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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS

MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS

Ethos

e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso

de professores de Espanhol Língua Estrangeira

Leandro da Silva Gomes Cristóvão

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Leandro da Silva Gomes Cristóvão

Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso

de professores de Espanhol Língua Estrangeira

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua Espanhola)

Orientadora: Profa. Dra. Ma. Mercedes Riveiro

Quintans Sebold

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CRISTÓVÃO, Leandro da Silva Gomes.

Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso de professores de Espanhol Língua Estrangeira / Leandro da Silva Gomes Cristóvão – Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Letras, 2010.

xi, 96 f.: il.; 29,7 cm

Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, 2010.

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Leandro da Silva Gomes Cristóvão

Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso

de professores de Espanhol Língua Estrangeira

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua Espanhola)

Aprovado em:

____________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold – Orientadora

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

____________________________________________________________ Profa. Dra. Tânia Reis Cunha

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

____________________________________________________________ Profa. Dra. Vera Lúcia de Albuquerque Sant’Anna

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

____________________________________________________________ Prof. Dr. Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina – Suplente

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

____________________________________________________________ Profa. Dra. Maria del Carmen Fátima González Daher – Suplente

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Para todos os que foram, são e serão meus professores.

Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.

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AGRADECIMENTOS

À força divina que habita dentro de mim, pela oportunidade da vida.

À Mercedes Sebold, pela possibilidade da convivência intelectual e pessoal. Foi um privilégio trilhar essa estrada em sua companhia.

À Vera Sant’Anna, pelo batizado na vida da pesquisa. Ter seu nome, mais uma vez, registrado em minha história é uma alegria sem tamanho.

À Tania Cunha, pelo agradável e breve encontro. Os quatro meses de convivência foram suficientes para querer tê-la aqui comigo.

Aos meus queridos ausentes-presentes, Maria das Graças Cristóvão, Alípio Cristóvão e

Antonia Cristóvão, pelo apoio invisível.

Ao meu pai, Artur Cristóvão, e à minha tia, Maria Helena Cristóvão, pelo constante carinho, crédito e admiração. A essas duas pessoas, TUDO é a palavra; sem elas NADA teria acontecido.

À Maria da Penha de Oliveira, minha “boadrasta”, pela alegria e apoio constantes.

Aos meus irmãos, Rodrigo Cristóvão, Diogo Cristóvão e Juliana Cristóvão, pela companhia na vida.

Ao André Bern, pela difícil tarefa de conviver diariamente comigo e por me mostrar, sempre, que “é impossível ser feliz sozinho”.

Aos amigos Simone de Oliveira e Antonio Ferreira, pelo privilégio de poder chamá-los de melhores amigos.

Às amigas Silvana Bezerra, Suzana Barroso e Ana Shirley Izidoro, por, na reta final, acompanharem esse trabalho mais de perto.

Aos professores que participaram da confecção do corpus, pela disponibilidade.

À Priscila Santos, que se dispôs a transcrever os dados da pesquisa em tempo exíguo.

A todos os meus alunos, de todas as instituições em que trabalhei, por me ensinarem.

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RESUMO

CRISTÓVÃO, Leandro da Silva Gomes Cristóvão. Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso de professores de Espanhol Língua Estrangeira. 2010. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

Esta dissertação visa a enfocar práticas identitárias de professores de espanhol língua estrangeira (ELE) a partir de uma abordagem discursiva, instrumentalizada pela noção de

ethos discursivo (Maingueneau, 1997, 2005, 2008). É proposta uma perspectiva de análise que intersecta conceitos da Análise do Discurso de linha francesa (AD) e dos Estudos Culturais, o que dá ao trabalho um caráter interdisciplinar. Parte-se da ideia da fragmentação e da fluidez das identidades sociais na contemporaneidade (Bauman, 2001, 2005; Hall, 2006), assim como de uma visão de discurso e de sujeito como ideologicamente marcados, para se propor a análise das práticas identitárias de três professores de ELE da cidade do Rio de Janeiro, participantes de um grupo de discussão. Levantando-se a hipótese de que as identidades docentes em questão respondem à fragmentação e fluidez dos tempos contemporâneos, busca-se identificar as estratégias discursivas utilizadas pelos sujeitos da pesquisa a fim de sustentarem um tal ethos, uma imagem de si construída pelo dizer. As análises apontam para (1) um constante trabalho discursivo dos professores no sentido de fixação de um ethos e (2) uma inevitável flexibilização dessa imagem discursiva, dada a fragilidade de toda e qualquer identidade.

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RESUMEN

CRISTÓVÃO, Leandro da Silva Gomes Cristóvão. Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso de professores de Espanhol Língua Estrangeira. 2010. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

Este trabajo de investigación tiene el objetivo de enfocar prácticas de identidad de profesores de español lengua extranjera (ELE) desde un enfoque discursivo, instrumentalizado por la noción de ethos discursivo (Maingueneau, 1997, 2005, 2008). Se propone una perspectiva de análisis que intersecta conceptos del Análisis del Discurso francés (AD) y de los Estudios Culturales, lo que le atribuye a la investigación un carácter interdisciplinario. A partir de la idea de fragmentación y de fluidez de las identidades sociales en la contemporaneidad (Bauman, 2001, 2005; Hall, 2006), y también de una visión de discurso y de sujeto como ideologicamente marcados, se propone el análisis de las prácticas identitarias de tres profesores de ELE de la ciudad de Río de Janeiro, participantes en un grupo de discusión. El trabajo mueve la hipótesis de que las identidades docentes en cuestión responden a la fragmentación y fluidez de los tiempos contemporáneos y propone identificar las estrategias discursivas que utilizan los sujetos de la investigación con el fin de sostener un dicho ethos, una imagen de sí que se construye por el decir. Los análisis indican (1) un constante trabajo discursivo de los profesores en el sentido de la fijación de un ethos y (2) una inevitable flexibilización de esa imagen discursiva, puesta la fragilidad de toda y cualquier identidad.

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ABSTRACT

CRISTÓVÃO, Leandro da Silva Gomes Cristóvão. Ethos e práticas identitárias: um estudo das imagens de si no discurso de professores de Espanhol Língua Estrangeira. 2010. Dissertação (Mestrado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

This dissertation aims to focus on identity practices of teachers of Spanish as a Foreign Language by means of a discourse approach which makes use of the notion of discourse ethos

(Maingueneau, 1997, 2005, 2008) as an analytical tool. It proposes an analytical perspective which combines concepts from French Discourse Analysis as well as Cultural Studies, thus reflecting an interdisciplinary character. Based on the idea of the fragmentation and fluidity of the social identities in the contemporaneity (Bauman, 2001, 2005; Hall, 2006), in addition to a view of discourse and subject as being ideologically marked, this study sets forth an analysis of the identity practices of three teachers of Spanish as a Foreign Language in the city of Rio de Janeiro, which took part in a discussion group. By considering the hypothesis that the teaching identities in question respond to the fragmentation and fluidity of the contemporary times, it seeks to identify the discourse strategies which are used by the subjects of the research so as to sustain a certain ethos, in other words, a self-image created by speech. The analyses lead to (1) a constant discourse work by the teachers towards the establishment of an

ethos and (2) an inevitable flexibilization of such a discourse image due to the fragility of each and every identity.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1- CONCEITOS E NOÇÕES ... 16

1.1- A ANÁLISE DO DISCURSO ... 16

1.2- A NOÇÃO DE ETHOS DISCURSIVO ... 20

1.3- IDENTIDADES E PRÁTICAS: AS PRÁTICAS IDENTITÁRIAS ... 24

1.4- ETHOS E PRÁTICAS IDENTITÁRIAS ... 27

2- MEMÓRIAS DO ENSINO DE ESPANHOL NO BRASIL ... 29

2.1- O ENSINO DE ELE NO BRASIL ... 29

2.2- OS DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA AO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL E O ENSINO DE ELE ... 33

