COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES
E MONOGRAFIA JURÍDICA
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
LEONARDO CACAU SANTOS LA BRADBURY
INGRESSO E PROMOÇÃO DO JUIZ E O
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
LEONARDO CACAU SANTOS LA BRADBURY
INGRESSO E PROMOÇÃO DO JUIZ E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Monografia submetida à apreciação da banca examinadora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. José de Albuquerque Rocha.
LEONARDO CACAU SANTOS LA BRADBURY
INGRESSO E PROMOÇÃO DO JUIZ E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Monografia submetida à apreciação da banca examinadora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Aprovada em 18/ 07/ 2006.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Prof. Dr. José de Albuquerque Rocha (Orientador) Universidade de Fortaleza - UNIFOR
___________________________________________________________
Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho Universidade Federal do Ceará – U.F.C
___________________________________________________________
AGRADECIMENTOS
À Deus, por tudo de bom que propicia em minha vida, principalmente pela saúde que me mantém em vigor, apto a desbravar os horizontes da ciência jurídica.
À minha querida mãe, Neide, que, inconscientemente, iluminou-me com uma idéia que culminou com a realização do presente trabalho.
Ao Professor Rochinha, que com sua sabedoria, simpatia e simplicidade, brilhantemente orienta-me na condução e desenvolvimento desta pesquisa.
Ao Professor Macedo, pela alegria e o entusiasmo pela vida, que contagia a todos que com ele convive.
À minha namorada, Gabriela, pela persistência nos momentos difíceis, o respeito, a dedicação e o amor que me proporciona diariamente.
Ao amigo e colega de trabalho, José Glauton, pelo auxílio nos dias corridos vivenciados na Procuradoria da República.
Às bibliotecárias da Procuradoria da Republica, em especial à Liduína, pela paciência nos reiterados aluguéis dos livros jurídicos utilizados nesta monografia.
“Aprender é descobrir o que já
sabemos. Agir é mostrar que sabemos. Ensinar é permitir que os outros saibam, que sabem tão bem quanto
nós.”
RESUMO
Analisa os meios de ingresso e promoção do Judiciário Brasileiro, enfocando as mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 45/04, a interpretação conferida pelo STF sobre o tema, bem como as Resoluções nºs 11 e 06 do Conselho Nacional de Justiça. Descreve as características dos Estados Liberal e Social, bem como os fundamentos do Estado Democrático de Direito, adotado pela Constituição Federal de 1988. Conceitua o Princípio da Soberania Popular e verifica a sua aplicação na estrutura do Poder Judiciário. Averigua a crise de legitimação enfrentada pelo Judiciário, na medida em que se afasta do povo, consubstanciado nos jurisdicionados, transformando em súditos, quando na verdade possuem, em face do Estado Democrático, o papel de titular soberano do Poder.
ABSTRACT
Analyse the forms of enter and promotion about the Brazilian Judiciary, focus on the changes ocasionated by the Constitutional Review nº 45/04, the STF´s interpretation above the theme, and the National Counsel Justice´s resolutions nos 11 and 06. Describe the peculiarities of the Liberal and Social State and the fundamentals of the Democrated Law State, adopted by the Federal Constitution of 1988. Classify the Supreme Popular Principle and verify your application in the structure of the Judicial Power. Investigate the legitimation´s crisis affronted by the Judiciary, in view of your standing off from common people, transforming who is under the right of a judge into vassals, however, in the reality, in face of the Democrated Law State, they are titular paramount of the power.
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO...11
2. EMBASAMENTO HISTÓRICO...17
2.1 Surgimento do Estado Liberal...17
2.2 Criação do Estado Social...22
3. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO...25
3.1 Fundamentos...26
3.2 Promulgação pela Constituição de 1988...28
4. PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO...31
4.1 Poder Judiciário: missões e desafios...31
4.2 O Poder Judiciário e seu afastamento do Princípio da Soberania Popular...34
5. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO...42
5.1 Conselho Nacional de Justiça (C.N.J.)...42
5.2 Meios de acesso ao Judiciário...46
5.2.1 A Resolução nº 11/2006 do C.N.J...51
5.2.2 Fases do concurso de Juiz...62
5.3.1 Promoção por Antiguidade...65
5.3.2 Promoção por Merecimento...67
5.3.3 Resolução nº 06/2005 do C.N.J...77
5.3.4 Causas impeditivas de promoção...79
6. CONCLUSÃO...83
1. Introdução
Nossa Constituição Republicana, promulgada em 05 de outubro de 1988, estabelece
em seu artigo primeiro que a República Federativa do Brasil, formada pela União
indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito, enumerando os fundamentos que a regem: soberania, cidadania,
dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo
político.
Percebemos que, ao contrário da Constituição Portuguesa que utiliza a expressão
“Estado Constitucional Democrático”1, nossa Carta Política emprega o termo
“Democrático” qualificando o vocábulo“Estado”, o que nos faz concluir que os ditames da
democracia devem estar presentes em todos os elementos constitutivos deste, isto é, devem
preponderar nas estruturas dos três poderes da União: Executivo, Legislativo e Judiciário.
O parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Cidadã enuncia um dos mais
importantes princípios que fundamentam o ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, o
Princípio Democrático ou da Soberania Popular, prescrevendo que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta
Constituição”2. (grifo nosso).
Compreende-se, consoante o trecho constitucional acima transcrito, que a Carta de
Outubro contemplou duas formas de aplicabilidade do regime democrático: a democracia
1 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 5.ed. Coimbra: Almedina, p.45.
semidireta ou participativa, tendo em Rousseau3 seu idealizador, podendo ser exercida
através do plebiscito, referendo e iniciativa popular (art. 14 da Carta Magna); e a
democracia indireta ou representativa, cujo principal teórico fora Montesquieu4, com sua
doutrina da soberania nacional, exercida quando os cidadãos elegem, por meio do sufrágio
universal, seus representantes políticos.
Cumpre-nos, neste momento, alertamos o leitor para a distinção entre as expressões
“soberania nacional” e “soberania popular”, comumente tratadas como sinônimos. Esta
está ligada à teoria desenvolvida por Rousseau5, que concebe a titularidade da soberania a
todos os componentes do povo, enquanto aquela está relacionada à doutrina de
Montesquieu6, que confere a titularidade da soberania à nação.7
O artigo segundo da Carta Republicana fixa os três poderes da União: o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário, caracterizando-os independentes e harmônicos entre si. Assim,
verificamos que o constituinte originário de 1988 adotou a clássica Teoria da Divisão dos
Poderes de Montesquieu, na medida que consagrou a tríplice divisão das funções do Poder8,
porém com os lineamentos atribuídos pelo constitucionalismo americano, quando ressalta
as características da independência e harmonia, referindo-se ao sistema de Check and
3 ROUSSEAU, Jean Jacques. Du Contrat Social. Les Éditions du Cheval Ailé: Genéve, 1947. 4 MONTESQUIEU. De L´Esprit des Lois. Bibliothéque de la Plêiade: Dijon, 1951.
