A R T IG O
A S S E N T A M E N T O S
R U R A IS : O S O N H O
D A T E R R A
C O N Q U IS T A D A
IN T R O D U Ç Ã OZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAProposta deste artigo é analisar a problemática agrária do estado do Ceará, tendo como eixo nortea-dor as políticas de assentamen-to rural. Busca compreender as mudanças ou os impactos provocados por tais políticas na estrutura fundiária e suas implicações em uma nova con-figuração do meio rural do Estado.
As referências empíricas são originadas da pesquisa inti-tulada "Os Impactos Regionais dos Assentamentos de Reforma Agrária". \ Neste sentido, não só seu campo empírico, como também seus pontos analíticos estão circunscritos a esta pes-quisa. Tais pontos reproduzem, em grande parte, situações recorrentes em outros estados, mas, por outro lado, mantêm algumas especificidades. Estas especificidades serão destaca-das ao longo do trabalho e ana-lisadas em maior profundidade. Portanto, este artigo busca compreender os processos de luta encetados para conquista da terra e suas relações com as formas de exploração e as práticas políticas.
Para analisar os impactos regionais dos assentamentos rurais do Ceará, foram pes-quisados os assentamentos do Governo federal, administra-dos pelo Instituto Nacional de
128
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R E V I S T A D E C i~ N C I A S S D C I A I SC É S A R B A R R E IR A *
F R A N C IS C O A M A R O G O M E S D E A L E N C A R **
R E S U M O
A p r o p o s t a d e s t e a r t ig o éa n a lis a r a p r o b le m á t ic a a g r á r ia n o e s t a d o d o C e a r á , t e n d o c o m o e ix o n o r t e a d o r a s p o lí t ic a s d e a s s e n t a m e n t o r u r a l v e r if ic a n d o a s m u d a n ç a s o u o s im p a c t o ~ p r o v o c a d o s p o r t a is p o lí t ic a s n a e s t r u t u r a f u n d iá r ia . F o r a m p e s q u is a d o s o s a s s e n t a m e n t o s d o G o v e r n o F e d e r a l, a d m in is t r a d o s p e lo I n s t it u t o N a c io n a l d e C o lo n iz a ç ã o e R e lo r m a A g r á r ia ( lN C R A ) , c r ia d o s e n t r e 1 9 8 5 e 1 9 9 7 , n o s m u n ic í p io s d e C a n in d é , Q u ix e r a m o b im , S a n t a Q u it é r ia e M a d a le n a . O a r t ig o a n a lis a a d e s a p r o p r ia ç ã o e a lu t a p o r t e r r a , o s c o n f lit o s , a in s e r ç ã o n o m u n d o d o t r a b a lh o d o s a s s e n t a d o s e a s s e n t a d a s , a n t e s e p ó s a s s e n t a m e n t o s , e a s lo r m a s d e u s o d a t e r r a , m o s t r a n d o t a m b é m o d iv e r s id a d e p o lí lic a d o s a s s e n t a d o s .
A B S T R A C T
T h e m a in p u r p o s e 01 t h is o r t ic le is t o a n a ly z e p r o b le m s 01a g r a r ia n n a t u r e in t h e s t a t e 01C e a r á 1 0 u n d e r s la n d t h e c h a n g e s o r t h e im p a c t c a u s e d b y s u c h p o lic ie s o v e r la r g e la n d s lr u c t u r e a n d it s im p lic a lio n s in a n e w c o n lig u r a t io n in lh e r u r a l a r e a 01t h e s t a t e . T h e e m p ir ic a l r e le r e n c e s c o m p r is e s e t t le m e n t s c r e a t e d f r o m 1 9 8 5 t o 1 9 9 7 r u n b y t h e F e d e r a l G o v e r n m e n t a n d m a n a g e d b ~ t h e N a t io n a lln s lit u le 01C o lo n iz a t io n a n d A g r a r ia n R e lo r m ( I N C R A ) a n d t h o s e in d r y la n d s o f t h e lo llo w in g m u n ic ip a lit ie s : C a n in d é , Q u ix e r a m o b im , S a n t a Q u it é r ia e M a d a le n a . T h is a r t ic le a n a ly s e t h e e x p r o p r ia lio n a n d s lr u g g le la r la n d , c o n f lic t s a n d e x p r o p r ia t io n s lo r la n d , w o r k a n d lo r m 01la n d u s e , h o w s e t t le d m a le a n d le m a le p e o p le a r e g iv e n jo b o p p o r t u n it ie s b e lo r e a n d a f t e r s e t t le m e n t s , t h e lo r m s 01la n d u s e s a n d t h e w a y t h e y e n v is io n h o w p o lic ie s s h o u ld b e d a n e .
• Doutor em Sociologia, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do CNPq.
•• Prafessor do Depto. de Geografia da UFC, Doutor em Sociologia.
v . 3 8 n.l 2007
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), criados entre 1985 e 1997. Este período compreende do governo de José Sarney ao primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.
No Ceará, a pesquisa circunscreveu-se à região do sertão, abrangendo quatro municípios, sendo pesquisados
dez assentamentos:nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAC a ld e ir ã o
e Re n a sc e r d o s C a n u d o s, no município de Quixeramobim;
Ip u e ir a d a Va c a , [acurutu, Vid a N o va e To d o s o s Sa n to s, no município de Canindé; 25 d e
M a io , no município de Mada-lena, eRa p o sa /Vá r ze a d a C r u z, U b á e G r o a ir a s, no município de Santa Quitéria. Nestes as-sentamentos foram aplicados 306 questionários e realizadas dezesseis entrevistas com os assentados. Além dos assen-tados, foram entrevistados dois secretários municipais de agricultura, dois presidentes de Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR), um vereador e um técnico do INCRA.
A D E S A P R O P R IA Ç Ã O E A L U T A P O R T E R R A
o
nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAa to d e e xp u lsã o d o s tr a b a lh a d o r e s se d á d e fo r m a d ir e ta o u in d ir e ta . D ir e ta ,q u a n d o a a ç ã o d o p r o p r ie tá r io se
r e str in g eàsim p le s e xp u lsã o d o m o r a d o r
-p a r c e ir o ; in d ir e ta , q u a n d o a e x-p u lsã o é
a n te c e d id a p o r d ive r sa s a ç õ e s, p o r p a r te
d o p r o p r ie tá r io , q u e in via b iliza m , a o s
p o u c o s, a p e r m a n ê n c ia d o c a m p o n ê s
n a p r o p r ie d a d e . P o r ta n to , e m ve z d o
p r o p r ie tá r io c o lo c a r p a r a fo r aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAom o r a d o r é e ste q u e m m u ita s ve ze s p e d e p a r a sa ir
(BARREIRA, 1995, p. 250).
A expulsão dos moradores-parceiros traz a discussão sobre os direitos dos trabalhadores, tendo como suporte a luta pela aplicação do Estatuto da Ter-ra. Esta luta teve vários desdobramentos importantes, como a grande mobilização que ocorreu em 1979, no município de Quixeramobim, pelos quinze anos da não-aplicação do Estatuto da Terra. Esta mobilização trouxe grandes dividenda políticos para os trabalha-dores rurais. A aplicação do Estatuto da Terra passa a fazer parte da agenda política dos STRs, sendo um norte nas mobilizações no sertão.
Através dos conflitos, o Estatuto da Terra torna-se conhecido e passa a torna-ser discutido no estado, de modo especial nas áreas de predominância do regime de morador-parceiro. A justiça formal passou a ser vista como espaço de contestação da "ordem" dos grandes proprietários de terra (BARREIRA, 1995).
Nesses conflitos, estiveram presentes a Igreja Ca-tólica, através do movimento das Comunidades Ecle-siais de Base (CEBs), e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Ceará (FETRAECE), com alguns STRs exercendo um papel fundamental. Na região do sertão, os STRs de Quixadá e de Quixe-ramobim ocuparam um lugar central na luta contra a expulsão de moradores-parceiros das propriedades e nas lutas pelo pagamento da "renda" de acordo com o Estatuto da Terra.
No final da década de 1960 e início da década de 1980, três conflitos marcaram profundamente a luta por terra no Ceará: Iapuara, no município de Canin-dé, de 1968 a 1971; Monte Castelo, no município de Choró, de 1977 a 1983, e Carneiro/Santo Antônio, no município de Caridade, de 1979 a 1983.
Estes três conflitos, que passaram a ser uma re-ferência para o movimento dos trabalhadores rurais no Ceará, tiveram como ponto comum a luta pela aplicação do Estatuto da Terra, tendo como princípio dois aspectos: a permanência na terra onde trabalham e moram e o pagamento da renda de acordo com a lei.