2.2.1- Os Parâmetros Curriculares Nacionais ... 33

3.2.2- As Orientações Nacionais para o Ensino Médio ... 37

3- ASPECTOS METODOLÓGICOS ... 42

3.1- A CONSTITUIÇÃO DO CORPUS ... 42

3.2- RECORTE DO CORPUS E PARÂMETROS DE ANÁLISE ... 48

4- ANÁLISE ... 51

4.1- DOCENTE A: A PROFESSORA CÉTICA? ... 51

4.2- DOCENTE B: O PROFESSOR-PADRÃO? ... 58

4.3- DOCENTE C: A PROFESSORA OTIMISTA? ... 65

4.4- E A FORMAÇÃO? ... 69

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 73

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 75

ANEXOS ... 81

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INTRODUÇÃO

Gostaria de me insinuar sub-repticiamente no discurso que devo pronunciar hoje, e nos que deverei pronunciar, talvez durante anos. Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo possível. Gostaria de perceber que no momento de falar uma voz sem nome me precedia há muito tempo: bastaria, então, que eu encadeasse, prosseguisse a frase, me alojasse, sem ser percebido, em seus interstícios, como se ela me houvesse dado um sinal, matando-se, por um instante, suspensa. Não haveria, portanto, começo; e em vez de ser aquele de quem parte o discurso, eu seria, antes, ao acaso de seu desenrolar, uma estreita lacuna, o ponto de seu desaparecimento possível. (Foucault, 2009: 5)

Este texto de Foucault inicia a obra A ordem do discurso, sua aula inaugural proferida em 1970, no Collège de France. O autor começou do começo. Seguindo sua trilha, também começarei do começo; passarei pelo meio, e chegarei ao final. O caminho não é tão longo (aproximadamente 100 páginas), mas está cheio de curvas sinuosas e de pequenos atalhos. Cuide-se para não se perder. Boa viagem!

Meu ingresso no programa de Letras Neolatinas se deu em março de 2008, após apresentar um pré-projeto de pesquisa que propunha uma continuação da pesquisa Formação do professor e leitura em língua espanhola: qual o lugar da atividade extensionista?

realizada entre os anos de 2005 e 20061. A proposta era a de, a partir de novos dados, ampliar a análise realizada anteriormente sobre a relação entre as atividades extensionistas desenvolvidas pela UFRJ e a formação de professores de espanhol língua estrangeira (doravante, ELE). Já naquele momento, ainda que de forma não tão consciente, buscava entender o sujeito professor de ELE.

Com o passar do tempo, a conclusão de algumas disciplinas, a realização de determinadas leituras e as constantes reuniões de orientação fizeram-me mudar a proposta de trabalho a ser desenvolvida. Foram fundamentais, nesse sentido, as leituras do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Não saía de minhas ideias a metáfora criada pelo autor para simbolizar as relações sociais na chamada pós-modernidade. Com uma série de livros em cujos títulos o adjetivo “líquido” estava presente, Bauman (2001: 9) entende que “fluidez e liquidez são metáforas adequadas quando queremos captar a natureza da presente fase, nova

de muitas maneiras, na história da modernidade”. Desse modo, líquidos são os tempos, os

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amores, as vidas e também as identidades. Pronto, havia encontrado a temática que gostaria de estudar, a das identidades líquidas.

Se por um lado encontrava-me bastante motivado a empreender uma pesquisa que levasse em conta essa questão, por outro não conseguia relacioná-la aos estudos linguísticos e às reflexões sobre o ensino de ELE. Assim, acabei abandonando o adjetivo “líquido” e ficando com o substantivo “identidade”. Conheci uma gama de textos e estudos que tratavam das questões da identidade relacionadas com a aprendizagem de línguas estrangeiras, muitos dos quais reunidos em Coracini (2003) e Signorini (2006). Trilhando esse caminho, preparei um projeto para o desenvolvimento da pesquisa, cursei a disciplina Língua Estrangeira e Subjetividade, oferecida pela orientadora Profa. Dra. Mercedes Sebold, e cheguei a gravar um piloto de corpus para efetivar as análises.

A ideia centrava-se na dinâmica identidade/alteridade relacionada às performances identitárias de professores de espanhol como língua estrangeira. Isso se devia a alguns incômodos que sempre estiveram presentes no exercício de minha função. Que autoridade tenho eu, um cidadão brasileiro, no que se refere à língua e às construções culturais dos países hispânicos? Que identidades construo diante de meus alunos? Ter como função ensinar uma língua estrangeira e apresentar expressões culturais outras traz alguma consequência para a relação que mantenho com a minha língua e com a cultura de meu país? De que maneira, pensando em todas estas questões, os alunos me observam? Ou seja, que identidade(s) performatizo diante de meus alunos?2

O início da leitura do corpus coincidiu com a minha participação na disciplina

Práticas Discursivas Mono e Multiculturais na Mídia, oferecida pela Profa. Dra. Branca Falabella, do Programa Interdisciplinar de Linguística Aplicada. Nela, tive a oportunidade de discutir as questões identitárias da forma como me interessavam no primeiro momento. Constavam da bibliografia do curso, inclusive, alguns textos de Bauman.

Conforme apresentado no capítulo de metodologia (cf. cap. 3), no momento da leitura do corpus-piloto mais uma vez o trabalho ganhou novos rumos. Ao invés da relação identidade – língua estrangeira, o trabalho seguiu pela dicotomia discurso – identidade, configurando-se como uma pesquisa que trataria de práticas identitárias de professores de ELE.

Nesse sentido, para esta dissertação, minhas indagações giram em torno da relação discurso – identidade docente. Proponho um estudo de caráter interdisciplinar, ao qual

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contribuem conhecimentos da área dos estudos do discurso e das ciências sociais. Seu principal objetivo é entender as estratégias discursivas empreendidas por sujeitos-professores de ELE para construírem e sustentarem suas identidades. Para tanto, mobilizo a noção de

ethos discursivo, apresentada por Maingueneau (1997, 2005, 2008), relacionando-a à problemática identitária. Para essa última, além das propostas de Bauman (2001, 2005), considero, em especial, os estudos de Hall (2006).

A relação entre a noção de ethos e a questão identitária, explicitada com mais detalhes no capítulo de exposição teórica (cf. cap. 2), mostra-se bastante frutífera para a investigação empreendida. Enquanto a primeira trata da imagem que um determinado enunciador constrói de si a partir de seu dizer, a segunda vê a construção das identidades como práticas sociais em que se engajam os indivíduos cotidianamente. Dessa forma, configura-se um jogo identitário, impulsionado, principalmente, pelas práticas discursivas.

A análise que proponho é realizada a partir da observação de três professores de ELE da cidade do Rio de Janeiro, participantes de um evento – um grupo de discussão – organizado por mim. Nesse grupo são discutidas questões relacionadas ao ensino de ELE no Brasil.

Minha proposta é a de (1) verificar as estratégias linguístico-discursivas de que se valem os sujeitos postos em análise na construção de suas imagens discursivas, ou seja, de seus ethé, e (2) perceber se tais estratégias sustentam um único ethos, durante todo o evento. Nesse sentido, levanto a hipótese de que as identidades docentes em questão respondem à fragmentação e fluidez dos tempos contemporâneos e de que, por isso, as estratégias discursivas de sustentação de um tal ethos, mostram-se ineficientes.

Acredito, com este trabalho, contribuir de diferentes maneiras à comunidade acadêmica e profissional em que me insiro. Isto é, pretendo colaborar ao desenvolvimento de um instrumental teórico-metodológico de análise de práticas discursivo-identitárias, bem como promover o conhecimento de questões relativas ao ensino e ao professor de ELE no Brasil.

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dependentes de minhas estratégias discursivas. Desse modo, todo o conhecimento produzido por mim neste trabalho está aberto a novas reflexões e suscetíveis a novos questionamentos.

