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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ESCOLA DE MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

Daniel Ramalho Prazeres

SONATA PARA VIOLA E PIANO (1962) DE FRANCISCO MIGNONE:

A Teoria do Contorno e os aspectos da técnica de mão direita na preparação de

uma performance

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Daniel Ramalho Prazeres

Sonata para Viola e Piano de Francisco Mignone:

A Teoria do Contorno e os aspectos da técnica de mão direita na preparação de uma performance.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Música.

Linha de Pesquisa: Performance Musical

Orientador: Prof. Dr. Carlos Aleixo dos Reis

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74 f., enc.; il. + 1 CD

Orientador: Carlos Aleixo dos Reis. Área de concentração: Performance musical.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Música. Inclui bibliografia.

1.Música para viola. 2. Música - execução. 3. Mignone, Francisco, 1897-1986. I. Reis, Carlos Aleixo. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Música. III. Título.

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À Naara e Ìsis, as flores do meu jardim.

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Agradecimentos

À minha mãe por ter sempre me apoiado e acreditado em mim.

À Renata pelo carinho e cuidado durante minha jornada musical.

À minha filha Naara pelo amor, respeito e carinho.

À Juliana pelo amor, carinho e apoio durante o curso.

À minha filha Isis por trazer alegrias nessa caminhada.

Aos meus mestres, Marco Antônio Lavigne e Carlos Aleixo, pelo apoio e ensino.

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Resumo

O presente trabalho pretende evidenciar uma obra pouco divulgada do repertório de música brasileira para viola. A sonata para viola e piano (1962) de Francisco Mignone será objeto de uma sucinta investigação histórica no entorno da década de 1960, e material para uma análise baseada na Teoria do Contorno de Michael Fridemann bem como um estudo entre as relações dos aspectos da técnica de mão direita: velocidade, pressão e ponto de contato. Essas abordagens pretendem elucidar possibilidades interpretativas e discutir seus efeitos no processo dinâmico da realização artística.

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Abstract

The present work intends to evidence a little divulged piece of the repertoire of Brazilian music for viola. The sonata for viola and piano (1962) by Francisco Mignone will be object of a succinct historical investigation in the surroundings of the decade of 1960, and material for an analysis based on the theory of the contour of Michael Fridemann as well as a study of the relationship a m o n g the apects of the right hand technique: speed, pressure and point of contact. These approaches seek to elucidate interpretative possibilities and discuss their effects in the dynamic process of artistic achievement.

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Mov. ... 37 Figura 20 – Análise dos quatro grupos, três de 12 sons e um de 6 sons, c.11-17, III Mov. ... 38 Figura 21 – Relação de similaridade entre as séries dodecafônicas e a série de 6 sons. ... 38 Figura 22 – Exemplo de contorno com notas iguais, porém SCA e CC diferentes, c.13 e 15, III Mov... 40 Figura 23 – Sugestão de dinâmicas c.11-14 para realização do fraseado, III Mov. 40 Figura 24 – Diagrama com a estrutura tradicional da forma rondó simples, baseado em BENNETT (1986)... 41 Figura 25 – Diagrama com a estrutura Rondó do IV Mov., c.52-153. . . . 42 Figura 26 – Tema principal do Rondó apresentado pela viola, c.52-54, e pelo piano com modificações de notas e oitavas, c.57-58, IV Mov. ... 43 Figura 27 – Introdução do tema principal do 1º episódio, marcações em vermelho dos contrastes de dinâmica, c.65-66, IV Mov... 43 Figura 28 – Início do tema do 1º episódio escrito para a viola em modo lá dórico (retângulo vermelho), padrão rítmico oriundo do jongo, retângulos azuis, c.67-69, IV Mov. ... 44 Figura 29 – Ritmos característicos da dança do Jongo, utilizados pelos jongueiros no norte de São Paulo... 44 Figura 30 – Linha principal do piano e apoggiaturas em retângulos vermelhos, início do acompanhamento da viola em retângulo azul, retângulo

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(matriz do ritmo Angóia) vermelhos (variante rítmica da Angóia) e pretos (gama de dinâmicas), c.132-14, IV Mov. ... 51 Figura 36 – Marcações em retângulos vermelhos da gradação de dinâmicas e retângulo azul com motivo rítmico do tema principal (A), c.142-148, IV Mov. ... 52 Figura 37 – Apresentação dos pontos de contato da viola, compreendidas entre o cavalete e o espelho. ... 57 Figura 38 – Retângulos vermelhos representam as diferenças de indicações expressivas e gradação de dinâmicas p, mp, mf, c.1-10, I Mov... 59 Figura 39 – Ponto culminante da 1ª frase, retângulos indicam o ápice da gradação

p, mp, mf e o caráter contrastante com o Andantino precedente. c.11, I Mov. ... 60

Figura 40 – Aspectos do arco para sonoridade velada e escura, c.1-2, I Mov... 60 Figura 41 – Timbre homogêneo através do dedilhado sugerido e contraste de dinâmica através dos aspectos P3, I2 Vc- Vv, c.5-6, I Mov... 61 Figura 42 – Alternância métrica de 6/8 para 2/4, indicações de notas tenutas para evidenciar a diferença métrica entre a viola e o piano, c.7-8, I Mov... 61 Figura 43 – Realização na metade inferior do arco, transferências de ponto de contato e velocidade constante para variável c.8-9, I Mov. ... 62 Figura 44 – Compassos de transição para o Allegreto do c.11, c.9-10, I Mov.... 62 Figura 45 – Frase melódica da viola acompanhada pelo piano em caráter de

valsa, c.62-70, I Mov. ... 63 Figura 46 – Sonoridade dolce através do P3 e I1, transferência P3 – P2 para homogeneidade de som, c.65-66, I Mov. ... 64 Figura 47 – Indicação P2 e I1 com ampliação de vibrato, c.67, I Mov... 64 Figura 48 – Aspecto P2 para equilíbrio da sonoridade em p dolce devido a

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bps batidas por segundo

c. compassos

CC Classe do Contorno

I1 Intensidade de som leve

I2 Intensidade de som média

I2-I3 transferência de Intensidade (pressão)

I3 Intensidade de som alta

Mov. movimento

P1 Ponto de contato 1

P2 Ponto de contato 2

P2-P3 transferência de Ponto de contato

P3 Ponto de contato 3

P4 Ponto de contato 4

P5 Ponto de contato 5

SCA Série do Contorno Adjacente

VC Velocidade de arco constante

s/d sem data

VC-VV transferência de velocidade

VS Vetor da Série

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> sinal de decrescendo

< sinal de crescendo

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1 INTRODUÇÃO. . . 15

1.1 Delineamento da Pesquisa. . . 17

2 FRANCISCO MIGNONE. . . 19

2.1 Experimentalismo na década de 1960 . . . 21

3 ANÁLISE BASEADA NA TEORIA DO CONTORNO DE MICHAEL FRIDEMANN . . . 24

3.1 Ferramentas de análise . . . 25

3.1.1 I Mov.: Andantino . . . 26

3.1.2 Primeiro excerto . . . 27

3.1.3 Segundo excerto . . . 29

3.1.4 Terceiro excerto . . . .30

3.1.5 II Mov.: Allegretto quasi marziale . . . .32

3.1.6 Primeiro excerto . . . .33

3.1.8 III Mov.: Intermezzo . . . 35

3.1.10 Segundo excerto . . . .37

3.1.11 IV Mov.: Rondó . . . 41

4 OS ASPECTOS VELOCIDADE, PRESSÃO E PONTO DE CONTATO DO ARCO NO I MOV.. . . . . 54

4.1 Velocidade . . . 54

4.2 Pressão . . . 55

4.3 Ponto de Contato . . . 56

4 Considerações sobre quatro excertos do I Movimento da sonata p a r a v i o l a e p i a n o d e F r a n c i s c o M i g n o n e . . . . . . 57