5 ROUSSEAU, op.cit. 6 MONTESQUIEU. op.cit.
7 Sobre esta distinção, ver também BONAVIDES, Paulo. Constituição Aberta. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
1996, p. 25 e 191.
8 Na verdade, tecnicamente, não se trata de divisão do Poder, visto que este é uno e indivisível, o que ocorre é
Balances (freios e contrapesos) americano, fundado no judicial review9 e na superioridade da Constituição.
Feitas estas observações, cumpre-nos explicar o significado e alcance do tema ora
escolhido: ingresso e promoção do Juiz e o Estado Democrático de Direito.
A despeito da Carta Magna estabelecer em seu artigo primeiro que a República
Federativa do Brasil adota, como regime de governo, a democracia, quer seja ela aplicada na sua forma participativa ou representativa, verificamos que a sua instauração é apenas
parcial, estando em dissonância com os fundamentos do Estado Democrático Brasileiro,
uma vez que o princípio da Soberania Popular somente se aplica em dois poderes da União,
quais sejam, o Executivo e o Legislativo, ficando relegado do Poder Judiciário.
Através do sistema eleitoral brasileiro, os cidadãos elegem, por meio do voto, os
presidentes, prefeitos, governadores, senadores, deputados (federais e estaduais) e
vereadores que irão lhes representar nas searas do Executivo (Presidência da República,
Governos Estaduais e Prefeituras Municipais) e do Legislativo (Câmara dos Deputados,
Senado Federal, Assembléias Legislativas e Câmaras dos Vereadores).
Percebe-se que o Princípio da Soberania Popular, basilar do Estado Democrático de
Direito, tem incidência, uma vez que o poder, consubstanciado na vontade dos eleitores,
realmente emana do povo, que escolhe efetivamente seus representantes políticos, apesar
dos flagrantes atentados ao sufrágio universal, por meio de práticas que remontam aos idos
do coronelismo, ainda presentes nas regiões subdesenvolvidas do país.
9 É a possibilidade dos juízes revisarem os atos emanados do Legislativo (leis) e Executivo (atos
Porém, no Judiciário a situação é diferente da que ocorre nos demais poderes da
União. Não há a participação popular na sua organização administrativa, nem para a
escolha de seus membros nem tampouco visando à elaboração da lista tríplice para a
realização da promoção por merecimento na carreira.
Conforme estabelece o art. 93, I, da Lex Fundamentalis, o cargo inicial na magistratura, o de Juiz Substituto, deve ser provido mediante concurso público de provas e
títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (O.A.B.) em todas as suas
fases, exigindo-se, após a aprovação da Emenda Constitucional nº 45/04, que o bacharel em
Direito candidato à magistratura possua 3 (três) anos de atividade jurídica.
Percebe-se que o critério para composição do cargo de Juiz é preponderantemente
técnico, levando-se em consideração a competência do candidato em responder com
presteza e acerto as questões que a Banca Examinadora do concurso lhe submete, a fim de
obter um bom resultado final no certame.
Ademais, não somente o ingresso, mas também a promoção na carreira por
merecimento são frutos de requisitos que não buscam perquirir a opinião da população
interessada, detentora da soberania, que constantemente aciona a jurisdição na tentativa de
solucionar seus conflitos, prevalecendo os interesses dos desembargadores, juízes dos
Tribunais e ministros, os quais elaboram, atendidos alguns requisitos, a lista tríplice para a
referida promoção, a ser encaminhada para o respectivo chefe do Poder Executivo, que
procederá à nomeação.
O doutrinador cearense, José de Albuquerque Rocha, aplicando os ensinamentos de
burocrático-hierarquizada que nega o Princípio Democrático, considerado, em sua ótica,
como o princípio fundamental mais importante da Constituição Brasileira de 1988,
explicitado na adoção do Estado Democrático de Direito e no enunciado de que todo o
poder emana do povo que o exerce diretamente ou por representantes eleitos.10
Luís Roberto Barroso, professor titular de direito constitucional da U.E.R.J.
(Universidade Estadual do Rio de Janeiro), afirma que “é certo, contudo, que o poder dos
juízes e tribunais, como todo poder em um Estado democrático, é representativo. Vale
dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade.”11
Essa organização administrativa, eminentemente antidemocrática e elitista, acaba
afastando o Judiciário, a passos largos, do povo, do cidadão comum, de onde provém sua
legitimação e origem, nos termos do art. 1º, § único, da Constituição Cidadã de 1988.
Porém, apesar de estarmos inseridos em um regime democrático, verifica-se que em
toda a estrutura administrativa do Poder Judiciário Brasileiro, quer seja na forma de
ingresso na magistratura e, principalmente, na verificação dos requisitos para a promoção
por merecimento na carreira, não há a efetiva aplicação do Princípio da Soberania Popular,
basilar do Estado Democrático de Direito e consagrado na Constituição Federal em seu
artigo primeiro.
Diante desta constatação, resolvemos desenvolver a presente monografia, a fim de
explorar o tema em questão, analisando as formas e requisitos de ingresso e promoção dos
magistrados em consonância com os acórdãos do Supremo Tribunal Federal e as
Resoluções do Conselho Nacional de Justiça (C.N.J.) sobre a matéria, instigando o leitor a
compreender a real situação do Poder Judiciário Brasileiro, que caminha na contramão do
2. Embasamento Histórico
Antes de ingressarmos no tema objeto da presente monografia, cumpre-nos analisar,
de forma sucinta, os fatores que determinaram a formação do Estado Liberal e do Estado
Social, bem como as suas características fundamentais, com o objetivo de entendermos o
contexto histórico em que surgiu o Estado Democrático de Direito, promulgado pela nossa
Carta Magna de 1988.
2.1 Surgimento do Estado Liberal
O Estado de Direito Liberal institucionalizou-se após a Revolução Francesa de
1789, no fim do século XVIII, constituindo o primeiro regime jurídico-político da
sociedade que materializava as novas relações econômicas e sociais, colocando de um lado
os capitalistas (burguesia em ascensão) e do outro a realeza (monarcas) e a nobreza
(senhores feudais em decadência).
A Revolução de 1789 foi uma revolta social da classe burguesa, inserida no
Terceiro Estado francês, que se elevou do patamar de classe dominada e discriminada para
classe dominante e discriminadora, destruindo os alicerces que sustentavam o absolutismo
O lema dos revolucionários era: "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", que resumia
os desejos da burguesia: liberdade individual para a expansão dos seus empreendimentos e
a obtenção do lucro; igualdade jurídica com a aristocracia visando à abolição das
discriminações; e fraternidade dos camponeses e sans-cullotes1 com o intuito de que apoiassem a revolução e lutassem por ela.
Podemos citar, consoante os ensinamentos de José de Albuquerque Rocha2 e Carlos
Ari Sundfeld3, as seguintes características básicas do Estado Liberal: não intervenção do
Estado na economia, vigência do princípio da igualdade formal, adoção da Teoria da
Divisão dos Poderes de Montesquieu, supremacia da Constituição como norma limitadora
do poder governamental e garantia de direitos individuais fundamentais.
