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A Invenção da Brasileira: Uma História sobre Imagem Feminina e Turismo MESTRADO EM HISTÓRIA

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Renata Pires Pinto

A Invenção da Brasileira: Uma História sobre Imagem

Feminina e Turismo

MESTRADO EM HISTÓRIA

SÃO PAULO

(2)

Renata Pires Pinto

A Invenção da Brasileira: Uma História sobre Imagem

Feminina e Turismo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM HISTÓRIA, sob a orientação do Profª. Drª. Denise Bernuzzi de Sant’Anna

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BANCA EXAMINADORA:

___________________________________

___________________________________

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais, Neusa e Cacildo. De vocês emana todo o amor e suporte necessário para trilhar meus caminhos. Em tempos de mudanças e dificuldades é sempre a vocês que retorno e onde encontro conforto e força para seguir em frente. Não posso deixar de agradecer também ao apoio financeiro, não o mais importante, mas essencial para manter minha vida em São Paulo. Vocês são a razão principal das minhas lutas diárias.

Ao meu irmão Roberto e sua família, que seguem a me ensinar sobre o amor e fraternidade. Com vocês aprendo que não há distância que nos impeça de ser presente e se importar com o próximo. Obrigada por todo apoio emocional e por sempre me darem coragem.

À minha tia Tina por ser a pessoa que mais me faz acreditar em mim e em meu potencial. Seguiremos sempre juntas, lado a lado, como você fez (mesmo quando eu tinha só alguns anos de vida) e ainda faz, permitindo que minha voz esteja a altura da sua.

Aos amigos especiais de Ribeirão Preto, por seguirmos cultivando amizades antigas e também aos amigos que se fizeram presentes mais recentemente. Vocês fazem com que a cidade em que eu nasci seja sempre a minha casa, não importa onde eu esteja vivendo ou quanto tempo passe distante.

À Unesp Araraquara, pela formação acadêmica e contato com seus professores, fundamentais para minha educação e desenvolvimento. Pelos anos vividos em Araraquara, agradeço o contato com cada um dos grandes e vários melhores amigos que entraram em minha vida para ficar. Não me canso de dizer que nunca em outro tempo reuniremos tantas pessoas queridas e próximas como fizemos no ano de 2007 e ao longo dos outros que se passaram e somaram mais e mais amigos do coração. Somos tantos que é difícil nomear a todos, temos tanto amor e cumplicidade que não cabemos em um simples agradecimento.

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Aos amigos de São Paulo, que me receberam aqui com muito carinho, tornando a estada na cidade grande mais amena e leve. Às amigas com as quais divido minha morada, que sempre contribuíram com conversas ricas, confluência de ideias e abraços carinhosos.

Aos colegas da turma do mestrado da PUC ingressantes em 2013, que acompanharam e partilharam das angustias e alegrais deste trabalho. À Amanda Alexandre, por ter dividido comigo desde o início suas aflições e conquistas. Ter você presente em tempos de dissertação fez toda a diferença para que este processo fosse menos duro e mais compensador e cheio de sorrisos.

Agradeço muito ao Programa de Pós Graduação em História da PUC São Paulo, por ter me aberto às portas em uma nova instituição e me recebido tão bem. Ainda, agradeço a todas as professoras com as quais tive a oportunidade e o prazer de estabelecer contato durante o fazer da pesquisa: Profª Maria Odila, Profª Maria do Rosário, Profª Yvone, Profª Estefânia, Profª Maria Isilda e Profª Maria Antonieta. Todas contribuíram imensamente com meu trabalho, clareando caminhos e sugerindo saídas, muito obrigada.

À Profª Denise Bernuzzi de Sant’Anna, por me aceitar como sua orientanda e por sua orientação criteriosa e bem humorada, por toda confiança que sempre me transmitiu com suas palavras. Cada encontro com você foi fundamental e cada sugestão me levou a acreditar mais que meu trabalho seria possível de se realizar.

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RESUMO

A presente dissertação de mestrado busca analisar o corpo enquanto uma construção simbólica, focando na interferência que a mídia impressa e os veículos audiovisuais tiveram nos processos de construção de identidade de mulheres na sociedade brasileira, reforçando estereótipos corporais e corpotamentais, tais como a sexualidade e a sensualidade exacerbadas.A proposta desta pesquisa é de identificar e analisar em veículos de grande circulação, voltados para o público estrangeiro, quais foram os discursos (imagéticos e textuais), que historicamente alimentaram e resignificaram a construção desta imagem sobre os corpos brasileiros. Para tanto, utilizo como fonte principal os materiais de mídia produzidos pela Embratur (Instituto Brasileiro do Turismo), órgão oficial que se concentra no marketing e na promoção de produtos, serviços e destinos turísticos brasileiros no exterior assim como fontes de outras mídias turísticas vinculadas a ele. Pretende-se compreender a construção histórica desta imagem feminina e como ela foi vinculada nos materiais promocionais do turismo. Entendendo a análise cultura do corpo como importante tema para as ciências humanas, o foco na corporalidade pode vir a ser uma chave nas discussões acerca dos processos de construção identitária, problematizando-se, assim, a ideia de uma identidade feminina fixa e essencializada, demonstrando que esse estereótipo não dá conta de definir a categoria mulher nos dias de hoje.

(7)

ABSTRACT

.

This research discusses the women body as a symbolic construction, focusing on the interference that the print and audiovisual vehicles had at the manufacture a national identity, reinforcing the stereotype of well shapely bodies, bearing a kind of natural sensuality and sexuality of Brazilian women. The main purpose of this text is to identify and analyze on advertising vehicles, produced for foreign audiences, what are the speeches about woman bodies, which historically asserted the Brazilian woman stereotype. To do so, is used as primary source the advertising materials produced by Embratur (Brazilian Institute of Tourism), the official governmental institute that is responsible on promoting Brazilian tourism to foreign tourists as well as materials produced by companies that are related to Embratur. It’s intent to unfold part of the historical construction of this feminine image and how the Brazilian woman image was linked into the tourism industry in advertising materials. Assuming that the cultural analysis of the female body emerges as an important issue in the field of humanities, the focus on body image can be viewed as a key element in discussions about the construction of identities, in a way to problematize the idea of a fixed and essentialized female identity, demonstrating that this stereotype is not enough to define the woman category nowadays.

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SUMÁRIO

Introdução ... 10

Cap. 1 - Mito Fundacional e a Invenção da Mulher Brasileira ... 19

1.1 Construções da mulher brasileira: imagens literárias e cinematográficas .. 25

1.2 - Mercado Turístico e Culturas de Massa ... 37

Cap. 2 - História do Turismo no Brasil ... 43

2.1 – EMBRATUR: Protagonismo na Indústria do Turismo Nacional ... 45

Cap. 3 - Mídia Nacional e Turismo: Afirmação de Estereótipos ... 80

3.1 - Marketing Turístico e Turismo Sexual ... 86

4. Considerações Finais ... 104

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Ilustração Carmen Miranda ... p. 35

Imagem 2 – Ilustração Carmen Miranda ... p. 35

Imagem 3 – As Mulatas de Sério Sergentelli ... p. 39

Imagem 4 – As Mulatas de Sério Sergentelli ... p. 39

Imagem 5– Praiade Copacabana – “Panoramas Brasil Turístico” ... p. 46

Imagem 6 – Calendário Turístico do Brasil (1971) ... p. 53

Imagens 7– Foto interna Calendário Turístico do Brasil (1973) ... p. 55

Imagem 8 – Foto interna Calendário Turístico do Brasil (1973) ... p. 55

Imagem 9 – Brasil Tour Guide(1977) ... p. 56

Imagem 10 – Campanha Brasil Feliz (1977) ... p. 56

Imagem 11 – Brasil Tour Guide(1978) ... p. 57

Imagem 12 – Brasil Tour Guide(1979) ... p.58

Imagem 13 – Pôster Campanha Embratur(1979) ... p. 58

Imagem 14 – Latin American TravelGuide ... p.59

Imagem 15– Latin American TravelGuide ……… p. 59

Imagem 16– Latin American TravelGuide ... p. 59

Imagem 17 – Campanha Flyto Brasil (1983) ... p. 60

Imagem 18 – Boletim Turístico Agosto (1986) ... p. 63

Imagem 19 – Boletim Turístico Dezembro (1987) ... p. 63

Imagem 20 – Boletim Turístico Fevereiro (1987) ... p. 64

Imagem 21 – Calendário Turístico do Brasil (1987) ... p. 65

Imagem 22 – Editorial Extinção da EMBRATUR – BrasilTURIS(1990) ... p. 66

Imagem 23 – Campanhas ECOTURISMO Brasil (1993/1994) ... p. 68

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Imagem 25 – Campanha Cruzeiros Marítimos (1995) ... p. 69

