A N O V A C O N S T I T U I Ç Ã O :
E S T A B I L I D A D E E J O R N A D A D E T R A B A L H O ( * )
O rla n d o T e ix e ira da C o s ta ( * * ) S U M Á R IO : 1. A e s ta b ilid a d e e a jo rn a d a d e tra b a lh o na C o n s titu in te ; 2. O e x e m p lo da tra d iç ã o h is tó ric a ; 3. N a tu re za c o n s titu c io n a l d e s s e s d o is te m a s ; 4. E nu nciação no te x to c o n s titu c io n a l.
1. Dentre os temas polêmicos da Constituinte a respeito dos direitos dos trabalhadores, dois sobressaem em relação aos demais: a estabilidade ou garantia de emprego e a jornada de trabalho.
O debate a respeito deles, no entanto, não se resume ao conteúdo intrinse
camente trabalhista, consistente na conveniência ou oportunidade da adoção da
quela ou na limitação desta a um número de horas igual ou inferior ao que inter
nacionalmente se adota. Muito pelo contrário, o deslinde dessas controvérsias de mérito pressupõe e está condicionado à indagação prévia da natureza constitu
cional de ambas as matérias. Por isso, ao invés de incidir na abordagem traba
lhista desses temas, vou enfocá-los do ângulo constitucional.
2. A tradição histórica pode servir como primeiro parâmetro de apoio às considerações que me proponho fazer.
Consultando vinte e, sete Constituições estrangeiras dos dois hemisférios polí
tico-ideológicos do mundo, publicadas, ao correr deste ano, pela Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, verifiquei que apenas duas não consagram, expressamente, o princípio genérico do direito ao trabalho ou alguma norma mais específica assegurando proteção contra a despedida arbitrária, proibindo o despe
dimento sem justa causa ou falando na estabilidade do trabalhador. Dentre essas mesmas Leis Fundamentais, apenas quatro não se referem à jornada de trabalho, pois todas as outras a limitam explicitamente ou registram o postulado da du
ração diária ou semanal a ser regulado pela lei ordinária.
No âmbito do direito constitucional doméstico a situação não é diferente, pois desde 1934, a partir de quando as nossas Cartas M agnas passaram a cuidar, especificamente, da proteção social do trabalhador, que elas vêm registrando o preceito da estabilidade no emprego, bem como limitando a duração diária do tra
balho, com exceção da de 1934, que, quanto à primeira matéria, admitiu apenas a indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa (artigo 121, § 1.°, letra "g").
Ante esses numerosos exemplos, é evidente a conclusão de que, sob uma perspectiva histórica, o tratamento dessas matérias pela Constituição em fase de preparo, é perfeitamente justificável.
( * ) B reve e xp o s iç ã o lid a d u ra n te o 3.° Pain el in te g ra n te do p rog ra m a do S egundo C o n g re s s o B ra s i
le ir o de D ir e ito C o le tiv o do T rabalho e P rim e iro S e m in á rio S obre D ir e it o C o n s titu c io n a l do Trabalho,
( * ‘ ) O a u to r é M in is t r o do T rib u n a l S u p e rio r do T ra b alh o e P ro fe sso r T itu la r da U n iv e rs id a d e Federal do Pará, c o lo c a d o à d is p o s iç ã o da U n iv e rs id a d e de B ra s ília .
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3. Em que pese essa demonstração, tais matérias poderiam ser consideradas estranhas ao objeto e conteúdo das constituições, do que decorreria a imperti
nência do seu tratamento pela Constituinte. É que, com a adoção das constitui
ções escritas, em contraposição ao sistema costumeiro usado pela Inglaterra, passaram elas a ser entendidas tão-somente, como documentos definidores e ordenadores das instituições políticas, corroborando, aqui, com o conceito daquele país, segundo o qual a constituição é um “conjunto de instituições que regulam a organização política do Estado” (A. V. Dicey, The Law of the Constitution, pág.
187, apud Paulino Jacques, Curso de Direito Constitucional, 7.ª edição, pág. 22).