Nesse contexto, a burguesia emergente detinha o poder econômico, enquanto que o
poder político estava sob o domínio da realeza e da nobreza. Logo, percebe-se que o
princípio da não intervenção do Estado na economia, defendido pelo Estado Liberal, foi
uma estratégia da burguesia para evitar a ingerência dos antigos monarcas e senhores
feudais nas estruturas econômicas da época, garantindo a liberdade individual para a
expansão dos empreendimentos burgueses e a obtenção do lucro.
Dessa forma, a burguesia estava livre para ditar a economia a seu favor, através da
prática da auto-regulação do mercado, a qual está sendo bastante utilizada atualmente, por
meio do surgimento do Estado Neoliberal. Os burgueses em ascensão pregavam a mínima
intervenção do Estado na economia, criando a figura do “Estado Mínimo”, defendendo a
1 sans-culottes (tradução: sem-calças): população pobre de Paris, formada pela massa de artesãos, aprendizes,
lojistas, biscateiros e desempregados; teve importante participação nos acontecimentos revolucionários de 1789 a 1794.
ordem natural da economia de mercado, com o escopo de expandir seus domínios
econômicos.
Outra característica do Estado Liberal é a defesa do princípio da igualdade, uma das
maiores aspirações da Revolução Francesa. Porém, é preciso observar quais os fatores que
influenciaram a burguesia em ascensão a pregar a aplicação de tal princípio. Ressalte-se
que a igualdade aplicada é tão-somente a formal, na qual se buscava a submissão de todos
perante a lei, afastando-se o risco de qualquer discriminação. Logo, sob o manto de tal
fundamento, todas as classes sociais seriam tratadas uniformemente, pois as leis teriam
conteúdo geral e abstrato, não sendo específicas para determinado grupo social.
Trata-se de outra tática da burguesia, pois se sabe que o sistema feudal possuía uma
estrutura estamental ou de ordens, isto é, era composto por várias classes sociais, a que
correspondiam diferentes ordenamentos jurídicos. Essa pluralidade de ordenamentos
jurídicos vigentes representava que a lei e a jurisdição eram distintas, variando conforme o
grupo social do destinatário da norma. Tal situação acabava fazendo com que a realeza e a
nobreza tivessem uma série de privilégios, enquanto a burguesia era discriminada.
A fim de demonstrar tal situação de discriminação existente à época, importante
transcrever um trecho da Carta de Reclamações do Terceiro Estado da Paróquia de Longey,
presente na obra de Kátia M. de Queiroz Mattoso:
[...] pedimos também que as talhas com as quais a nossa paróquia esta sobrecarregada sejam abolidas; que este imposto que nos oprime, e que só é pago pelos infelizes, seja convertido num só e único imposto ao qual devem ser submetidos todos os eclesiásticos e nobres sem distinção, e que o produto deste imposto seja levado diretamente ao Tesouro.4” (grifo nosso).
Percebe-se, pois, que esse grande número de ordenamentos jurídicos não interessava
a burguesia que temia que a nobreza, ainda detentora do poder político, continuasse
implementando leis que conferissem privilégios apenas à sua casta. Então, os capitalistas
implementaram um único ordenamento jurídico, defendendo a igualdade formal, no qual
todos eram iguais perante a lei, que possuía conteúdo geral e abstrato, aplicando-se
indiscriminadamente a todos os grupos sociais, não permitindo o estabelecimento de
prerrogativas para determinada classe em detrimento das outras, surgindo o conceito de
Estado de Direito e a figura da Constituição, que passava a limitar os poderes do
governante, visando conter seus arbítrios, que preponderavam no Estado Monárquico,
resumidos na conhecida frase de Luiz XIV, símbolo do poder pessoal: “l´État cést moi.” 5
No tocante à Teoria da Separação dos Poderes de Montesquieu, adotada pelo Estado
Liberal, José de Albuquerque Rocha observa que, o objetivo de Montesquieu, ao idealizar
os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, era preservar os privilégios da sua própria
classe, a nobreza, ameaçada tanto pelo rei, que almejava recuperar sua influência nacional,
quanto pela burguesia, que dominando o poder econômico, intentava o poder político6.
Elaborou, então, sua teoria que repartia o poder entre a burguesia, nobreza e realeza,
afastando, deste modo, a possibilidade da burguesia em crescimento deter todo o poder
político.
Assim, o Estado de Direito, na precisa lição de Carlos Ari Sunfeld pode ser
definido:
5 CALMON, Pedro. Curso de Teoria Geral do Estado. 3.ed.: São Paulo, 1949, p.95.
[...] como o criado e regulado por uma Constituição (isto é, por norma jurídica superior às demais), onde o exercício do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que controlem uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de ser necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos, sendo titulares de direitos, possam opô-los ao próprio Estado. 7
Porém, não obstante a igualdade pregada ser tão-somente formal, o Estado de
Direito criou a figura do direito subjetivo público, isto é, a possibilidade do cidadão, sendo o titular do direito, passar a exigi-lo em desfavor do Estado, regulando a atividade política,
situação que não era prevista no Absolutismo, no qual apenas estabelecia direito subjetivo
dos indivíduos nas suas relações recíprocas, isto é, o cidadão podia exigir o cumprindo de
uma obrigação pactuada com outro cidadão, mas não em face do Estado.
Desta forma, o Estado de Direito, ao passar a impedir o exercício arbitrário do poder
pelo governante e garantir o direito público subjetivo dos cidadãos, reconhece,
constitucionalmente, e de uma forma mínima, direitos individuais fundamentais , como a
liberdade ( apregoada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a qual
foi mantida como preâmbulo da Constituição Francesa de 1791), consoante os
ensinamentos de Norberto Bobbio, assim delineados:
na doutrina liberal, Estado de direito significa não só subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e portanto em linha de princípio invioláveis. 8
7 SUNDELD Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4º ed. 7º tiragem. Ed. Malheiros: São Paulo,
p.38/39.
8 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. Trad. brasileira de Marco Aurélio Nogueira Nogueira. 2º
2.2 Criação do Estado Social
A igualdade tão-somente formal aplicada e o absenteísmo do Estado Liberal em
face das questões sociais, apenas serviram para expandir o capitalismo, agravando a
situação da classe trabalhadora, que passava a viver sob condições miseráveis.
O descompromisso com o aspecto social, agravado pela eclosão da Revolução
Industrial, que submetia o trabalhador a condições desumanas e degradantes, a ponto de
algumas empresas exigirem o trabalho diário do obreiro por doze horas ininterruptas,
culminou com a Revolução Russa de 1917, conduzindo os trabalhadores a se organizarem
com o objetivo de resistir à opressão.
Esse movimento configurava a possibilidade de uma ruptura violenta do Estado
Liberal, devido a grande adesão de operários do ocidente europeu. A burguesia, hesitando a
expansão dos ideais pregados pela Revolução Russa, adotou mecanismos que afastassem os
trabalhadores da opção revolucionária, surgindo, então, o Estado Social, com as seguintes
características: intervenção do Estado na economia , aplicação do princípio da igualdade
material e realização da justiça social.