O conflito da [apuara começa com a venda da propriedade, acompanhada da ação de despejo contra os antigos moradores-parceiros. Estes procuram os "seus direitos': através da Delegacia Sindical, fundada em 1966, e que funcionava dentro da propriedade. Em janeiro de 1971, ocorreu um grande conflito que resultou em quatro mortes. Um mês após este sangrento conflito, a propriedade, que compreendia uma área de 3.645 ha, foi desapropriada. Este ato de desapropriação tem grande simbolismo político, ocorrendo em pleno Governo de Garrastazu Médici e dentro de um prazo diminuto. Tal prazo demonstra a gravidade do conflito e a mobilização dos trabalhado-res, e também a preocupação de que não este adquira outras dimensões.
O conflito na fazenda Monte Castelo teve início em setembro de 1978 e o estopim foi a luta pela redução da renda paga ao dono da terra pelos moradores-parceiros. Este conflito contou com forte apoio da Igreja Católica, através das CEBs, e do STR de Quixadá, município cearense situado no sertão central do estado, vizinho ao município de Choró. Em 1983, finalmente, o imóvel foi desapropriado pelo INCRA-CE. Este conflito, que teve um intenso apelo social, contou com o apoio de outros sindicatos de trabalhadores rurais, como também de diferentes setores organizados da sociedade.
O conflito na fazenda Santo Antônio / Carneiro entre 1979 e 1982 e teve como principal motivação a proibição dos moradores-parceiros de criarem animais pequenos e de fazerem os seus roçados. O mediador principal deste conflito foi a Arquidiocese de Fortaleza, através do Centro de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (CPDDH). Em dezembro de 1983, uma parte do imóvel foi desapropriada através do "programa de compra de terra", perfazendo um to-tal de 3.827 ha. Este conflito foi marcado pela constru-ção de um clima de insegurança e medo, provocado por ameaças físicas e pelo uso do poder.
A partir de 1985, com o Plano acional de Reforma Agrária (PNRA), e em 1986, com o Plano Regional de Reforma Agrária do Ceará (PRRA-CE), o processo de desapropriação teve uma nova con-figuração no estado do Ceará, adquirindo relevo no cenário nacional pelo número de projetos de assentamentos e, apesar do percentual relativamente baixo, destacou-se pela forma como se processou. No PRRA-CE, período de 1986 a 1989, estava planejado desapropriar 1,5 milhão de hectares e assentar 50.100 famílias; entretanto, foram desapropriados somente 125.875 hectares, correspondendo a 8,66% do total e assentadas 3.094 famílias, o que representa apenas 6,17% das metas previstas.
Porém, se comparadas com as metas nacionais que o PNRA alcançou, de 2,05% da área, com 2,50% das famílias assentadas, o que equivale a 77.119 famí-lias, o Ceará teve um melhor desempenho. Este de-sempenho, superior em relação ao que foi executado nacionalmente, decorre de vários fatores. Destacamos as mobilizações dos trabalhadores rurais, com decidi-da participação decidi-da Igreja Católica e de alguns STRs, como também, a forma como foram administrados os órgãos dos governos federal e estadual voltados para as políticas agrícola e agrária.
No contexto estadual, o primeiro Governo Tasso [ereissati, 1985-989, ao elaborar o "Plano dos Cem Dias", teve como meta assentar mil famílias, em parceria com o Governo Federal. Concomitante a esse plano, começa uma reestruturação de todos os órgãos vinculados ao setor rural, tendo em vista atender as novas diretrizes do governo. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAAB) foi trans-formada em Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária (SEARA), que hoje corresponde à Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR). Na SEARA foi criado um departamento especificamente para o setor reformado, Departamento de Apoio à Reforma Agrária (DARA).
Os órgãos estaduais passam também a trabalhar de forma articulada com o INCRA, contribuindo para a construção dos assentamentos de reforma agrária. Para apressar, ainda mais, as ações voltadas para os assentados, em 1987 foi criado o Grupo Executivo de Apoio à Reforma Agrária (GERA). Este grupo, que funcionou até 1989, era constituído de representantes
das instituições públicas e de assentados.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1 3 0
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R E V I S T A D E C , É N C I A S S D C I A I S v.38Outro dado importante é que o Instituto de Terras do Ceará (ITERCE) é fortalecido, ao tornar-se Instituto de Detornar-senvolvimento Agrário do Ceará (IDACE), ampliando suas atribuições para atuar nos assentamentos de reforma agrária. A Comissão Esta-dual de Planejamento Agrícola (CEPA) e a Empresa de Assistência Técnica Rural do Ceará (Ematerce) passam a ter como prioridade atender aos projetos de assentamentos.
Todas essas ações voltadas para viabilizar a re-forma agrária e os projetos de assentamentos estavam, em parte, apoiadas pelos movimentos dos trabalha-dores rurais. Tal postura decorre de uma política do governo, de envolvimento das lideranças sindicais em suas ações, mas também do compromisso social de alguns técnicos com a reforma agrária. Na década de 1980, o INCRA passou a ocupar efetivamente o lugar de mediador, nos conflitos que envolviam trabalha-dores rurais e proprietários de terra.
Em 1989, termina o PNRA da "Nova República" e, neste mesmo ano, acontece a primeira ocupação de terra no estado do Ceará, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), nas Fa-zendas Reunidas São Joaquim, compreendendo uma área de 22.000 ha, no município de Madalena.
No Governo do Presidente Collor de Mello (1990-1992), o INCRA-Ce passou por mudanças na sua direção e a nova administração regional começa a privilegiar o parcelamento dos imóveis desapro-priados. Esta política ensejou um embate entre o INCRA e os assentados, tendo como suporte técnico as experiências e os estudos que demonstravam a não-adequação da divisão dos assentamentos em lotes. Um documento do Instituto de Planejamento
do Ceará (IPLANCE), afirma:nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A Su p e r in te n d ê n c ia d o In c r a n o C e a r á
im p ô s op a r c e la m e n to d o s a sse n ta m e n to s, d e sc o n sid e r a n d o a n á lise s c o m p a r a tiva s
e n tr e á r e a s c o m ese m p a r c e la m e n to . No
se m i-á r id o a p e q u e n a p r o p r ie d a d e to r n a
-se in viá vel, p o is o p len o a p r o ve ita m e n to
d o s r e c u r so s so lo e á g u a p r essu p õ e u m a
d e c isã o c o n ju n ta so b r e a m e lh o r fo r m a
d e su a u tiliza ç ã o , se n d o m a is r a c io n a l
m a n te r a á r e a r e fo r m a d a c o m o u m a
ú n ic a u n id a d e p r o d u tiva . Va le r e ssa lta r
q u e m u ito s a sse n ta d o s, in sa tisfe ito s
c o m ta l p o lític a , b u sc a m n a ju stiç a
a g a r a n tia d o n ã o p a r c e la m e n to d a s
te r r a s, n u m fo r ta le c im e n to d o p r o c e sso
d e o r g a n iza ç ã o , b a se a d ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAem va lo r e s e
p r á tic a c o le tiva s em c u r so s em vá r io s
a sse n ta m e n to s (1998: 17).
No Governo Itamar Franco, com o "Programa Emergencial de Reforma Agrária" (1993), os trabalhos no INCRA-Ce são reorientados, com a nomeação de um técnico, cuja trajetória profissional fora construída junto aos movimentos dos trabalhadores rurais, para exercer o cargo de Superintendente do Instituto.
Com o Governo FHC (1995-1998), inicialmen-te, os planos de reforma agrária estiveram vinculados ao Ministério da Agricultura. Com a criação de um ministério para tratar da reforma agrária, Ministério Extraordinário da Política Fundiária (MEPF), houve uma retomada da luta pelo processo de desapro-priação. Isto ocorre não só por conta da criação do Ministério, mas, principalmente, pela pressão dos movimentos sociais do campo.
A política de assentamento do Governo Federal, no Ceará, em termos quantitativos, de 1985 a 1997, foi a seguinte: governo do Presidente José Sarney (1985/89) - o PNRA / PRRA-CE criou 44 projetos de assentamentos, beneficiando 4.087 famílias, numa área de 127.396 ha. No governo de Fernando Collor (1990/92) - o Programa da Terra assentou 889 famí-lias, em 27.516 ha, distribuídos em 17 projetos. No Governo Itamar (1993/94) - o Programa Emergencial de Reforma Agrária desapropriou 6.388 ha, atendendo a 255 famílias, e criado um assentamento. No gover-no de Fernando Henrique Cardoso (1995/97) - o Programa de Reforma Agrária, criou 136 projetos de assentamentos, assentando 9.537 famílias em 317.636 ha.
Neste período, o INCRA-CE criou 198 projetos de assentamentos, em 478.936 ha, e assentou 14.768 famílias, com uma média de 32,43 ha por família. Estes assentamentos estão distribuídos em 65 municípios que correspondem a 35% dos municípios do Ceará.