Expressão dessa mentalidade, a nossa Carta de Lei, de 25 de março de 1824,
“oferecida e jurada" pelo Imperador Dom Pedro Primeiro, prescrevia em seu artigo 178: "É só constitucional o que diz respeito aos limites, e atribuições res
pectivas dos Poderes Políticos e aos Direitos Políticos, e individuais dos Cidadãos.
Tudo o que não é constitucional, pode ser alterado sem as formalidades, pelas legislaturas ordinárias".
A complexidade que a vida social foi assumindo, exigiu, porém, que a lei fundamental dos Estados, não se restringisse aos limites estreitos da organiza
ção política. Dai porque, coincidentemente com o primeiro após-guerra, as consti
tuições do México, da Rússia e da Alemanha que surgiram nessa época, passa
ram a ser mais analíticas e regulamentares, modificando a técnica constitucional até então empregada e serviram como paradigmas para as que as seguiram.
Segundo William Bennett Munro, o crescimento do volume das Constituições decorreu de três causas principais: a) aumento das funções do Estado, exigindo novos princípios e normas; b) desconfiança do povo na sabedoria e integridade dos legisladores ordinários; c) insatisfação do povo com a construção jurispru
dencial (cf. Paulino Jacques, ob. cit., mesma página).
A s causas apontadas por Munro, não só me parecem corretas, como são portadoras de uma atualidade surpreendente, em relação à presente realidade brasileira. O aumento da complexidade das funções do Estado, do século XVIII para cá, é axiomática, não necessita de demonstração. A desconfiança do povo em relação aos legisladores ordinários, pode ser demonstrada e comprovada atra
vés do substancial volume de preceitos incluídos, pela Assembléia Nacional Constituinte em funcionamento, no primeiro esboço de projeto constitucional, com 496 artigos, produto evidente dos anseios populares possíveis, não concre
tizados através da legislação ordinária ou das reformas constitucionais necessá
rias e jamais concretizadas ou sequer propostas. E ssas mesmas demonstração e comprovação, também servem para ilustrar a Insatisfação popular relativamente à Jurisprudência do poder judiciário, já que freqüentemente desatenta “às exigên
cias do bem com um ” (art. 5.° da Lei de introdução ao Código Civil).
Não pode prevalecer, pois, o argumento segundo o qual, certas matérias, mormente as de cunho econômico e social, extrapolariam os limites de uma Constituição, pois, hoje em dia, as leis fundamentais são verdadeiros c ó d ig o s políticos diversificados e não simples estatutos básicos. Desde o primeiro após-guerra, as cartas constitucionais passaram a ser analíticas ou regulamenta
res, contendo preceitos dos mais variados ramos do direito.
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S o m e n te em razão de um a in c o m p a tib ilid a d e e s s e n c ia l, c a ra c te riz a d a p e lo d e s p ro p ó s ito do tra ta m e n to d e ssas m a té ria s em um a c a rta magna, é que essa o b je çã o s e ria p o s s ív e l. Essa in c o m p a tib ilid a d e , p o ré m , In e x is te , p o is um a c o n s ti
tu iç ã o , h o je em dia, não é apenas a lei que tr a ta da o rg an izaçã o do Estado, se g u ra m e n te um a in s titu iç ã o bá sica , m as s im um e s ta tu to m ais a b ra n g e n te , d e s tin a d o a d ita r a o rg an izaçã o g e ra l da s o cie d a d e , que não se e xa u re nos a s p e c to s p o lí
tic o s , m as e n vo lve , ig u a lm e n te , suas fe iç õ e s e co n ô m ica , so cia l e c u ltu ra l.
Por isso , não c o n s titu i ne nh um a im p ro p rie d a d e a firm a r que a e s ta b ilid a d e no e m p re g o é m a té ria c o n s titu c io n a l e que a jo rn a d a d e tra b a lh o po de s e r p re v is ta no te x to da no ssa fu tu ra le i fu n d a m e n ta l, o q u e não im p o rta em d iz e r que esse s d o is te m a s ou o u tro s m ais, po ssam ou de va m s e r tra ta d o s com e x c e s s iv o s d e ta lh e s , p o is não se d e ve c o n fu n d ir o v íc io d o d e ta lh a m e n to co m a v ir tu d e da p re v is ã o p e rtin e n te e o p o rtu n a .