Com o objetivo de apresentar e discutir as questões suscitadas pelas práticas identitárias dos sujeitos-professores em questão, este texto está organizado em quatro capítulos, além desta Introdução, da seção de Considerações Finais e dos Anexos.

Inicio minha revisão da literatura no capítulo 1, discorrendo sobre a perspectiva francesa da Análise do Discurso. Para isso, traço um breve histórico de seu surgimento e de como se insere nos estudos da linguagem. Posteriormente, trato de seus três conceitos fundadores: discurso, ideologia e sujeito. Também nesse capítulo, apresento a noção de ethos

discursivo, seguindo, principalmente, as propostas de Maingueneau (1997, 2005, 2008). Em seguida apresento a questão identitária, mostrando como se deu seu entendimento em momentos anteriores até que se chegasse a vê-la como prática e não como produto. Por fim, relaciono essas duas noções, a de ethos discursivo com a de práticas identitárias.

No capítulo 2, o de contextualização, além de um breve panorama do ensino de espanhol no Brasil, são observadas algumas vozes presentes na história desse ensino e marcadamente enunciadas nos discursos dos sujeitos participantes desta pesquisa. Refiro-me a alguns textos legais que mencionam o ensino da língua espanhola, assim como alguns documentos de referência nacional que tratam da questão do ensino das línguas estrangeiras.

É no capítulo 4 que apresento os procedimentos metodológicos da pesquisa, descrevendo a composição e os recortes por que passaram tanto o corpus-piloto como o que, efetivamente, foi objeto de análise.

Reservo ao capítulo 5 a análise dos dados. Divido-o em quatro seções e analiso excertos da transcrição do grupo de discussão. A seleção desses fragmentos teve como parâmetro o alcance dos objetivos propostos pelo trabalho. Durante as análises são identificadas as estratégias discursivas dos docentes em questão para a construção e sustentação de seus ethé.

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1- CONCEITOS E NOÇÕES

teoría (Del gr. ω ία). 1. f. Conocimiento especulativo considerado con independencia de toda aplicación. 2. f. Serie de las leyes que sirven para relacionar determinado orden de fenómenos. 3. f. Hipótesis cuyas consecuencias se aplican a toda una ciencia o a parte muy importante de ella. 4. f. Entre los antiguos griegos, procesión religiosa. (RAE, 2001)

Neste capítulo, discuto os conceitos teóricos que fundamentam a pesquisa. Caracterizado pela interdisciplinaridade, este trabalho recorre a ferramentais de diferentes áreas do conhecimento, mais especificamente àquelas que têm a subjetividade como foco. Primeiramente, apresento a proposta da Análise do Discurso de linha francesa3 (doravante AD), situando-a nos estudos da linguagem como uma perspectiva que entende a linguagem como o “lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo ser estudada fora da sociedade, uma vez que os processos que a constituem são histórico-sociais” (Brandão, 2004: 11). Após o breve histórico e a exposição de conceitos fundamentais para seu entendimento, enfatizo a noção de ethos. São fundamentais, nesse sentido, os trabalhos de Maingueneau (1997, 2005, 2008).

Isso feito, discuto a noção de identidade à luz dos Estudos Culturais e da Sociologia que, a meu ver, se entrecruzam com a perspectiva discursiva adotada no trabalho. Para isso, recorro, principalmente, aos textos de Hall (2006) e Bauman (2001, 2005).

1.1- A ANÁLISE DO DISCURSO

Por ser um estudo de base linguística, esta pesquisa não poderia deixar de considerar o trabalho de Ferdinand de Saussure, intelectual do início do século XX que instituiu a Linguística como ciência. Dentre suas grandes contribuições, ressaltamos sua lógica dicotômica no entendimento do fenômeno da linguagem: paradigmas e sintagmas, sincronia e diacronia, língua e fala. Interessa-me mais de perto esta última.

Na visão saussuriana, a dicotomia língua (langue) e fala (parole) é fundamental. Ela está baseada na oposição social e individual, respectivamente. Enquanto à primeira estão associadas as noções de acervo linguístico, instituição social e sistematicidade, para a segunda concorrem as ideias de multiplicidade, irredutibilidade e heterogeneidade. Por sua

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inconstância, a fala não está na pauta da proposta de Saussure. Ainda que esteja sempre relacionada à língua, a parole não é passível de um estudo sistemático por caracterizar-se como “combinações individuais, dependentes da vontade dos que falam” (Saussure, 1970: 28).

O tratamento dado a essa questão recebeu muitas críticas. A suposta organização da língua, não encontrada na fala, foi contestada por correntes teóricas posteriores ao estruturalismo saussuriano. Tais perspectivas tratam a língua “como algo concreto, fruto da manifestação individual de cada falante, valorizando dessa forma a fala” (Brandão, 2004: 7). Constrói-se então uma oposição entre um núcleo duro dos estudos linguísticos e outro mais flexível, “cujos contornos instáveis estão em contato com as disciplinas vizinhas (sociologia, psicologia, história, filosofia, etc.)” (Maingueneau, 1997: 11). Enquanto o primeiro se dedica a descrições formais de usos linguísticos, dentre os quais se pode citar como exemplo a teoria gerativa, o segundo afirma “a dualidade radical da linguagem, a um só tempo, integralmente formal e integralmente atravessada pelos embates subjetivos e sociais” (Maingueneau, 1997: 12). A AD situa-se nesse segundo grupo4.

Surgida na França, na década de 60, a AD foi impulsionada principalmente pelo filósofo Michel Pêcheux. Suas primeiras preocupações estiveram relacionadas a questões políticas, às lutas de classes e aos movimentos sociais. Pêcheux acreditava que através das práticas e discursos das classes dominantes era possível depreender como funcionava sua ideologia. Surgia assim o projeto da AD, numa convergência linguística e sócio-ideológica, a partir de uma articulação da linguística, do marxismo e da psicanálise.

Tendo como fundamental a questão do sentido, a Análise do Discurso se constitui no espaço em que a Lingüística tem a ver com a Filosofia e com as Ciências Sociais. Em outras palavras, na perspectiva discursiva, a linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história. (Orlandi, 2005: 25)

Dessa forma, o projeto da AD está marcado epistemologicamente pela interdisciplinaridade, buscando um entendimento discursivo de processos ideológicos. Alguns conceitos são cruciais para a compreensão de sua proposta, em especial os de ideologia, sujeito e discurso.

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O conceito de ideologia, surgido no século XIX, nasce como sinônimo da atividade científica que buscava entender a atividade do pensar. Objeto de numerosas definições, o termo está ligado ao ideário, ao conjunto de ideias, de pensamentos, de doutrinas e de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo (Chauí, 1988). Ao longo dos anos, o termo foi re-significado. O alemão Karl Marx é um marco importante nesse processo.

Na visão marxista, a ideologia é um instrumento de dominação de classe. O autor a concebe como uma consciência falsa, proveniente da divisão entre o trabalho manual e o intelectual. Nessa divisão, surgem os ideólogos, que passam a operar em favor da dominação entre as classes sociais. Assim, a ideologia gera a deturpação e o silenciamento da realidade em favor da classe dominante, fazendo com que “o discurso se caracterize pela presença de lacunas, silêncios, brancos que preservam a coerência do seu sistema” (Brandão, 2004: 22).

Tributário das formulações marxistas, o filósofo francês Althusser propõe uma releitura do termo ideologia, distinguindo “uma teoria das ideologias particulares, que exprimem posições de classes, de uma teoria da ideologia geral que permitiria evidenciar o mecanismo responsável pela reprodução das relações de produção, comum a todas as ideologias particulares” (Mussalim, 2004: 103). Interessando-se em especial pela segunda teoria, Althusser entende que a ideologia é a forma pela qual o indivíduo vive sua relação com as condições reais de existência. Nesse sentido, a ideologia deve ser vista não como um conjunto de ideias, mas como “um conjunto de práticas materiais que reproduzem as relações de produção” (Mussalim, 2004: 103). A ideologia se materializa nos atos concretos, assumindo uma função moldadora das ações dos sujeitos. É através dos sujeitos, portanto, que a existência da ideologia será possível.