4.4.1 Primeiro excerto . . . 58

4.4.2 Segundo excerto . . . 62

4.4.3 Terceiro excerto . . . 65

4.4.4 Quarto excerto . . . 67

5

CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . 71

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1 INTRODUÇÃO

Ao pesquisar sobre música de câmara brasileira para viola e piano, na Academia Brasileira de Música, para fins de pesquisa e performance, tive acesso ao catálogo (SILVA, 2007) de obras do compositor brasileiro Francisco Mignone e encontrei três obras catalogadas para essa formação: Três Valsas Brasileiras para viola e piano (1968) sem edição, Fantasia para Viola e Piano (s/d) e a Sonata para Viola e Piano (1962) (MIGNONE, 2011). Diante disso, evidenciei que, das obras mencionadas, duas encontravam-se em manuscrito: Sonata e Três Valsas Brasileiras, sendo que o material de Fantasia para viola e piano, mesmo em catálogo, não constava nos arquivos da Academia Brasileira de Música.

Além disso, de acordo com o catálogo, há o registro de uma edição da sonata impressa pela editora Irmãos Mangione, no Rio de Janeiro, com data desconhecida. Após contato com a mesma, não foi possível obter esse material tampouco referências de contrato entre o compositor e a editora. Já na fase inicial desta pesquisa, encontramos uma edição realizada pelo projeto SESC Partituras1 e cedida para este trabalho do qual utilizaremos alguns excertos para os exemplos musicais. Nossa fonte mais confiável foi a partitura de Mignone e a parte separada da viola. Por motivo de direitos autorais, não anexamos a partitura em manuscrito neste documento2.

Dedicada a George Kiszely e à sua primeira esposa, Clélia Ognibene, a Sonata para viola e piano, de Francisco Mignone, foi composta no Rio de Janeiro e finalizada no dia 06 de novembro de 1962, sendo de grande proeminência para o repertório de viola no contexto da música brasileira do século XX. Nos aspectos técnicos e estéticos, requer do músico, além de virtuosismo, concepção bem definida do ponto de vista interpretativo. Os procedimentos composicionais do dodecafonismo e serialismo estão presentes na obra e destaca-se como a primeira sonata em linguagem atonal de obras brasileiras para viola e piano anteriores a 19623.

Embora o repertório de música de câmara brasileira para viola e piano esteja em permanente descoberta, ressente-se de contínua atualização em catalogações, sobretudo do

1 A edição utilizada neste trabalho para os exemplos musicais está disponível em: http:www.sesc.com.br/sescpartituras.

2

A partitura em manuscrito é comercializada pela Academia Brasileira de Música e pode ser encomendada através do site: www.abmusica.org.br.

3 Segundo Mendes (2002), a obra mais antiga brasileira que consta em catálogo nessa formação data de 1928,

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repertório do século XXI. Com efeito, na dissertação de mestrado Música Brasileira para Viola Solo (MENDES, 2002), o autor inclui uma ampla catalogação de obras para viola solo, viola e piano, viola e orquestra e duos com viola, todavia não menciona a sonata. Ainda no catálogo organizado pela sua segunda esposa, Maria Josephina, não há registro da obra (MARIZ, 1997a). Tal fato reforçou nosso entusiasmo para desenvolver esta dissertação, conferindo à obra a devida relevância bem como sua divulgação.

Outra composição da mesma década, também dedicada ao violista George Kiszely, é a obra Três Valsas Brasileiras para Viola e Piano (1968), que consiste num exemplo de aproximação com o grande público pela sua linguagem e estética nacionalista. Recorrente em recitais para viola e com alguma difusão fonográfica, esta, sendo tonal, explicita outra clara aproximação com o intérprete. A Sonata, diferenciando-se das Valsas em estrutura e linguagem, inevitavelmente leva à outra abordagem na preparação da performance, como a análise mais detalhada da estrutura melódica atonal.

Um dos posicionamentos acerca da viola no século XX é de Harnoucourt (1998): “O instrumento moderno possui, ao contrário, do instrumento barroco um som mais redondo e liso, com uma grande margem de dinâmica, dinâmica essa que, a partir de agora se torna o fator expressivo dominante”. Tal observação corrobora a gama de recursos e combinações de timbres encontrada na sonata, demonstrando o domínio de Mignone ao escrever para viola4.

Desde o Barroco, passando pelo Rococó e Classicismo, sabemos que a viola atuava quase sempre como instrumento acompanhador. A partir do Romantismo, na música, ela passa decisivamente a adquirir o status de instrumento solista. Sobretudo o repertório do século XX, que demanda constante desenvolvimento de técnica e reflexão sobre a forma de tocar por parte do intérprete (BARRETT, 1978). Além disso, recursos como a técnica estendida5 têm despertado interesse de compositores relevantes, a contar da segunda metade do século XX. Segundo Macedo (1993), esse destaque deve-se à sua versatilidade e ampla gama de possibilidades em nuances e timbres.

Dessa forma, principalmente após a década de 1940, a formação viola e piano ganhou espaço na escrita de ícones brasileiros, como Cláudio Santoro, Camargo Guarnieri, Francisco Mignone, Radamés Gnatalli, Guerra-Peixe, Osvaldo Lacerda, para citar alguns. Ademais, a motivação ao escrever para viola também surgia das relações entre compositores e intérpretes

4 Considerava-se viola braccio qualquer instrumento de arco apoiado no braço do executante, normalmente um membro da família do violino; só mais tarde a nomenclatura se aplica à viola moderna (SADIE, 2004).

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de destaque em sua época, para os quais dedicavam as obras. Estes, maioria imigrantes oriundos do Leste Europeu, chegavam ao Brasil, no período pós-guerra, como o violista húngaro George Kiszely6 (1930- 2010) a quem fora dedicada a Sonata.

Figura 1 – Imagem do violista George Kiszely

Fonte: https://allevents.in/taubaté/cinco-anos-sem-george-kiszely/789302431195499

De acordo com o documento manuscrito e com a fase experimental de Mignone, na década de 1960, levantaremos dados que contextualizam a obra em foco e faremos uma análise da Sonata baseada na Teoria do Contorno, de Michael Fridemann, que propõe uma abordagem usada na linguagem pós-tonal. Serão levantadas questões pontuais das relações entre os aspectos de mão direita: velocidade, pressão e ponto de contato do arco. Além disso, comentaremos os efeitos dessa análise no processo dinâmico da construção interpretativa. Com o intuito de reforçar nosso interesse em desenvolver um estudo da obra que enseje sua realização artística e divulgação, seu registro fonográfico estará em anexo neste estudo.