QuadroCBA1 - Assentamentos Federais no Ceará, por unidade geo-ambiental, 1985-1997*.
Região Famílias Área Proietos
No. % Ha % No. %
Sertão 11.128 75,35 376.492 78,61 142 71,72
Litoral 3.167 21,45 87.787 18,33 45 22,73
Serra 473 3,20 14.657 3,06 11 5,55
TOTAL 14.768 100 478.936 100 198 100
'Fonte: listagem de assentamentos do INCRA, NEAD, março/2000.
o
Quadro 1 mostra uma concentração de projetos de assentamentos no sertão, com 11.128 famílias (75,35%), em 376.492 ha (78,61 %) e com 142 assentamentos (71,72%), o que dá, em média, 33,83 ha / família. Em seguida, aparece o litoral, com 3.167 famílias (2l,45%), ocupando 87.787 ha (18,33%) em 45 assentamentos (22,73%), o que representa, em mé-dia, 27,71 ha / família. Por último, a região da serra, que tem 473 famílias (3,20%), em 14.657 ha (3,06%), com 1 1 projetos (5,55%), sendo a área média, por família, de 33,83 ha. Esta distribuição acompanha, em parte, a classificação geo-ambiental do território do estado do Ceará.No Ceará, de acordo com os dados do INCRA (2000), existem cadastrados 134.782 imóveis rurais, que ocupam uma área de 9,3 milhões de ha, sendo que as propriedades que têm menos de um módulo fiscal representam 69,76% do número de imóveis e detêm a posse de somente 18,56% da área. Já a grande propriedade significa 0,97% do número de imóveis rurais e ocupa uma área equivalente a 20,16% do total. Somando as propriedades que contam menos de um módulo fiscal com as pequenas, obtêm-se 93% do número das propriedades, que ocupam, porém, 52% da área rural.
As estimativas do índice de Gini, para o Estado, obtidas a partir das estatísticas do INCRA, indicam uma tendência de desconcentração da posse da terra no Ceará, redução esta de 0,66 em 1972, para 0,59 em 2000.
Por outro lado, o cálculo do índice de Gini base-ado nos dbase-ados do IBGE demonstra que no estbase-ado do Ceará, a partir de 1980, vem aumentando a
concentra-ção de terras, passando de 0,728 para 0,808ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA2 ; ou seja,
em 15 anos, apesar dos planos de reforma agrária dos
governos federal e estadual, e da implementação dos projetos de assentamentos do INCRA e do IDACE, a propriedade da terra apresenta tendência crescente à concentração.
Analisando a estrutura fundiária dos quatro municípios pesquisados, usando os dados do INCRA para o cálculo do índice de Gini, constatamos que: no município de Canindé, ocorre um declínio da concentração de 0,733 para 0,520, de 1995 a 2000. Esta "democratização" do acesso à terra, em Canindé, pode decorrer do fato de o município ter 37 projetos de assentamentos (governos federal e estadual) que ocupam aproximadamente 56.136 ha, o que significa 17% da área rural do município. Nos municípios de Quixeramobim e Santa Quitéria, ocorreram pequenas variações entre 1997 e 2000, respectivamente, de 0,64 para 0,63 e de 0,55 para 0,53. No município de Mada-lena, entre 1997 e 2000, ocorre um pequeno aumento na concentração de terras, porquanto o índice de Gini aumenta de 0,53 para 0,55.
Estudando a estrutura fundiária dos municípios pesquisados com a utilização de informações dos cen-sos agropecuários do IBGE (1980-1985 e 1985-1996), para o cálculo do índice de Gini, verificamos que: no
município de Canindé, permanece quase inalterado o índice, de 0,81%,o que significa grande concentração de terra. No município de Santa Quitéria, ocorre uma variação de 0,64 para 0,84, portanto, aumentando a concentração de terra, e no município de Madalena fica em torno de 0,810.
Comparando os índices de Gini entre 1980 e
1996 do estado do Ceará e dos municípios pesquisa-dos, constatamos a não-alteração da estrutura
fundi-ária, em termos de um melhor acesso à terra. No estado do Ceará e no município de Santa Quitéria, o índice de Gini apresenta, ao contrário, um
quadro de concentração de terras bastante acentuado. Nos municípios de Canindé e Quixeramobim, ocorre um pequeno declínio no índice de Gini, sendo talvez
um indicador das políticas de intervenção no campo dos governos federal e estadual. Nestes municípios, estão presentes quatro aspectos importantes: pressão dos movimentos sociais, elevado índice dos projetos de assentamentos, o empobrecimento dos solos eCBA
132
1
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR E V I S T A D E C it N C lA S S O C I A I S v . 3 8alta oferta de terra pelos proprietários ao INCRA e ao IDACE.
U M P O U C O D E H IS T Ó R IA D A S L U T A S D O S A S S E N T A M E N T O S R U R A IS
Os dez assentamentos que fizeram parte desta pesquisa foram criados entre 1985 e 1997. O mais
an-tigo é onmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAIp u e ir a d a Va c a , no município de Canindé, e o mais recente é oRe n a sc e r d o s C a n u d o s, no município
de Quixeramobim.
Estes projetos de assentamento podem ser reu-nidos em 3 grupos.
O primeiro grupo é formado pelos assentamen-tos que tiveram origem em movimenassentamen-tos de ocupação, com a existência de "conflitos declarados': Tais mo-vimentos foram organizados, principalmente, com o apoio do MST e dos STRs, compreendendo cerca de 70% dos assentamentos. Englobam os seguintes assentamentos: 25 d e M a io , G r o a ír a s, [acurutu, To -d o s os Sa n to s, Vid a N o va , Re n a sc e r d o s C a n u d o s e
C a ld e ir ã o .
O assentamento 25 d e M a io teve origem nas Fazendas Reunidas São Joaquim SIA - Agricultura e Comércio, pertencentes à empresa "Wicar Parente de Paula Pessoa SIA - Indústria e Comércio", e está situado no município de Madalena. Em decorrência da morte dos proprietários, em 1986, o imóvel passou a integrar o inventário de partilha. Com uma área de 22.992 ha, foi desapropriado por "interesse social". A imissão de posse somente ocorreu em 9 de junho
1989, pelo fato desta propriedade encontrar-se su b
ju d ic e . O assentamento da fazenda São Joaquim bene-ficiou 450 famílias, contando mais 30 que estão como agregadas, perfazendo um total de 480 grupos fami-liares.Éimportante destacar que a desapropriação das Fazendas Reunidas São Joaquim também representa o início dos trabalhos de ocupação organizados pelo MST no Estado do Ceará.
Um outro assentamento é oG r o a ír a s, localizado no município de Santa Quitéria. A desapropriação se deu em 4 de setembro de 1987; entretanto, em razão de questões jurídicas, somente em 1992 ocorreu a imissâo de posse, beneficiando 108 famílias.
c..)
a g e n te c o m e ç o u e ssa lu ta a q u i, viu , c o m e ç a m o s a q u i, tir a m o s 7 a n o sa q u i b r ig a n d o c o n tr azyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo la tifu n d iá r io a í, p o r q u e e le n ã o q u e r ia c e d e r e sse p e d a ç o
d e c h ã o p r a n ó s tr a b a lh a r m o s e a g e n te
lu to u ju n to c o m osin d ic a to o n d e éa q u i o
a sse n ta m e n to , q u e o a sse n ta m e n to c o m o
u m to d o e le fu n c io n a m a r a vilh o so ...
(Assentado do G r o a ír a s).
Outro assentamento integrante do primeiro grupo é o la c u r u tu , em Canindé. Tendo sido criado em 10 de novembro de 1995, beneficiou 104 famí-lias, que ocupam 5.400 ha. A história do projeto de assentamento [ a c u r u tu teve início em 1994, quando ocorreu a ocupação do imóvel. A partir deste fato, inicia-se a desapropriação concluída no final do ano de 1995. Um aspecto que marca este assentamento é o nível de organização social e política. [ a c u r u tu tem duas associações: a Associação dos Pequenos Produ-tores e a Associação das Mulheres dos Assentados. Os assentados deste projeto têm uma presença ativa no movimento sindical do município de Canindé, com a participação de dois delegados sindicais. Alguns assentados participam ativamente do MST, militando inclusive em outros estados.