A AD se vale dessa visão do conceito. Partindo da teoria da ideologia geral de Althusser, a AD entende que a ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos. Segundo Orlandi (2005: 46), “o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer”. Desse modo, “a ideologia não é a ocultação, mas função da relação necessária entre linguagem e mundo” (Orlandi, 2005: 47). Ou seja, se não há ideologia, não há sujeito; e se não há sujeito, não há discurso. Parte daqui uma formulação crucial da AD: todo discurso é marcado ideologicamente.

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Passo, agora, à noção de sujeito. Para tanto são necessárias, no âmbito da AD, algumas considerações acerca da psicanálise lacaniana. O psicanalista francês Jacques Lacan, fazendo uma releitura de Freud, propõe a clivagem do conceito de sujeito. Recorrendo ao estruturalismo linguístico e antropológico, uma vez que se apropria das perspectivas de Saussure e Lévi-Strauss, Lacan reafirma a divisão do sujeito entre o consciente e o inconsciente e propõe um olhar mais atento e preciso a este último. Com isso, se distancia, assim como seu antecessor, de uma visão de sujeito como entidade homogênea e centralizada. Para Lacan, o inconsciente se estrutura como uma linguagem, “como uma cadeia de significantes latente que se repete e interfere no discurso efetivo, como se houvesse sempre, sob as palavras, outras palavras” (Mussalim, 2004: 107). Essas outras palavras seriam o objeto de estudo do analista, o discurso do outro, do inconsciente. Tal inconsciente, lugar desconhecido, estranho, de onde emanam os discursos dos outros, é definidor do sujeito, de sua identidade. Assim, o sujeito é visto como uma representação, a partir do discurso do outro.

A AD, seguindo a perspectiva de Lacan, entende que o sujeito não é livre para dizer o que quer; é visto antes “como aquele que ocupa um lugar social e a partir dele enuncia, sempre inserido no processo histórico que lhe permite determinadas inserções e não outras” (Mussalim, 2004: 110). Assim, a AD entende que o indivíduo, interpelado como sujeito pela ideologia, é marcado pela incompletude e pelo descentramento.

Atravessado pela linguagem e pela história, sob o modo do imaginário, o sujeito só tem acesso a parte do que diz. Ele é materialmente dividido desde sua constituição: ele é sujeito de e é sujeito à. Ele é sujeito à língua e à história, pois para se constituir, para (se) produzir sentidos ele é afetado por elas. (Orlandi, 2005: 49).

Observadas essas duas noções fundamentais para a teoria da AD, da forma como foram concebidas inicialmente, passo ao conceito de discurso, decorrente dessas noções.

Todo ato comunicativo se constitui de discursos. Produzir um discurso implica enunciados dirigidos a alguém, construídos de determinada forma, num determinado contexto histórico-social e em determinadas circunstâncias comunicativas. A produção do discurso ocorre numa situação de enunciação, delimitada num certo espaço e tempo, tendo como participantes os coenunciadores: um enunciador e seu co-enunciador5.

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Segundo Charaudeau & Maingueneau (2006) todo discurso, entendido como uma forma de conceber a linguagem, possui algumas características essenciais:

- o discurso é uma unidade transfrástica, ou seja, está além da frase, uma vez que se submete a regras de um determinado grupo social;

- todo discurso é orientado a um fim, no tempo e no espaço;

- todo discurso pressupõe ou implica uma ação que visa a produzir modificações nos receptores;

- o discurso é interativo, ou seja, pressupõe troca de informação entre os participantes; - o discurso sempre acontece dentro de um contexto sócio-histórico;

- o discurso sempre revela a atitude, o posicionamento daquele que o enuncia; - o discurso é legitimado por normas particulares;

- todo discurso é um interdiscurso, isto é, está sempre inserido em outros discursos. A AD concebe o discurso como uma manifestação, uma materialização de uma ideologia. Nessa visão, como já foi exposto, a fonte dos discursos é uma subjetividade marcada pela atividade ideológica e constituída na dinâmica identidade-alteridade. “Trata-se de um sujeito social que, inserido na memória e na história, não pode ser concebido fora das relações com um outro compreendido como constitutivo tanto do sujeito quanto das identidades” (Dominguez, 2004: 22)

Esta pesquisa se baseia nessa concepção da AD, que relaciona a linguagem ao contexto sócio-histórico em que ela se insere. O linguístico está aqui sempre relacionado ao histórico-social.

Tendo explicitado o histórico e a epistemologia da visão teórica do trabalho, passo à apresentação da noção utilizada nas análises empreendidas: a noção de ethos discursivo.

1.2- A NOÇÃO DE ETHOS DISCURSIVO

O objetivo deste trabalho é observar práticas discursivas, historicamente inscritas, que permitem observar práticas identitárias de uma certa profissão. Para isso, num primeiro momento, fiz uma reflexão sobre as práticas discursivas. Na seção que agora se inicia, trato da noção discursiva que instrumentaliza a análise proposta, o ethos, para depois passar ao estudo de como se constroem as práticas identitárias.

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para exercer uma influência sobre seu alocutário (destinatário, co-enunciador). Aristóteles fazia referência às modalidades verbais da apresentação de si, na interação verbal. Maingueneau (2008: 13) afirma que

escrevendo sua Retórica, Aristóteles pretendia apresentar uma techné cujo objetivo não é examinar o que é persuasivo para tal ou qual indivíduo, mas para tal ou qual tipo de indivíduos. A prova pelo ethos consiste em causar boa impressão pela forma como se constrói o discurso, a dar uma imagem de si capaz de convencer o auditório, ganhando sua confiança.

O conceito é utilizado em algumas perspectivas teóricas, entre elas a Retórica, a Pragmática e a AD.

Na perspectiva da Retórica, o ethos é a imagem de si que o orador produz em seu discurso. A preocupação está, neste caso, na credibilidade do enunciador. Albert W. Halsall desenvolveu uma perspectiva relacional da tradicional Retórica com os princípios da narratologia. Ao tratar do ethos, o autor propõe a questão da confiança no narrador. Segundo Amossy (2008: 21):

Toda comunicação está fundada em uma confiança mínima entre os protagonistas, e cabe a uma retórica narrativa, segundo o outro, determinar como a enunciação contribui para criar, no enunciatário, uma relação de confiança fundada na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencer.

A Pragmática, e aqui me refiro aos trabalhos do linguista francês Oswald Ducrot na área da semântica, entende que as modalidades do dizer permitem conhecer melhor o locutor - a imagem construída por ele - do que aquilo que ele pode afirmar sobre si mesmo. Ducrot foi o primeiro autor, dentro das ciências da linguagem, a integrar o termo em suas análises, ainda que não tenha desenvolvido profundamente sua reflexão. Ao tratar da questão, enfatiza a relação não-direta do ser empírico situado fora da linguagem, o locutor “λ”, com o participante do que chama ficção discursiva, o locutor “L”, o sujeito da enunciação.

Analisar o locutor L no discurso consiste não em ver o que ele diz de si mesmo, mas em conhecer a aparência que lhe conferem as modalidades de sua fala. É nesse ponto preciso que Ducrot recorre à noção de ethos: o ethos está ligado a L, o locutor como tal. (Amossy, 2008: 15)

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palavra, demonstra possuir determinadas características. Por meio do discurso, o enunciador faz sentir certo comportamento. Isto é, “por meio da enunciação, revela-se a personalidade do enunciador” (Maingueneau, 2005: 98).