Imagem 26 – Campanha Cruzeiros Marítimos (1995) ... p. 69

Imagem 27 – Campanha Internacional Contra Exploração Sexual Infantil (1997)... p. 71

Imagens 28 – Campanha EMBRATUR – Revista Time (2000) ... p. 72

Imagem 29 – Campanha EMBRATUR – Revista Time (2000) ... p. 72

Imagem 30 - Logotipo Plano Aquarela – Marca Brasil ... p. 76

Imagem 31 – Pesquisa “BrazilianWomen” em www.images.google.com ... p. 78

Imagem 32 – Pesquisa “BrazilianWomen” em www.images.google.com ... p. 78

Imagens 33 – Rio for Partiers – Rio de Janeiro TravelGuide ... p. 83

Imagem 34 – Rio for Partiers – Rio de Janeiro TravelGuide ... p. 83

Imagem 35 – Rio Samba e Carnaval – Capa da 1ª Edição (1972) ... p. 91

Imagem 36 – Rio Samba e Carnaval – Matéria central (1974) ... p. 91

Imagem 37 – Rio Samba e Carnaval – Reportagem interna (1975) ... p. 93

Imagem 38 – Rio Samba e Carnaval – Reportagem interna (1986) ... p. 94

Imagem 39 – Capa Rio Guide Tour (1987) ... p. 95

Imagem 40 – Rio Guide Tour – Reportagem Interna “Rio é Saúde” ... p. 95

Imagem 41 – Rio Guide Tour – Reportagem Interna “Rio é Música” ... p. 96

Imagem 42 – Publicidades Othon Palace Hotel – BrasilTURIS International ... p. 97

Imagem 43 – Show de Mulatas – BrasilTURISInternational (1990) ... p. 98

Imagem 44 – Hotéis Pernambuco e Bahia –BrasilTURISInternational (1991) ... p. 99

Imagem 45 – Capa BrasilTURISInternational (1987) ... p. 100

Imagem 46 –PBTur – BrasilTURISInternational (1991) ... p. 100

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INTRODUÇÃO

O trabalho intelectual deve ser reconhecido por ser parte fundamental para todos que precisam passar de objetos a sujeitos na história. No caso das mulheres, sem as pesquisas, pouco saberíamos sobre a vida das indígenas, escravas ou das mulheres imigrantes (HOOKS, 1995). As mulheres ganharam alguma voz pela primeira vez nos anos de 1960.

Foi quando as pesquisas acerca dos lugares históricos e simbólicos do corpo feminino apontam para as mulheres como sujeitos históricos, ativos e transformadores. No discurso acadêmico seu papel sai da figuração objetificada para aparecer central, sujeito atuante e participante do fazer histórico, sendo cada vez mais reconhecida como portadora de voz fundamental na construção de conhecimentos históricos.

Ser mulher, até aproximadamente o final dos anos 1960, significava identificar-se com a maternidade e a esfera privada do lar, sonhar com um bom partido para um casamento indissolúvel e afeiçoar-se a atividades leves e delicadas, que exigissem pouco esforço físico e mental.” (RAGO, 2004, p.31).

À medida que se acelerou a presença das mulheres no mercado de trabalho houve uma ruptura com a ideologia de que essas pertenciam ao ambiente doméstico e privado, novos modos da vida feminina começam a serem propagados. Palavras como independência, estudos, liberdade e individualidade ganham campo numa parcela da sociedade feminina.

Na contramão desta tomada feminista, com a ascensão da indústria cultural de massa, a imagem da mulher-objeto se fortalece e se reafirma em outras áreas da sociedade, principalmente com o crescimento do marketing, da publicidade1 e do consumo. Na mídia em geral, o papel da mulher é sempre atrelado às atividades

1 Apesar das definições de publicidade e propaganda apontarem para dois conceitos levemente

diferenciados, neste trabalho os dois serão utilizados como sinônimos, valendo-se da noção de propaganda. Ela tem o sentido de indicar aquilo que deve/precisa ser propagado, a propaganda é toda aquela que propaga discursos no sentido de vender bens, produtos, serviços ou ideias. “A linguagem da

propaganda (...) manifesta a maneira de ver o mundo de uma sociedade em certo espaço da história. Abordando essa questão sobre outro ângulo, poderíamos perguntar que aspirações humanas a linguagem da propaganda procura alimentar, satisfazer ou de que aspirações humanas ela procura vir ao encontro,

sempre com o objetivo de vender uma ideia e, mais comumente até do que isso, um produto ou serviço.”

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11 domésticas ou como chamativo aos homens para consumo de produtos tidos como “tipicamente” masculinos, como em publicidades de carros e cervejas, por exemplo.

A celebrada independência também é apropriada pela mídia, quando o corpo ganha importância na mídia publicitária, essa promovendo modelos e reforçando identificações, seu uso passa a ser uma das chaves de formulação da publicidade, que encontra na sexualidade um grande chamariz para consumidores. A alegria e descontração corporal se fizeram presentes e geraram grande sucesso, assim como as necessidades em praticar embelezamento corporal tornaram-se centrais. Está iniciada a era da libertação feminina, todavia acompanhada da era do culto ao corpo (SANT’ANNA, 2014).

O corpo assumiu um papel na construção de pessoas sociais, sendo um objeto privilegiado para análises que envolvam a relação entre classe, cultura e consumo, partindo do ponto que o status dos indivíduos depende significativamente da maneira como os corpos se apresentam no espaço social (FEATHERSTONE, 2001). O corpo, em todas as sociedades, é tido como aparato de simbolismos, do estilo de vida e da expressão de gostos, “o corpo é a mais indiscutível materialização dos gostos de classe” (BOURDIEU, 2008).

Desde a década de 50, os meios eletrônicos de comunicação apresentam-se como a mais central via de acesso a bens culturais. É necessário compreender que esses meios de comunicação nunca cessaram suas contribuições para a elaboração e reelaboração das identidades. Sua atuação, no entanto, tende a priorizar identidades conservadoras, estereotipadas e preservacionistas.

O modo do discurso publicitário, cujas intencionalidades persuasivas direcionadas ao consumidor são explícitas, é porta de entrada para pensar a imagem feminina como atrativa para venda de produtos diversos. Entre os mercados publicitários aquele do Turismo2 é o foco desta pesquisa por ter historicamente utilizado imagens de corpos femininos objetificados e sexualizados como forma de “agregar valor” aos países-destino que buscavam vender. No Brasil, o desenvolvimento do turismo deu-se, por um longo período, através da promoção das mulheres exóticas e sensuais incorporadas aos belos cenários naturais do país, com o objetivo final de vender o destino turístico.

2 Para mais referências em Mercado Turístico e Imagem do país ver BENI (2006), BIGNAMI (2005) da

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12 O objetivo desta dissertação é apontar, historicamente, que a reconhecida identidade feminina brasileira é uma construção cultural e histórica, tendo se dado através da literatura, das artes, da imprensa, da indústria cultural, entre outras, das quais é destacada a indústria do turismo que virá a ser fonte deste trabalho.A busca é para compreender e explicitar as ideias de nação que foram divulgadas e exportadas pelo turismo, quais foram as representações de Brasil e brasilidade utilizadas pela publicidade turística na tentativa de inserir o país nas rotas turísticas mundiais.