O assentamento To d o s os Sa n to s, componente desse mesmo grupo, está situado igualmente no município de Canindé. A propriedade que originou o assentamento pertencia à Companhia Cearense de Cimento P o r tla n d , sendo desapropriada em 1995, beneficiando 83 famílias e tem seis famílias agrega-das. O imóvel, para tornar-se assentamento, passou por duas ocupações. Na primeira, os trabalhadores foram despejados por ordem da Justiça, motivando uma nova ocupação. Esta re-ocupação durou 4 meses. Depois desse período de permanência na área, os camponeses conseguiram a desapropriação da fazen-da. As duas ocupações foram coordenadas pelo MST, que continua presente no assentamento, organizando alguns trabalhos internos. Os assentados criaram a Associação Comunitária dos Assentados de Todos os Santos, como forma de viabilizar o funcionamento do assentamento, principalmente para obtenção de crédito.
O assentamento Vid a N o va , também conhecido como Tr a n sva l / P a u d e Le ite , localiza-se também no município de Canindé e a desapropriação da área
-2.977 ha - ocorreu em 08/02/1996, beneficiando 82 famílias. De acordo com o presidente da Associação dos Assentados de Vida Nova, esta área é trabalhada coletiva e individualmente: "nós temos a agricultura coletiva e temos as nossas partes individuais; o assen-tamento não é parcelado, é sim coletivo':
A história do assentamento Vid a N o va começou com uma primeira ocupação realizada em 1985, que durou um ano, quando então houve uma expulsão re-alizada pelo proprietário da então fazenda. A segunda ocupação aconteceu somente em 1993, com duração de quatro meses, sendo os trabalhadores novamente expulsos pelo proprietário:
A p r im e ir a o c u p a ç ã o d o M ST e stá
c o m u n sZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA3 a n o s, u n s 5 a n o s a tr á s te ve a q u i n a Va r jo ta u m p e sso a l
a c a m p a d o , a í e n tã o a m u lh e r
(p r o p r ie tá r ia d a te r r a ) lu to u e tir o u
o p o vo p r a fo r a . E n ó s, q u e e r a m o r a d o r , n ó s n ã o e n tr e m o s; só te ve
d o is q u e e n tr a r a m q u a n d o e la tir o u
e sse p e sso a l. Ac a m p a r a m e m o u tr o
a sse n ta m e n to q u e e le s e stã o h o je
(Assentado do Vid a N o va ).
Com a expulsão dos acampados, os camponeses continuaram lutando pela posse da fazenda, e fizeram a terceira ocupação, em 1996, que durou quarenta dias. Esta ocupação foi organizada pelo MST e STR de Canindé:
( ... ) a í, q u a n d o a g e n te ta va
tr a b a lh a n d o a q u i, a í fo i
d e sa p r o p r ia d a p e lo g o ve r n o (sic). Aí tin h a u m n e g ó c io d e fic a r c o m 2 5 %
p r o p r o p r ie tá r io . Aí fo i o p e sso a l
q u e já e sta va c e r to d e a c a m p a r a q u i
d e n tr o p r a fic a r c o m a fa ze n d a to d a ,
a í vie r a m a c a m p a r d e p o is d o a ç u d e
ve lh o , a í e la fo i e p e r d e u a q u e stã o
c o m p le ta (Assentado do Vid a N o va ).
Este longo período de mobilização possibilitou melhor organização que resultou numa perfeita
articulação do trabalho coletivo com o trabalho individual.
Outro assentamento componente do primeiro
grupo e que tem como dado importante o fato de
originar-se de uma propriedade de ex-político,
ven-dida a um empresário com ligações com o poder
esta-dual- é onmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBARe n a sc e r d o s C a n u d o s ou F a zen d a Q u in in , no município de Quixeramobim. Foi desapropriada
em 1997, após um trabalho conjunto entre o STR de
Quixeramobim, a CPT e o MST. O Quinin era de
pro-priedade de um empresário do Ceará, que adquiriu a
fazenda do Senhor Acrísio Moreira da Rocha, político
que exerceu, dentre outros cargos, o de Prefeito de
Fortaleza, na década de 1950.
A forma de organização do assentamento está
vinculada diretamente à divisão espacial, pois, sendo este composto de seis comunidades, cada comunidade
tem uma associação; e todas estas são vinculadas,
administrativamente, à Associação Geral do
Assen-tamento. O assentamento tem produção coletiva e
individual, que é, geralmente, administrada pelas
associações comunitárias e supervisionada pela
As-sociação Geral.
Neste grupo, o último assentamento pesquisado
foi o do C a ld e ir ã o , localizado no município de
Quixeramobim, desapropriado em 1995, beneficiando
78 famílias, numa área de 2.401 ha. Conforme um dos
assentados do C a ld eir ã o ,
( ...) e r a m m o r a d o r e s, n é , q u e vivia m
n o c o m a n d o d o s p a tr õ e s, e h o je vo c ê
e stá lib e r to , e stá a ssim u m a c o isa m a is
tr a n q ü ila , tr a b a lh a n d o p a r a si, tu d o q u e
tir a é se u , vo c ê te m su a s c o n d iç õ e s d e
c r ia r , q u a n d o o s d ia s c o m p a tr ã o vo c ê
n ã o tin h a c o n d iç õ e s d e c r ia r d e je ito
n e n h u m , n é ? P o r q u e vo c ê tr a b a lh a va só
p r a e le , e r a u m a m e ia , u m a m e ia a ssim ,
p o r q u e vo c ê p la n ta va m ilh o e fe ijã o e
n a c o lh e ita vo c ê tin h a q u e d ivid ir c o m o
p a tr ã o , a fo r r a g e m q u e fic a va q u e e r a d o
m ilh o e d o fe ijã o e r a p a r a o s p a tr õ e s.
Antes da desapropriação, o assentamento C a
l-d e ir ã o era conhecido como fazenda Tanquinhos;CBA
134
1
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR E V I S T A D E C iÉ N C I A S S O C I A I S v.38entretanto, os assentados decidem rebatizar o imóvel
para "Caldeirão", para homenagear o movimento
messiânico da década de 30 do século XX, na região
do Cariri-Ceará. Este movimento passou a ser uma
referência para a luta pela terra no Estado,
princi-palmente, para os trabalhadores que participaram
dos trabalhos da Igreja Católica, de maneira mais
significativa para os que fizeram parte das "Romarias
da Terra" Em 1985, foi organizada uma "Romaria da
Terra", no município de Juazeiro do Norte, que teve
como tema central o movimento do Caldeirão. Neste
movimento, foram ressaltados os aspectos
relaciona-dos à luta pela terra, e a forma coletiva de explorá-Ia.
O assentamento C a ld e ir ã o , dentro dessa tradição,
é trabalhado coletivamente, sem a divisão de lotes,
mantendo os roçados individuais.
O segundo grupo é composto dos assentamentos
que tiveram origem nas negociações entre os
pro-prietários e o INCRA, porém, durante o processo de
desapropriação, ocorreram "pequenos conflitos não
declarados". Formam este grupo os assentamentos
U b á e Ra p o sa /Vá r zea d a C r u z, significando em
tor-no de 20% do número dos projetos alcançados pela
pesquisa.
O Assentamento U b á situa-se no município de
Santa Quitéria e pertencia àArquidiocese de Sobral, que cobrava uma renda de 25% aos camponeses. Para
os moradores, esta renda era cobrada pelo
adminis-trador dos bens da Igreja de Sobral, provavelmente
sem o conhecimento da Diocese. O processo de
de-sapropriação começou em 1985, durando até 16 de
março de 1988, quando ocorreu a imissão de posse,
beneficiando 42 famílias.
De acordo com um assentado do U b á ,
( ... ) isso e r a u m im ó ve l q u e p e r te n c ia
à D io c e se d e So b r a l e a lu ta su r g iu
p o r q u e , a p e sa r d e se r d a Ig r e ja , e u a c h o
q u e n ã o p o r o r d e m d o b isp o , m a s d o s
a d m in istr a d o r e s, a g e n te vivia a q u i
n o r e g im e p io r d o q u e d e q u a lq u e r
p a tr ã o c o m u m . É a g e n te , e m 1985 n é,
u m g r u p o d e 8 p e sso a s d e c id iu lu ta r p e la d e sa p r o p r ia ç ã o , n é? ( ... ) e la fo i
d e sa p r o p r ia d a p o r d e c r e to , n ã o fo i d o a d a
e,nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAd e lá p r a c á , a g e n m u ita d ific u ld a d e , e ...
A luta dos assentados é ge m
dois momentos. A luta pelo pr priação e, em seguida, a luta terreno sem a presença do patrão o novas "dificuldades".