1.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA

No segundo capítulo, será feito um recorte biográfico do compositor, sobre sua vida pessoal e suas principais atividades musicais, incluindo sua fase experimental da década de 1960, compreendendo os movimentos musicais de vanguarda e as influências em sua escrita.

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No terceiro capítulo, serão abordados os Movimentos I, II e III, sob a análise da Teoria do Contorno a partir dos trabalhos de Ficarelli (2014), Fridemann (1985), Dowling (1978). Para o IV Movimento, será apresentada uma análise baseada nos autores Bennet (1986) e Stein (1979). A metodologia empregada contou com a seleção de sete excertos: três do I Mov. (c.1-6, c.62-70 e c.122-130), dois do II Mov. (c., 17-18, 23-24 e c.25-27) e dois do III Mov. (c.1-4 e c.11-17). A aplicação de três conceitos principais da teoria, classe do contorno (CC), série do contorno adjacente (SCA) e o vetor da série (VS) são apresentados como ferramentas de análise e situados acima de cada excerto. Cada grupo analisado foi distinguido e separado por retângulos vermelhos, favorecendo sua visualização na análise.

No IV Movimento será apresentado um diagrama com a estrutura tradicional da forma rondó simples e outro da forma Rondó-Sonata, propondo uma análise comparativa entre eles (c.52-151). Serão identificadas as escalas modais e a influência do ritmo afro-brasileiro jongo, nos episódios entre as seções. Para isso, serão utilizados retângulos vermelhos e azuis nos excertos para evidenciar as linhas principais, as secundárias e a matriz do ritmo jongo (LIMA, 1954; SQUEFF; WISNIK, 2001).

No quarto capítulo, será feita uma análise técnica e interpretativa, a partir de quatro excertos selecionados do I Mov. (c.1-10, c.62-70, c.82-87, c.122-130). No método de análise, houve subdivisões dos aspectos velocidade, pressão e ponto de contato. A velocidade foi dividida em velocidade constante (VC) e velocidade variável (VV). A pressão exercida foi denominada de intensidade, à qual propomos sua organização a partir de três divisões: intensidade leve (I1,) intensidade média (I2), intensidade alta (I3); por último, o ponto de contato foi divido em cinco regiões (P1, P2, P3, P4, P5), de acordo com Fischer (1997). Essas ferramentas são apresentadas acima do trecho musical com combinações baseadas nas indicações expressivas, sonoridade, timbre e registro da viola requerido pelo excerto.

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2 FRANCISCO MIGNONE

Compositor, pianista, regente, professor, flautista, o primeiro contato musical de Francisco Mignone (1897-1986) foi com o pai, o imigrante italiano Alfério Mignone, músico de orquestra, regente e professor de flauta do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Nascido no final do século XIX, Francisco Paulo Mignone conviveu com diversas estéticas difundidas no século XX. Estudada por vários musicólogos, sua biografia consta em recentes trabalhos acadêmicos, entre os quais Contier (1997), Gonçalves (2004), Ficarelli (2014), Santoro (2011)7. Neste capítulo procuramos sucintamente levantar informações mais relevantes do compositor que contribuem para a contextualização de sua obra.

Figura 2 – Francisco Mignone ao lado do seu busto na praça Eugênio Jardim, Rio de janeiro. Fonte: Francisco Mignone, o Homem e a Obra, Mariz (1997).

Aos 10 anos, ele começou a estudar piano com Sílvio Motto e, aos 13, passou a atuar como flautista, pianista e condutor, em orquestras de cinema, além de integrar grupos de choro e compor canções populares, assinando com o pseudônimo de Chico Bororó, até meados de 1914 (MARCONDES, 1998). Após cinco anos estudando no Conservatório Dramático Musical de São Paulo, em 1912, obteve os diplomas de piano, flauta e composição, sendo pupilo de Savino de Benedictis (harmonia) e Agostino Cantu (harmonia, composição e contraponto). Nessa época, apresentava-se com frequência como solista ao piano e, em 1918, trouxe à público suas primeiras obras sinfônicas, obtendo êxito como compositor, fato que lhe rendeu uma bolsa de estudos na Itália.

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Chegando a Milão em 1920, tornou-se discípulo do compositor Vincenzo Ferroni (1858-1934), ex-aluno do compositor francês Jules Massenet (1842-1912), do Conservatório de Paris, tendo, assim, um sólido contato tanto com as técnicas composicionais francesas quanto com a tradição operística italiana. Sob a orientação de Ferroni, compôs, em 1921, a ópera “O Contratador de Diamantes”, em três atos, com libreto de Gerolamo Bottoni, inspirada no drama homônimo de Afonso Arinos e cujo trecho a “Congada” fora executado em São Paulo, em 1922, por Richard Strauss com a Orquestra Filarmônica de Viena (SADIE, 2004).

A estreia completa dessa obra no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em agosto de 1923, por Richard Strauss à frente da Filarmônica de Viena (LAGO, 2002), foi tão bem recebida pelo público e crítica, especialmente a cena da “Congada”, que Mignone escreveu sua segunda ópera, “L‘Innocente”, concluída em 1927 e apresentada no Brasil no ano seguinte. Logo, após retornar da Itália, mesmo sendo um exímio pianista, sua carreira se consolidou como compositor: “E foi, como seu mais característico produto, e mais elevado, não um pianista entregue à virtuosidade, mas um pianista que abandonou o piano pela composição, o compositor e regente Francisco Mignone” (ANDRADE, 1939).

Seu retorno a São Paulo, em 1929, deu-lhe oportunidade de aproximar-se das propostas nacionalistas do seu ex-colega de conservatório, Mário de Andrade, de quem se torna grande amigo. A considerável influência do movimento nacionalista que permeava a data de seu retorno ao Brasil, bem como a influência da cultura italiana na sociedade paulista, contribuiu para solidificar sua identidade musical. Após a morte de Mário de Andrade, em 1945, Mignone rompe fronteira, introduzindo novas linguagens à sua composição:

Teve também o compositor, durante a etapa de estreita relação com Mário de Andrade, uma sensível inclinação para a música de mensagem social ou dirigida para o povo. Os resultados foram magros e abandonou a orientação ideológica ou diluiu-a sensivelmente (MARIZ, 1983).

Em 1932, casou com Liddy Chiaffarelli, filha do professor de piano Luigi Chiaffarelli, mudou-se para o Rio de Janeiro, passando a lecionar no Instituto Nacional de Música8. Desenvolveu importante carreira docente, formando regentes e compositores, como José Guerra Vicente, Roberto Duarte, Ricardo Tacuchian, entre outros. Um ano após a morte de Liddy, casa, em 1963 com a pianista paraense, Maria Josephina, com quem

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desenvolve uma frutífera parceria musical, realizando recitais a quatro mãos, incluindo um duo pianístico sobre a obra de Ernesto Nazareth, lançado em 1978. Atuou como regente e pianista até pouco antes de sua morte, em 19 de fevereiro de 1986, sendo “considerado um dos melhores compositores brasileiros na arte de escrever canções” (VERHAALEN,1971, p. 32).