4 . E nte n d e m o s, p o rta n to , sup era da, a p e rq u iriç ã o a re s p e ito da na tu re za c o n s titu c io n a l d e sse s d o is a ssu n to s, m as ach am o s, de to d o , p e rtin e n te , in d a g a r co m o e le s d e ve rã o s e r e n u n cia d o s no te x to fu n d a m e n ta l.
Se um a c o n s titu iç ã o , h o je em dia, pode s e r re g u la m e n ta ris ta , no bom s e n tid o , não q u e r d iz e r que ela deva se r d e ta lh is ta . Ela d e ve r e f le tir as p re o cu p a çõ e s re le v a n te s da so cie d a d e e e xp re ssá -la s a tra v é s de u m p a ra le lo g ra m a de fo rç a s do s fa to re s re a is do p o d e r que ne la o p era m , a fa s ta d a a m in u d ê n c ia .
Não im p lic a , p o ré m , em e s m iu ç a r e s s e s te m a s , p re v e r, co m o a C o n s titu iç ã o a rg e n tin a , a "p ro te c c ió n c o n tra el d e s p id o a r b itr a r io ” (a rt. 14 b is ), qu e é a f ó r m ula m a is m o d e rn a e de c o n sa g ra çã o in te rn a c io n a l p e la C o n ve n çã o n. 158 da OIT.
C o m o a C o n s titu iç ã o da R e pú blica d e G uin é -B issa u “ q u e o tra b a lh a d o r só p o de rá s e r d e sp e d id o nos caso s e nos te rm o s p re v is to s em l e i ” (a rt. 37, 2). Ou co m o a C o n s titu iç ã o P o lític a dos E stados U n id o s M e x ic a n o s , que “ el p a tro n o q u e d e sp id a a un o b re ro sin causa ju s tific a d a e p o r h a b e r in g re s a d o a una a s s o c ia c ió n o s in d ic a to , o p o r h a b e r to m a d o p a rte en una h u e lg a líc ita , e s ta rá o b lig a d o , a e le c c ió n d e l tra b a ja d o r, a c u m p lir el c o n tra to o a in d e n iz a rio co n e l im p o rte d e tr e s m e ses de s a la rio " (a rt. 123, A , X X II).
T ra ta m e n to s d iv e rs ific a d o s ta m b é m p o d e m se r e s c o lh id o s pa ra re g u la r a d u ra ção da jo rn a d a de tra b a lh o , adotan do -se p re s c riç õ e s co m o a da C o n s titu iç ã o de P o rtu gal, que a sse g u ra o d ir e ito “ . . . a um lim ite m á xim o da jo rn a d a de t r a b a lh o . . . ” (a rt. 60, I, d); p re c e ito co m o o da C o n s titu iç ã o P o lítica da R e pú blica da C o sta Rica, que p re v ê que “ la jo rn a d a o rd in á ria de tra b a jo d iu rn o no podrá e x c e d e r de ocho ho ras d ia ria s y cu a re n ta e ocho a la s e m a n a " (a rt. 58); ou d is p o s iç ã o com o a da C o n s titu iç ã o P o lítica do Peru: "L a jo rn a d a o rd in á ria de tra b a jo es de och o ho ras d ia ria s y de cu a re n ta y och o se m a n a le s. Puede re d u c irs e p o r co n v e n io c o le c tiv o o p o r le y ” .
C o m o se vê, essas m a té ria s são de na tu re za c o n s titu c io n a l.
Em razão do c la m o r p o p u la r e p a rtic u la rm e n te o p e rá rio , d e ve m c o n s ta r da fu tu ra C o n s titu iç ã o . Cabe aos c o n s titu in te s , p o rém , e le g e r a red açã o m a is in te lig e n te , m a is té c n ic a e co n se n tâ n e a co m os a n se io s dos seu s e le ito re s e co m a re a lid a d e na cio nal.
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