Mais um assentamento pes . do, desse segun-do grupo, foi oRa p o sa I Yá r : : e a d a Cruz,que fica no município de Santa Quitéria e tem uma área de 3.589 ha. Este foi desapropriado por interesse social, em 2 de agosto 1989, e a imissão de posse ocorreu em 4 de setembro de 1991, beneficiando 60 famílias. A história do assentamento começa com uma negociação:
( ... ) e n tr e o p a tr ã o e o IN C RA. A
m a io r ia d o s m o r a d o r e s n ã o q u e r ia
q u e fo sse d e sa p r o p r ia d o ... É p o r q u e e u
a c h a va q u e op a tr ã o e r a b o m e a c h a va
q u e sep a ssa sse a se r a sse n ta d o ia fic a r m a is r u im ... ( ... ) m a s, h o je , a c h o q u e tá
m e lh o r q u e n o te m p o d o p a tr ã o , q u e e r a
m a is su je ito p r a d a r r e n d a ... (Assentado do Ra p o sa ).
A insegurança de trabalhar sem o patrão foi ex-pressa por vários trabalhadores, demonstrando uma dependência histórica, mas também a dificuldade concreta de conviver com a lógica dos financiamentos e com os créditos agrícolas.
O último grupo tem somente um assentamento, o Ip u e ir a d a Va c a , que teve sua origem na doação feita, pela Igreja, para o INCRA. Este assentamento localiza-se no município de Canindé e foi criado em 08 de janeiro de 1986, estando assentadas 140 famílias cadastradas e mais 10 famílias agregadas.
A história do assentamento começa com as mobilizações dos trabalhadores rurais da fazenda Ipueira da Vaca, nos anos de 1970. Nesse período, os moradores pagavam uma renda de 30%. Nessa épo-ca os moradores começaram a participar das CEBs do município vizinho, Aratuba, sob a orientação de alguns padres e tomaram conhecimento de que pa-gavam uma renda superior ao que era estabelecido pelo Estatuto da Terra.
De acordo com um assentado,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
( . . . ) O a sse n ta m e n to Ip u e ir a d a Va c a ,
su r g iu p r o p r ia m e n te q u a n d o n ó s é r a m o s
m o r a d o r d e ssa á r e a ( ... ). E ssa á r e a e r a d o
se u Tá ssio Br a g a , n ó s m o r á va m o s c o m
e le , c o m e ç a m o s p a g a n d o u m a r e n d a e
d e p o is p a g á va m o s d e a c o r d o c o m a le i
d o sin d ic a to . A g e n te p a g a va 3 0 % d a
r e n d a , d e p o is ve io p r a p a g a r a m é d ia
d e ~ . P o ste r io r m e n te , n ó s n o s ju n ta m o s
a o P e . M o a c ir , Zé M a r ia eD o m Alu ísio
(Lorscheider, Arcebispo de Fortaleza).
F o r a m a s p r im e ir a s c o m u n id a d e s q u e se
c r io u e m Ar a tu b a ju n to c o m D. Alu ísio e e sse s d o is p a d r e s (Assentado do Ip u e ir a d a Va c a ).
Com a participação dos moradores nas CEBs de Aratuba, que contava com o apoio da Igreja local e da arquidiocese de Fortaleza, em 1974, e com recursos oriundos do Canadá, a Igreja Católica comprou o imóvel. Foi assim relatado por um assentado:
A Ig r e ja veio c o m r e c u r so d o C a n a d á ,
p a r a c o m p r a r e xa ta m e n te e ssa te r r a
p a r a n ó s. E a g o r a u m a c o isa m u ito
im p o r ta n te , e le s m a n d a r a m e sse r e c u r so ,
n ó s c o m p r a m o s e ssa fa ze n d a , n e ssa
é p o c a [oi C r $ 5 2 0 ,0 0 (q u in h e n to s evin te c r u ze ir o s), n e ssa é p o c a e r a c r u ze ir o ,
aí n ó s fo m o s c o m p r a m o s e p a g a m o s
(Assentado do Ip u e ir a d a Va c a ).
Após terem adquirido a terra, os camponeses perceberam que, além da terra, era preciso ter crédito, infra-estrutura e implementos agrícolas para viabi-lizar o imóvel. Para terem direito aos recursos e aos investimentos para a agricultura, procuraram a Arqui-diocese de Fortaleza para negociar a transferência do imóvel para o INCRA. Esta transferência possibilitaria
torná-lo assentamento de trabalhadores rurais com os direitos previstos no P N RA/P RRA-C E .
O processo de transferência da fazenda Ipueira da Vaca se iniciou em 1986, sendo concluído em janeiro de 1987, quando é publicado no Diário
Ofi-BARREIRA, C. e ALENCAR, F. A. G. de. Assentamentos rurais ...p . 128 - 142
1
ciaI, tornando-se assentamento do Governo Federal, vinculado ao INCRA-CE.nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(00') Q u a n d o a g e n te c o n se g u iu c o m p r a r
e ssa te r r a , e la n ã o e r a a in d a te r r e n o
d o IN C RA, n ã o . D e p o is q u a n d o n ó s
to m a m o s c o n h e c im e n to c h a m a m o s D.
Alo ísio d e n o vo e d isse m o s:ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAD . Alo ísio , n ó s va m o s te r q u e c o n se g u ir , n ó s
se m r e c u r so s n ã o p o d e m o s tr a b a lh a r ,
n ó s te m o s a te r r a , m a s n ã o te m o s o
r e c u r so , n ó s p r e c isa m o s ja ze r a ç u d e s,
p r e c isa m o s ja ze r tu d o a q u i, m a s n ã o
te m o s c o n d iç õ e s. Aí e le d isse : - p o is
p e n se m e vo c ê s ve ja m se e u p o sso le va r o
c o n h e c im e n to d e vo c ê s a o In c r a eoIn c r a
p o d e ja ze r a lg u m tr a b a lh o . D e p o is, o
IN C RA veiop r e se n te a q u i, ja ze m o s tu d o isso a tr a vé s d e D.Alu ísio (Assentado de
Ip u e ir a d a Va c a ,02 de junho de 2000).
Entre os dez assentamentos estudados, nove decorrem de processo de desapropriação. Somen-te um, Ip u ie r a d a Va c a , foi doado. Entretanto este processo teve início, como foi descrito, com ações mobilizadoras dos trabalhadores, comprovando o fato de que todos os casos podem ser agrupados como assentamentos que têm em comum o conflito, a luta pela terra; conflito que denota disputa pelo direito de permanecer na terra, ter a sua propriedade, mesmo que tais conflitos não se manifestem de forma violen-ta. A resistência de permanecer na própria terra marca profundamente estes assentamentos, porquanto 93% dos assentados de Quixeramobim, 87% dos de Santa Quitéria, 85% dos de Canindé e 84% daqueles de Madalena são oriundos do próprio assentamento, do município ou da região. Este dado é relevante para demonstrar a importância que os trabalhadores dão à permanência no próprio local de nascimento, o que revela forte vinculação com o meio rural. Neste sentido, a experiência com o trabalho agrícola, antes de serem assentados, aparece claramente através dos 98%, que responderam haver trabalhado na agricul-tura, percentual comum para todos os municípios da pesquisa. Nos assentamentos de Ip u e ir a d a Va c a ,
136.1
R E V I S T A D E C it N C lA S S O C I A I S v.38C a ld e ir ã o , G r o a ír a s e U b á ,100% dos cadastrados eram trabalhadores rurais, antes de serem assentados.
Este elevado índice significa que os assentamen-tos estão fixando os trabalhadores rurais no campo, além de estarem atraindo antigos trabalhadores rurais que migraram para os centros urbanos. Estes per-centuais negam, também, os depoimentos feitos por alguns representantes dos poderes locais que apontam o "processo de seleção dos assentados" como um dos problemas dos projetos de assentamento, privilegian-do pessoas sem expressão com agricultura.
Estes dados deixam transparecer o fato de que os movimentos de ocupação de propriedades e os processos de lutas por desapropriação ocorrem, fun-damentalmente, com trabalhadores rurais da região, negando um possível caráter exógeno do conflito.CBA
T R A B A L H O E F O R M A D E E X P L O R A Ç Ã O
D A T E R R A
Os dados relativos à problemática do "trabalho e do emprego" na pesquisa revelaram alguns aspectos importantes. Um indicador interessante é a inserção no mundo do trabalho, imediatamente anterior à entrada nas áreas assentadas, destacando-se o baixo índice de desempregados ou dos que não trabalha-vam. No conjunto dos membros da família, somente 5% não trabalhavam. O dado mais surpreendente é que todos os cadastrados como responsáveis / titu-lares tinham trabalho anterior e somente 3% eram trabalhadores urbanos. Na categoria denominada, na pesquisa, de "outros parentes" (genro, cunhado, sogro etc), encontramos o maior percentual de desem-pregados (25%), como também o maior índice que residia em áreas urbanas (22%). Estes dados apontam para a problemática do desemprego urbano, bem assim para o fato de que a área rural aparece como absorvedora de mão-de-obra, mesmo que possa ser de forma "precária". Outro aspecto é a predominância de relações de "trabalho informais" como parceiros, posseiros, arrendatários e misto, com 77%, quando o assalariado rural temporário e permanente alcança somente 3%.