A burguesia, agora detentora de todo o poder político, passou a defender o
intervencionismo estatal no campo econômico e social, buscando acabar com a postura
absenteísta do Estado, preocupando-se com os aspectos sociais das classes desfavorecidas,
Para alcançar tal intento, os capitalistas tiveram que substituir a igualdade formal,
presente no Estado Liberal, que apenas contribuiu para o aumento das distorções sociais,
pela igualdade material, que almejava atingir a justiça social.
O princípio da igualdade material ou substancial não somente considera todas as
pessoas abstratamente iguais perante a lei, mas se preocupa com a realidade de fato, que
reclama um tratamento desigual para as pessoas efetivamente desiguais, a fim de que
possam desenvolver as oportunidades que lhes assegura, abstratamente, a igualdade formal.
Surge, então, a necessidade de tratar desigualmente as pessoas desiguais, na medida de sua
desigualdade.
Assim, Carlos Ari Sundfeld sintetiza afirmando que:
O Estado torna-se um Estado Social, positivamente atuante para ensejar o
desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação do nível cultural e a mudança social) e a realização da justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do produto econômico). 9
O Estado Social cria o chamado “direito social”, isto é, a possibilidade do cidadão
exigir determinadas prestações positivas do Estado, como o direito à educação, saúde,
moradia, dentre outros.
Percebe-se, assim, uma semelhança entre o Estado Social e o Estado de Direito, na
medida em que foi este, como vimos no tópico anterior, que originou o conceito de direito
público subjetivo, cabendo àquele a abrangência de seu alcance, regulando, mais
efetivamente, atividades políticas governamentais.
9 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4º ed. 7º tiragem. Ed. Malheiros: São Paulo,
Sobre as semelhanças e diferenças existentes entre estas duas formas de Estado,
Gordillo assim enuncia:
A diferença básica entre a concepção clássica do liberalismo e a do Estado de Bem-Estar é que, enquanto naquela se trata tão-somente de colocar barreiras ao Estado, esquecendo-se de fixar-lhe também obrigações positivas, aqui, sem deixar de manter as barreiras, se lhes agregam finalidades e tarefas às quais antes não sentia obrigado. A identidade básica entre o Estado de Direito e Estado de Bem-Estar, por sua vez, reside em que o segundo toma e mantém do primeiro o respeito aos direitos individuais e é sobre esta base que constrói seus próprios princípios. 10
Verifica-se, assim, que o Estado Social (ou Estado de Bem-Estar), apesar de possuir
uma finalidade diversa da estabelecida no Estado de Direito, utiliza deste o respeito aos
direitos individuais, notadamente o da liberdade, para construir os pilares que fundamentam
a criação dos direitos sociais.
10 GORDILLO, Agustín. Princípios Gerais de Direito Público. Trad. Brasileira de Marco Aurelio Greco. Ed.
3. Estado Democrático de Direito
O Estado Democrático de Direito surge como uma tentativa de corrigir algumas
falhas presentes no Estado Social.
O publicista Jose Afonso da Silva nos ensina que a igualdade pregada pelo Estado
Liberal, fundada num elemento puramente formal e abstrato, qual seja a generalidade das
leis, como analisamos no capítulo anterior, não tem base material que se realize na vida
concreta.
A tentativa de corrigir isso, na doutrina do constitucionalista, foi a construção do
Estado Social, que, no entanto, não conseguiu garantir a justiça social nem a efetiva
participação democrática do povo no processo político.1
O Estado Social, consoante os ensinamentos de Paulo Bonavides, não atendia
efetivamente aos anseios democráticos, pois a Alemanha nazista, a Itália fascista, a
Espanha franquista, a Inglaterra de Churchill, bem como o Brasil de Vargas foram Estados
Sociais, concluindo o ilustre constitucionalista que “o Estado Social se compadece com
regimes políticos antagônicos, como sejam a democracia, o fascismo e o
nacional-socialismo”.2
1 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.
118.
Surge, então, o Estado Democrático de Direito que, na doutrina de Ivo Dantas,
concilia “duas das principais máximas do Estado Contemporâneo, quais sejam a origem
popular do poder e a prevalência da legalidade.”3
Funde-se, assim, as diretrizes do Estado democrático com as do Estado de Direito,
tendo em vista que formam uma forte relação de interdependência, brilhantemente
observada por Bobbio, nos seguintes termos:
Estado Liberal e estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais. Em outras palavras: é pouco provável que um estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um estado não democrático seja capaz de garantiras liberdades fundamentais. 4
Assim, forma-se um vetor de mão dupla: o direito fundamental da liberdade,
garantido pelo Estado de Direito, é necessário para o regular exercício da democracia, a
qual é condição singular para a existência, manutenção e ampliação dessas liberdades
individuais, razão pela qual surge o Estado Democrático de Direito.
3.1 Fundamentos
O Estado Democrático de Direito, assentado nos pilares da democracia e dos
direitos fundamentais, surge como uma forma de barrar a propagação de regimes
3 DANTAS, Ivo. Da defesa do Estado e das Instituições Democráticas. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1989,
p.27.
4 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia – Uma Defesa das Regras do Jogo. Trad. Brasileira de
totalitários que, adotando a forma de Estado Social, feriam as garantias individuais,
maculando a efetiva participação popular nas decisões políticas.
No Estado Democrático de Direito coexistem harmonicamente o Princípio da
Soberania Popular, aplicado através do regime democrático e a legalidade, herança do
Estado Liberal.
Cumpre expormos alguns conceitos de expressão “democracia”, a fim de
entendermos o seu alcance e significado.
Pinto Ferreira define democracia como:
[...] governo constitucional das maiorias que, sobre as bases de uma relativa liberdade e igualdade, pelo menos a igualdade civil (a igualdade diante da lei), proporciona ao povo o poder de representação e fiscalização dos negócios públicos.5
Paulo Bonavides complementa, afirmando que democracia é:
[...] aquela forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões de governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto – a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo de todo o poder legítimo.6
Não podemos deixar de mencionar a célebre definição de democracia conferida por
Lincoln, o libertador dos escravos, afirmando ser o “governo do povo, para o povo e pelo
povo”.7
5 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.88.
José Afonso da Silva, citando os ensinamentos de Emilio Crosa, delimita o alcance
da democracia:
[...] a democracia impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento.8
Logo, na busca de instaurar a plena incorporação do povo nos mecanismos de
controle das decisões políticas, surge o Estado Democrático de Direito, através da fusão dos
conceitos de Estado de Direito e Estado Democrático, aplicando, sob o crivo da legalidade,
os ditames democráticos e garantindo os direitos humanos fundamentais.
3.2 Promulgação pela Constituição Republicana de 1988
O Estado Democrático de Direito foi proclamado pela Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo primeiro que, consoante as lições de José
Afonso da Silva, não se trata de “mera promessa de organizar tal Estado, pois a
Constituição aí já está proclamando e fundando.”9
Consoante os fundamentos do Estado Democrático de Direito, a Carta de Outubro
além de garantir a participação popular no processo político, busca estabelecer uma
sociedade livre, justa e solidária, em que todo o poder emana do povo, diretamente ou por
8 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.