Desde muito cedo, o Brasil encara a problemática de identificar e definir o nacional num discurso em que a população se reconheça A diversidade extrema que engloba nosso país sempre produziu profundos impactos sociais. Encontrar uma definição singular do nacional em meio a esta colorida realidade é lançar um desafio ao país de profundos contrastes, que talvez até os dias de hoje seja ao mesmo tempo o local do moderno e do tradicional, do provinciano e do cosmopolita, oligárquico e liberal. Onde estão situadas as necessárias referências para “criar nossa nação”?

A escolha da publicidade como fonte de análise se deu em função dessa ser uma mídia que perpassa todos os outros meios de comunicação, se fazendo presente na vida dos indivíduos independente de suas vontades. Além disso, ela é fonte de movimento dentro das mídias em geral, uma vez que gira um montante financeiro imenso. Difusora de hábitos, modos de ser, ideias e conceitos, a publicidade tem ainda a função primordial de incentivar o consumo,de inventar e reinventar possibilidades de consumo. Segundo Mary Douglas (2002), a publicidade é uma das ideias que move mais fortemente a máquina do consumo.

As mensagens publicitárias criam produções que normatizam, ditam o que é desejável, elas definem e influenciam o que é a “realidade”. Por estas razões, os impactos sociais das propagandas não podem ser negligenciados. Mesmo quando não prestamos devida atenção a um reclame ou quando nossa atenção não é consciente, parte do seu conteúdo é assimilado. Assim sendo, quando absorver uma ideia/mensagem publicitária deixa de ser uma escolha consciente dos indivíduos, ausentar totalmente de responsabilidades sociais quaisquer conteúdos vinculados em propagandas não parece ser um caminho viável:

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13 nadamos nelas assim como peixes nadam nas águas. Não temos escapatória... as mensagens publicitárias estão dentro de nossas relações íntimas, nossas casas, nossos corações, nossas mentes.” 3

(KILBOURNE ,1999, pp. 57-58)

Assim, considero que a análise de imagens publicitárias é fonte para a construção de conhecimento histórico4. Elas, inevitavelmente, carregam significados e promovem ideais que refletem tempos e realidades diversas. Em análise de imagens, quando tratamos de publicidade, temos a presença explícita de símbolos, marcas e códigos culturais e deve-se levar em conta o contexto de construção e exibição das mensagens que o registro visual transmite,pois essas refletem pontos de vista culturais e tecnológicos, valores morais e percepções do real que estão localizadas em um contexto específico de produção, mas que não deixam de dialogar e dar pistas ao presente (SANT’ANNA, 1997).

As imagens que se pretendem analisar foram eleitas5 a partir de materiais publicitários produzidos para campanhas turísticas doInstituto Brasileiro do Turismo(Embratur) entre os anos de 1966 e 2002, assim como de empresas ligadas ao mercado do turismo que são parceiras da agência e publicam seus produtos através do instituto, dentro de publicações oficiais ou patrocinadas por ele, neste mesmo período.

É importante ressaltar que os materiais selecionados apresentam textos bilíngues, em português e inglês, ou fazem parte de campanhas que são produzidas, por alguns períodos de tempo, em até cinco outras línguas (inglês, espanhol, alemão, italiano e francês). As imagens foram produzidas especialmente para o público estrangeiro e, portanto, fazem parte das campanhas de promoção do Brasil no exterior.

Esse tipo de fonte caracteriza-se, em grande maioria, de calendários turísticos anuais produzidos pela Embratur, cujo conteúdo, para além de informações técnicas a agentes de viagens, consta de campanhas de divulgação do país produzidas pelo próprio

3 Tradução livre. KILBOUNRNE, J. (1999)

4 “As imagens estabelecem uma mediação entre o mundo do espectador e do produtor, tendo como

referente a realidade, tal como, no caso do discurso, o texto é mediador entre o mundo da leitura e o da

escrita. Afinal, palavras e imagens são formas de representação do mundo que constituem o imaginário.”

(PESAVENTO, 2003, p.86).

5 A eleição destas imagens se deu a partir de pesquisa de campo realizada no acervo da Embratur

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14 instituto e propagandas de outros serviços de interesse ao setor, tais como casas de shows, hotéis e restaurantes. Além dos calendários turísticos, foram retiradas imagens de alguns guias turísticos e de outros jornais e revistas da área e do mesmo período: o BrasilTURIS Internacional e a revista Rio Samba & Carnaval. Todas as publicações têm seu conteúdo vinculado ao nome da Embratur, que financia parte da produção desses materiais e também vincula suas campanhas nesses.

A escolha da Embratur como fio condutor desta pesquisa explica-se pelo alcance internacional que as campanhas da agência apresentam desde sua criação em 1966, sendo o primeiro órgão a atuar no mercado turístico internacional em nome do Brasil. Com o respaldo de suas campanhas publicitárias é possível propor que a indústria do Turismo, pelos caminhos em que se desenvolveu no Brasil, foi fundamental para eleição e afirmação de símbolos da nacionalidade. Enquanto instância governamental, o órgão detém discurso de poder que dá materialidade ao imaginário, ao simbólico na busca de uma “cara do Brasil”.

A Embratur é provedora de discurso que fornece definições ao brasileiro, as quais compõem parte central no imaginário de nossa sociedade, sobre como nos vemos e sobre como os estrangeiros nos veem.“O Turismo é uma forma de criar uma imagem da pátria; o Turismo é uma forma de enriquecimento espiritual; o Turismo é o lazer transformado em aprendizado de Brasilidade6”.

Sempre associando a beleza da brasileira às imagens das paisagens naturais, a mulher entrou para o hall dos catálogos de turismo como mais um dos diversos atrativos que o Brasil tem a oferecer aos seus visitantes. Imagens de mulheres seminuas participando das grandes festas carnavalescas em um ambiente cheio de cores, sons e cheiros exóticos auxiliam na promoção de mais do que uma imagem apenas, a presença das mulheres adiciona aos catálogos certa materialidade aos pontos turísticos, uma experiência sensorial do que seria efetivamente vir visitar o país. Assim, cabe descrever a história da empresa pública que fomentou esta modalidade de divulgação e imagem nacional.

O turismo se apresenta como uma área intimamente ligada ao imaginário. Sua estratégia publicitária se vale, portanto, da eficácia simbólica que as mulheres brasileiras carregam sobre seus corpos. A memória e o imaginário coletivo acerca das possibilidades de ser mulher no Brasil já são bem constituídos e consolidados,não é

6 FARHAT, S. Mensagem do Presidente da Embratur no 10º aniversário de criação da

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15 preciso reafirmá-los com palavras, basta uma imagem para que toda esta carga, carregada pela mulher brasileira, seja mentalmente acessada.

A temática e ordem dos capítulos a serem apresentados surgem organicamente a partir dos caminhos trilhados no processo do fazer desta pesquisa. Foi necessário trabalhar uma metodologia que desse conta de objetos, sujeitos, significados culturais e identidades que estão em circulação, em movimento constante.O estudo da circulação de símbolos e representações pressupõe uma metodologia múltisituada (MARCUS, 1998), ou seja, que caminha por diferentes campos e linguagens como forma de obter fontes analíticas.

Com vistas de entender as apropriações de imagens no marketing turístico foi necessário aproximar e entrecruzar diversas esferas que estão ao redor desta construção central analisada. Mesmo sem dar conta de toda a multiplicidade do campo turístico, a busca foi diversificar os olhares, abordagens e concepções teóricas sobre esse, entender como tal objeto pode ser constituído em esferas variadas. Para que as fontes analisadas venham a ganhar sentido é preciso construir pontes, seguir histórias, compreender relações.

Assim, apesar do amplo corpus desta pesquisa, alguns recortes históricos pontuais foram realizados a fim de nortear a hipótese apresentada, na qual é apontada a construção, por complexas relações culturais, dos estereótipos7 da brasileira desde o período colonial. Estereótipos esses que se firmaram graças a processos discursivos diversos, até que o papel das mídias se tornasse central, com a transmissão em veículos da indústria cultural e de circulação em massa numa já consolidada sociedade do consumo (LIPOVESTKY, 2007).

