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Clínica Cirúrgica Clínica Cirúrgica
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De modo geral, o tratamento da hérnia inguinal não desperta muitas dúvidas. É ci-rúrgico. Pode-se perguntar quais as a técni-cas mais adequadas, quando indicá-las ou como realizá-las, mas a discussão é restrita. Há casos, porém, que fogem desta norma. Imaginemos um homem de 86 anos de idade, diabético em uso de medicamentos, fumante inveterado e tossidor crônico, com dificuldades à micção, que tem uma hérnia inguinal e relata sucessivas crises de encar-ceramento. O que fazer?
Imaginemos que este paciente dê en-trada no serviço de emergência durante um episódio de encarceramento e que você consiga reduzir a hérnia, ainda que com certa dificuldade. Imaginemos, ainda, que ao exame clínico ele apresente sinais e sintomas evidentes de doença pulmonar crônica obstrutiva e o toque retal evidencie próstata aumentada de consistência elásti-ca. Como conduzir seu tratamento daqui por diante?
Uma conduta que poderia ser proposta seria o uso de funda de sustentação. Obvi-amente não pode ser recomendada. A al-ternativa mais adequada é mantê-lo interna-do e tratá-lo cirurgicamente, uma vez reali-zada uma avaliação mais abrangente e feito um planejamento global para diagnosticar e corrigir os distúrbios associados. Assim, ca-bem alguns exames laboratoriais (hemo-grama, creatinina, glicemia, gasometria e
PSA, por exemplo) além de uma radiografia de tórax, um eletrocardiograma e uma ava-liação ultra-sonográfica das vias urinárias, da bexiga e da próstata. O problema pulmonar pode ser controlado, ainda que dentro de limites, por fisioterapia respiratória, drogas broncodilatadoras e, eventualmente, anti-bioticoterapia. A dificuldade miccional pode ser solucionada, em caráter temporário, através de fármacos que promovam a redu-ção da próstata ou que facilitem a micredu-ção. Durante a intervenção para a correção da hérnia, deve ser planejado o uso de sonda vesical a ser removida tão logo o doente consiga deambular. Mesmo assim, cabe in-troduzir antibioticoterapia. A ressecção en-doscópica de próstata pode ser planejada tanto durante o procedimento de correção da hérnia como em uma segunda etapa.
A prudência nos leva a deixar o pro-cedimento de desobstrução urinária para um segundo tempo, caso as condições clínicas do doente a contra-indiquem. É claro que o diabetes deve ser controlado por meio de dieta e fármacos apropria-dos durante todo o período de inter-nação. Na fase per-operatória é necessá-ria a verificação freqüente da glicemia e o controle de hiperglicemia através do uso de insulina rápida. Quanto à anestesia, haveria três alternativas: a local, o blo-queio e a geral. Provavelmente a mais recomendada é o bloqueio que implica em menor volume de droga e em menor agressão ao doente, particularmente quan-do ele apresenta, como é o caso, graves limitações respiratórias. Deve ser lem-brada a conveniência de prevenir a trom-bose venosa profunda dos membros in-feriores através de medidas mecânicas e farmacológicas e pela deambulação pre-coce. Daí, decide-se quando e como operar.
Evidentemente, a técnica e a tática de-penderão da experiência do cirurgião e dos achados operatórios. Este exemplo eviden-cia os dilemas que o cirurgião pode enfrentar no tratamento de uma afecção extremamen-te comum, mas de complexidade incomum.
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FARESARES R RAHALAHAL
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ALCIFICAÇÕES
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MAMÁRIAS
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As calcificações mamárias são depósitos de cálcio que se mobilizam do sangue para os tecidos, aí sofrendo alterações do pH, fixam-se sob a forma de sais de cálcio. Há dois tipos de calcificações: as compostas de oxalato de cálcio dihidrato – são calcifica-ções ácidas, birrefrigentes, de forma polié-dricas que ocorrem em 10 a 15 % dos casos e em 90% das vezes relacionam-se à con-dições benignas. O outro tipo de calcifi-cação decorre da deposição de fosfato de cálcio em tecido necrosado ou produtos de secreção e contribui com mais de 70% dos achados mamográficos1 .