Os dados referentes ao "trabalho atual" chamam atenção para o alto índice de pessoas (93%) prá mais de 14 anos trabalhando no assentamento. Anali-sando somente os assentamentos do Município de
Canindé, este percentual chega a 97%. O percentual de pessoas que trabalham fora dos assentamentos é aproximadamente de 7%, portanto, inexpressivo. O grande envolvimento com os trabalhos desenvolvidos no assentamento é reforçado, quando 59% responde-ram que trabalhavam fora do seu roçado, exercendo, entretanto, serviços no interior do assentamento. Tais resultados reforçam também o peso do trabalho cole-tivo nos assentamentos: ou pela não-divisão em "lo-tes", ou pela importância dos trabalhos comunitários. Do total que "trabalha fora", 60% é de assalariados, o que aponta, em parte, para uma antiga "relação mista de trabalho" anteriormente predominante no sertão, que era "parceiro-diarista", e atualmente toma forma transfigurada de "assentado-diarista". Destaca-se
nesta "relação mista de trabalho" o assentamentonmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAU b á
(Santa Quitéria) com 83%.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉimportante salientar que na divisão de trabalho na família "o trabalhar fora" é
uma atividade eminentemente masculina. Este dado reforça a constatação de que as mulheres, no sertão geralmente se ocupam dos trabalhos do roçado, como atividade importante da unidade de produção familiar, como também dos afazeres domésticos, de-monstrando uma dupla jornada de trabalho.
A baixa participação dos assentados em tra-balhos fora dos assentamentos indica ser o assenta-mento um lugar com intensivo poder de absorção da mão-de-obra. Outro aspecto refere-se ao fato de que trabalhar fora da propriedade, historicamente, representava uma complementação da renda e que viabilizava as atividades agrícolas internas; provavel-mente os assentados atualprovavel-mente estão encontrando mecanismos que dispensam estas complementações. Este estado pode estar superando uma grave situação que acompanhava a problemática rural que era a separação gradual do trabalhador dos seus roçados, levando em alguns casos a não exploração de suas pe-quenas propriedades. Outra dedução é uma possível saída de cena do grande proprietário de terra como absorvedor de mão-de-obra, o que reforça o dado de que a pequena propriedade é responsável pela maior concentração de trabalho.
A pesquisa apontou, ainda, que o assentamento absorve fundamentalmente trabalhadores com ori-gem rural, apresentando um percentual de 98% dos entrevistados que já tinham trabalhado na agricultura
anteriormente. Este alto índice de entrevistados que tiveram experiências anteriores na agricultura dá maior credibilidade ao resultado da avaliação sobre as condições de trabalho atualmente, com 88% deste total respondendo que houve melhoria e somente 3% acham que piorou. Éimportante destacar o fato de que 76% acham que melhorou por terem a propriedade da terra. Um segundo aspecto, apontado como responsá-vel pela melhoria das condições de trabalho, foi o fato de atualmente 14% terem acesso ao financiamento/ crédito. No grupo dos 3% que consideram que houve uma piora nas condições de trabalho, 50% apontam como causa a falta de recursos, demonstrando a im-portância do crédito e das condições de pagamento do financiamento.
A melhoria das condições de trabalho talvez explique o baixo percentual de famílias, somente 17%, que perderam algum componente em decorrência do fato de terem que sair para procurar trabalho fora do assentamento. Por outro lado, 18% dos responsáveis titulares contratam mão-de-obra de fora do assen-tamento, demonstrando a importância do trabalho familiar na unidade de produção, como também o lugar que este passa a ocupar na estrutura do em-prego rural.
Os titulares responsáveis pelo assentamento ca-dastrado no INCRA-CE são 91 % do sexo masculino e somente 9% do sexo feminino. Nos assentamentos
U b á , Ra p o sa /Vá r ze a d a C r u z, Re n a sc e r d o s C a n u d o s
e C a ld e ir ã o o sexo feminino aparece com os índices mais elevados do responsável cadastrado: entre 17% e 19%. No assentamento G r o a ír a s,todos os titulares responsáveis cadastrados são do sexo masculino. Esta predominância do sexo masculino, entre os respon-sáveis, decorre não só de uma dominação masculina, mas, fundamentalmente, de uma política do INCRA, que cadastra preferencialmente o homem como res-ponsável pelo lote. Somente em casos especiais é que a mulher assume esse lugar como, por exemplo, o homem ter mais de 65 anos ou a mulher ser viúva.
As terras nos assentamentos são exploradas quase que absolutamente de forma "mista"; ou seja, as atividades agrícolas e pecuárias são realizadas arti-culadas de forma individual, utilizando-se da força de trabalho familiar, e coletivamente, com a participação das famílias assentadas.
Esta forma de exploração, que alcança 90% das
famílias assentadas, em contraposição ao cultivo
individual, que representa somente 8%, marca
pro-fundamente a organização interna dos assentamentos.
A predominância dos trabalhos coletivos decorre das
condições geo-ambientais dos sertões, como escassez
de recursos hídricos e limitações dos solos, mas
tam-bém, das antigas e tradicionais formas de organização
das propriedades rurais, que funcionavam como um
todo integrado: roçados dos moradores-parceiros e
lavouras dos proprietários. Tal organização
articu-lava a pecuária com a cultura do algodão e com as
culturas alimentares, formando um tripé. Este tripé
tinha como suporte, em termos de mão-de-obra, os
parceiros-moradores que realizavam os trabalhos
agrícolas em regime de parceria e que são os atuais
assentados. Justapondo-se a estes fatores, temos os
processos de luta pela conquista e permanência na
ter-ra, o que constrói uma prática coletiva. O processo de
luta, à proporção que é mais duradouro, envolve mais
embates políticos, reforça os laços de solidariedade
e de associativismo que desembocam nos trabalhos
coletivos de exploração da terra.
Esta prática coletiva, que tem como suporte
ide-ológico e religioso a idéia de que "a terra é de todos':
explica o porcentual de mais de 90% dos entrevistados
não responderem ou desconhecerem o tamanho dos
seus lotes.
A articulação das áreas destinadas aos roçados
individuais, com as áreas destinadas aos roçados
coletivos, é realizada pelas associações comunitárias
dos assentados. Os roçados individuais são cultivados,
geralmente, em consórcio, predominando a cultura do
milho, do feijão, do algodão e da mandioca. Além do
roçados individuais, a maioria dos assentados possui
uma área com pastagem, onde cultivam o capim, a
cana forrageira, o sorgo e a palma forrageira. Esta
área fica em torno de 1,0 ha. Somando-se as áreas de
roçados com a de pastagem, o assentado explora em
média, por ano agrícola no Ceará, 4,5 ha. Existem
também as áreas destinadas aos roçados coletivos,
que são cultivados com o milho, o feijão, o algodão
e a pastagem. Somando-se estas áreas com as áreas
exploradas de forma individual, os assentados
culti-vam em média 16% do assentamento, sendo o milho
o principal produto em área plantada, seguido do
feijão e do algodão.
'38
CBA1
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR E V I S T A D E C i'N C I A S S O C I A I S v . 3 8Estas práticas possibilitam que os assentados se
apresentem como um todo coletivo.
R E P R E S E N T A Ç Ã O E P R Á T IC A S P O L íT IC A S
A participação do assentado no campo político
mostra um diversificado quadro de inserção nesta
re-alidade, possibilitando um mergulho na compreensão
do que é "fazer política". Tal inserção engloba não só
a participação nos momentos eleitorais, mas também
em diferentes práticas políticas, como em associações
ou no contexto de demandas sociais.
O município de Canindé em 1998 tinha 4l.489
eleitores, com 2l.226 do sexo masculino,
correspon-dendo a 51,16% e 20.079 do sexo feminino,
equi-valendo a 48,40%. Com relação à escolaridade dos
eleitores, 7.104 eram analfabetos (17,12%), 23.249
liam e escreviam (56,04%), e somente 185 eleitores
tinham curso superior completo (0,45%).
Nas eleições de 2000 para prefeito e vereador,
os trabalhadores rurais tiveram 4 candidatos que
representavam diretamente esta categoria, sendo 3
assentados (de:nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAIp u e ir a d a Va c a , [ a p u a r a eP ito m b e i-r a ) e o presidente do STR de Canindé que é pequeno
proprietário rural. Todos estes candidatos são filiados
ao PT. Destes quatro candidatos somente o presidente
do STR foi eleito.