O primeiro capítulo desta dissertação caracteriza alguns momentos históricos da construção da ideia de nação e brasilidade, de um imaginário acerca da mulher brasileira no Brasil e no exterior. Parte da problematização do mito fundacional brasileiro e aponta para eventos que foram fundamentais na associação da imagem da mulher ao exótico, ao sensual, ao miscigenado, à alegria constante. O texto disserta sobre a construção do Brasil a partir do olhar estrangeiro e encontra ressonância desse dito Brasil em linguagens literárias, cinematográficas e midiáticas.

7 Quanto à noção de Estereótipo, o texto se refere à seguinte definição: “O Estereótipo é a palavra

repetida, fora de qualquer magia, de qualquer entusiasmo, como se fosse natural, como se essa palavra que retorna fosse sempre milagrosamente adequada por razões diferentes, com se o imitar pudesse deixar de ser contido como uma imitação: palavra sem cerimônia, que pretende a consistência e ignora a sua

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16 É central no capítulo um a desconstrução que se faz do conceito de identidade. A intenção é lançar novamente olhar a pontos da história que contribuíram para formar nossa nacionalidade, abrindo a possibilidade de repensar a dita brasilidade e questionar a necessidade de busca por uma identidade nacional bem definida. No caso específico das mulheres, elucidar a mulher enquanto sujeito histórico atuante e tentar ainda ir além ao demonstrar que as trajetórias destes sujeitos femininos são multifacetadas e diversas.

O segundo capítulo propõe localizar o nascimento do mercado turístico no Brasil, suas estratégias de desenvolvimento e a relevância de seu papel na construção e propagação da imagem do país no exterior. Por esta razão, a história da Embratu se coloca como central, uma vez que é a condutora e grande propositora de caminhos para este crescente mercado no país. Ao desvendar sua história através de documentos e das imagens de campanhas publicitárias podemos também traçar uma relação entre o discurso oficial e as políticas de ação desta instituição.

Pretende-se, ainda que de forma simplificada, pensar o Turismo para além de uma relação comercial, mas como área social influente nas dinâmicas do mundo contemporâneo. As decisões políticas e a força das propagandas da empresa serão amostras de como as ações do turismo têm reflexos diretos na dinâmica social, econômica e política dos locais onde ele tem presença marcada. Desta forma, foi possível desvendar um pouco das contribuições da Embratur nos reflexos da imagem turística brasileira nos dias de hoje, além de algumas estratégias para reposicionamento do Brasil no mercado turístico a partir de 2002.

O terceiro e último capítulo busca relacionar, através de uma análise das imagens publicitárias, o mercado turístico e a figura feminina brasileira, destacando a correspondência entre essa figura e os ícones selecionados pela publicidade turística para elucidar o Brasil e a brasilidade feminina. Foram escolhidas imagens que representam explicitamente esta correlação entre o imaginário sobre a mulher brasileira proposto no capítulo 1 e as estratégias de venda do Brasil como destino turístico, tentando atingir diretamente o gosto dos “compradores”, como foi apresentado nas imagens do capítulo 2.

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17 partir delas é possível compreender as transformações no discurso da mídia governamental ocorridas em 2002, quando a figura feminina passa a ser ausente das publicidades. A Embratur, ainda nos dias de hoje8, precisa fiscalizar e realizar campanhas para evitar que imagens de mulheres como objetos sexuais sejam atreladas ao destino Brasil.

Em parte, a mudança dos discursos e conteúdos de grande parte das propagandas turísticas ocorrida a partir dos anos 2000 deve-se a uma maior crítica existente hoje em torno do turismo sexual e a uma maior sensibilização dos brasileiros diante desse grave problema. Para tanto, houve grande envolvimento de movimentos sociais contribuindo para o aumento da consciência de que as imagens sobre as mulheres, em especial sobre as mulatas, além de não corresponderem à realidade, ainda as insultavam.

Ao lançar um olhar, mesmo que superficial, às imagens publicitárias apresentadas é possível reconhecer que estereótipos que aparecem compondo o cenário Brasil encontram sim correspondências diversas com a realidade nacional. A própria ideia do nacional é uma construção e, portanto, pode se transformar. A alegria, o samba, a beleza natural, a miscigenação são de fato características muito presentes na cultura nacional, e são pontos positivos. No entanto, ao desnudar tais características com nossos próprios olhos, desconstruímos o olhar do outro. Cabe demonstrar que elas não são limites fechados para nossa cultura, que a cultura nacional é diversa e tem em si mil outras possibilidades e desenvolvimentos para além dos clichês sempre representados.

Uma das grandes dificuldades enfrentadas no fazer desta pesquisa se deu pela tentativa de, ao tratar de tantos clichês imagéticos e figuras estereotipadas, não cair em um discurso tradicionalista e conservador. No sentido de não julgar negativamente que as figuras tratadas como estereótipos encontrem confluência na realidade do país. Não há nenhum problema que mulheres sejam sensuais, tenham uma relação natural com seus corpos, busquem exercer seus desejos e levem suas vidas, mesmo no tocante à prostituição, como bem entenderem, sem que por isso sejam julgadas pelos homens ou pela sociedade.

O defendido neste estudo é que as atitudes e posturas das mulheres em sociedade, enquanto sujeitos ativos, não devem ser utilizadas para a venda do país, como objetos dispostos ao consumo,ou ainda, que apelem para a sexualidade feminina

8 Apesar de datar de 2002 o posicionamento governamental contrário à exposição feminina como objeto

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18 como forma de chamar atenção a produtos que não se relacionam nem indiretamente com corpos femininos sexualizados, como no caso das propagandas de cervejas e carros, por exemplo.

No entanto, os dados levantados acerca da realidade da violência feminina, assim como os números relacionados ao tráfico e exploração de pessoas, não podem ser referências tidas como irrelevantes. E não se pode também deixar de reconhecer o papel da publicidade na naturalização da violência e na abertura das fronteiras nacionais para o turismo sexual desregulado e a exploração da pobreza e das diferenças sociais.

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19

Cap. 1 - Mito Fundacional9 e a Invenção da Mulher Brasileira

“Saber quem somos já envolveu escritores, pintores, políticos,

poetas, gente do povo e da elite. Pensar o país é pensar sobre nós mesmos. Por isso a questão da identidade cultural brasileira não está só no passado; ela atravessa este século e chega vibrante aos dias de

hoje.” (Monica Velloso)

Quando procuramos saber sobre as histórias das nações, essas nos são apresentadas sob a forma de narrativas que atribuem senso de continuidade, voz uníssona e um efeito de causa - consequência a todo desenrolar histórico. Este conceito é trabalhado em todo Estado-Nação estabelecido no mundo ocidental. No entanto, a bem verdade, o conceito de nação funciona “como unidade fictícia imposta a um conjunto de indivíduos.Histórias nacionais são apresentadas como se exibissem a continuidade de um tema em grande escala.” (SHOHAT, STAM, 2006, p.144)

Para trabalhar com a noção de mito fundacional é preciso compreender que esta ideia só encontra fundamento quando o conceito de nação está bem estabelecido. Parte da necessidade de unificação e identificação de uma definida população, depois de estabelecidas as fronteiras geográficas e políticas. Assim a nação “ganha” uma linguagem, costumes, modos de vida, enfim, os contornos necessários para que exista dentro dos moldes de um país.

A ideia de mito fundacional está pautada na construção de um discurso que seja referência básica ao imaginário constitutivo de um país, a referência principal acerca de uma nação enquanto memória coletiva. Para dar contornos à nação elegem-se discursos, fatos, mitos que montem uma trajetória coerente ao Estado que ali se formou, qualquer que seja esse.

Ao construir um discurso fundador estamos tomando a via de formação da nação como via única, um sentido histórico linear, contínuo. É a escolha por legitimar algumas falas e silenciar outras, dando valor de verdade a um discurso dominante. Os

9“O mito fundador oferece um repertório inicial de representações da realidade e, em cada momento da

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20 discursos construídos preenchem lacunas da memória por uma historicidade aparentemente coletiva, discurso é também a construção da memória coletiva(ORLANDI, 1993, p. 7-14).