Ao tratar da noção, Maingueneau (2008) propõe um esquema, aqui reproduzido, para que se entenda a construção de um ethos efetivo. Participam desse processo, as noções de

ethos pré-discursivo, ethos discursivo, dividido entre ethos dito e ethos mostrado, e a de estereótipos sociais. Vejamos o esquema:

ethos efetivo

ethospré-discursivo ethos discursivo

ethos dito ethos mostrado

estereótipos ligados aos mundos éticos

O entendimento do esquema acima se inicia pela noção de ethos pré-discursivo. Essa noção não pode ser aplicada a todas as situações, já que ela se refere à representação da pessoa do locutor6, anterior a sua tomada de turno. Há casos em que não existe qualquer referência ou informação sobre aquele que diz. O ethos pré-discursivo é uma posição extra-discursiva, que pode ser consolidada, retificada, retrabalhada ou atenuada. Isso se dá já na cadeia discursiva, espaço em que atua a noção de ethos discursivo.

O ethos discursivo, segundo o esquema apresentado, divide-se em ethos mostrado e

ethos dito. Esse último refere-se a uma evocação direta ou não da própria enunciação por parte do enunciador. Frases do tipo Eu, esse que vos fala ou metáforas e alusões indiretas evidenciam essa referência direta. Porém “a distinção entre ethos dito e mostrado se inscreve nos extremos de uma linha contínua, uma vez que é impossível definir uma fronteira nítida entre o “dito” sugerido e o puramente “mostrado” pela enunciação” (Mainguenau: 2008, 18).

6

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Relacionada às noções discursivas e pré-discursivas apresentadas, encontramos no esquema uma referência a estereótipos ligados aos mundos éticos. Esse elemento é fundamental para a construção do ethos. Para a AD, a imagem discursiva de si é ancorada em estereótipos de uma determinada cultura; tais estereótipos são entendidos como um arsenal de representações coletivas que determinam, parcialmente, a apresentação de si.

O ethos implica, com efeito, uma disciplina do corpo apreendido por intermédio de um comportamento global. O caráter e a corporalidade do fiador provêm de um conjunto difuso de representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, sobre as quais se apóia a enunciação que, por sua vez, pode confirmá-las ou modificá-las. (Maingueneau, 2005: 99)

Uma das grandes contribuições da AD, em especial de Maingueneau, para a noção de

ethos é entender que uma certa imagem discursiva de si não está presente unicamente em enunciados orais, como fez pensar a retórica clássica. Na escrita também é possível que uma

voz e um corpo enunciativos se manifestem, criando uma personalidade enunciativa. “A leitura faz, então, emergir uma instância subjetiva que desempenha o papel de fiador do que é dito” (Maingueneau, 2005: 98).

É nesse sentido que se reconhece a instituição de um fiador, cuja representação se encarrega pela responsabilidade e confiabilidade do enunciado, ao qual – enquanto ser do discurso – são associados um caráter e um corpo.

Em correspondência a um conjunto de traços psicológicos que o co-enunciador atribui ao enunciador em função do seu modo de dizer, o caráter se estabelece em acordo com os estereótipos ligados aos mundos éticos, mencionados anteriormente. Também assim, a representação do corpo se dá pela atribuição do co-enunciador ao enunciador da corporalidade representativa de uma maneira específica de estar no mundo, incluindo desde vestimentas até os movimentos no espaço social.

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Mesmo não se tratando do tipo de corpus mais comum nos trabalhos de AD, as noções e conceitos apresentados também são aplicáveis na pesquisa. A análise proposta, por ter um viés discursivo, observa as subjetividades construídas na enunciação. Ou seja, não são analisados, nesta pesquisa, os indivíduos empíricos envolvidos no evento; são observados os sujeitos enunciativos, os coenunciadores.

A escolha da noção de ethos discursivo se deu por ser este um estudo que trata de práticas identitárias. O ethos pareceu-me, dentro das possibilidades oferecidas pela AD, a noção mais produtiva (ainda que alguns de seus desdobramentos não tenham sido aproveitados), já que procuro entender como se constroem as identidades dos docentes em questão. Nesse sentido, para a complementação da perspectiva discursiva, parece-me importante, apresentar, numa perspectiva mais sociológica, o conceito de identidade presente no trabalho. Passo, então, a esta reflexão.

1.3- IDENTIDADES E PRÁTICAS: AS PRÁTICAS IDENTITÁRIAS

Ao trabalhar com a noção de discurso anteriormente apresentada, vou ao encontro de uma concepção de linguagem como prática social, por meio da qual os indivíduos agem no mundo. Ou seja, o discurso não é entendido como representante de uma realidade previamente estruturada; é, antes, um produtor de realidade, de modos de vida (Moita Lopes, 2003). Os discursos não só representam a vida social, mas também as constituem. Quando se engajam na construção do significado, os indivíduos estão agindo no mundo por meio do discurso em relação a si próprio, à alteridade e às práticas sociais, e assim, se constituem e constituem os outros. Nesse sentido, os significados são resultados dos processos sociointeracionais em que nos envolvemos, isto é, os objetos sociais não são dados no mundo, mas são construídos, negociados, reformulados pelos seres humanos em seus esforços de produzir sentidos.

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Para que a ideia das identidades entendidas como práticas fique mais clara, apresento, a seguir, um breve panorama de como o termo foi entendido ao longo do tempo, pontuando alguns momentos mais significativos.

Ao longo da história, algumas foram as concepções existentes para o conceito de identidade. Stuart Hall (2006) historiciza a noção, atribuindo ao sujeito três concepções bem demarcadas: o sujeito do Iluminismo, cujo centro essencial era a identidade única da pessoa, sua essência; o sujeito sociológico, definido a partir de sua posição em sociedade; e o sujeito pós-moderno, cuja identidade não é fixa, mas sim fragmentada, em fluxo e fraturada.

Essas visões das identidades estão profundamente marcadas pelos momentos históricos em que se inserem. A concepção de sujeito no Iluminismo, por exemplo, relaciona-se à perspectiva racionalista e centralizada no homem, prerelaciona-sente nesrelaciona-se momento. O sujeito é visto como um “indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior” (Hall, 2006: 10).

Já no século XX, as perspectivas sociológicas relacionam a identidade não somente a um núcleo interior do sujeito, mas também à sua exterioridade. Dito de outra forma, inicia-se a relação sujeito – classe social. “A identidade, então, costura (ou para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura” (Hall, 2006: 12).

Diferentemente dessas duas perspectivas, a partir da 2ª metade do século XX, momento aqui denominado contemporaneidade, o entendimento das identidades “perde as âncoras sociais que o faziam parecer “natural”, predeterminado e inegociável” (Bauman, 2005: 30). As identidades passam a ser vistas como fragmentadas e mutantes. Tal entendimento encontra sentido na metáfora de liquidez, segundo a qual vivemos no momento da modernidade líquida, em que “o destino dos trabalhos de autoconstrução individual (...) não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosas e profundas mudanças” (Bauman, 2001: 14). Dessa forma, falamos não mais de identidade, mas de processos identificatórios. Falamos não mais de identidade, mas de identificação. Falamos, pois, de uma prática7.

E quais seriam as razões para que ocorresse a fragmentação de algo, anteriormente visto como tão sólido? São inúmeras as possibilidades de respostas para a questão. Aqui, apresento os argumentos que giram em torno do fenômeno da globalização.

7

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Pensemos, por exemplo, na forma como, ainda na Idade Média, tinha-se acesso às informações. Cada exemplar de um livro era escrito manualmente – havia pouquíssimos volumes, lidos por um seleto grupo de pessoas. Com a invenção da imprensa, no século XVI, o número de leitores cresceu, mas ainda timidamente. Nos últimos tempos, com a chegada da informática, textos e imagens estão disponíveis a um clique do mouse. Um e-mail cruza oceanos em segundos. O encurtamento das distâncias e a diminuição do tempo que levamos para executar determinadas atividades são os principais impulsos da globalização, fenômeno que resulta na compressão de distâncias e de escalas temporais.

Os limites geográficos entre os países já não separam os indivíduos que os constituem. Segundo Bauman (2005) “globalização significa que o Estado não tem mais o poder ou o desejo de manter uma união sólida e inabalável com a nação”. Hoje podemos falar de uma cidadania global, uma nova sensação de estar no mundo.