Em Canindé, somando os assentamentos dos
governos federal e estadual, são aproximadamente
5.000 famílias. Este número de famílias se traduz
em eleitores potenciais, que não carreiam seus
vo-tos, necessariamente para candidatos assentados,
mas que passam a fazer parte da pauta política dos
postulantes aos cargos eletivos. Tais pautas aparecem
principalmente nas campanhas eleitorais aos cargos
majoritários, em que são realizadas promessas de uma
política específica para as áreas de assentamento, o que
possibilitaria "uma melhor assistência técnica", e a
"li-beração de crédito mais rápido e menos burocrático".
Este é o tom dos discursos. Na área social surgem os
compromissos de uma melhor assistência às creches,
às escolas e aos postos de saúde, como também há
ampliação destes serviços. São realizadas, também,
promessas de melhoria na distribuição de "cestas
básicas". Estas cestas fazem parte de um programa
do Governo Federal, mas que assumem um caráter
assistencial, personalista e muito eleitoreiro.
A separação entre ações de caráter mais reivindi-catório e prática de natureza mais política é elaborada pelo presidente do STR de Canindé, quando afirma:
(... ) onmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAp e sso a l, os n o sso s c a n d id a to s, p r in c ip a lm e n te os n o sso s c o m p a n h e ir o s
d a s á r e a s d e a sse n ta m e n to e le s tr a b a lh a m
m u ito a q u e stã o d a lu ta p e lo c r é d ito ,
in c lu sive c r é d ito lo c a l. N ã o d e fe n d e n d o
m u ito a q u e stã o d e o r g a n iza ç ã o in te r n a
d e a sse n ta m e n to , q u e e le vã o se r u m
p o r ta -vo z n a C â m a r a so b r e e sta q u e stã o .
E stã o d e fe n d e n d o m u ito a q u e stã o d a
e d u c a ç ã o c o m q u a lid a d e d e n tr o d o
a sse n ta m e n to ,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo a te n d im e n to à sa ú d e d e n tr o d o a sse n ta m e n to .
Esta colocação do presidente do STR pode explicar o não-envolvimento dos assentados com seus pares que são candidatos. Para os assentados, é mais importante fazer demandas imediatas, como "mais créditos" e "educação': do que eleger algum candidato. Esta postura mostra também o divórcio criado entre conseguir melhores condições de vida e ter representantes nas câmaras municipais. Este quadro corrobora a tese de que, no universo político camponês, existe uma separação entre "o político" e "o político dos outros", que engloba a "política dos grandes" e dos ricos.
Quanto à relação dos assentados com a Prefei-tura, de acordo com o presidente do STR de Canindé, existe
( ...) a lg u m a c o isa q u e e stá m u ito e r r a d a .
E le s sã o d e so r g a n iza d o s, p r in c ip a lm e n te
n o m o m e n to d e r e ivin d ic a r . M a s
r e ivin d ic a m m u ito , m a s te m a lg u m a
c o isa q u e e stá m u ito e r r a d a , n a m in h a
a va lia ç ã o : é q u e ve m r e ivin d ic a m , a í o
p r o je to d á u m a c e sta b á sic a d e a lim e n to ,
a í b o ta m n a c a b e ç a e vã o e m b o r a ( ...) te m q u e le va r a c e sta b á sic a , m a s p o r
tr á s d a c e sta b á sic a te m q u e te r a lg u m a
p o lític a d e d e se n vo lvim e n to ( ...) p r a
n ó s a q u i d o sin d ic a to , c e sta b á sic a é
u m a m e d id a p a le a tiva , q u e d e sp o litiza
in c lu sive a s p e sso a s. N ó s d e fe n d e m o s é
q u e a p r e fe itu r a fa ç a c o m q u e d e se n vo lva
u m a p o lític a efa ç a m c o m q u e a s p e sso a s p o ssa m c o m p r a r c e sta b á sic a . N ã o e la
d a r . P o r q u e o se n tid o d a c e sta b á sic a é
m a is n o se n tid o d e a n g a r ia r vo to s.
A "desorganização" dos assentados é visualizada pela aceitação de um paliativo e também na possi-bilidade deste paliativo servir para conseguir votos para o Governo.
É importante destacar que, apesar de "desorga-nizados", os assentados são, em parte, atendidos pelo poder público, quando fazem suas reivindicações.
Neste sentido, pode ser destacado que a Secreta-ria de Agricultura do município de Canindé tem uma atuação voltada principalmente para os projetos de assentamento. Para o secretário de agricultura, 70% das atividades da Secretaria estão voltados para os assentados, principalmente para a parte da assistência técnica. Isto tem, inclusive, gerado reclamações por parte dos pequenos proprietários não assentados. O peso numérico que assumem os assentamentos, como também a mudança na política de cunho agrícola no município de Canindé, forçou que alguns técnicos agrícolas e engenheiros agrônomos se especializassem em trabalhos comunitários: "os técnicos da secretaria aqui, a gente tem dado treinamento específico pra eles, não para o assentamento, mas para trabalhar a questão da comunidade, a questão de trabalho parti-cipativo, de avaliação participativa das comunidades" (Secretário da Agricultura de Canindé).
O STR tem também suas ações voltadas para o assentado, buscando melhor organização, inclusive o secretário de política agrícola é um assentado. Entre-tanto, existe uma baixa participação dos assentados nas ações do sindicato. Esta participação está em torno de somente 10%. Os assentados participam fundamentalmente das associações dos assentados. Para o presidente da STR de Canindé,
( ...) isto e stá m u d a n d o m u ito . A
g e n te tá c o m e ç a n d o a r e e str u tu r a r a s
d e le g a c ia s sin d ic a is, e sta m o s c o lo c a n d o
a im p o r tâ n c ia (delas) e a í va m o s
m o n ta r a s d e le g a c ia s sin d ic a is, d e n tr o
d o p r ó p r io a sse n ta m e n tozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe a p r ó p r ia c o m u n id a d e va i a ssu m ir isso, fa ze r a
d isc u ssã o . P o r q u e e u a c h o q u e já éu m a
g r a n d e in ve stid a n a lu ta d e c o n q u ista r
a te r r a , e a p ó s a lu ta q u e c o n q u isto u a
te r r a d e ixa r o p esso a l p r a lá .
No município de Quixeramobim, em 1998, havia 39.645 eleitores, sendo que 20.267 eram do sexo mas-culino, o que corresponde a 51,12%, e 19.346 do sexo feminino, com um percentual de 48,80%. Quanto ao grau de instrução dos eleitores, 6.756 eram analfabe-tos (17,04%),17.517 sabiam ler e escrever (44,18%) e somente 142 tinham o curso superior completo (0,36%). Em 2000, o número de eleitores aptos teve um pequeno aumento totalizando 40.61l.
Às eleições majoritárias concorreram dois can-didatos, um do PSDB e outro do PDT. O candidato eleito foi o do PSDB, com 61,27% dos votos. Para vereador, concorreram três trabalhadores das áreas de assentamento e nenhum obteve a eleição.
Para o presidente do STR de Quixeramobim,
(...) os tr a b a lh a d o r e s n ã o sep r e o c u p a m
c o m a q u e stã o d o s se u s r e p r e se n ta n te s.
Q u ixe r a m o b im é u m m u n ic íp io h istó r ic o , e m te r m o s d e r e g iã o , n ó s te r n o s
c e r c a d e d o is m il e le ito r e s q u e vo ta m
n o s a sse n ta m e n to s o u m a is d isso , m a s
e u a c h o q u eZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA9 5 % vo ta m n o s c a n d id a to s d a d ir e ita , d o P SD B. A q u e stã o p o lític a
n ã o fo i tr a b a lh a d a n e m p e lo sin d ic a to ,
n e m p e lo s n o sso s r e p r e se n ta n te s ( ... )
q u e m d á a ssistê n c ia é a q u ele ca n d id a to
a ssiste n c ia lista (Entrevista realizada em 05/09/2000).
Para o secretário de agricultura do Município, a Secretaria não tem nenhuma ação voltada para com os assentados. Esta postura é justificada pelo secretário, na medida em que a assistência técnica já é coberta pelo programa LUMIAR. Para ele, este programa não tem nenhum interesse em um trabalho articulado com a Prefeitura.
, 40
I
R E V I S T A D E C it N C I A S S O C I A I S v . 3 8Com mencionado, o secretário aponta como o maior problema dos assentamentos a forma como são selecionados os assentados, "além de serem analfabetos, não tem vocação nenhuma para terra. Não tem tradição de mexer, de lutar com a terra, com a agricultura" Apesar deste problema, para ele, os projetos de assentamento mudaram o perfil agrí-cola do Município; antes eram "grandes latifúndios praticamente improdutivos. Então mesmo com todos esses problemas (seleção e falta de assistência técnica) aumentou a produção do município. Tenho que falar a verdade" (Entrevista realizada em 05/0912000).