117, apud Emili Crosa, Lo Stato democrático, p.25.
9 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005,
representantes eleitos, respeitando a pluralidade de idéias, culturas e etnias, considerando o
princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana.10
O legislador constituinte conferiu tamanha importância aos direitos e garantias
fundamentais, que os enquadrou logo no título segundo da Constituição, no qual incluiu o
artigo quinto, que possui setenta e oito incisos, o mais extenso artigo da Carta Fundamental.
Importante perceber que o Estado Democrático de Direito, instituído no Brasil pela
Carta Republicana de 1988 não se resume na participação dos cidadãos no processo
político, formando as instituições representativas. Na perspectiva da doutrina de Ivo Dantas
“deve-se evitar que se confunda, por qualquer motivo, a defesa do Estado Democrático de
Direito com a defesa de um ‘sistema político’ que nem sempre representa o verdadeiro
conceito de democracia.”11
Logo, assentado nos pilares da democracia e dos direitos fundamentais, o regime
democrático brasileiro garante não somente a participação de todos os cidadãos no sistema
político nacional, mas também busca, por todos os meios assegurados constitucional e
legalmente, preservar a integridade dos direitos essenciais da pessoa humana.
Carlos Ari Sundfeld12 defende que “o Estado brasileiro de hoje constrói a noção de
Estado Social e Democrático de Direito”, na medida em que o Estado, além de garantir a
efetiva democracia e o respeito às garantias fundamentais, deve atingir determinados
direitos sociais, atribuindo ao cidadão a possibilidade de exigi-los.
10 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 2005. 11 DANTAS, Ivo. Da defesa do Estado e das Instituições Democráticas. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1989,
p.27.
12 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4º ed. 7º tiragem. Ed. Malheiros: São Paulo,
Verifica-se tal situação quando a Constituição Federal de 1988 enuncia, em seu art.
6º, alguns direitos sociais oponíveis ao Estado e passíveis de serem exigidos pelo cidadão,
como a educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à
maternidade e a infância e assistência aos desamparados.
Assim, podemos concluir que a atual organização da República Federativa do Brasil
em um Estado Social e Democrático de Direito reúne alguns fundamentos presentes nos
três regimes de governo ora analisados: o Liberal, quando adota a supremacia da
Constituição, limitando e regulando o Poder Estatal; o Social, na medida em que garante
princípios e direitos sociais oponíveis ao Estado; e o Democrático, tendo em vista que
4. O Poder Judiciário Brasileiro no Estado Democrático de Direito
Passaremos a analisar o Poder Judiciário inserido no Estado Democrático de
Direito, ressaltado suas missões, desafios, e postura adotada frente ao Princípio da
Soberania Popular.
4.1 Poder Judiciário: missões e desafios
O Poder Judiciário desempenha uma importante missão no Estado Democrático de
Direito: velar pelo efetivo respeito e cumprimento dos preceitos insculpidos na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Sobre o papel do Judiciário, Kildare Gonçalves Carvalho transcreve em seu livro o
discurso do Prof. Raul Machado Horta, em exposição para a Subcomissão da Assembléia
Constituinte, nos seguintes termos:
[...] Poder que assegura direitos, aplaca dissídios, compõe interesses, na diuturna aplicação da lei e da sua adaptação às mutáveis condições sociais, econômicas e políticas. É o Poder que enfrenta e deslinda dramas humanos, ouvindo queixas, reivindicações e protestos. É o Poder onde explode o ódio das vítimas e dos condenados, a revolta dos oprimidos, e a arrogância dos opressores. É o Poder que reclama de seus membros serenidade e bravura, paciência e desassombro, humildade e altivez, independência e compreensão. Poder tão próximo do dia-a-dia do Homem e da Sociedade, é natural o interesse dos cidadãos e das instituições pelo seu destino. 1
1 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional.Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 720/721 apud
Dentre as suas missões institucionais, cabe ao Judiciário aplicar, ao caso concreto, o
Direito Positivado, isto é, transformar os comandos legais de normas gerais e abstratas para
preceitos individuais e concretos, razão pela qual desperta interesse dos membros dos
demais Poderes, notadamente o Legislativo e Executivo, em controlá-lo ou, no mínimo,
interferir em suas atividades, a fim de que as leis por eles propostas, editadas, sancionadas e
criadas possam ser aplicadas da forma como a planejaram, sem deturpações.
Ciente de tal situação, José Joaquim Calmon de Passos, ensina-nos o fundamento
dessa dimensão política do jurídico, ao afirmar que:
[...] também óbvio e elementar que se esses setores hegemônicos apenas puderem
dizer o direito posto (um dizer prévio e genérico) sem segurança de efetivá-lo como direito aplicado (imposto) o poder terá se deslocado de suas mãos, enquanto legislador, para as mãos dos que se investem nas funções de aplicadores, porque somente o direito aplicado é efetivamente direito.2
Logo, tal busca exagerada pelo controle do Direito culminou com a intromissão de
diversos setores, principalmente a classe política e a elite econômica, nas decisões do Poder
Judiciário. Assim, o principal desafio do Judiciário está na implementação de medidas que visem barrar a incessante e desarmônica interferência dos demais Poderes na sua estrutura e funcionamento.
Essa crise nas instituições judiciais, notadamente em nossos Tribunais Superiores, é
o reflexo da organização administrativa eminentemente elitista e anti-democrática do Poder
Judiciário Brasileiro, a ponto de ser reconhecida pelo próprio legislador constituinte
derivado, que, buscando superá-la, lançou a Emenda Constitucional nº 45/04, intitulada
“Reformado Judiciário”.
Percebe-se que os setores hegemônicos buscam controlar o Poder Judiciário
intrometendo-se em sua organização administrativa, isto é, nos meios de ingresso e,
principalmente, nas formas de promoção na carreira, a fim de garantir o acesso aos
Tribunais Superiores àqueles magistrados que aplicarão, ao caso concreto, o Direito
Positivado da forma como a previram e planejaram, sem surpresas de interpretação.
A razão para a escolha deste caminho é fácil de perceber, uma vez que o
ordenamento jurídico brasileiro garante, com esteio no Princípio do Devido Processo Legal,
a ampla revisão das decisões dos juízes de 1º grau, cabendo, em alguns casos, a
obrigatoriedade da aplicação do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, isto é, via de regra,
a sentença do juiz singular somente começará a produzir efeitos após a ratificação pelos
membros do Tribunal respectivo.3
Desta forma, passa-se a entender o motivo pelo qual os setores hegemônicos
utilizam suas influências política e financeira para compor os Tribunais Superiores com
magistrados cujos pensamentos coadunam com seus interesses, controlando, assim,
efetivamente o Direito por eles legislado e, conseqüentemente, o Poder Judiciário.