Sobre essa questão, Hall (2006) argumenta que o processo de globalização instaura algumas contradições. Segundo o autor, as identidades nacionais percorrem dois caminhos em sentidos distintos: paralelamente à desintegração das identidades, ocorrem movimentos de resistência e reforço dessas mesmas identidades. Desse embate, surgem novas subjetividades; identidades misturadas, híbridas.

A globalização é uma forma de mudança radical e irreversível; é uma grande transformação que afetou as estruturas sociais, as relações entre os Estados, a subjetividade coletiva, a produção cultural, a vida cotidiana e as relações entre o “eu” e o “outro” (Bauman, 2005). Nossa(s) identidade(s), hoje, se performatizam num mundo multicultural, por uma ótica de mudança e transitoriedade (Moita Lopes, 2003).

O contato com o outro não é uma novidade. O específico do mundo contemporâneo é a exacerbação desse contato com vários outros, o que dificulta cada vez mais que nos circunscrevamos a um modelo de identidade única, fixa. A identidade, na contemporaneidade, é tida como plural. Não somos mais um, somos múltiplos e fragmentados.

Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos por toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade”. (Bauman, 2005: 17)

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sobre o ser, sobre quem se é, uma vez que a questão identitária, vista como prática e processo, assume cada vez mais o caráter de fugacidade. Faz-se necessário ter um repertório cada vez mais amplo de sentidos e de discursos, e ter identidades cada vez mais flexíveis, que possam responder a essa multiplicidade de contextos.

1.4- ETHOS E PRÁTICAS IDENTITÁRIAS

Para finalizar este capítulo, retomo as duas principais noções a serem usadas nas análises empreendidas: a de práticas identitárias e a de ethos discursivo.

Ao referir-me às práticas identitárias, oponho-me a qualquer entendimento do conceito de identidade enquanto essência do sujeito. O vocábulo prática, entendido como processo, aponta para uma concepção discursiva e social das identidades, tidas como mutáveis, fragmentadas e múltiplas.

Conforme apresentado anteriormente, entendo por ethos discursivo a imagem que um determinado enunciador constrói de si, a partir de seu dizer. Ou seja, parto do princípio de que do dito – da materialidade discursiva – é possível acessar imagens8 daquele que diz.

Chamo a atenção ao uso não-aleatório que faço no parágrafo acima do termo “imagens”, flexionado no plural. Essa escolha linguística reflete a relação que estabeleço entre a noção de ethos e a de prática discursiva.

O estabelecimento de um tal ethos, seguindo a proposta de Maingueneau (1997, 2005, 2008), se dá pela relação da materialidade linguística de uma produção discursiva com determinados estereótipos sociais. Inúmeros trabalhos (Martins, 2007; Moraes, 2008; Romualdo, 2008, entre outros) empreenderam análises próximas a que proponho aqui, usando a mesma noção9. Em tais trabalhos são percebidos ethé de diferentes naturezas, como o do homem trabalhador, o da mãe relapsa e o do intelectual meticuloso.

À primeira vista, pode-se pensar que a identificação de um ethos trabalha com uma concepção essencialista das identidades. Ou seja, se ao final de um trabalho de análise chega-se à determinação de uma imagem de um dado fiador, o analista busca a essência do dizer de um dado enunciador. Consequentemente, busca a essência do locutor λ, a pessoa empírica que se situa fora da linguagem, retomando, mais uma vez, a nomenclatura de Ducrot.

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Uso como sinônimas as expressões ethos discursivo e imagem discursiva.

9

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Ainda que o raciocínio acima não seja de todo errado, há nele alguns pontos frágeis. É nessa fragilidade que me encontro. Certamente, o trabalho com a noção de estereótipos pode dar às análises essa visão essencialista. Porém, a noção de práticas identitárias apresentada faz-nos perceber que a construção de um ethos também é uma prática. Numa mesma enunciação, um determinado enunciador pode construir diferentes ethé, de acordo com as situações discursivas que empreende e nas quais está inserido. Ou seja, o que proponho aqui é uma concepção não essencialista, uniforme e fechada do ethos. Assim como as identidades, entendo que a construção de um determinado ethos também se dá de forma múltipla, fragmentada e, por vezes, contraditória, assim como acontece nas práticas identitárias.

Para encerrar o capítulo, cito um dos estudos mencionados anteriormente, cujo objetivo era o de fazer uma análise do ethos construído pela militante política Patricia Galvão, a Pagu, em sua autobiografia. Moraes (2008) identificou no discurso de Pagu, um fiador que buscava desconstruir a imagem (o ethos pré-discursivo) de mãe relapsa, associada a ela. Em sua análise, a autora identifica no discurso de Pagu o reforço de alguns traços identitários – alguns ethé – que, em princípio, ela gostaria de negar. Em outras palavras, a construção de seu

ethos não foi realizada de forma linear e fechada, mas antes múltipla e contraditória. Ao comentar sua análise a autora afirma que

o material analisado reforça uma tese da AD, respaldada pela psicanálise: a de que os sujeitos, em si mesmos, não são homogêneos. A pessoa real Pagu (se se quisesse falar dela como indivíduo no mundo) não é tão-somente a Pagu revolucionária (caracterizada, por exemplo, na minissérie televisiva), tampouco a Pagu caracterizada na autobiografia. O sujeito no mundo seria simultaneamente as duas coisas e provavelmente tantas outras. (Moraes, 2008: 116)

Complemento a citação afirmando que assim como o indivíduo no mundo, o ethos, o “indivíduo do discurso”, também pode ser duas coisas e provavelmente tantas outras.

Assim, fecho o capítulo, tendo passado pelos conceitos e noções importantes para o entendimento do trabalho. Passo agora à contextualização do corpus utilizado. Nela, traço um breve histórico do ensino de espanhol no Brasil e apresento algumas vozes que esse histórico parece fazer falar.

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2- MEMÓRIAS DO ENSINO DE ESPANHOL NO BRASIL

contexto (Del lat. contextus). 1. m. Entorno lingüístico del cual depende el sentido y el valor de una palabra, frase o fragmento considerados. 2. m. Entorno físico o de situación, ya sea político, histórico, cultural o de cualquier otra índole, en el cual se considera un hecho. 3. m. p. us. Orden de composición o tejido de un discurso, de una narración, etc. 4. m. desus. Enredo, maraña o unión de cosas que se enlazan y entretejen. (RAE, 2001)

Por ser esta uma pesquisa situada no escopo da AD, faz-se necessário identificar o contexto10 em que os discursos a serem analisados foram construídos, uma vez que “fora de contexto, não podemos falar realmente do sentido de um enunciado” (Maingueneau, 2005: 20). Neste capítulo, além de um breve panorama do ensino de espanhol no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, são observadas algumas vozes presentes na história desse ensino e marcadamente enunciadas nos discursos dos sujeitos participantes desta pesquisa. Refiro-me a alguns textos legais que mencionam o ensino da língua espanhola, assim como alguns documentos de referência nacional que tratam da questão do ensino das línguas estrangeiras: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, PCNEM e PCN+) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM)11.

Sobre estes últimos, os documentos, faço uma primeira observação. Ao trazê-los à pesquisa, não proponho uma análise exaustiva dos mesmos, mas sim, procuro identificar neles os pontos mais relevantes para a discussão analítica aqui proposta. Sobre o primeiro, considerando os três volumes indicados, ressalto as discussões sobre a transversalidade na educação e sobre a leitura como habilidade a ser privilegiada em aulas de língua estrangeira nas escolas de educação básica. Quanto às OCEM, proponho uma reflexão sobre as especificidades do ensino de língua espanhola, objeto de análise de uma de suas seções.

2.1- O ENSINO DE ELE NO BRASIL

10

Ao usar o termo contexto estou ciente do duplo significado que possui dentro do quadro da AD, podendo significar tanto o contexto linguístico (também denominado co-texto), quanto o extra-linguístico, a situação de comunicação. Neste capítulo, refiro-me à segunda acepção do termo.