2.1 EXPERIMENTALISMO NA DÉCADA DE 1960

O início da década de 1960 contava com jovens compositores, como Gilberto Mendes, Rogério e Regis Duprat, Willy Corrêa de Oliveira, Julio Medaglia, entre outros, que se empenharam em renovar a linguagem musical brasileira, dominada pelo nacionalismo. Segundo Martinez (2006, p. 124) “o compromisso desses compositores, a

priori, abarcaria a música aleatória, o serialismo integral e a música eletroacústica”.

Nessa época, as correntes de vanguarda e o surgimento dos Grupos Música Viva (1939) e Música Nova (1963), no Brasil, influenciaram de alguma maneira compositores a escreverem mais livremente. Acreditamos que essa tendência tenha atingido Mignone no entorno da década de 1960. Com efeito, parte da vanguarda musical brasileira que surgiu em São Paulo e se desenvolveu simultaneamente com o grande surto industrial da década de 1950 acoplou-se ao projeto construtivista da poesia concreta e da música de vanguarda do Grupo Música Nova9.

A linguagem da fase nacionalista de Mignone é certamente a mais marcante em sua trajetória musical, em obras como “Maracatu de Chico Rei” (1933) e “Doze Valsas de Esquina para Piano” (1938-1943), que marcam seu melodismo e expressividade entre os compositores brasileiros. A partir da década de 1960, sua escrita musical assume outra estética:

Aos sessenta e mais anos, entreguei-me a escrever música pela música. Agrado a mim mesmo e é quanto basta. Aceito e emprego todos os processos de composiçãoconhecidos. Transformando-os à minha maneira (MARIZ, 1997, p. 46).

Ao afirmar que “escreveria música pela música”, Mignone utiliza o atonalismo, o serialismo e o dodecafônismo “à moda da casa”, termo empregado por KIEFER (1983, p. 57-58), aplicando tais técnicas de composição, expandindo essas linguagens e

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combinando-as entre si. Tal “Mignonismo” é reconhecido por Santoro (2011) e Alencar (2014) como sendo parte da sua fase “Modernista”, de forma que esses anos de experimentação se estenderiam até 1976 (FICARELLI, 2014, p. 11).

As composições dessa fase experimental, compreendidas entre 1960 e 1970, resultaram em uma vasta produção camerística, das quais são contabilizadas 126 obras, abarcando diversas formações e instrumentações para música de câmara (KIEFER, 1983 p. 70). Apesar desse vasto número, a formação duo sonata com instrumento e piano limita-se a oito obras10, sendo esse número reduzido a cinco para instrumentos de cordas e piano. “Sonata para viola e piano” (1962) foi a pioneira da família das cordas em linguagem atonal escrita nesse período, explicitando uma sonoridade influenciada por compositores admirados por Mignone, como Debussy, Falla, Stravinsky e Ravel (FICARELLI, 2014, p. 11).

Figura 3 – Obras para instrumento e piano compostas entre 1960 e 1970.

Mesmo sendo tonal e transcrita a partir das “Doze Valsas de Esquina para Piano” (1938-1943), “Três Valsas Brasileiras para Viola e Piano” (1968) foram mencionadas no quadro acima por ser da década de 1960 e dedicada ao violista George Kiszely. Algumas das obras apontadas evidenciam os mesmos recursos composicionais do dodecafonismo e

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serialismo da “Sonata para Viola e Piano”: “Sonata para Flauta e Piano” (1962), “Sonatas para Violino e Piano” (1964-1966) e “Sonata para Violoncelo e Piano” (1967). Além da linguagem experimental, “Sonata para Flauta” (1962) revela traços conservadores da linguagem nacionalista do compositor:

No entanto, apesar de exercitar sua curiosidade e mesmo certo arrojo na exploração de novos procedimentos, esta sonata ainda exibe traços conservadores, pela manutenção de algumas figurações de cunho nacionalista, nas molduras neoclássicas e nos gestos inequívocos, tais como sonoridades triádicas (BARRENECHEA, 2001).

Sobre sua nova linguagem, pode-se afirmar que na “Segunda Sonata para Piano” (1962) há uma tendência nacionalista com incursões pelo serialismo e dodecafonismo, e na “Quarta Sonata para Piano” (1967) há um atonalismo radical, com uso percussivo do piano e de clusters: “A segunda [Sonata para Piano] demonstra um esforço inicial em direção ao atonalismo, resultando em uma peça com um caráter intelectual muito além de obras anteriores”11.

Nesses anos de experimentação em seu processo composicional, nas três “Sonatas para Violino e Piano” (1964-1966), vimos que a “Primeira Sonata” (1964) tem influência direta na escrita do piano com as “Sonatas para Piano Solo”, do início de 1960, em que são utilizadas séries completas de 12 notas. A “Segunda Sonata para Violino e Piano” (1966) seria uma expansão da “Primeira Sonata”, na qual elementos musicais são mais intensamente explorados, enquanto outros são abandonados. A “Terceira Sonata para Violino e Piano” (1966) revelaria um Mignone com olhos no passado, pois esta seria uma versão da “Sonata para Flauta e Piano” (1962), em que há um retorno de elementos nacionais, apontando indícios de enfraquecimento da linguagem atonal em sua obra (RODRIGUES, 2002).

De linguagem atonal, a “Sonata para Viola e Piano” inclui séries dodecafônicas e outras de oito sons com temas construídos a partir de células rítmicas recorrentes, com complexa conexão rítmica e harmônica entre a viola e o piano, sobretudo no I Movimento. Dessa forma, objetivando a performance musical, faremos uma análise específica e empregada à música dodecafônica e serial, como a Teoria do Contorno, de Michael Fridemann.

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3 ANÁLISE BASEADA NA TEORIA DO CONTORNO, DE MICHAEL FRIDEMANN

A Teoria do Contorno, de Michael Fridemann, tornou-se conhecida a partir da publicação do seu artigo “A Methodology for Discussion of contour: its application to Schoenbergs Music”, no periódico Journal of Music Theory,em 1985. Fridemann criou sua teoria tendo como foco a relação análise/performance na música para piano, de Schoenberg, mais precisamente em três exemplos estudados em seu artigo: Five Piano Pieces, op. 23, Waltz, Phantasy, op. 47 e Suite, op. 25, Menuett: trio, formulando conceitos para o estudo do fenômeno musical: o contorno de superfície (FRIDEMANN, 1985, p. 225).

Anos antes, Dowling (1978) analisou contornos melódicos de povos de diferentes culturas, afirmando que estes seriam capazes de manter contornos melódicos semelhantes em melodias conhecidas utilizando suas próprias escalas musicais. Utilizando em sua análise os sinais matemáticos + e –, também usados por Fridemann, Dowling comparou contornos melódicos de escalas distintas.