Existem certos enunciados que nos inserem “dentro da história”. Reconhece-se a existência de um país, uma nação, através de um imaginário social que una a todos, de uma história que pareça ser coerente a todos. A importância em consolidar uma cultura nacional se dá na construção e eleição de símbolos, imagens e significados que sustentam um sentido à ideia de “nação” (HALL, 2003).

No caso brasileiro, quando nos referimos ao discurso fundador do país, encaramos uma construção feita a partir do olhar do outro. É o estrangeiro, colonizador, que busca inserir sentido identitário ao país, como forma de delimitar nossos territórios, nossa origem, a sensação de pertencimento a um único povo, a um único passado. O olhar do colonizador sobre o exótico, o novo, o diverso transforma sua experiência subjetiva em evidência histórica acerca do Brasil, mitos transformados em realidade. O colonizador europeu

“traça a genealogia de um repertório de imagens e de uma retórica cujos tropos procuram fazer natural, inelutável, um ponto de vista particular cujo objetivo é reduzir a diversidade cultural a apenas uma perspectiva paradigmática que vê a Europa como a origem única dos significados, como o centro de gravidade do mundo, como realidade ontológica em comparação com a sombra do resto do planeta.” (SHOHAT, STAM, 2006, p.11).

Significa dizer que o português caracteriza o Brasil sob uma perspectiva eurocêntrica e partindo de um ponto em que se consideram superiores em relação aos colonizados, vistos como “primitivos”, atrasados, sem nenhuma civilidade. Qualquer diversidade cultural encontrada no país estaria posta em sentido de inferioridade em relação a quaisquer manifestações ou posicionamentos da metrópole. No discurso fundador está arraigada uma hierarquia entre culturas, e ainda dentro de cada cultura, as mulheres vistas em situação de inferioridade aos homens.

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21 A ideia de nação só chega com a vinda do estrangeiro, e surge desse a inserção do que viria a ser a “cara do Brasil”. O português expressou, a partir de seu olhar e vivências na colônia, diversos elementos simbólicos que deveriam ser referência comum a todos como forma de figurar o “ser brasileiro”, os sentidos próprios do Brasil. Um país definido por e para sentidos estrangeiros, e não pelo e para os nativos que já o habitavam. Assim, com o indígena depreciado e os ares de superioridade dos colonizadores, ganha legitimidade a colonização portuguesa. A construção do exótico é uma afirmação dos que nos viam como “outro”:

“Os melhores candidatos ao papel do ideal exótico são os povos e culturas mais afastados e mais ignorados. Ora, o desconhecimento dos outros, a recusa em vê-los tal qual eles são, podem dificilmente ser assimilados a uma valorização. É bem ambíguo o cumprimento que louva o outro simplesmente porque ele é diferente de mim. O conhecimento é incompatível com o exotismo, mas o desconhecimento, por sua vez, é inconciliável com o elogio dos outros; ora, é precisamente isto que o exotismo gostaria de ser: um elogio do desconhecimento. Este é seu paradoxo constitutivo.” (TODOROV, Tzvetan. Nós e os Outros..., 1993, p. 298)

A taxação do nativo como exótico, o outro, é a categoria que permite que o colonizador coloque-se de forma superior à priori. O conhecimento dominado pelo europeu ocidental e o desenvolvimento de suas civilizações são incompatíveis com a “primitividade” e o total desconhecimento/desenvolvimento das sociedades que já eram estabelecidas no dito Novo Mundo. As culturas encontradas aqui foram, por diversas vezes, vistas como “não humanas”.

Apesar da posição superior em que o colonizador se colocava, a colonização gerou, ainda que forçadamente, encontro e troca entre populações estranhas entre si e de culturas diversas. Desta maneira, elementos culturais dos indígenas, inicialmente, foram transmitidos, assimilados e traduzidos de acordo com o ponto de vista euro-ocidental do colonizador. A primeira representação oficial das populações locais foi, portanto, construída a partir da articulação das diferenças culturais que os portugueses notaram em comparação à sua cultura de referência (BHABHA, 2007)10.

10 As trocas culturais citadas são as que se iniciaram com a colonização, referem-se às trocas entre locais

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22 O imaginário envolvido no discurso fundacional do país dá todas as cartas para que possamos encontrar o cerne do que viria a ser reconhecida como a “Identidade Nacional” brasileira. Entre figuras como a natureza exótica, o jeitinho brasileiro, o futebol, o carnaval, o samba, a miscigenação e as belezas naturais, encontramos todos os símbolos reconhecidos da brasilidade, imersa em discursos clichês que caricaturam nossa cultura. Para além de símbolos, o estabelecimento de um Estado-Nação também pressupõe uma definição de masculinidade e de feminilidade, postulando os “papéis” sociais que cabe a cada um cumprir num modelo único de sociedade ocidental.

As imagens e símbolos eleitos para nos representar foram, e ainda são, escolhidos de acordo com necessidades políticas e ganham legitimação através da repetição desses discursos estereotipados. É possível dizer que o discurso da brasilidade mostrou sua eficiência ao ganhar dimensão material no imaginário social fundado sobre o país, na definição da nacionalidade brasileira:

“Concluímos que é discurso fundador o que instala as condições de formação de outros, filiando-se à sua própria possibilidade, instituindo em seu conjunto um complexo de formações discursivas, uma região de sentidos, um sítio de significância que configura um processo de identificação para uma cultura, uma raça, uma nacionalidade.” (ORLANDI, 1993, p.24)

Apresentado o discurso fundador, o presente trabalho é construído sob a crença de não ser possível definir uma brasilidade de essência imutável e finalizada. Mesmo o sentimento de pertencimento e identificação se diferencia conforme o momento histórico percorrido, podendo ser diverso até dentro de um mesmo instante, pois se relaciona diversificadamente de acordo com as referências individuais de cada sujeito. A esfera da identidade nacional é, hoje, uma esfera até certo ponto questionável.

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23 existem enquanto esferas que se transformam e recriam constantemente, mas que não se inventam do nada. Elas estão o tempo todo em negociação11.

Cabe, categoricamente, o uso da palavra invenção para ressaltar que a identidade é esfera construída, que mesmo a identidade nacional é plural, são identidades. Espera-se que, passados mais de cinco séculos, as questões identitárias Espera-sejam hoje abertas à noção de aceitação do múltiplo e do diverso como centrais na brasilidade. É preciso “despetrificar” a identidade para além dos discursos estereotipados.

Para tanto, é preciso rejeitar articulações essencialistas da identidade. A identidade cultural é uma questão de “se tornar” assim como de “ser”, e pertence ao futuro assim como pertence ao passado (HALL, 1989), é um eterno fazer-se, uma identificação com figuras do passado e com figuras que estão surgindo no agora e apontam para meios de ser no futuro

“Componente natural” da dita brasilidade, desde os primeiros registros nacionais, a mulher aparece como uma figura central na construção do cenário nacional. O imaginário acerca de uma exótica mulher brasileira acompanha todas as imagens da nação. Sendo assim, uma determinada aparência corporal da mulher é conectada à construção da identidade nacional levando a mulher brasileira a conviver com a necessidade de um estereótipo corporal peculiar.

Considerando o “estereótipo como lugar privilegiado de observação, no seu papel de produtor de sentidos que circulam no imaginário de uma nação” (FERREIRA, 1993, p.75) busco os significados dessa brasilidadee como ela, de certa maneira, contribui para o afastamento da mulher enquanto sujeito histórico ativo na construção do nosso país, para além de um adorno exótico e belo.

A presença de formas voluptuosas é mais exaltada que a magreza, vestimentas que remetam à sensualidade e uma sexualidade aflorada estão presentes no imaginário popular do que corresponde a ser mulher no Brasil. A impressão de liberdade sexual é vendida tanto dentro quanto fora do país como uma das marcas mais características do

11É base teórica para esta afirmação o conceito de identidade sob o ponto de vista de Stuart Hall: “A

identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é preenchida a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós

imaginamos ser visto por outros”. (HALL, 2003 p. 39). Ainda sob uma perspectiva parecida, HomiBhabha trata da desconstrução da identidade enquanto ideia fixa ressaltando a constante troca de

informações culturais: “as condições discursivas da enunciação que garantem que o significado e os

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24 que se constitui como a mulher brasileira, sobre como ela lida naturalmente com a sexualidade e como a mistura cultural contribuiu para a formação deste corpo desejável e confiante.