11

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A expansão do ensino de língua espanhola no Brasil nos últimos 20 anos é visível. Esta demarcação no tempo, coincide com o advento do Mercosul, na década de 90. É inegável que a assinatura e a implementação do Mercado Comum do Sul desenfrearam o ensino da língua espanhola em nosso país, dando espaço a inúmeras ações de políticas linguísticas.

Segundo Hamel (1993: 8), a atividade de política linguística pode ser interna ou externa. Sobre a última, a autor diz que “se refere ao papel de cada língua, isto é, seus usos e funções num contexto multilingüe12”. Como exemplo, em nosso contexto, pode-se citar a tão comentada lei 11.161, de 5 de agosto de 2005, que torna obrigatória a oferta da língua espanhola, em horário regular, nas escolas públicas e privadas brasileiras que atuam no nível do Ensino Médio13. Antes de chegar aos fatos mais atuais, proponho um percurso pela história do ensino dessa língua no contexto brasileiro, ressaltando os momentos mais relevantes. A primeira grande e registrada referência ao ensino de espanhol no Brasil data do ano de 1919, quando Antenor Nascentes, primeiro professor de Língua Espanhola do Colégio Pedro II, defende sua tese – requisito do concurso público da instituição naquele momento – e assume a cátedra de Língua Espanhola. Sua permanência como professor dessa disciplina vai até o ano de 1925, quando o docente é transferido para a cadeira de língua portuguesa (Freitas, 2010).

Outra referência importante é a substituição no currículo da educação brasileira, por motivos diplomáticos, da língua alemã pela espanhola, durante a 2ª Guerra Mundial, por determinação do então presidente Getúlio Vargas. A situação permaneceu desta forma até o ano de 1961, quando a assinatura da lei n° 4124/61, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), deixou a cargo de cada instituição de ensino a decisão pela língua a ser ensinada. Uma nova versão da LDB, assinada em 1971, lei n°5692/71, por não mencionar a língua espanhola, fez valer a preferência pelo inglês e pelo francês como línguas veiculares (Durán & Freitas & Barreto, 2006).

Celada (2005: 3) aponta para a erudição relacionada ao estudo da língua espanhola nesse momento. Segundo a autora, “es preciso reconocer que, (…) para ciertos grupos de determinadas generaciones, el español funcionó como una lengua de cultura por lo que representaba en términos de acceso a bienes culturales, especialmente a la literatura”. A autora comenta também o interesse pelo estudo do espanhol de determinados grupos como, por exemplo, interessados em determinada área de conhecimento cujas publicações eram

12

A tradução das citações de textos que foram consultados em espanhol é de minha responsabilidade.

13

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feitas em língua estrangeira distante e traduzidas ao espanhol. Ou seja, o estudo da língua espanhola, em outros momentos, parecia ser do interesse de poucos e selecionados indivíduos.

Datam da década de 80, as primeiras iniciativas de incentivo ao ensino de língua espanhola no Brasil, em especial no Rio de Janeiro. Em 1981, é fundada a primeira associação brasileira de professores de espanhol, a APEERJ14, sob a presidência de Maria de Lourdes Cavalcanti Martins, então professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1986, ocorre a inclusão da língua espanhola entre as opções de língua estrangeira (com o inglês e o francês) nos exames do vestibular do Rio de Janeiro. Em 1989, ainda que na prática tenha sido diferente, passa a ser obrigatório o ensino do espanhol no currículo das escolas de ensino médio, no contexto carioca (Durán & Freitas & Barreto, 2006).

A abertura do mercado brasileiro na década de 90 pelo governo de Fernando Collor de Mello e o Tratado de Assunção marcaram uma virada nas perspectivas do ensino de espanhol no Brasil (Reatto & Bissaco, 2007). Se há algum tempo, essa língua ocupava uma posição secundária entre as línguas estrangeiras estudadas no país, nesse novo momento, é possível afirmar, passou a ocupar posição quase semelhante à língua inglesa, ainda que faltem dados seguros que comprovem a situação. Sobre essa mudança de perspectiva, vale uma reflexão do “lugar” ocupado pela língua espanhola no Brasil antes do Mercosul e de como esse “lugar” foi re-significado, graças a fatores políticos e econômicos.

Ainda que não seja certo dizer que o único motivo da relevância do aprendizado do espanhol no Brasil é o estabelecimento do Mercosul, é inegável a influência do acordo para a “comercialização” dessa língua no contexto brasileiro. Visava-se, nesse momento, ao desenvolvimento social e econômico. A língua espanhola passava a ser um capital simbólico, valendo-me do conceito de Bourdieu15, fortemente relacionado às atividades político-econômicas. Uma onda mercadológica transformou o ensino da língua espanhola num bem de consumo (Freitas, 2010). Cursos livres de idiomas que antes somente ofereciam o inglês passaram a oferecer também o espanhol. Várias editoras, nacionais e estrangeiras (em especial, as espanholas) iniciaram produções em série de materiais didáticos de espanhol; situação bastante diferente da primeira metade do século XX, quando somente havia duas

14

Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro (cf. http://www.apeerj.org.br/).

15

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obras sobre a língua espanhola: a Gramática de língua espanhola para uso dos brasileiros de Antenor Nascentes (1934) e o Manual de Español de Idel Becker (1945).

Atualmente, desde a LDB de 1996, lei n° 9394/96, as línguas estrangeiras fazem-se obrigatórias a partir do terceiro ciclo da educação fundamental. As escolas são livres para escolher a língua que vão oferecer. No ensino médio, a lei determina que seja incluída uma língua estrangeira moderna, escolhida pela comunidade escolar e uma segunda de caráter optativo.

A principal discussão, na atual conjuntura do ensino de espanhol no Brasil, gira em torno à lei 11.161, de 05/08/2005. Segundo a normativa, “o ensino da língua espanhola, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, será implantado, gradativamente, nos currículos plenos do ensino médio” (Brasil, 2005). A lei provocou movimentos contrários e a favor. Enquanto festejava-se em países hispanofalantes a grande oferta de empregos no Brasil (Durán & Freitas & Barreto, 2006), no contexto brasileiro, a lei foi recebida com significativas ressalvas16.

As principais questões levantadas pelo coletivo de professores no contexto brasileiro giram em torno das especificidades do ensino de espanhol na educação regular e da formação de professores para atuarem nas escolas. Sobre a primeira questão, discutem-se as imprecisões expressas na lei sobre como a língua espanhola deve ser ensinada. Os artigos 3 e 4 são aqueles que abordam essa questão. Vejamos:

Art. 3.º Os sistemas públicos de ensino implantarão Centros de Ensino de Língua Estrangeira, cuja programação incluirá, necessariamente, a oferta de língua espanhola.

Art. 4.º A rede privada poderá tornar disponível esta oferta por meio de diferentes estratégias que incluam desde aulas convencionais no horário normal dos alunos até a matrícula em cursos e Centro de Estudos de Língua Moderna. (Brasil, 2005)

As ressalvas feitas à questão tratam dos objetivos que são propostos pelo texto de lei, quanto à disciplina que será ensinada nas escolas. O texto parece não se preocupar com as diferenças entre “aulas convencionais” e “matrícula em cursos de Centro de Estudos de Língua Moderna”. A presença de uma disciplina no currículo escolar prevê toda uma relação com a filosofia educacional e com o projeto político a ser desenvolvido pela instituição, o que

16

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se diferencia bastante dos objetivos a serem alcançados por centros de ensino de línguas estrangeiras.