As calcificações são classificadas segun-do os tipos e sua distribuição: tipos de calcificações – benignas, intermediárias e provavelmente malignas; Distribuição: agru-padas, lineares, segmentares e regionais difusas2 .
Tipos de calcificações
1- Benignas
Rev Ass Med Brasil 2001; 47(1): 1-23 11 com centros radiotransparentes;
calcifica-ções vasculares, com aspecto de paralelas ou tubulares e lineares; grosseiras (Tipo “pipocas”), clássicas no fibroadenomas in-voluídos; bastonetes, freqüentes na mas-tites plasmocitária e ectasia ductal; redon-das, centro translúcidas (necrose gorduro-sa, ductos calcificados e fibroadenomas); casca-de-ovo, encontradas na necrose gor-durosa e paredes de cistos; leite-de cálcio, freqüentes em cistos; calcificações distró-ficas, comum em mamas irradiadas ou pós-trauma; calcificações de suturas, após radi-oterapia – lineares ou tubulares; e punti-formes, redondas ou ovais, menores que 0,5mm2 .
2- Intermediárias
São calcificações amorfas, geralmente redondas ou em flocos, suficientemente pequenas ou duvidosas para que sua mor-fologia especifica seja determinada2 .
3- Provavelmente malignas
Destacam-se dois tipos; as pleomór-ficas ou heterogêneas, que apresentam ta-manho e forma irregulares, e são menores de 0,5cm. As ramificadas são lineares, finas e irregulares, descontínuas e menores de 0,5 mm em sua extensão2
Distribuição
As calcificações podem ser agrupadas, múltiplas podendo ocupar uma área infe-rior a 2 cm2, lineares, dispostas de forma
linear, segmentares, sugere depósitos in-traductais e quando ramificadas sugere câncer multifocal, principalmente se a morfologia for intermediária ou suspeita; regionais, dispersas em grande área e não respeita os trajeto ductais – geralmente benignas; e difusas, distribuídas aleatoria-mente – benignas2.
Quando biopsiar?
As categorias mamográficas propostas pelo ACR (American College of Radiology) e BI-RADS (Breast Imaging Reporting and Data System) devem ser os critérios para a conduta. São cinco as categorias propostas: categoria 1, negativa (0%); categoria 2, achados benignos (0%); categoria 3, acha-dos provavelmente benignos (<2% de cân-cer); categoria 4, achados suspeitos – con-siderar biópsia – (2 a 90% positividade) e categoria 5, altamente sugestivo de maligni-dade (>90%)2-3.
Na categoria 4, as lesões não têm carac-terísticas de câncer; entretanto, não se pode classificar como provavelmente be-nignas (discutir com a paciente a possibilida-de possibilida-de biopsiar).
As lesões classificadas na categoria 5, altamente sugestivas de malignidade, bio-psiar sempre (>90% de positividade para câncer de mama)2-3.
Ao considerar como critérios de inves-tigação - apenas o tipo e distribuição das calcificações - é prudente indicar a biópsia paras as calcificações provavelmente malig-nas do tipo pleomorficas ou heterogêneas e ramificadas e as de distribuição agrupadas e segmentares2-3.
As biópsias devem ser feitas com o uso de agulha grossa (core-biopsia) ou mamotomia, ambas guiadas pela mamo-grafia. As microcalcificações devem sem-pre ser localizadas no pré-operatório, por meio de fios guias metálicos, que podem ser aplicados sob orientação ul-tra-sonográfica ou radiológica, valendo-se de estereotaxia ou de aplicação com base na orientação espacial 3.
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JJOSÉOSÉ M MENDESENDES A ALDRIGHILDRIGHI
Referências
1. Adelaida Fandos-Morera, Miguel Frats-Esteve, Josep M. Tura Soteras, et al. Brest Turnors: Composition of Microcalcifica-tions. Radiology 1988: 325-327.
2. The American College of Radiology Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS) – 3 rd ed. Reston, VA: American College of Radiology.
