateniense, logo os seus filhos não adquiririam direitos de

16 De quatro em quatro anos, algumas jovens selecionadas, eram acompanhadas pelas mães até Bráuron para se submeterem ao ritual. Neste elas realizavam danças que imitavam o movimento dos ursos. Esta cerimónia era feita antes do casamento e era entendida como uma espécie de transição e também um ensinamento, isto é, era um ritual que se baseava no entendimento de que as raparigas eram por natureza selvagens e incivilizadas, e que ao se submeterem àquele processo elas seriam domesticadas, tornando-se aptas para os seus novos papéis na vida adulta. Para mais detalhes sobre o ritual, vide GOFF (2004: 105-109).

17Para mais informações, vide SEALEY (1990: 25-27).

18 Em Atenas, as mulheres tinham sempre um kyrios, termo que designa o seu guardião, isto é, em consequência do seu nascimento este seria o seu pai, após o falecimento deste seria o irmão, o tio, o avô ou outro parente do sexo masculino. Após o casamento o seu marido. As funções do kyrios eram administrar a propriedade da mulher, executar as transações, representá-la na lei, uma vez que ela podia processar e ser processada, bem como dá-la em casamento ou dissolvê-lo, daí ele ter total autoridade sobre esta. Em outras cidades gregas, as suas funções podiam ser distintas, no entanto, o kyrios era sempre o representante da mulher.

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17 cidadania.20 O seu kyrios só a poderia dar em casamento a metecos ou em concubinagem a cidadãos. A dissolução do matrimónio em Atenas era fácil e não era necessária uma causa específica.21

O papel da mulher no casamento é-nos apresentado num discurso reproduzido em

Económicos, de Xenofonte, acerca da esposa de Iscómaco. Numa conversa com Sócrates,

Iscómaco descreve como treinou a mulher a ser a esposa perfeita, a cuidar e gerir a casa, dos seus mantimentos e membros, assim como a se comportar de forma adequada.

Como indicam FANTHAM et al. (1994: 106-109) e POMEROY (1995: 71-73), muitas mulheres na Grécia, especialmente as de classe média e baixa, por diversas razões possuíam outras ocupações e profissões fora da casa. Por exemplo, nas figuras dos vasos gregos aparecem mulheres bem vestidas, o que sugere não serem escravas, a irem buscar ou a carregar água dos poços, sendo esta uma tarefa normalmente das escravas. Nos vasos também aparecem mulheres a apanharem fruta, o que sugere o seu trabalho na agricultura, provavelmente nas propriedades da família. De várias fontes literárias sabe-se também que elas tinham profissões como amas de crianças, vendedoras de pão, de perfumes, de fruta, trabalhadoras na indústria de lã, parteiras, lavadeiras. Ou seja, as mulheres poderiam ser compradoras e vendedoras num comércio retalhista, embora de pequena escala. Contudo, transações de grande valor, decorrentes da gestão das suas propriedades bem como a possibilidade de fazer um testamento eram-lhes proibidas. Algumas pinturas nos vasos demonstram que as mulheres também dedicavam o seu tempo à leitura e à música, não sendo tão incultas como alguns autores parecem assumir. A imagem de isolamento das mulheres, que alguns historiadores têm tentado transmitir, também é posta em causa no drama grego, que retrata vários encontros e reuniões entre as mulheres, por exemplo para troca de bens, para conversa ou até para servirem de parteiras umas das outras.

2.2. Prostituição na Grécia

Apesar de as mulheres que mais vestígios históricos deixaram serem as das classes mais elevadas, havia, como vimos, mulheres a quem não se aplicavam os ideais morais

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De acordo com a lei de cidadania de Péricles (451-450 a. C.) os filhos só seriam legítimos se ambos os pais fossem cidadãos atenienses. Esta lei veio também distinguir a mulher cidadã das restantes. A cidadania das mulheres consistia na sua capacidade de gerar cidadãos. Vide SEALEY (1990:12-13).

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18 austeros, sendo relevante para esta investigação as informações deixadas sobre as prostitutas.22

Como indica POMEROY (1995: 88-89), a prostituição era uma atividade sexual comummente aceite na Grécia. Foi um negócio que floresceu ao longo dos anos nas cidades gregas, especialmente nas que ficavam perto da costa, uma vez que o movimento de pessoas era grande.