Outra questão também bastante discutida é a falta de profissionais bem qualificados para atuar nesse mercado, em princípio, tão promissor. Na tentativa de solucionar a questão, instituições estrangeiras tomaram a iniciativa de preparar cursos de formação de professores, em curto prazo, como o projeto ¡OYE!, Espanhol para Professores (SP, 2006) e o acordo assinado entre o MEC e o Instituto Cervantes (MEC-IC, 2009). Também alvo de inúmeras críticas, esses projetos não parecem se preocupar com o ensino da disciplina Língua Espanhola na escola regular brasileira, uma vez que não fazem parte da confecção de suas propostas os principais agentes na formação de professores no Brasil: as universidades brasileiras.

A exposição feita não procurou esgotar todas as fontes que remontam a história do ensino de espanhol no Brasil, mas sim, ressaltar alguns pontos importantes que possibilitam entender de que forma essa história foi se construindo no decorrer do tempo.

2.2- OS DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA AO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL E O ENSINO DE ELE

Nesta seção, objetivo apresentar alguns documentos oficiais que tratam do ensino de línguas estrangeiras no Brasil, apresentando suas características mais relevantes a esta pesquisa. Num primeiro momento, trato dos Parâmetros Curriculares Nacionais, considerando seus três volumes publicados, para depois apresentar as Orientações Curriculares para o Ensino Médio.

2.2.1- Os Parâmetros Curriculares Nacionais

É com imensa satisfação que entregamos aos professores das séries iniciais do ensino fundamental os Parâmetros Curriculares Nacionais, com intenção de ampliar e aprofundar um debate educacional que envolva escolas, pais, governos e sociedade e dê origem a uma transformação positiva no sistema educativo brasileiro. (PCN, 1998: 19)

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todo o país nos últimos anos, os PCN. Tendo como objetivo “criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania” (PCN, 1998: 19), os PCN possibilitam uma observação sobre o que se espera do trabalho dos professores atuantes no ensino fundamental das escolas brasileiras.

O documento está dividido em três publicações. A primeira delas, os PCN, divide-se em oito volumes, estabelecidos segundo áreas de conhecimentos tidas como necessárias aos alunos do ensino fundamental: áreas de língua portuguesa, língua estrangeira, matemática, ciências naturais, história, geografia, arte e educação física. Soma-se a esses um volume paralelo denominado Temas Transversais, cujo objetivo é o de estabelecer relações interdisciplinares a partir de questões presentes no cotidiano do cidadão comum, tais como, ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual, entre outros.

A segunda publicação, os PCNEM, editada em livro único, divide-se em 4 partes. A primeira destina-se à apresentação do documento, apresentando suas bases legais e reproduzindo os textos da LDB e das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. A segunda, à área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, incluindo as seguintes sub-áreas: conhecimentos de Língua Portuguesa, Conhecimentos de Língua Estrangeira Moderna, Conhecimentos de Educação Física, Conhecimentos de Arte e Conhecimentos de Informática. Logo após, apresenta-se a área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, subdividida em Conhecimentos de Biologia, Conhecimentos de Física, Conhecimentos de Química e Conhecimentos de Matemática. Por fim, a terceira parte apresenta as Ciências Humanas e suas Tecnologias, subdividida em Conhecimentos de História, Conhecimentos de Geografia, Conhecimentos de Sociologia, Antropologia e Política e Conhecimentos de Filosofia. Diferentemente da primeira publicação, os PCNEM compõem-se de textos muito breves, com poucas reflexões e discussões.

A terceira publicação, os PCN+, tem sua organização bastante parecida com a segunda publicação. Seu objetivo é o de complementar os PCNEM, ampliando o grau de profundidade e detalhamento das discussões apresentadas, tornando-se assim, equiparável ao primeiro volume.

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De que maneira os discursos produzidos pelos cidadãos de uma dada sociedade influenciam e/ou criam modos de vida? Eis a questão levantada pela corrente socioconstrucionista (ou interacionista). Segundo esta perspectiva teórica, existe uma relação sempre presente entre saberes (discursos) e subjetividades (identidades). Ou seja, toda e qualquer produção discursiva interfere na construção das identidades sociais. As construções de significado não podem, segundo tal perspectiva, ser analisadas sem que se leve em conta o contexto em que se produzem. Percebe-se o significado como sendo construído e compartilhado socialmente. Nesse sentido, Moita Lopes (2003: 23) afirma:

Essa compreensão coloca como ponto central o fato de os significados serem compreendidos como resultado dos processos sociointeracionais em que nos engajamos no dia-a-dia no esforço conjunto de entender a vida à nossa volta.

Entender a linguagem dessa maneira pressupõe uma grande mudança nos padrões clássicos de ensino de uma língua estrangeira. Preocupações como os usos reais do idioma e sua relevância num dado espaço social substituem a preocupação excessiva com as estruturas gramaticais da língua ou o elenco de situações comunicativas de possíveis usos linguísticos. É com base nesses pressupostos teóricos que os PCN de língua estrangeira dão especial atenção aos temas transversais e à habilidade da leitura.

Ao propor caminhos ao professor de língua estrangeira, os PCN inserem essa disciplina no contexto maior da instituição escolar. Num movimento interdisciplinar, a disciplina língua estrangeira atenta-se à formação do aluno como cidadão atuante no meio social. Nesse sentido, cabe pensar de que forma a língua estrangeira pode contribuir para essa formação. Sobre a questão, vejamos:

A aprendizagem de Língua Estrangeira oferece acesso a como são construídos os temas propostos como transversais em práticas discursivas de outras sociedades. É uma experiência de grande valor educacional, posto que fornece os meios para os aprendizes se distanciarem desses temas ao examiná-los por meio de discursos construídos em outros contextos sociais de modo a poderem pensar sobre eles, criticamente, no meio social em que vivem (PCN, 1998: 43)

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outra sociedade provoca questionamentos sobre como são produzidos tais discursos em nossa sociedade. Assim, compreende-se a aprendizagem da língua estrangeira como uma viagem de ida e volta. Paraquett (2005: 380) afirma que a aula de língua estrangeira

é um laboratório para o amadurecimento, o reconhecimento e a aceitação do eu e do outro. Mas também pode ser muito perigosa quando se restringe a marcar as diferencias. É na aprendizagem de uma língua estrangeira que ultrapassamos a fronteira do que nos é estranho. Mas é preciso que essa seja uma viagem feita em seus dois sentidos, porque é perigoso levar o eu ao outro e deixá-lo lá, sem trazê-lo ao seu lugar de origem. Ensinar e aprender uma língua estrangeira é ensinar e aprender a ser o eu e não o outro.

Desta forma, temos a relevância tão perceptível do contexto social em que o aluno está inserido ao aprender uma língua estrangeira. O contato com a alteridade possibilita, segundo a visão dos PCN, uma melhor percepção de sua própria identidade.

Também numa perspectiva interacionista, os PCN encaminham sua opção pela habilidade da leitura como a mais relevante para o ensino da língua estrangeira na escola. Mencionam-se, principalmente, duas questões: a função social das línguas estrangeiras no país e os objetivos realizáveis levando em consideração as condições existentes em nosso contexto.

Moita Lopes (2001: 39), ao comentar sobre os objetivos de um aluno ao estudar o inglês como língua estrangeira, questiona:

Por que insistir em preocupações com regras de uso ou da fala ou mesmo noções de cultura para tornar possível a competência comunicativa, quando se sabe que a maior parte dos alunos terá pouquíssimas chances de usar tal conhecimento? Ou seja, quantos alunos brasileiros, mesmo aqueles que freqüentam os cursos de línguas, realmente terão chance de usar inglês em contextos em que essas informações sejam verdadeiramente relevantes?

Na mesma linha de raciocínio, os Parâmetros dizem

Com exceção da situação específica de algumas regiões turísticas ou de algumas comunidades plurilíngües, o uso de uma língua estrangeira parece estar, em geral, mais vinculado à literatura técnica ou de lazer. Note-se também que os únicos exames formais em Língua Estrangeira (vestibular e admissão a cursos de pós-graduação) requerem o domínio da habilidade de leitura. Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato. (PCN, 1998: 20)

Referências

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