Em se tratando da escrita atonal, a relação entre as alturas possuem outra organização quando comparada ao repertório da música tonal. As relações de tensão/relaxamento desta última são naturalmente identificadas. Na música atonal as alturas não permitem gerar o mesmo grau de controle sobre a superfície musical, o que pode tornar o discurso sonoro pouco atraente, dependendo da abordagem feita pelointérprete.

Para tanto, a análise da Sonata baseada na Teoria do Contorno viabiliza ao intérprete um detalhamento do texto musical a partir de informações incorporadas às estruturas tradicionais da notação:

A construção de uma linha melódica na música atonal, por parte do intérprete, apesar de inúmeras indicações expressas pelo compositor, tornou-se uma atividade que apresenta certo grau de dificuldade. Por mais que a grafia seja precisa, há ainda certo conteúdo de expressividade componente de uma linha melódica, que não está representada graficamente (FICARELLI, 2014, p. 15).

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do contorno melódico e como o compositor constrói essas estruturas. Essa abstração das alturas reais dos intervalos é o conceito básico que gera a teoria do contorno.

3.1 FERRAMENTAS DE ANÁLISE

Genericamente, retiramos três conceitos principais da Teoria do Contorno, os quais utilizaremos como ferramentas na análise: a classe do contorno (contour class), a série do contorno adjacente (contour adjacency series) e o vetor do contorno adjacente da série (contour adjacency series vector).

Cabe dizer que, neste trabalho, a descrição das ferramentas não se encontra na mesma ordem de apresentação do artigo de Fridemann tampouco em sua totalidade. Ao extrair três conceitos dos seis criados pelo autor, fornecemos uma abordagem sucinta da teoria, proporcionando uma relação análise/performance mais cara ao intérprete do que essencialmente teórica.

A classe do contorno (CC) é a representação numérica e a organização hierárquica da relação entre os elementos constituintes do contorno, ou seja, é o sentido do contorno melódico. Na Figura 4, apontamos a hierarquia dos elementos, independentemente das alturas absolutas envolvidas:

Figura 4 – Exemplo de classe do contorno. 1= nota intermediária, 3 = nota mais aguda, 0 = nota mais grave, c.26-27, I Mov.

A partir dessa representação numérica do contorno (CC), abre-se a possibilidade de aplicação de operações tradicionais da música serial: rotação, inversão, retrogradação e retrogradação da inversão, de forma a relacionar contornos distintos ou conduzi-los no processo preparatório de uma performance.

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(1978), utilizam símbolos matemáticos (+ e –) para representar o movimento melódico, abstraindo os valores reais, ou seja, levando em conta apenas o movimento entre as notas.

Figura 5 – Movimentos ascendentes e descendentes do contorno melódico, + = contorno ascendente, – = contorno descendente, c.26-27, I Mov.

Com isso, mesmo generalizando a distância entre os elementos do contorno, descrevendo somente movimentos ascendentes e descendentes, é possível dar origem a uma matriz que estabelece uma classe de rotações, retrógrados e permutações possíveis nas séries.

Por fim, a última ferramenta é o vetor da série do contorno adjacente (Figura 6), que descreve a série do contorno adjacente (SCA) e sintetiza seu comportamento, quantificando os movimentos intrínsecos à melodia através da soma dos movimentos ascendentes e descendentes. Utilizaremos para a análise dos excertos a sigla VS (Vetor daSérie).

Figura 6 – Vetor da Série, é a síntese dos movimentos do contorno de superfície, ou seja, 2 movimentos + = 2, e 1 descendente, VS<2,1>, c.26-27, I Mov.

3.1.1 I Mov.: Andantino

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performance, escolhemos analisar três excertos que possuem em comum material melódico adequado para aplicação da Teoria de Fridemann.

3.1.2 Primeiro excerto

Assim, no primeiro excerto analisado (Figura 7), identificamos duas séries de oito sons que serão utilizadas em diversos motivos melódicos do I movimento. Abaixo, apontamos as duas séries que serão exploradas por Mignone no I Movimento:

Figura 7 – Tema inicial em métrica 6/8, c.1-8, I Mov.

A frase inicial da viola, c.1-2, possui, em métrica, 6/8, um elemento rítmico (semínima e colcheia), que será desenvolvido em todo o movimento, contudo não aparecerá novamente em sua forma original.

Logo, a série do contorno adjacente (SCA) descrita no primeiro grupo (c.1- 2) apresenta a sequência de três movimentos descendentes (- - -), dois ascendentes (+ +) e dois descendentes (- -).

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Figura 8 – Grupos em retângulos vermelhos com séries de oito sons, retângulo azul conecta o 1º e 2º grupos, c.3. Relação entre o baixo e a viola nos quatro primeiros movimentos do contorno, c.5-6, I Mov.

Ainda no c.2, evidenciamos que os dois movimentos ascendentes (+ +) da primeira frase estão acompanhados dos sinais de crescendo (<) e os dois movimentos descendentes (- -) de diminuendo (>) c. 2. Dessa maneira, Mignone estabelece, a partir do início da sonata, uma relação dinâmica/contorno que será amplamente utilizada no I Movimento, porém não se tornará uma regra devido ao equilíbrio de vetores, como veremos adiante no estudo dos próximos excertos dos Movimentos I, II e III.

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3.1.3 Segundo excerto

O Segundo excerto (Figura 9), c. 62-70, é a parte central ou o desenvolvimento do I Movimento e inicialmente apresenta o tema em registro agudo, com alterações de articulação e métrica na voz da viola em comparação com o tema da introdução, c.1-8. De acordo com a teoria, segmentamos toda a frase em dois grupos para melhor visualização dos elementos da análise. Identificamos abaixo a série construída por Mignone no c.65-66, possuindo os três aspectos SCA, CC e VS, idênticos ao tema de abertura do movimento (c.1-2).

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Ainda visualizamos em todo esse excerto duas séries assimétricas, com 8, c.65-66, e 12 sons, c. 67-69, respectivamente:

Uma possibilidade para a performance desse trecho seria evidenciar o primeiro grupo (c.65-66) e o segundo (c.67-69), separando-os. Essa separação se dá com uma respiração ou cesura entre eles, para melhor destacar uma nova ideia musical dos c. 67-69, que tem duas articulações diferentes ao piano, legato e stacatto,em caráter de valsa. Para o segundo grupo c.67-69, na voz da viola, de acordo com a classe do contorno (CC), identificamos o ponto culminante da frase no dó# grave, c.68, pois este se encontra no centro da classe do contorno, CC < 5,9,3,6,1,0,2,4,7,8,11,10 >, e com isso a segunda metade do c.69 seria melhor identificada como conclusão da frase.

3.1.4 Terceiro excerto

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Figura 10 – Lento, p calmo e sostenuto, 4 grupos indicados em retângulos vermelhos, c.122-130, I Mov.