O grande desafio do Poder Judiciário Brasileiro, repita-se, é implementar medidas
que visem barrar a incessante e desarmônica interferência dos demais Poderes na sua
3 A regra geral, consoante o art. 520 do Código de Processo Civil, é que a apelação seja recebida em seu
estrutura administrativa e jurisdicional, buscando a sua maior aproximação ao povo,
consubstanciado nos jurisdicionados, origem constitucional e fonte permanente de seu
poder e legitimação.
4.2 O Poder Judiciário e seu afastamento do Princípio da Soberania Popular
A fim de que se possa efetivamente implementar o Estado Democrático de Direito
na República Federativa do Brasil, necessário se faz com que todo o Poder tenha origem
popular, efetivando os postulados do Princípio da Soberania Popular, o que não se verifica
na estrutura administrativa do Poder Judiciário pátrio.
Relevante transcrever as palavras de Canotilho, explicando-nos as dimensões do
Princípio da Soberania Popular:
O princípio da soberania popular transporta sempre várias dimensões historicamente sedimentadas: O povo é, ele mesmo, o titular da soberania ou do poder, o que significa: (i) de forma negativa, o poder do povo distingui-se
de outras formas de domínio <<não populares>> (monarca, classe, casta);
(ii) de forma positiva, a necessidade de uma legitimação democrática efectiva
para o exercício do poder (o poder e exercício do poder deriva concretamente do povo): o povo é o titular e o ponto de referência dessa mesma legitimação; ela vem do povo e a este se deve reconduzir. 4 (grifo nosso).
Logo, na tentativa de adequar tais dimensões à magistratura nacional, alguns juristas
defendem que o Poder Judiciário consagra o Princípio da Soberania Popular uma vez que
os Ministros do Supremo Tribunal Federal (S.T.F.) e do Superior Tribunal de Justiça
(S.T.J.), órgãos da cúpula do Judiciário e guardião da Constituição Republicana de 1988 e
das leis infraconstitucionais respectivamente, são nomeados pelo Presidente da República,
após aprovação da maioria absoluta do Senado Federal, consoante o disposto nos arts. 101 e
104 da Carta Magna, os quais, por sua vez, foram eleitos democraticamente pelo povo.5
Argumentam, ainda, que na promoção por merecimento para os Tribunais de Justiça
e Tribunais Regionais Federais, a nomeação é feita, respectivamente, pelo Governador e
Presidente da República, os quais, também foram escolhidos pelos cidadãos através do
voto.6
Ademais, defendem que o ingresso no Judiciário ocorre pela via mais democrática
de acesso ao poder, qual seja, o concurso público, consagrando o princípio da igualdade,
ressaltando a impossibilidade da forma eletiva para a composição da magistratura, que deve
possuir isenção político-partidária, posto que o juiz ficaria vinculado a quem o elegeu,
ferindo a sua liberdade de julgar.7
Passemos a analisar tais argumentos.
5 OLIVEIRA, Alexandre Nery de. Reforma do Judiciário (II): Controle Externo:- Alternativas. Teresina,
n.12. mai 1997, disponível em:<http.//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2152>. Acesso em: 10 jun. 2005.
6 Ibid.
7 OLIVEIRA, Alexandre Nery de. Reforma do Judiciário (II): Controle Externo:- Alternativas. Teresina,
A ingerência do Poder Executivo e do Legislativo nos órgãos de cúpula e de 2º grau
do Poder Judiciário não garante a consagração do Princípio Democrático na sua estrutura,
pois, no Brasil, tal intromissão deturpa, posto que realizada de maneira exagerada e
desarmônica, o sistema de freios e contrapesos criado pelo constitucionalismo americano,
transformando os Tribunais Superiores em cortes eminentemente políticas.
Desta feita, como ressaltamos no tópico anterior, os setores hegemônicos,
representados pela elite econômica, apenas podem efetivamente deter o poder político, na
medida em que controlam o Poder Judiciário, órgão responsável por aplicar o direito ao
caso concreto.
Essa ingerência dos poderes Executivo e Legislativo no Judiciário que deveria ser,
conforme o modelo americano, apenas um contrapeso, a fim dos poderes coexistirem
harmonicamente, acaba se deturpando, maculando a aplicação do Princípio Democrático ao
Poder Judiciário e conduzindo os seus órgãos de cúpula e de 2º grau a conferirem
interpretações eminentemente políticas em detrimento das jurídicas, representando uma
atitude inconstitucional, por ferir a independência do Judiciário assentada no art. 2º da
Carta Fundamental.
Ademais, o fato de haver concurso público para a escolha dos membros do
Judiciário, não caracteriza, por si só, esse poder como democrático, pois, no Brasil,
infelizmente, tal forma de seleção apenas leva em consideração o princípio da igualdade
formal, que, como ressaltamos no item 2.1, foi uma criação do liberalismo para que a
burguesia em ascensão eliminasse as discriminações legais e pudesse, assim, aumentar seus
Percebemos que a igualdade material não é observada, pois os participantes do
certame não concorrem no mesmo nível cultural. Os candidatos detentores de melhores
condições financeiras em relação aos demais, possuem uma série de vantagens, tendo em
vista que podem comprar livros jurídicos atualizados, estudar em boas faculdades e pagar
bons cursos jurídicos preparatórios.
Isso ocorre porque o Governo Brasileiro, devido ao fato de não investir na educação
pública de ensino médio e fundamental, faz com que os candidatos oriundos das classes
sociais desfavorecidas não ingressem em boas faculdades de Direito, uma vez que não
possuem sólidos conhecimentos do ensino básico.
Nesse sentido, o constitucionalista Pinto Ferreira afirma que:
[...] não havendo poder aquisitivo do povo em seu conjunto, é impossível que ele venha a desfrutar os benefícios da civilização, porque a educação ainda é para o povo brasileiro o privilégio de uma minoria e não a herança da própria comunidade.8
Esse descompromisso do Governo com o aspecto social transforma os concursos
para a magistratura nacional em certames eminentemente elitistas, a começar pela sua taxa
de inscrição que gira em torno de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais), chegando ao absurdo
de alguns editais não acatarem quaisquer pedidos de isenção.
Cumpre registrar que o Edital nº 57, elaborado pela E.S.A.F. (Escola Superior de
administração Fazendária), que regula o concurso para o cargo de Juiz Substituto da
magistratura trabalhista cearense, publicado no Diário Oficial da União em 05 de setembro
de dois mil e cinco, cobrou a taxa de inscrição no valor de R$ 263,00 (duzentos e sessenta e
três reais).9
Diante disso, o resultado final no certame acaba tornando-se previsível, no sentido
de que somente obtém a aprovação aqueles candidatos que advieram de classes sociais
abastadas, estudaram em boas faculdades de Direito, na maioria das vezes as públicas,
tiveram condições de comprar livros jurídicos atualizados e de se prepararem em bons
cursos preparatórios, mediante aulas ministradas por conceituados professores.
Por essas razões, não podemos afirmar que o concurso público, de per si, atende aos ditames do princípio da Soberania Popular, adequando-se ao Estado Democrático de
Direito, proclamado pela Carta Republicana de 1988, pois, no Brasil, privilegia
tão-somente a igualdade formal em detrimento da igualdade material, que reflete a realidade de
fato e busca a justiça social.