3. Alfredo Carlos S. D. Barros, Carlos Alberto Ruiz, Celso Kazuto Taniguchi. As-pectos Práticos da Biópsia de Lesões Mamá-rias Não Palpáveis Orientada Por Fio Guia.
Ver Bras. Mastol 1996; 6: 29-132.
Clínica Médica Clínica Médica
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MEU
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ASMÁTICO
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MEDICAÇÃO
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A asma é atualmente reconhecida como uma doença inflamatória crônica das vias aéreas, o que mudou o enfoque do seu tratamento nos últimos tempos. Não basta simplesmente tratar as crises, mas sim pro-curar utilizar medicamentos e manobras preventivas que possam evitar o apareci-mento das crises. O advento das formula-ções de corticosteróides (CE) para uso inalatório, na forma de spray, pó ou solução inalatória, tornou este medicamento a base do tratamento de manutenção para o asmá-tico. As orientações educacionais sobre o
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manejo da asma são, também, parte funda-mental do tratamento. Orientar quanto às manifestações de gravidade da doença (pre-sença de crises noturnas, uso de doses crescentes de broncodilatadores, aumento dos sintomas, medida do pico de fluxo expiratório menor que a habitual, apesar do aumento das doses dos medicamentos), e a diferença entre os medicamentos preventi-vos e os de alívio (broncodilatadores) e orientações em relação ao controle am-biental são partes integrantes da consulta médica.
O paciente vem utilizando CE inalatório (entre 800 a 2000 mcg/ dia), ß2 agonista inalatório de longa duração, em associação ou não à teofilina de longa duração, e mes-mo assim vem necessitando de broncodi-latadores para alívio e de ciclos freqüentes de CE sistêmico. Um dos motivos para a dificuldade de estabilização pode ser a difi-culdade do paciente para o uso correto dos medicamentos. Periodicamente, nas con-sultas, a técnica do uso dos inalatórios deve ser revista e corrigida para otimização do aproveitamento dos medicamentos.
Outro motivo que deve ser lembrado é a exposição perene à substâncias às quais o paciente pode ser sensível, por isso a im-portância da orientação do controle am-biental, enfatizando a necessidade de man-ter principalmente o quarto sem objetos que acumulem pó/ácaros (como carpetes, bichos de pelúcia, estante com livros), tro-car a roupa de cama com freqüência e lavá-la de preferência com água quente, evitar umidade, manter animais fora do quarto, ter capas impermeáveis para colchão e traves-seiro e permanecer afastado do cigarro e de pessoas fumando.
É importante também lembrar da possi-bilidade da presença concomitante de
reflu-xo gastro-esofágico e sinusite, condições que estão relacionadas com a dificuldade do controle da asma e que, muitas vezes, po-dem passar desapercebidas ou oligossin-tomáticas, devendo ser investigadas nesta situação, bem como do uso de medicamen-tos que podem desencadear crises, como ß-bloqueadores e ácido acetil-salicílico.
Deste modo, o tratamento do paciente asmático com sintomas persistentes requer não apenas o ajuste da medicação, mas também uma avaliação quanto aos fatores que podem estar contribuindo para a per-manência dos sintomas, que muitas vezes não são facilmente identificados, requeren-do um acompanhamento muito próximo e participação constante do paciente no seu tratamento.
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RICARDOICARDO B BORGESORGES M MAGALDIAGALDI Bioética
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Negar alta a um paciente que deseja interromper seu tratamento significa con-tinuar a tratá-lo sem o seu consentimento. O artigo 46 do Código de Ética Médica prevê a proibição ao médico de tratar um paciente sem que, suficientemente escla-recido de sua situação, concorde com o procedimento médico a ser efetuado; existe uma exceção, a dos pacientes em “iminente risco da vida”.
Porém, é perfeitamente compreensível utilizar este adendo para pessoas que se
encontram inconscientes ou incapazes e que porventura não tenham ninguém que possa autorizar, por eles, qualquer procedi-mento médico. Cabe lembrar que este não é o caso de pacientes terminais que já esgotaram seus esforços na luta pela sobre-vivência é só almejam agora um descanso da vida.