Inicialmente, optamos por dividir toda a frase em quatro grupos, mesmo sendo possível reagrupá-los em outros dois maiores, pois, dessa maneira, vemos melhor os elementos do contorno. O primeiro e o segundo grupo (c.122-123,c.123-124, retângulos vermelhos) possuem em sua SCA um movimento de rotação SCA < + + – > e SCA < + – + >. Nesse caso, consideramos o primeiro grupo como sendo o original (matriz). Como esses segmentos se interseccionam por rotação, temos que optar por qual aspecto realçaremos na performance. Portanto, sugerimos que o segundo grupo seja enfatizado, apesar do diminuendo escrito, pois possui uma nota longa (fá#) que conduz a frase até o terceiro grupo: divagando, c.125. Esse terceiro grupo possui o vetor da série VS <2,2>. Como o vetor descreve o comportamento da linha, é possível observar que se trata de uma frase com dinâmica e ritmos regulares.

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Em contraste, o último grupo (Figura 12), c.126-130, dispõe uma série de 7 sons com vetor VS <0,6>. Tal linha descendente possui intervalos de quintas com a indicação diminuendo sempre até chegar à ppp. Logo, foi possível relacionar a intenção do compositor ao escrever diminuendo sempre, com uma série descendente para a conclusão do movimento.

Figura 12 – Grupo 4, c.126-130, I Mov.

Salientamos que os excertos analisados do I Mov., através da Teoria do Contorno, também foram abordados no capítulo quatro, porém sob parâmetros da técnica de arco: velocidade, pressão e ponto de contato. Com isso, somados à análise de Fridemann, dissertamos sobre aspectos que se relacionam entre as duas análises e contribuem para a construção técnica e interpretativa do I Movimento.

3.1.5 II Mov.: Allegretto quasi marziale

O II Movimento Allegretto quasi marziale possui um caráter enérgico e virtuoso através de um acompanhamento rítmico e sincopado do piano com muitos intervalos de quartas e quintas justas. O golpe de arco jeté12 também é indicado por Mignone, imprimindo atributo marcial ao movimento. Assim como há no fim do I Movimento uma alteração de andamento para o Lento, c.122, no Allegretto quasi marziale, ele

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altera para Piú Lento, c.44, deixando claro através dessa mudança, a conclusão do movimento.

Antes de iniciarmos a análise do primeiro excerto do Allegretto, será importante dizer que, durante a preparação da performance, optamos por realizar um tempo de aproximadamente 100-110 (bps), a semínima, pois a indicação de tempo original 126 a 132 (bps) opõe-se ao caráter de um Allegretto quasi Marziale. Tomamos como base a declaração da viúva Josephina Mignone, afirmando que Mignone, ao compor, indicava tempos acima do que ele realmente pretendia ouvir para que o intérprete não se acomodasse ao preparar a obra13.

3.1.6 Primeiro excerto

O primeiro excerto selecionado é o desenvolvimento do II Movimento Allegretto e contrasta com a Marcha do compassos iniciais (c.1-16). Através do seu caráter dolce em

piano,nesta passagem, Mignone utiliza traços sobre as notas, c.23-24, ao invés de acentos antes indicados c.17. Nas Figuras 13 e 14, vemos as articulações empregadas por Mignone e o contraste entre as duas frases.

Figura 13 – Retângulos em vermelho indicam os acentos sobre as notas, c.17-18, II Mov.

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Figura 14 – Aspectos rítmicos, de articulação e dinâmica contrastantes, c.23-24, II Mov.

Nos c.22-24, Figura 15, consideramos a série a partir da nota si, c.22, pois o tema é anacrústico e observamos que o discurso melódico se dá entre a classe de contorno CC <0,1>. Assim, na preparação para performance, procuramos iniciar e finalizar a frase com a mesma dinâmica, pois o vetor VS < 3,5 > confirma que temos anexa à frase, 3 movimentos ascendentes (+ + +) e 5 descendentes (- - - - -). Isso nos levou a realizar um maior efeito de crescendo do que diminuendo para equilibrar o vetor da série <3,5> :

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3.1.7 Segundo excerto

Embora a escrita de Mignone no Allegretto Marzialle tenha diversas indicações de articulações e dinâmica (pontos, traços, acentos, sforzandos em ff e com um f, p, pp, p

delicato, etc.), escolhemos esse trecho (Figura 16) por conter apenas duas indicações interpretativas: piano (p) na voz da viola e pianíssimo na voz do piano (pp).

Para esse excerto, organizamos a análise em dois formatos: no primeiro, (Figura 16), fizemos uma análise abrangendo toda a frase (grande retângulo em vermelho c.25-27); no segundo, dividimos a frase em dois grupos (retângulos pretos). Analisando cada um deles, diferentemente dos exemplos anteriores, dispomos a análise por grupos separados devido às propostas interpretativas mencionadas (vide Figura 8, I Mov.).

Através da análise da SCA em toda frase (Figura 16), encontramos 6 movimentos ascendentes intercalados por movimentos descendentes, ou seja, VS < 6,4 >. Tal fato nos leva a propor pequenas cesuras ou respirações entre os movimentos ascendentes, que aparecem vinculados aos ritmos sincopados da frase, c.25-27 dentro do contexto de dinâmica

piano.

Figura 16 – Tema central do II Mov. com ritmos sincopados, c.25-27, II Mov.

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primeira altura da classe do contorno, CC <2>, é igual nos dois grupos, entretanto o final do contorno encontra-se espelhado entre os grupos 1 = <3,1> e 2 = <1,3>.

Figura 17 – Análise do contorno seccionada em dois grupos, c.25-27, II Mov.

3.1.8 III Mov.: Intermezzo

De acordo com SADIE (2004), Intermezzo foi um termo comum no século XVIII para interlúdios cômicos executados entre os atos de uma Opera Seria. Já no século XIX, a palavra Intermezzo era recorrente em peças ou movimentos líricos em geral escritos para piano solo. Curiosamente o compositor alemão Felix Mendenlssohn (1809-1847) chamaria o III Movimento de seu quarteto n. 2 de “Intermezzo”.

Nesse movimento, reconhecemos que Mignone evidencia o diálogo entre viola e piano, ampliando as frases em comparação aos movimentos anteriores. Já no início, a viola acompanha o tema principal com pizzicatos (c.1-8), e adiante, nos c.18-28, novamente acompanha o piano com um ostinato em colcheias seguidas de fusas, c.18. Com isso, analisamos o III Movimento (Intermezzo) a partir do tema inicial na voz do piano acompanhado pela viola (c.1-2).

3.1.9 Primeiro excerto

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necessário que o violista evidencie as vozes graves da frase (Figura 18), fundindo sua melodia com os acordes do piano.

Figura 18 – Série dodecafônica e análise do contorno da voz do piano, c.1-4, III Mov.

Sobre a frase do piano, Figura 19, o vetor da série é VS <7,4>, ou seja, vemos aqui um direcionamento melódico com 7 movimentos ascendentes e 4 descendentes. Para a interpretação, sugerimos ao pianista evidenciar as vozes intermediárias do contorno: nesse caso os contornos descendentes da SCA <+ - - + - + + + - + +>, executando um leve

crescendo e diminuendo entre os c.1-2:

Figura 19 – Sugestão de fraseado de acordo com o vetor da série <7,4>, c.1-2, III Mov.

3.1.10 Segundo excerto

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uma exceção para análise desse grupo de 6 sons nos moldes da teoria do contorno, pois, como Mignone não se prendia a um serialismo radical, repetiu a nota ré, oitava abaixo, c.15. Como é uma série que funciona como ligação entre as demais, optamos por mantê-la no formato da análise de Fridemann.