Porém, é preciso esclarecer que, apesar de, no Brasil, se tratar de uma igualdade
formal e das críticas que tecemos, somos a favor da via de acesso por concurso público para
a magistratura nacional. Os juízes, em nenhum momento, poderiam ser escolhidos mediante
o voto, como ocorre nos poderes Executivo e Legislativo, pois macularia os princípios da
independência e imparcialidade do julgador, que ficaria vinculado a quem o elegeu.
Temos a consciência de que a implantação da igualdade material nos concursos
públicos da magistratura, com a conseqüente democratização do acesso ao Poder Judiciário,
apenas ocorrerá quando nossos representantes políticos efetivamente privilegiarem a
9 Edital disponível em: <http://www.trt7.gov.br/webtrt2/concursos/concurso_juiz/>. Acesso em: 12 jun.
educação, qualificando e estruturando as escolas públicas de ensino médio e fundamental, a
fim de que as pessoas oriundas das classes menos abastadas possam ingressar em
Faculdades Públicas de Direito e passem a concorrer, nos concursos públicos, no mesmo
nível cultural que os candidatos oriundos da elite econômica.
É preciso salientar que a aplicação da igualdade material e da justiça social, além de
ser uma meta do Governo, teve ser, também, um dos objetivos do Poder Judiciário, na
medida em que está inserido no Estado Democrático de Direito. A esse respeito, relevante
transcrever os ensinamentos de Kildare Gonçalves Carvalho:
Considerando a realidade do Estado Democrático de Direito positivado no artigo 1º da Constituição brasileira de 1988, tem-se como imperioso que a jurisdição abandone sua postura tímida e promova a justiça social, já que o Estado Democrático de Direito é um Estado de Justiça Social, assim entendido na dicção do artigo 3º da Constituição.” (grifo nosso). 10
Oportuno, no momento, registrar que o Princípio da Soberania Popular, delineado
no parágrafo primeiro da Constituição Federal de 1988 reveste-se, na precisa lição de José
Afonso da Silva, de uma norma de eficácia plena, isto é, aquela que, ao entrar em vigor, produz, ou tem possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos
interesses, comportamentos e situações que o legislador constituinte, direta e
normativamente, quis regular.11
Desta feita, refuta-se, deste logo, inconsistentes argumentos de que o preceito em
apreço é uma norma programática, que estabelece tão-somente um programa a ser
10 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional.Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 719.
11 DA SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3º ed. 3º tiragem. Ed. Malheiros:
observado pelo legislador infraconstitucional, destituído de imperatividade, tratando-se de
uma norma apenas formalmente constitucional, sem forma vinculatória.
O próprio Afonso da Silva, em sua brilhante monografia, refuta tais afirmações,
defendendo, em claras palavras, a premissa de que não há norma constitucional alguma
destituída de eficácia, pois o simples fato de terem aderido ao texto constitucional já lhes
atribui força imperativa e vinculatória, em virtude da supremacia e rigidez constitucional.
As normas constitucionais, na visão do publicista, se diferenciam tão-só quanto ao
grau de seus efeitos jurídicos, que variam a depender da sua classificação em normas de
eficácia plena (que tem aplicabilidade imediata, direta e integral), contida (ou contível ou
restringível que tem aplicabilidade imediata, direta, mas não integral) e limitada (que tem
aplicabilidade indireta, mediata e reduzida).
Assim, mesmo tratando-se de normas programáticas (que se inclui na categoria de
normas de eficácia limitada), José Afonso da Silva afirma:
Em suma, cada vez mais a doutrina em geral afirma o caráter vinculativo das normas programáticas, o que vale dizer que perdem elas, também cada vez mais, sua característica de programas, a ponto, mesmo, de se procurar nova nomenclatura para defini-las. 12 (grifo nosso).
Assim, apenas a título de argumentação, mesmo que se tente caracterizar o Princípio
da Soberania Popular como norma programática, o que não condiz com a realidade, pois o
mesmo representa uma norma de eficácia plena, como visto anteriormente na doutrina de
José Afonso da Silva, o preceito em análise possui força imperativa e vinculatória, devendo
ser observado não só pelo legislador, que não pode emanar leis contra tal princípio, mas
também pelo Poder Judiciário, pois constitui o sentido teleológico para a interpretação,
aplicação e integração das leis (previsto no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil13) e
pelo Poder Executivo, que deve adotar as medidas necessárias à sua concretização.
Finda tais considerações, passemos a analisar a estrutura administrativa do Poder
Judiciário Brasileiro, verificando as formas e requisitos de ingresso na magistratura,
promoção na carreira e composição dos Tribunais.
13 Art 5º - Na aplicação da lei,o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
5. Organização Administrativa do Poder Judiciário Brasileiro
Passemos agora a conhecer a organização administrativa do Poder Judiciário
Brasileiro, analisando os meios de acesso na magistratura e as formas de ascensão na
carreira, com as inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45/2004 e as Resoluções
do Conselho Nacional de Justiça (C.N.J).
5.1 O Conselho Nacional da Justiça
Em virtude das disparidades existentes no Poder Judiciário nacional e do seu
distanciamento dos preceitos do Estado Democrático de Direito, como vimos no capítulo
anterior, surgiram diversas críticas à sua estrutura burocrática e corporativista.
Buscava-se uma forma de instituir um controle do Judiciário, a fim de evitar a sua
atuação como uma espécie de poder absoluto, tendo em vista os diversos abusos praticados,
como a utilização da influência de desembargadores, Juízes dos Tribunais e ministros na
livre convicção dos juízes de 1º grau.
Esse e outros tantos fatores originaram correntes doutrinárias que defendiam o
controle externo do Poder Judiciário. José de Albuquerque Rocha, já nos idos de 1995,
por diversos setores representantes da sociedade, a fim de consagrar o princípio da
Soberania Popular, inscrito na Carta Republicana de 1988.1
Com o amadurecimento dessa idéia por parte dos juristas, surgem as primeiras
vozes da oposição, oriundas de membros do Judiciário, que não aceitavam a criação de tal
conselho.
Argumentavam que os magistrados não poderiam sofrer qualquer influência externa
que ferisse a livre convicção do julgador, ressaltando que já se submetiam a um controle
interno e externo, pois seus atos administrativo-financeiros eram submetidos ao crivo das
Cortes de Contas e que os ministros do Supremo Tribunal Federal se submetiam ao
julgamento do Senado Federal, em virtude dos crimes de responsabilidade praticados por
seus membros.2
Tais argumentos apenas ressaltavam o imenso corporativismo existente na
magistratura, considerado, por Jose de Albuquerque Rocha, a doença infantil do Judiciário.3
A forma de controle externo proposta pela doutrina não incidiria no julgamento dos
juízes, tendo uma atuação eminentemente administrativa-disciplinar a fim de minimizar os
desmandos existentes neste poder.