Apesar de demonstrar certa animosidade com os projetos de assentamento, afirma que a Prefeitura tem uma boa relação com os assentados; "o projeto é muito aberto". Falta, entretanto, um projeto mais "arrojado" para as áreas assentadas, como, por exem-plo, um projeto de pecuária leiteira. "Devemos", diz o secretário de agricultura,
(...) é tir a r d a c a b e ç a d e sse p o vo e sse
n e g ó c io d e e sp e r a r c o isa d o g o ve r n o (. . .)
a p r o ve ita r o a p o io d o g o ve r n o e u n ir a s fo r ç a s; n ã o p o d e fic a r e sp e r a n d o .
Te m q u e tir a r d a c a b e ç a d e le s é e ssa c u ltu r a p a te r n a lista , te m q u e p r o d u zir ,
se n ã o a c a b a (Entrevista realizada em 05/09/2000).
Por outro lado, para o presidente do STR de Quixeramobim, não há nenhuma relação entre pre-feitura e assentados:
( ...) e xiste o se g u in te : os a sse n ta d o s c h e g a m lá n a se c r e ta r ia , e xig e m u m a
c o isa , se o secr etá r io p u d er fa z, se ele n ã o
p u d e r , e le fic a e n r o la n d o , p r o m e te n d o ,
g a n h a n d o te m p o . P o r q u e r e la ç ã o é
q u a n d o vo c ê c o n ve r sa , se n ta n a m e sa ,
d isc u te , vê o q u e p o d e, o q u e n ã o p o d e
(Entrevista realizada em 05/09/2000).
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais, segundo o seu presidente, está começando um trabalho de "aproximação" com os assentados. Esta "aproximação" está sendo construída através da criação de delegacias
sindicais dentro dos projetos de assentamento, como também, realizando reuniões sistemáticas com os assentados. Na avaliação do presidente, apenas 4% dos assentados participam do movimento sindical. Atualmente o secretário de política agrária do sindi-cato é um assentado. Esta Secretaria está direcionando os trabalhos para a obtenção de crédito e melhoria de produção dos assentados. Neste direcionamento, existe um embate com o MST. O MST critica o STR de não organizar e de não mobilizar os assentados. O
presidente do STR argumenta:nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
( ...) q u a n d o a g e n te q u e stio n a a q u e stã o
d a p r o d u ç ã o , a í e le s (o M ST) a c h a m
q u e a g e n te ta e r r a d o , n ã o é p o r a í, te m q u e m o b iliza r . E u se i q u e te m q u e
m o b iliza r e o M ST é m u ito b o m p a r a m o b iliza r , m a s p e lo q u e a g e n te já te m
e m Q u ixe r a m o b im se vo c ê n ã o p a r tir
p a r a a p r o d u ç ã o a í vo c ê n ã o a d ia n ta te r
te r r a , fic a r a í a b a n d o n a d a se m p o d e r
p r o d u zir (Entrevista em 0 5 /0 9 1 2 0 0 0 ).
Para o presidente do STR, o aumento da pro-dução agrícola dos projetos de assentamento tem possibilitado uma mudança na representação que os citadinos fazem dos assentados:
An te s, e r a m m u ito m a l visto s, q u a n d o
d izia a ssim : o s a sse n ta d o s e stã o d e n tr o
d a c id a d e . O c o m é r c io já fe c h a va a s p o r ta s, a p o líc ia já vin h a p r a c á . H o je
a r e la ç ã o m u d o u . N e ssa s á r e a s já te m
p e sso a s q u e d e c e r ta fo r m a já c o n tr ib u i
c o mZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo d e se n vo lvim e n to d a c id a d e , n a c r ia ç ã o e n a p r o d u ç ã o . J á e xiste u m a r e la ç ã o m e lh o r ( ...) o c o m é r c io e m g e r a l
já te m r e sp e ito p o r e sse p e sso a l.
É importante destacar este novo lugar ocupado pelo trabalhador rural como assentado, investido de cidadão-político e cidadão-consumidor de bens agrícolas e industriais no sertão, a partir da quebra das amarras políticas e econômicas com o proprie-tário da terra.CBA
C O N S ID E R A Ç Õ E S F IN A IS
Os projetos de assentamento no Estado do Ceará, vinculados ao INCRA e, especificamente, na região dos sertões, apresentam um quadro complexo e estimulante para se entender as mudanças ocorridas no espaço rural. Complexo, na medida em que as mu-danças efetivadas nos sertões não decorrem somente dessa política de assentamento, mas sim de vários fatores interligados, como, por exemplo, a diminuição drástica do uso da força de trabalho "parceiro-mora-dor" e o desaparecimento da cultura do algodão, que representava o principal produto agrícola comercial. Se estes dois fatores apareciam como expulsores de mão-de-obra dos sertões, os assentamentos surgem como fixadores e passam a atrair os trabalhadores rurais. Este processo passa a ocupar um lugar de destaque, nos sertões, retendo a mão-de-obra rural e impedindo amplo fluxo migratório.
Outro dado importante, no contexto dos pro-cessos de assentamento dos sertões, são as práticas políticas desenvolvidas. Como foi mostrado, os assen-tamentos, em sua quase totalidade, foram resultados de prolongados conflitos sociais, que envolveram, por um lado, os grandes proprietários de terra, e, por outro, os trabalhadores rurais, com seus suportes nos Sindicatos de Trabalhadores Rurais, no Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e na Igreja Cató-lica. Estes processos tiveram como grande resultado, além da conquista da terra, a gestação de um novo ator político. O trabalhador rural aparece como cidadão possuidor de direitos políticos e econômicos.
A natureza do processo de luta tem relevantes implicações na forma de uso e de exploração das áreas assentadas, tendo como elemento mais aparente a não-aceitação, por parte dos trabalhadores rurais, dos parcelamentos ou loteamentos dos assentamen-tos, predominando, então, as "formas mistas" de exploração, com os roçados individuais e coletivos, que mantêm uma certa tradição do uso da terra nos sertões. Outra implicação deste processo é o peso que as associações dos assentados passam a ter na gestão das ações econômicas e políticas dos assentamentos. Tal gestão possibilita o assentamento obter crédito e financiamento, mas, fundamentalmente, aparecer como sujeito de demandas sociais e políticas.
Com a saída de cena do proprietário rural-patrão, está havendo uma possibilidade de aumento da circulação de dinheiro por parte dos trabalhadores assentados. Este aumento está implicando em maior participação dos assentados no mercado consumidor urbano. Está havendo um acréscimo no consumo de eletrodomésticos, de produtos de construção civil e produtos agrícolas, como máquinas, implementos e equipamentos, além de sementes, inseticidas e herbicidas. Neste sentido, os assentados aparecem como impulsionadores dos mercados urbanos locais e regionais.
Neste cenário, altamente favorável a uma melho-ria das condições de vida dos trabalhadores rurais as-sentados, nota-se a ausência de uma política de cunho agrícola mais efetiva e adequada impulsionadora das áreas assentadas; uma política voltada, especificamen-te, para o desenvolvimento dos assentamentos rurais, que impulsione as experiências vitoriosas e melhore as experiências que não conseguiram "decolar" do plano de uma reprodução de uma pobreza absoluta.CBA
N O T A S
Participaram da pesquisa, no Ceará: pesquisadores auxiliares Edenilo Barreira Filho e Odilon Máximo; pesquisador de campo: José Levi Furtado Sampaio; além de doze estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia e Ciências Sociais da UFC. Elaboração dos mapas: Silvana Maria Rodrigues Silveira.
2 A diferença entre os índices de Gini do INCRA e do IBGE decorre, em parte, do fato de os dois órgãos utilizarem metodologias diferentes; ou seja, o primeiro trabalha com "imóveis rurais", o segundo com "estabelecimentos rurais".
R E F E R Ê N C IA S B IB L IO G R Á F IC A S
ABROMOVAY, Ricardo (s/d).nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBARe fo r m a a g r á r ia , a e xp e r iê n c ia d o C e a r á .Curso: Reforma Agrária e Desenvolvimento. Fascículo
n- 12. Fortaleza: Universidade Aberta, Fundação Demócrito Rocha.
ALENCAR, Francisco Amaro Gomes de (2000). Se g r e d o s ín tim o s: a g e stã o n o s a sse n ta m e n to s d e r e fo r m a a g r á r ia .
Fortaleza: Edições UFC.
142
1
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR E V I S T A D E C it N C I A S S O C I A I S v . 3 8BARREIRA, César (1992). Tr ilh a s ea ta lh o s d o P o d e r : c o n flito s so c ia is n o se r tã o . Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora. __ (1984). H istó r ia d o s m o vim e n to s d e o r g a n iza ç ã o p o p u la r
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