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Figura 20 – Análise dos quatro grupos, três de 12 sons e um de 6 sons, c.11-17, III Mov.

A frase inicial da viola, grupo 1, c.11-12, é uma reexposição rítmica com contorno semelhante à introdução temática do piano, c.1-2 (Figura 20). Para análise dos c.11-17, comparamos as notas em comum das séries dodecafônicas e a série de 6 sons:

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Observamos ainda que, através de um comparativo entre as SCA dos quatro conjuntos analisados, encontramos diversas relações entre subconjuntos dessas séries:

Tabela 1 – Classificação comparativa entre os subconjuntos das SCA referente aos quatro grupos, c.11-17.

Dessa forma, na legenda abaixo, considerando a SCA 1 e 2 como séries principais, teremos as seguintes relações entre os conjuntos e subconjuntos das séries:

a) SCA 1 e SCA 4 = rotação (azul) b) SCA 1 e SCA 3 = rotação (preto) c) SCA 2 e SCA 4 = inversão (preto)

d) SCA 1 e SCA 2 = inversão e permutação (azul) e) SCA 1 e SCA 4 = semelhança (em verde)

f) SCA 1 e SCA 3 = rotação (verde)

Assim, poderíamos estender essas relações entre os demais subconjuntos, verificando e associando as séries de cores diferentes, ou ainda considerando como matriz a SCA 4. Entretanto, como nosso intuito é abordar a teoria de Fridemann de maneira concisa e com propósito artístico, não aprofundaremos a análise dessas relações.

A indicação da dinâmica forte no c.15 é um indício de que este seria o ponto de chegada da frase, contudo, através da análise da SCA, confirmamos que esse ponto culminante da frase se dá com a relação dinâmica/contorno:

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-Figura 22 – Exemplo de contorno com notas iguais, porém SCA e CC diferentes, c.13 e 15, III Mov.

Ressaltamos para a interpretação fraseados conexos à análise do contorno: estes seriam construídos a partir dos vetores encontrados e funcionam como indicadores de dinâmicas quando somados às indicações originais da partitura. Assim, como Mignone indica ppp para o acompanhamento do piano como base para a voz da viola, sugerimos que o intérprete inicie a frase em dinâmica mezzo forte, abrandando a dinâmica ao final dos c.12 e 13. Para realizar o fraseado das quiálteras de três (tercinas), no c.14, recomendamos o agrupamento melódico entre as seis notas, ou seja, realizando a mudança de direção de arco de forma imperceptível. No manuscrito, notamos que Mignone fornece poucas indicações de fraseado. Tal fato recorre nos c.65-69 I Mov. e c.25-28 II Mov. Salientamos que as indicações de fraseado abaixo deverão ser efetuadas dentro do contexto da sonoridade mezzo forte, para não invalidar o forte do ponto culminante, c.15:

Figura 23 – Sugestão de dinâmicas c.11-14 para realização do fraseado, III Mov.

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3.1.11 IV Mov.: Rondó

A forma musical Rondó, foi escolhida por Mignone para o último movimento da Sonata em andamento, Allegretto vivo. Toda forma rondó tem como idiossincrasia o tempo

Allegro ou um caráter vivo, e o IV Movimento possui semelhanças à estrutura tradicional da forma Rondó, com adaptações em função do discurso musical por ele criado (STEIN, 1979, p. 85).

Esse movimento não se adapta à análise do contorno de Fridemann sob os aspectos pertencentes à música serial e dodecafônica. A linguagem rigorosamente atonal dos I, II e III movimentos até aqui abordados é rompida no IV movimento (Rondó), pois Mignone apresenta traços da linguagem nacionalista. Da mesma forma quem em obras semelhantes dessa fase experimental (capítulo 2.1), ele realiza incursões mais conservadoras no campo da tonalidade e emprega escalas modais com motivos melódicos facilmente identificáveis.

Desse modo, faremos uma breve análise comparativa entre a forma Rondó tradicional e o Rondó de Mignone, utilizando os princípios de Bennet (1986), Stein (1979), Wisnik (1989). Ale, disso, apreciaremos as escalas modais empregadas bem como o aspecto rítmico dos episódios centrais do movimento. Acreditamos que tal análise, assim como a teoria do contorno de Fridemann, norteará as decisões artísticas do intérprete de forma efetiva, durante a preparação da performance.

Tradicionalmente, a forma Rondó simples tem como fundamento um tema principal (A), que continua sempre retornando, porém com seções contrastantes entre eles (B, C, etc.). Ainda, no sistema tonal, o tema principal (A) começa e termina na tonalidade da tônica cada vez que reaparece, e cada episódio estaria em uma tonalidade vizinha. A estrutura de um rondó simples com dois episódios apresenta:

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Na estrutura rondó, o compositor utiliza dois componentes básicos da forma e estrutura musical: a repetição e o contraste. Esse último, também chamado de episódio, geralmente apresenta contrastes que prendem o interesse do ouvinte. Entretanto para evitar a monotonia, o tema principal deverá sofrer alguma variação cada vez que reaparece (BENNETT, 1986, p. 51).

Ao analisarmos o IV Mov. sob os conceitos de Stein (1979) e Bennett (1986), observamos uma estrutura semelhante ao modelo tradicional encontrado no estudo de Stein (A, B, A, C, A, B’, A, Coda). Mignone, todavia, faz alterações a essa estrutura, ou seja, ele alterna o tema principal entre a viola e o piano, de modo que os episódios contêm elementos temáticos do I e II Mov. Ainda ressaltamos que os temas apresentados por Mignone são longos e dialogam com motivos melódicos maiores do que em um Rondó tradicional, motivo pelo qual optamos por dividi-lo em seções.

Antes de comentarmos brevemente sobre cada tema, episódios e coda, será pertinente visualizarmos cada seção através do diagrama abaixo:

Figura 25 – Diagrama com a estrutura Rondó do IV Mov., c.52-153.

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Figura 26 – Tema principal do Rondó apresentado pela viola, c.52-54, e pelo piano com modificações de notas e oitavas, c.57-58, IV Mov.

Mignone propõe variações rítmicas para a linha de acompanhamento do tema: no início, ele escreve figuras em colcheias para o piano e, quando este apresenta o tema a seguir, a viola possui semicolcheias com deslocamentos de tempo, criando uma estrutura polirrítmica. Sugerimos que o violista não seja influenciado pela dinâmica forte inicial, realizando, assim, as semicolcheias, um degrau abaixo de dinâmica em relação ao piano para que o tema principal sobressaia: c.57-58.

Em contraste com o tema principal (A), o 1º episódio a seguir possui mudanças de andamento e caráter, pois o andamento Poco meno (Figura 27) prepara a melodia da viola com dois compassos em semínima ao piano (Mignone indica: o mais ligado possível) com variação acentuada de dinâmica, piano e forte.