Segundo GILHULY (2009: 13-14) e KAPPARIS (2011: 223), na Grécia havia vários termos para designar as prostitutas: as pornai, termo que significa literalmente

“mulheres para venda”, e que se referia às prostitutas comuns (entre estas as que

trabalhavam na rua e nos bordéis); as hetairai, termo que significa “companheira feminina”, e se referia às prostitutas de luxo; as auletrides, que eram as tocadoras de flauta;

as orchestrides, que eram as bailarinas e/ou acrobatas. Os termos eram usados para

designar categorias específicas, especializações das trabalhadoras ou mesmo qualidades da prostituição. De acordo com GILHULY (2009: 14), não havia uma palavra genérica como

“prostituta” para referir uma pessoa que vivia do negócio do sexo. Como explicam

GLAZEBROOK & HENRY (2011: 4-9) e CORNER (2011: 75-78), têm surgido, contudo, diversas controvérsias sobre estes termos. De acordo com a maioria dos investigadores,

hetaira designa uma elite de mulheres que se dedicavam à prostituição no contexto

específico do simpósio23. É também a este contexto que se associam as auletrides24, no

22 Para esta investigação teremos em conta os principais estudos sobre a prostituição na Grécia, tais como a coleção de ensaios publicados na obra de GLAZEBROOK & HENRY (2011). Entre eles o de Glazebrook,

“Porneion. Prostitution in Athenian Civic Place”, onde a autora fala sobre os espaços usados para prostituição

na Grécia, e dos seus trabalhadores. O de Sean Corner, “Bringing the Outside In. The Andrõn as Brothel and

the Symposium’s Civic Sexuality”, que começa por definir o andron como um espaço masculino na casa. Defende depois que o simpósio não era uma instituição elitista, salientando a presença e a importância da hetera neste. Corner argumenta também que a distinção fundamental entre a hetera e a porne corresponde às

suas atribuições na esfera privada e pública. E o de Kapparis, “The Terminology of Prostitution in the Ancient Greek World”, onde o autor faz um tratamento amplo da terminologia referente à prostituição, desde o período arcaico até ao fim da antiguidade clássica.

23 Como indica CORNER (2011: 60), o simpósio é, de acordo com a maioria dos investigadores, entendido como uma instituição elitista. Era um grande banquete que se realizava no oikos, mais precisamente no andrôn, onde as heteras eram convidadas a participar e entreter os visitantes. Para CORNER, pelo contrário, o simpósio era uma festa que trazia a sexualidade da rua e do bordel para dentro do oikos. Como explica o autor (2011: 71): “The liberty of extramarital sex that the polis afforded to men was normally to be exercised

outside the household out of respect for the wife and the proper integrity of the oikos. The symposium represented a unique case of legitimately bringing the civic sexuality into the house.” A presença da hetera neste banquete, dentro da casa, representava para os seus participantes a sua liberdade sexual. Como indicou

MURRAY, citado em CORNER (2011: 69), as heteras eram: “a carefree poetry of love of young girls as

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19 qual serviriam de entretenimento aos homens de poder e prestígio da sociedade. Já o termo

porne dizia respeito às prostitutas de classe baixa e média. Algumas eram estrangeiras

residentes, outras eram mulheres livres e residentes, assim como havia as escravas que serviam nos bordéis. No entanto, como explicam GLAZEBROOK & HENRY (2011: 5) o estatuto de prostituta podia ser flexível, ou seja, uma mulher podia começar como porne, tornando-se depois pallakis (concubina) de um homem rico, ou podia ainda tornar-se numa mulher rica e independente como a hetaira. GLAZEBROOK & HENRY (2011: 5) e GILHULY (2009: 44) argumentam ainda que vários autores antigos utilizam os termos

porne e hetaira indiferentemente ou atribuem diferentes termos à mesma mulher, como

aconteceu com o caso de Neera – figura aprofundada mais à frente. Contudo, a visão predominante é a de que a hetaira era uma companheira de luxo para os homens da alta sociedade, que frequentava o oikos, mais precisamente o andron, nos banquetes, nos quais podia ser motivo de disputa, ao contrário da porne que trabalhava na rua e nos bordéis, a muito baixo custo, e a quem recorriam principalmente homens de baixo estatuto.