“Coxas grossas e redondas e, especialmente, a bunda – ou melhor, a ‘bunda empinada’ – são consideradas não apenas preferências estéticas, mas também uma característica nacional. Por exemplo, a Plástica e Belezacomentou: ‘A combinação cintura fina e

quadril avantajado é uma característica da mulher brasileira, superadmirada, aqui e lá fora. ’ Embora a beleza da mulher brasileira possa ser um clichê de guia turístico, é também uma das imagens mais dominantes na representação da identidade nacional.” (EDMONDS, 2002, p.247)

O ideal da mulher brasileira propagado hoje retrata uma junção de figuras estereotipadas construídas ao longo do tempo, destacando características que foram eleitas como representantes da cultura nacional. Não é possível dizer se “clichê de guia turístico” ou “característica nacional”, mas é fato que quais são essas características e qual é o corpo da brasileira tido como ideal são imagens prontas e reconhecidas em nossas consciências.

Ainda hoje o olhar “exoticizante” mede a mulher brasileira e, mais do que isso, apresenta um papel central na construção das representações coletivas nacionais. É a partir desta petrificação discursiva que ideias dissonantes desta voz têm dificuldade em emergir e transformar imagens dominantes. As imagens da mulher brasileira já estão incluídas nas percepções mentais dos indivíduos e da coletividade.

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1.1Construções da mulher brasileira: imagens literárias e cinematográficas

Pensar a relação necessária entre a história e a literatura é reconhecer que o tempo não corre de forma linear, uma vez que passado e presente se encontram num movimento de ir e vir contínuo e interativo. A história, a música, a literatura, entre outras, caminham juntas como formas de expressão social e se fazem vivas justamente neste diálogo constante entre passado, presente e futuro. Repensar os sentidos da história é entender que aí se encontra sempre aberta a possibilidade de operar mudanças sociais. As fontes utilizadas não representam um real preso ao passado, uma vez que ao analisá-las no presente elas se atualizam.

Assim sendo, a intenção é lançar novamente olhar a pontos da história que contribuíram para formar nossa nacionalidade e, a partir desse movimento criar possibilidade de repensar a dita brasilidade e questionar a necessidade de busca por uma identidade nacional bem definida. No caso específico das mulheres, elucidar a mulher enquanto sujeito histórico atuante e tentar ainda ir além, ao demonstrar que as trajetórias destes sujeitos femininos são multifacetadas e diversas. Não se trata de negar todas as características ditas como nacionais, mas de relativizá-las, pois a realidade é uma esfera múltipla e dinâmica.

Apesar do amplo corpus desta pesquisa, o recorte apresentado aponta para alguns representantes da literatura nacional que simbolizam a propagação de uma imagem nacional, principalmente feminina, estereotipada. Levanto materiais literários enquanto fontes que asseguram a construção dos estereótipos12 da mulher brasileira. No entanto, não é objetivo olhar criticamente os autores/textos literários em si, mas fazer uma constatação de como a literatura contribuiu historicamente para a fixação de uma imagem de mulher que transborda os limites desta arte e vem a fixar-se mais amplamente com o desenvolvimento da imprensa e da indústria culturalnuma já consolidada sociedade do consumo (LIPOVESTKY, 2007).

Desde os primeiros relatos existentes no mundo ocidental sobra a “descoberta da América”, sejam nas palavras de Cristovam Colombo ou Pero Vaz de Caminha, o ar maravilhado pelo exotismo encontrado nas terras além-mar é esfera das mais ressaltadas

12 Quanto à noção de Estereótipo, o texto se refere à seguinte definição: “O Estereótipo é a palavra

repetida, fora de qualquer magia, de qualquer entusiasmo, como se fosse natural, como se essa palavra que retorna fosse sempre milagrosamente adequada por razões diferentes, com se o imitar pudesse deixar de ser contido como uma imitação: palavra sem cerimônia, que pretende a consistência e ignora a sua

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26 em relatos de viajantes.Inicialmente, eles não fogem extremamente das formas com que são retratadas todas as nativas das Américas, mas ganharão contornos peculiares com o desenrolar do tempo e dos acontecimentos nas terras brasileiras.

“Américo Vespúcio, o Descobridor, vem do mar. De pé, vestido, encouraçado, cruzado, trazendo as armas européias do sentido e tendo por detrás dele os navios que trarão para o Ocidente os tesouros de um paraíso. Diante dele a América Índia, mulher estendida, nua, presença não nomeada da diferença, corpo que desperta num espaço de vegetações e animais exóticos. Cena inaugural. Após um momento de espanto neste limiar marcado por uma colunata de árvores, o conquistador irá escrever o corpo do outro e nele traçar a sua própria história. Fará dele o corpo historiado o brasão – de seus trabalhos e de seus fantasmas. Isto será a América "Latina".” (DE CERTEAU, 1982, p.5).

Os povos colonizados serão representados como corpos afastados do mundo racional, e as mulheres aproximadas mais como componentes da natureza, sem nenhum traço de civilidade. Assim será contada a história da “descoberta” das Américas e desde já ocultada quaisquer voz feminina. É possível reconhecer este discurso exotizante, acerca dos obscenos desejos das nativas já na carta de Pero Vaz de Caminha, primeiro documento escrito sobre o Brasil, que descreve o país como o paraíso onde viveriam Adão e Eva. Suas impressões sobre as índias exaltam a sensualidade e “falta de vergonha”:

“Ali andavam entre eles (os índios) três ou quarto moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de nós muito olharmos, não nos avergonhávamos. (...). E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem-feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela.” (Carta de Caminha. Disponível em www.biblio.com.br).

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27 A lenda das Amazonas, índias guerreiras que chegavam a amputar o seio direito para melhor empunhar arco e flecha, diz que a sexualidade destas mulheres chegava a ser “desviada”, masculinizada (WOLFF, 2013, p.423-424). No período da conquista da América, expedições espanholas no território amazônico brasileiro relatam a existência de tribos de mulheres guerreiras, liderando os indígenas na defesa dos seus contra os colonizadores. As mulheres destes relatos foram contadas como belas, fortes e poderosas, aquelas que agiam com liberdade e desenvoltura.

A repetição deste discurso acerca das indígenas torna-as objeto simbólico da cultura nacional, onde o sem sentido, a imaginação e a ideologia,em conjunto, geram um ideal feminino no qual o real e o imaginário são indistintos e, apesar de fantasiado, constroem a história considerada oficial do Brasil (ORLANDI, 1993, p.17-18).Em relatos de um viajante encontramos a ideia de que chegar ao Brasil foi concretizar a visão do Paraíso na Terra, que antes tinha vida somente no imaginário do europeu:

“Vista a terra demos graças a Deus, e pusemos para fora as barcas, e com XVI homens, fomos à terra, e descobrimo-la tão cheia de árvores, que era coisa maravilhosa, não somente a grandeza delas, mas o seu arredor, que jamais perdem as folhas, e o cheiro suave, que delas saía, que são todas aromáticas, dava tanto conforto ao olfato, que grande recreio tiramos disto (...) e uma coisa maravilhosa vimos neste mar, que foi, que antes que chegássemos a terra a 15 léguas, encontramos água doce como de rio (...) As suas árvores são de tanta suavidade que pensávamos estar no Paraíso terrestre (...)” (VESPÚCIO, A. In BARROS, 2000, p.31)

As referências feitas ao exótico estão sempre conectadas ao comportamento corporal: a nudez feminina, a não utilidade das roupas que ganhavam, os costumes sexuais, a falta de vergonha, a antropofagia, a poligamia, entre outros. A apresentada história dos índios no Brasil está ligada à história do controle sobre seus modos de vida, cultura, costumes e principalmente do controle de seus corpos, que eram extremamente distantes do que se considera aceitável num mundo cristão europeu.