Não obstante a oposição dos magistrados, a idéia do controle da magistratura é
efetivamente materializada, com a criação do Conselho Nacional de Justiça (C.N.J.), por
meio da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, em 08 de dezembro de 2004,
1 ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995.
2 OLIVEIRA, Alexandre Nery de. Reforma do Judiciário (II): Controle Externo:- Alternativas. Teresina,
n.12. mai 1997, disponível em:<http.//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2152>. Acesso em: 10 jun. 2005.
intitulada a “Reforma do Judiciário”, que o inseriu no art. 92, I-A, da Carta Magna, como
órgão integrante do Poder Judiciário.
Conforme o art. 103-B da Constituição Federal, introduzido pela emenda
constitucional em análise, o C.N.J. é composto por 15 membros (conselheiros), com mais
de 30 e menos de 65 anos, exercendo um mandato de 2 anos, admitida uma recondução,
sendo nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da maioria absoluta do
Senado Federal, dos quais 9 são escolhidos dentre integrantes da magistratura, 2 oriundos
do Ministério Público (um da esfera Federal e o outro da Estadual, indicados pelo
Procurador Geral da República), 2 advogados (indicados pelo Conselho Federal da OAB) e
2 cidadãos (um indicado pela Câmara dos Deputados e o outro pelo Senado Federal).
Dentre os 9 membros oriundos da magistratura, que compõem a maioria, três são
indicados pelo S.T.F. (sendo um ministro do próprio STF, um desembargador de Tribunal
de Justiça e um juiz estadual), três são indicados pelo S.T.J. (sendo um ministro do próprio
STJ, um juiz do TRF e um juiz federal) e, por fim, três são indicados pelo T.S.T. (sendo um
ministro do próprio TST, um juiz do TRT e um juiz do trabalho).
Porém, logo após a promulgação e entrada em vigor da Emenda Constitucional nº
45/04, a AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) ingressou com a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (A.D.I.N.) nº 3367-DF, perante o Supremo Tribunal Federal,
argumentando, dentre outros fatores, a inconstitucionalidade do art 103-B, X, XI, XII e XII,
da Carta Política, uma vez que inseria na composição do Conselho Nacional da Justiça
pessoas estranhas aos quadros do judiciário nacional, notadamente os 6 conselheiros
O Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária de 13 de abril de 2005, julgou
improcedente a A.D.I.N. nº 3367, declarando que a criação do Conselho Nacional de
Justiça, pela EC nº 45/04, não fere o princípio da separação e da independência dos
Poderes, mantendo, desta forma, a participação do Ministério Público, da Ordem dos
Advogados do Brasil e da população na sua composição.
Verifica-se que da forma como foi criado, o C.N.J. não é uma forma de controle
externo do Judiciário, mas sim um controle interno, visto este ser um órgão integrante do
Judiciário, a teor do art. 92, I-A, da Carta Política. Neste aspecto, interessante transcrever a
lição de Francisco Meton Marques de Lima e Francisco Gérson Marques de Lima:
Ao art. 92 foi acrescido o inciso I-A, para abrigar o Conselho Nacional de Justiça, como órgão integrante do Poder Judiciário, com a função de fiscalizar e correicionar os juízes, tribunais e cartórios. Não terá, porém, função judicante. Portanto, é um controle interno, e não externo, do Judiciário. Assim foi concebido para superar a eventual inconstitucionalidade de um controle externo da magistratura.4
Assim, o C.N.J., criado pela Emenda Constitucional nº 45/04, surgiu com a
finalidade de conferir funcionalidade à Justiça Brasileira, rompendo o seu corporativismo,
abusos e ineficiência, passando a regular, por meio de resoluções, dentre outras questões, os
requisitos de ingresso e promoção no Judiciário.
5.2 Meios de acesso ao Judiciário
A Emenda Constitucional nº 45/04, estabeleceu, como condição para o ingresso no
Judiciário e no Ministério Público, a comprovação de 3 anos de atividade jurídica do
bacharel em Direito, a fim de tentar valorizar o critério da experiência na seleção dos
candidatos, em virtude das diversas críticas de doutrinadores e da população em geral a
respeito dos requisitos preponderantemente técnico-jurídicos que norteiam a seleção.
Antes da edição de tal emenda, os requisitos exigidos pela Constituição de 1988 e
pela Lei Complementar nº 35/79 ( Lei Orgânica da Magistratura Nacional - L.O.M.A.N),
para o candidato ao cargo inicial de Juiz Substituto, era o bacharelado em Direito –
requisito obrigatório - , isto é, a conclusão regular do Curso de Direito, com a devida
colação de grau, em instituição de ensino reconhecida pelo Ministério da Educação
(M.E.C.), bem como a habilitação em curso oficial de preparação para a magistratura –
requisito de aplicação facultativa pelo legislador, a teor do art. 78, §1º da L.O.M.A.N5, que,
comumente, não é aplicado na prática.
Porém, cumpre registrar que, mesmo ante a ausência de normatização legal, muitos
editais, que regulavam o certame da magistratura, exigiam a comprovação, pelo candidato,
do exercício de, no mínimo, 2 (dois) anos de advocacia ou de cargo privativo de bacharel
em direito.
5 Art. 78 - O ingresso na Magistratura de carreira dar-se-á mediante nomeação, após concurso público de
provas e títulos, organizado e realizado com a participação do Conselho Secional da Ordem dos Advogados do Brasil.
Tentava-se, assim, utilizar um critério semelhante ao estabelecido para o ingresso na
carreira do Ministério Público, tendo em vista que art. 187 da Lei Complementar nº 75/936
(Estatuto do Ministério Público da União), determinava que somente poderiam inscrever-se
no concurso bacharéis em Direito há pelo menos dois anos.
Assim, verifica-se que estávamos diante de duas exigências contrárias ao
ordenamento jurídico pátrio: uma por ser ilegal (a dos editais que regulavam o certame da
magistratura), pois estabeleciam restrições não previstas em lei, ferindo o Princípio da
Legalidade; outra por ser dessarazoada (a do art. 187 da Lei Complementar nº 75/93), tendo
em vista que estabelecia um critério de descriminação fundado exclusivamente no fator
tempo, tornando-se, assim, um requisito dessarrazoado, pois não levava em conta as
características pessoas de cada candidato e sim situações genéricas e infundadas.
Cumpre registrar, a esse respeito, a lição de Celso Antônio de Bandeira de Mello ao
afirmar que “o fator tempo não é jamais um critério diferencial, ainda que em primeiro
relanço aparente possua este caráter.7”
Tais situações acarretavam a impetração, por parte dos candidatos prejudicados, de
diversos mandados de segurança, visando continuar sua participação no certame ( surgindo
a figura do candidato “sub judice”) e, caso obtivesse aprovação em todas as fases,
postulavam a sua nomeação para o cargo ao qual estavam concorrendo, quer fosse de Juiz
Substituto ou Procurador da República.
6 Art. 187. Poderão inscrever-se no concurso bacharéis em Direito há pelo menos dois anos, de comprovada
idoneidade moral.
7 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ºed. 13º tiragem.