Segundo GLAZEBROOK (2011: 35), porneion é o termo mais preciso para designar um bordel. A autora salienta também o facto surpreendente de não haver bordéis construídos com tal propósito na Grécia, como aconteceu em Roma. Qualquer estrutura podia ser utilizada para a atividade da prostituição, desde que dispusesse simplesmente de espaços apropriados para os clientes e para as profissionais, e não havendo a prática de serviços sexuais, o espaço podia assim alojar outras atividades comerciais. No seu ensaio (2011: 46-54), a autora indica também que os gerentes destes espaços eram quase sempre mulheres, designadas por pornoboskousai, frequentemente mulheres libertas e ex-prostitutas. As provas literárias e arqueológicas sugerem que os trabalhadores eram principalmente escravos. Não há indicações de que estes espaços fossem regulados, a não ser através do imposto sobre a prostituição. Nem havia localizações específicas nem restrições para estes espaços, contudo, estes encontravam-se sobretudo em zonas de grande tráfego, como o Pireu e oCerâmico, e na ágora. Em relação aos clientes que frequentavam estes espaços, as provas sugerem que não eram só escravos ou pobres, mas também homens ricos e influentes – sobretudo porque as prostitutas que trabalhavam de forma

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20 independente como as heteras cobravam quantias elevadas, e gastar tanto dinheiro com estas mulheres não era bem entendido pela sociedade, como indica GLAZEBROOK (2011:

53): “Paying for sex is not a problem; paying too much is.” Na Grécia, esta profissão não

era marginalizada, visto que em qualquer parte a prostituição era visível e nada se fazia para acabar com ela. Assim como os proprietários e gerentes de espaços de prostituição não eram descriminados, pelo contrário, até os cidadãos geriam e eram donos destes espaços, ibidem, p. 53: “ (...) Athenian brothels and their clientele were more diverse than previously acknowledged and that those running such places were not socially or legally marginalized –even Athenian citizens owned them.”

Como refere GLAZEBROOK (2011: 48-49), em Atenas, Sólon impôs uma taxa sobre a prostituição (pornikon telos) que tinha de ser paga tanto pelas pornai como pelas

hetairai, pelos pornoboskoi (proxenetas) e pelas pornoboskousai (alcoviteiras) que tinham

prostitutas (os) de estatuto escravo a seu cargo. Este imposto vinha assim legitimar a prostituição em Atenas.

GLAZEBROOK & HENRY (2011: 9) indicando as obras de Lísias (3.4.) e Iseu (3.17), explicam que os jovens atenienses recorriam frequentemente a prostitutas. Estes comportamentos eram considerados normais e eram aceites pela sociedade ateniense desde que tal não acabasse em matrimónio, pois a liberdade extramarital que era assegurada ao homem não podia jamais pôr em causa o papel das mulheres legítimas. E o casamento entre um cidadão e uma prostituta não era permitido. RABINOWITZ (2011: 127) argumenta que a prostituição feminina provavelmente faria parte da democracia, e Sólon veria nas prostitutas uma solução para os desejos naturais dos jovens, uma vez que lhes desviava a atenção de condutas impróprias com mulheres respeitáveis.

Segundo GLAZEBROOK & HENRY (2011: 12), alguns escritores gregos descreviam as prostitutas sobretudo com histórias que enfatizavam a sua natureza excessiva e desviante (excesso de álcool e relações promíscuas). Outros caraterizavam-nas como mulheres gananciosas, astutas e traiçoeiras, só interessadas em ganhar dinheiro, não se importando de enganar os clientes. Mulheres que se ajudavam umas às outras a se iniciar no ramo da prostituição, tendo a capacidade de com os seus truques tornar a mais feia das mulheres atraente aos olhos dos homens. Veja-se o seguinte fragmento:

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começam a fazer dinheiro recrutam novas heteras que estão a começar na profissão. Elas remodelam estas raparigas imediatamente, e as suas maneiras e a aparência não continuam as mesmas. Acontece que uma delas é baixa? Cortiça é costurada nos seus sapatos. Outra é alta? Usa chinelos finos e anda com a cabeça ao nível dos ombros; isto reduz a sua altura. Não tem ancas? Ela põe uma almofada e os que a vêem fazem comentários acerca das suas belas formas. Usam seios como os atores cómicos [i. e.