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28 Ainda sob os olhos dos colonizadores, o corpo nu indígena incita à luxúria e faz com que se relacione a sexualidade ao mundo feminino. A mulher indígena é a que provoca e que não apresenta preceitos morais. Segundo Ronald Raminelli (2012, p.25-36), era possível traçar a relação direta entre sexo, sedução e mulheres como uma dedução lógica a partir da observação dos comportamentos indígenas no período colonial, uma vez que os colonizadores não compreendiam as formas de relação social que eram estabelecidas nas novas terras.

Com olhar predominante do colonizador construindo “lá” o que seria a imagem “daqui”, uma visão pautada em comparação ao nível de cilivilidade e urbanização europeia era referência para descrever as “terras distantes”:

“Pode-se dizer que a América foi sendo desenhada e descrita por pensadores, artistas, navegadores e autores, durante um longo processo de conhecimento e estabelecimento de identidades. Nesse diálogo entre Novo e Velho Mundo, predominou evidentemente um sentido europeu, revestido de forte ideologia de dominação.” (BIGNAMI, 2005, p. 79)

A partir do séc. XVIII, com o povoamento mais intenso e a presença da Igreja, que veio também para cumprir um papel de reguladora da sexualidade feminina, fica ainda mais explícita a incontrolável existência de uma “ardente sexualidade tropical”. Apesar das inúmeras tentativas de controle da manifestação natural da sexualidade, existem registros sobre práticas recorrentes de adultério, sexo antes do casamento, homossexualismo, práticas poligâmicas e outras diversas atitudes que contrariam a moral cristã e exacerbam a ideia de uma mulher no Brasil fortemente sexualizada(ARAUJO, 2012). No que diz respeito à moral cristã, a Igreja pensa ser até biologicamente impossível que as nativas consigam controlar seus “desregramentos sexuais” sem um “adestramento” adequado.

Aos olhares estrangeiros, os modos de comer, vestir, agir, dançar, pensar, entre outros, são combativos à moral dos ditos civilizados. Essas ações, tidas como amorais e desregradas, são todas referências para a construção da ideia do “selvagem” e serão vistas ainda com mais dureza no que se refere às atitudes das mulheres. A indígena é perversa sexualmente, amoral e de sensualidade livre.

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29 caracterização é bastante homogênea. Obviamente o alcance das obras a serem indicadas contribui para a cristalização de imagens estereotipadas da mulher nacional13. Se após os anos 1980 houve significativa transformação no trato das mulheres na literatura, a divulgação destas obras ainda não é suficiente para que o olhar nacional ou estrangeiro se veja livre destas noções redutoras.

O romance indianista foi a primeira forma literária a inaugurar uma valorização de expressões autênticas da nacionalidade. Autores brasileiros passaram a expressar em suas obras uma cultura genuinamente brasileira, com traços e um jeito “autênticos”. Como exemplo, podemos partir da obra de José de Alencar, que em prosas como

Senhora e Iracema dá amostras de narrativas difundidas no Brasil e no exterior e que

colocam a mulher indígena em um lugar idealizado. Ela é portadora de beleza e sensualidade exóticas, características tidas como componentes da natureza feminina indígena.

A vinda da família real de Portugal para o Rio de Janeiro representou um início de valorização da estética miscigenada e do olhar ao exótico. A monarquia brasileira tratou de misturar elementos tradicionais europeus com a brasilidade dos trópicos. Na simbologia construída pela família real sobre o Brasil estavam presentes muitas frutas, indígenas, negros e europeus, reforçando a caracterização racial brasileira, vista característica distinta do país (SCHWARTZ, 1997).

Com a inserção de discursos médicos/intelectuais, representados primeiramente na figura de Nina Rodrigues, assume-se uma visão negativa da miscigenação, a partir de ideais colados ao darwinismo social14 promovendo a busca de um branqueamento da

13Autor nacional mais traduzido no século XX, Jorge Amado foi apontado como o autor mais demandado

para tradução no último Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior da Fundação Biblioteca Nacional (http://bookcenterbrazil.wordpress.com/2013/08/19/jorge-amado-volta-a-ser-o-brasileiro-mais-traduzido-segundo-o-programa-de-apoio-da-fundacao-biblioteca-nacional/). Além dele, entre os autores brasileiros mais citados no exterior segundo as pesquisas do “Conexões Itaú

Cultural –Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira” (acesso ao Banco de Dados disponível em

conexoesitaucultural.org.br), aparecem os nomes de José de Alencar, Machado de Assis, Lima Barreto, Aluizio de Azevedo, entre outros, todos estes cujas principais obras (reconhecendo aqui toda a grandeza destas produções) recorrem à figura feminina da mulata carregada de todos os estereótipos já citados nesta dissertação. É um exemplo da força com que esta figura da brasilidade se expandiu e afirmou no imaginário dos estrangeiros.

14 A Teoria do Darwinismo Social se ancora no trabalho de Herbert Spencer que, baseado na seleção

natural da Teoria das Espécies de Charles Dawrin, sugeria que a sociedade evolui de maneira seletiva. Assim, houve abertura para classificar populações como superiores e inferiores, primitivos e civilizados. A vertente do Darwinismo Social mais estudada no Brasil parte da tradução integral do texto de

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30 população do país. A sociedade brasileira era tida como fracassada, pois a mistura racial retirava de cada uma das raças suas melhores características, sendo o mestiço um ser inferior e medíocre.

“Não se trata aqui de acumular exemplos, masapenas de convencer como, nesse contexto, a mestiçagem existente no Brasil não era só descrita, como adjetivada, constituindo uma pista para explicar o atraso, ou uma possível inviabilidade da nação. Dessa forma, ao lado de um discurso de cunho liberal, tomava força, em finais do século passado, um modelo racial de análise, respaldado por uma percepção bastante consensual de que esse era, de fato, um país miscigenado.” (SCHWARTZ, 1997, p. 89)

Esse pensamento eugenista baseava-se na necessidade de aperfeiçoar as “raças”, conectando a “raça” diretamente à estética (SANT’ANNA, 2014, p.62). O regime do belo é sinônimo de saúde, assim como associa peles de cor escura à sujeira, doença e falta de cuidados. Até então, o mestiço seria tratado como prova da degeneração das raças.

Posteriormente ao período literário romântico, e na contramão do discurso médico-higienista, a mulher reaparece central na literatura através da figura da mulata15. Sua imagem faz mais jus ao imaginário e à realidade brasileira no que concerne a miscigenação do que o discurso darwinista social adotado pela intelectualidade do país no período. Caracterizada com adjetivos comestíveis, as mulatas carregam elementos que configuram a imagem estereotipada e preconceituosa quando estas são descritas nas obras:

“Manjericão, cravo e baunilha nas de Aluísio Azevedo (O cortiço,1890); cravo, canela e alecrim nas de Jorge Amado (Gabriela, cravo e canela, 1958; Tenda dos milagres, 1969); mandioca doce nas

de João Felicio dos Santos (João Abade, 1958). A lista poderia

continuar, mas podemos resumi-la no verso de Lamartine Babo (O teu cabelo não nega, 1932): "Tens um sabor / bem do Brasil".Além de

cheirosa e gostosa a mulata é muitas outras coisas nesses e em outros

7 O tema da sensualidade da mulata já foi analisado com mais profundidade por diferentes autores, para maior aprofundamento, entre outros, ver: CORREA, Mariza. Sobre a Invenção da Mulata, Cadernos Pagu, 1996; DIAS FILHO, Antonio Jonas. As Mulatas que não estão no Mapa, Cadernos Pagu, 1996; HANCIAU, Núbia. A Representação da Mulata na literatura Brasileira: estereótipo e preconceito, Cadernos Literários, 2002; PRAVAZ, Natasha. Gilberto Freyre e a Mulata: Mestiçagem e Diferenciação

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31 textos: é bonita e graciosa, dengosa e sensual; em suma, desejável.” (CORREA, 1996, p.39)