Descanso da vida, morte tranqüila: não é a isso mesmo que se refere a eutanásia? Em casos extremos, a alta a pedido pode representar uma ortotanásia. Nestes casos, prosseguir com o tratamento pode ser um ato paternalista muito cruel. Justificar tal comportamento através da “beneficência”, nomeada pela Bioética Principalista, de-monstra o mau uso do termo por alterar o destinatário do “bem”. Bem de quem, afi-nal? Do médico, da instituição, da sociedade ou do paciente?
Pode-se formular algumas hipóteses para a negação, pelo médico, da alta a pedido do paciente: temor de sanções le-gais por conta das conseqüências da inter-rupção do tratamento, interesse científico na doença e, por último, a própria dificulda-de do médico dificulda-de lidar com a sua impotência frente a “não cura”.
À primeira hipótese cabe uma solução: o paciente capaz tem autonomia para deci-dir quanto a seu tratamento e, portanto, responsabilidade em relação ao seu início, andamento e término. Já suportar as própri-as angústiprópri-as de lidar com a curiosidade, a impotência e a morte fazem parte da função do médico. Quem sabe estabelecendo es-tes limies-tes, resgata-se o verdadeiro sentido da Medicina: o cuidado.
respei-Rev Ass Med Brasil 2001; 47(1): 1-23 13 tando os direitos e deveres de médicos e
pacientes. Porém este termo de consenti-mento da alta a pedido já é um avanço do pensamento bioético, pois ele surgiu das discussões da Comissão de Bioética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medi-cina da Universidade de São Paulo.
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GISELEISELE J JOANAOANA G GOBBETTIOBBETTI
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CLAUDIOLAUDIO C COHENOHEN Pediatria
Pediatria
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Após a confirmação do diagnóstico de broncopneumonia com formação de derra-me pleural, a priderra-meira dúvida refere-se à
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necessidade de punção pleural para diag-nóstico do tipo de derrame. Este procedi-mento deve ser indicado apenas nos casos de derrames de médias ou grandes propor-ções, quando há comprometimento da fun-ção respiratória ou do estado geral da crian-ça. A segunda dúvida refere-se à indicação de drenagem da cavidade pleural. O aspec-to turvo do líquido colhido, diagnosticado com a simples inspecção, sinaliza tratar-se de derrame purulento e, portanto, indica-tivo de drenagem pleural.
A outra indicação corresponde aos grandes derrames serosos, em que há comprometimento da função respirató-ria por mecanismo restritivo. Após a colocação do dreno, a ocorrência de imagem radiológica sugestiva de derra-me encistado residual ou de espessa-mento pleural não é raro e, em conjun-to com a febre persistente, não deve ser interpretado como falha da drenagem inicial. O derrame incistado residual ge-ralmente não revela a presença de bac-térias, tanto no exame bacterioscópico direto ou na cultura e, como conse-qüência, não deve ser o fator causal da persistência da febre. Da mesma forma, o acúmulo de fibrina na serosa pleural, causando imagem radiológica de
espes-samento nas pleuras e visceral, não pro-voca febre.
A experiência prática e centenas de publicações científicas, desde o início do século passado, demonstram que derra-me encistado e espessaderra-mento pleural so-frem regressão espontânea após dois ou três meses, sem qualquer tipo de inter-venção operatória. Justifica-se apenas a manutenção de antibioticoterapia enquan-to houver a persistência da febre, que certamente decorre da evolução do pro-cesso inflamatório e/ou infecciosso do parênquima pulmonar. A decorticação pul-monar através de toracotomia ou vídeo-cirurgia, operação freqüentemente indicada para adultos, realizada com o objetivo de remover o acúmulo de fibrina e/ou fibrose que se acumula em torno do pulmão, não tem qualquer indicação na criança pelo sim-ples e elementar motivo de que o processo sofre cura espontânea sem nenhum tipo de seqüela tardia, anatômica ou funcional. Fi-nalmente, pelo mesmo motivo, não se deve indicar o uso de injeção intrapleural de estreptoquinase, com o objetivo de facilitar a lise da fibrina, recurso também citado na literatura médica dos últimos anos.
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