seios postiços]; (…). Outra tem sobrancelhas ruivas? Pintam-lhas com fuligem. Nasceu com sobrancelhas escuras? Ela aplica alvaiade. Outra é demasiado pálida? Pinta-se de carmim.Se uma parte do seu corpo é bonita, ela deixa-a nua. Tem dentes bem formados? Deve necessariamente rir, para a companhia presente poder ver a boca da qual ela é tão orgulhosa. Se ela não gosta de rir, passa o dia dentro de casa, como a carne no talhante, quando as cabeças de cabra estão à venda; ela mantem um pequeno pedaço de murta entre os lábios, para que com o tempo ela sorria, quer ela queira quer não. (Alexis, Fr.103 PCG.G)25

Nesta profissão, eram usados todos os tipos de artifícios para melhorar o aspeto das mulheres, tornando-as mais sedutoras e garantindo o seu sucesso no meio. Como explicam GLAZEBROOK & HENRY (2011: 12), era esta capacidade de se adornar e adaptar que tornava as prostitutas, em especial as hetairai, pessoas em quem não se devia confiar. Mulheres capazes de conseguir seduzir um homem, fazendo-o realizar os seus desejos, como por exemplo dar cidadania aos seus filhos. Como tal, eram uma ameaça para os homens e para a sociedade. Tendo em conta a limitada liberdade de que as mulheres gregas dispunham, e que o seu comportamento era valorizado pela submissão e modéstia, o facto de as prostitutas fugirem à regra, ao serem identificadas por uma série de comportamentos considerados inapropriados para mulheres, como por exemplo poderem controlar com quem tinham relações, assim como viverem dos lucros dessas relações, muitas vezes consideráveis quantias de dinheiro, como explica POMEROY (1995: 91), tornava-as mercenárias aos olhos dos homens e consequentemente uma ameaça.

Existiam diversas categorias de mulheres na Grécia, e todas elas eram caraterizadas de acordo com as relações que mantinham com os homens. A sua caraterização era feita segundo as necessidades dos homens, como nos é indicado pela seguinte citação de

Demóstenes: “Com efeito, as heteras nós as temos para o prazer, as concubinas para o

cuidado diário do corpo, mas as esposas para que tenham filhos legítimos e mantenham a

guarda fiel da casa.”26 Isto é, às heteras os homens solicitavam prazer, às concubinas que

cuidassem dos seus corpos e às esposas que gerassem filhos legítimos e que fossem guardiãs do lar.

25 Tradução portuguesa do material de Família.

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As pornai sendo prostitutas de rua e de bordéis, a baixo custo, muitas vezes

serviriam de iniciação, entretenimento e mesmo aprendizagem para os rapazes, bem como para os outros homens de baixo estatuto, o que representava sempre uma relação de muito curta duração. As heteras sendo consideradas cortesãs de classe elevada, mulheres cultas, refinadas, com gostos ostensivos, seriam as companheiras de luxo, de prazer sensual e entretenimento de homens ricos e poderosos. Segundo DAVIDSON (1998: 134-136) eram mulheres fascinantes que serviam também de musas de inspiração de pintores, escultores, escritores e poetas. O seu relacionamento com os homens podia ser de curta a média duração, tendo sempre em vista obter destes o maior lucro possível. Era também comum os homens terem concubinas, designadas de pallakai, com quem mantinham relacionamentos mais ou menos longos, e com as quais chegavam a ter filhos legítimos e ilegítimos no caso de estas não serem atenienses. Era um relacionamento que exigia maior responsabilidade da parte do homem. Como indica POMEROY (1995: 91), se um homem vivesse com uma

pallake, ela era considerada sua propriedade sexual. Era-lhes ainda permitido ter relações

sexuais com as suas escravas. Todos estes envolvimentos extramaritais representam as diferentes facetas da masculinidade e do seu poder.

O papel da esposa legítima era produzir herdeiros legítimos, como tal, eram as únicas que eram protegidas pela lei. No entanto, eram também as únicas sem qualquer tipo de privilégios no que toca a escolher o parceiro sexual, pois se acaso tivessem relações antes de serem casadas, a sua reputação estaria manchada e como tal seriam consideradas marginais. Após o casamento só lhes eram permitidas relações com o seu marido, uma vez que as relações extramaritais eram punidas. Como indicam CORNER (2011: 69) e DAVIDSON (1998: 76), provavelmente para alguns homens, as relações que tinham com a esposa eram consideradas como uma obrigação ou dever, na medida em que o propósito seria gerar herdeiros, e muitos casamentos eram combinados pelas famílias. Ao contrário do prazer erótico que procuravam com as prostitutas.

Referências

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