Tal imagem da brasilidade ganha mais fôlego e difusão ainda com a obra de Gilberto Freyre (1998)16. Freyre destaca a contribuição cultural de cada povo fundador da sociedade brasileira, encarando a miscigenação com olhos positivos. Dentro desta mistura de povos encontramos um conjunto de características que cedem à mulher este papel sexualizado: a sedução indígena, as negras amantes, a beleza física mulata, a idealização das mulheres brancas. Todos estes são elementos que alimentam o imaginário sobre a sexualidade da mulher brasileira, pois em nossa sociedade eles se entrecruzam, ressaltados pela nossa característica mestiçagem.É quando se assume que as determinantes raciais têm papel primordial na formação da nossa identidade nacional. Segundo o autor, a mestiçagem é o fator central na formação da chamada identidade nacional. É o que a caracteriza pela fusão, mistura e hibridação cultural e biológica. Escrevendo sobre a mulata do Recife, mas que representa para ele toda mulata brasileira, Freyre fala de seus encantos e ressalta a brasilidade única destas mulheres, cujos atributos são irresistíveis aos estrangeiros brancos:

“(...) mulatinha do Recife, esta é um encanto; e seu quindim tem

admiradores ilustres, tanto entre recifenses antigos como entre forasteiros. Um deles morreu há pouco na França, enjoado até o fim da vida da brancura das elegantes parisienses; e sempre saudoso das negrinhas que conheceu nas praias de Pernambuco.” (FREYRE, G. 1961 p. 104)

Em Casa Grande e Senzala, Gilberto Freyre destaca a preferência dos

portugueses pela “mulher morena”, pelo menos no que se refere ao amor físico. O gosto com relação ao Brasil é definido pelo ditado “Branca para casar, mulata para f..., negra para trabalhar.” (FREYRE, 2013, p. 72). No pensamento freyreano, assim como vem a

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32 ser no imaginário coletivo, a mulata é a mais real representação do ethos nacional. Tem em si mistura de raças, exotismo e sensualidade, ela é a personificação da brasilidade.

No tocante da miscigenação, o autor atenua as relações de poder e submissão das mulheres negras e mulatas para com seus senhores, exaltando que os portugueses foram “misturando-se gostosamente com mulheres de cor logo ao primeiro contato e multiplicando-se em filhos mestiços que uns milhares apenas de machos atrevidos conseguiram firmar-se na posse de terras.” (FREYRE, 2013, p.70)

“Aquilo que Freyre carinhosamente chamava de Novo Mundo nos Trópicos foi possível, segundo ele, devido à fusão cultural de três raças geneticamente iguais (os portugueses, os índios e os africanos), cada uma delas com uma contribuição inestimável – mesmo considerando que ele tendia à romantizar a escravidão e folclorizar as contribuições de negros e índios.” (SHOHAT, STAM, 2006,p.349)

Freyre não considera a violência e o desrespeito dos senhores quanto às crenças e a unidade conjugal dos escravos. Também pouca ênfase dá ao fato de que as mulheres afrodescendentes eram muito inferiorizadas em relação tanto às brancas quanto às mulatas e caboclas. Assim, romantizando a escravidão e as contribuições de negros e índios, o autor consegue dar contornos a uma sociedade imaginada como ideal, campo da dita “democracia racial”, onde consciência de raça é praticamente inexistente e que hoje já é mais do que contrariada e desconstruída.

Sua obra tem difusão intensa tanto na sociedade brasileira como no exterior, sendo traduzido e publicado ao menos em 14 países. Condecorado com prêmios diversos é inegável a importância de Gilberto Freyre enquanto produtor de uma imagem do Brasil, de um conceito de brasilidade e de uma identidade brasileira e, portanto, um importante disseminador das ideias acerca das brasileiras sensualizadas/sexualizadas. São imagens que permaneceram cristalizadas numa memória coletiva nacional e estrangeira.

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33 “Louvada ou exaltada, por vezes determinada por representações satíricas e desqualificantes, a mulata é uma figura recorrente em nossa literatura, marcando sua presença muitas vezes com traços positivos, que a distinguem e a caracterizam como mulher exótica, bela, alegre, solidária, dotada de irresistível sensualidade, hábil cozinheira, com vocação para a música, a dança e o canto. Mas também será vista com traços negativos – particularmente os de uma mulher libertina – que deixam emergir sua imoralidade, adaptando-se muito bem à representação da ‘outra’, a companheira de aventuras amorosas e extraconjugais, cujo fascínio seduz os mais virtuosos”. (HANCIAU, 2002, p. 58)

Outra obra que merece destaque no campo literário quando se diz da mulata é a de Jorge Amado. Seus textos já foram editados em 55 países e vertidos em 49 idiomas e a mulata é presença marcante, quando não central, em clássicos como Tenda dos

Milagres, Gabriela Cravo e Canela, Dona Flor e seus Dois Maridos, Tieta do Agreste,

entre ainda outros.

Sem cair em uma crítica ao valor literário das obras em si, estão presentes nelas além dos estereótipos da corporalidade, muitas vezes a lasciva e negativa imagem de aventureira amorosa, que é reafirmada. É apenas mais um exemplo de como uma complexa trama de relações se deu para que a imagem da brasileira fosse tão bem fundada. Alguns de seus romances também foram posteriormente traduzidos para as linguagens cinematográfica e televisiva, aumentando o reconhecimento das tramas e personagens.

É ressaltada, neste estudo, a figura da mulata como a imagem mais difundida e recorrente na representação da brasileira,no entanto, a ideia central é que as características sexuais/sensuais são naturais de todas as brasileiras, que por mais brancas que sejam “carregam algo da mulata em si”,seja pelas curvas, pelo caminhar ou pelo ritmo e gingado. A partir do século XX, a mesma exoticidade mulata está presente na representação das brancas, loiras e negras quandoestas são identificadas como brasileiras. As mulheres que não correspondem a estes estereótipos estão “deslocadas”. Reconhece-se a influência da miscigenação para todos,uma vez inegável, a miscigenação passou a ser positivada:

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34 e em Minas Gerais, principalmente do negro. A influência direta, ou vaga e remota, do africano.” (FREYRE, 2013, p.367)

No campo da imagem, o cinema vem juntamente da literatura adequar-se enquanto transmissor das narrativas das nações e dos impérios. É crucial considerar que os primórdios da produção cinematográfica coincidam com o apogeu do projeto imperialista e da difusão das nações. Temas tais como nacionalismo, consumismo, identidade, entre outros, foram dos mais explorados auxiliando a homogeneização das histórias nacionais. Não se trata de olhar o cinema enquanto uma ferramenta imperialista, mas de compreender que seu contexto de formação permite que essa linguagem seja utilizada para tais propósitos de divulgação. As imagens propagadas têm poder de gerar noções do real: aquilo que se vê entendido como aquilo que é.

No Brasil, por volta da década de 1920, realizou-se uma série de adaptações em cinema mudo dos romances indianistas. As adaptações de Iracema e d’O

Guaranilevaram ao público não letrado a possibilidade de uma maior familiarização

com os estereótipos disseminados acerca da mulher indígena. Esta tradição indianista se mantém, de certa forma, até os dias de hoje representadas em produções televisivas (SHOHAT, STAM, 2006, p.350).

Os filmes indianistas pintam os mitos do sincretismo e da fusão racial como situações inevitáveis uma vez do contato do estrangeiro com a mulher indígena ou do indígena com a mulher estrangeira (no caso d’O Guarani). O brasileiro é, em sua fundação, uma junção do indígena com o elemento europeu, gerando um novo povo. A cultura brasileira acaba por celebrar a miscigenação, uma vez que ela foi inevitável.

O trato do cinema indianista também não deixou de ser forma de evitar o assunto sobre a escravidão e a presença africana na sociedade brasileira, decidindo por não tocar na alforria negra. Sendo já neste instante o índio uma figura mais distante da sociedade letrada, a elite literária e cinematográfica opta por tratá-lo de forma mitificada e positiva, longe do conhecido genocídio literal e cultural que ele sofre desde seu primeiro contato com o colonizador.

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35 negras e naturais, representa um sincretismo da “nação Brasil”. “Carmen Miranda, europeia imigrada, foi assimilada pela cultura (como o exótico incorporado à autoimagem nacional), importada e exportada para a maior potência cultural daquele momento, os EUA, onde foi promovida e elevada a símbolo nacional.” (BIGNAMI, 2005, p. 47).

Imagens 1 e 2 - Carmen Miranda

Referências

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