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Nesse 1º episódio, evidenciamos uma reminiscência de sua fase “Andradiana” (FICARELLI, 2014, p.11), apresentando um tema modal em Lá Dórico (Figura 28), somado ao ritmo do jongo, uma dança de origem afro-brasileira:

Figura 28 – Início do tema do 1º episódio escrito para a viola em modo lá dórico (retângulo vermelho), padrão rítmico oriundo do jongo, retângulos azuis, c.67-69, IV Mov.

Esse padrão rítmico será recorrente nos 2º e 3º episódios (B’) e (B’’) do Rondó, todavia com poucas alterações. Historicamente, o jongo é uma dança sagrada para os jongueiros:

Conta-se que Deus e o menino Jesus andavam perseguidos pelo Diabo e fugiam apavorados, quando encontraram um grupo de negros dançando o jongo, a convite dos negros eles se esconderam no meio da roda e por arte dos feiticeiros a roda se fechou de tal modo que o Diabo passou e não viu os fugitivos (LIMA, 1954).

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Ainda, esses padrões rítmicos têm o nome de Angoia ou Anguaia e se referem a um dos instrumentos utilizados no jongo, era um tipo de chocalho em forma de cestinha, com uma alça e uma base de lata ou pedaço de cabaça.

A segunda parte do 1º episódio agora é feita pelo piano uma oitava acima (Figura 30), porém com variações rítmicas que apresentam um caráter de improviso e acompanhamento em semínimas na viola.

Figura 30 – Linha principal do piano e apoggiaturas em retângulos vermelhos, início do acompanhamento da viola em retângulo azul, retângulo preto indica a matriz rítmica da Angoia, c.78-79, IV Mov.

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Figura 31 – Retângulo azul indica a linha de acompanhamento da viola realizada anteriormente pelo piano c.52-53; retângulos vermelhos indicam o fluxo do tema entre os dois instrumentos, c.90-97, IV Mov.

Portanto, o diálogo temático entre viola e piano forma uma linha melódica contínua nessa passagem, c.90-97. Devido à estrutura rítmica dos acompanhamentos, recomendamos que na interpretação do excerto não haja separações entre as vozes por blocos ou por compassos. Ao indicarmos acima os retângulos vermelhos, propomos que estes sejam evidenciados, e o instrumento que possui semicolcheias toque em nível abaixo da dinâmica em relação àquele da linha principal, promovendo continuidade à frase.

A seção C a seguir é simplesmente um retorno à linguagem serial constante nos I, II e III movimentos. Mignone utiliza uma reexposição do II Movimento Allegretto quasi marziale

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Figura 32 – Marcações em vermelho indicam as alterações rítmicas em relação ao II movimento, c.100-107, IV Mov.

Na seção B’ (Figura 33), 2º episódio, Mignone estabelece a linha do baixo para a voz da viola, c.116-119, prestigiando o registro grave do instrumento ao acompanhar a frase modal do piano em sol mixolídio. Além disso, em relação ao primeiro episódio da seção B, c.67-69, observamos que há a mesma indicação Poco meno, porém com modificação de andamento de 104 (1º episódio) para 120 à semínima e figuras em quiálteras de três na mão esquerda do piano. Ou seja, Mignone utiliza esses aspectos rítmicos, melódicos e harmônicos para contrastar os episódios do rondó.

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Ao final dessa seção B’ (2º episódio), curiosamente Mignone reapresenta o tema do I mov. através de uma pequena cadência (Figura 34) com modificações métricas entre 2/4, 6/8 e 3/4, indicando p come una fantasia recitante; quatro fermatas em pontos diferentes do Andante reafirmam esse caráter recitativo, cadencial.

Figura 34 – Recitativo escrito sem acompanhamento do piano; setas vermelhas indicam as fermatas, c.126-13, IV Mov.

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Para a identificação da matriz rítmica Angoia (dança do jongo), apontamos, na Figura 35, a matriz rítmica do jongo em retângulos azuis e a sua variação em retângulos vermelhos. Em retângulos pretos, evidenciamos as indicações de dinâmica originais que variam de ppp à forte. Como sugestão interpretativa, elegemos a dinâmica forte no c.136, pois este, além de ser o ponto culminante da frase, é antecedido de um crescendo que tem como ponto de partida um mezzo forte:

Figura 35 – Sugestão de dinâmica no c.136, indicações em retângulos azuis (matriz do ritmo Angoia), vermelhos (variante rítmica da Angoia) e pretos (gama de dinâmicas), c.132-14, IV Mov.

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Figura 36 – Marcações em retângulos vermelhos da gradação de dinâmicas e retângulo azul com motivo rítmico do tema principal (A), c.142-148, IV Mov.

Durante a preparação da performance dessa obra, o professor Carlos Aleixo sugere que trechos em que a viola e o piano possuem igualmente dinâmicas em crescendo, o piano deve realizá-lo posteriormente para que não cubra a linha melódica da viola conforme a essitura do instrumento sob determinada passagem14. Para a coda final (Figura 36), esse conceito se aplica ao c.145, ao qual sugerimos ao piano a dinâmica mezzo forte.

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4 OS ASPECTOS VELOCIDADE, PRESSÃO E PONTO DE

CONTATO DO ARCO NO I MOVIMENTO

Para Lester (1995, p. 198), em toda performance, fazemos escolhas pelas quais certas nuances podem entrar e outras não. Esse processo é semelhante na análise musical, que não é absoluta, mas uma construção subjetiva, ainda que tal subjetividade inclua escolhas técnicas objetivas para sua interpretação. O instrumentista estabelece sua comunicação com o texto musical através das decisões técnicas de conceitos de mão esquerda e mão direita.

Há diversas indicações na partitura que codificam tais aspectos técnicos, como os tópicos de mão esquerda (cordas dobradas, acordes, mudanças de posição, articulação, afinação) e subtópicos (forma da mão, posição do polegar, posição do indicador, altura da mão e inclinação dos dedos, posição do cotovelo, entre outros). Ainda que esses tópicos de mão esquerda estejam relacionados ao funcionamento mecânico do arco (relação dedilhado e comprimento da corda), acreditamos que o intérprete tende a dar maior importância a esses fatores que à mão direita. As poucas indicações de arco para baixo Π e arco para cima ν, ligaduras, ponto sobre as notas, etc. não seriam suficientes para convencer o intérprete da necessidade de uma análise mais detalhada da obra, sob o ponto de vista da sonoridade. Por consequência, acreditamos que o desequilíbrio na abordagem técnica entre esses códigos pode afetar a construção interpretativa da obra, levando o artista a amparar suas escolhas de sonoridade, timbres e agógicas de maneira superficial na preparação de uma performance.

Assim, somando-se à análise de Fridemann, do capítulo anterior, propomos reflexões sobre a performance musical a partir do manuscrito da obra, buscando evidenciar os aspectos técnicos de mão direita a partir dos conceitos de Velocidade, Pressão (Intensidade) e Ponto de Contato como construção interpretativa. Em se tratando de uma obra atonal e após considerar as indicações expressivas do texto musical de quatro excertos selecionados de seu I Mov., procuramos comentar os efeitos dessa análise como processo dinâmico na construção de sua sonoridade e as relações desses aspectos técnicos na realização artística.

4.1 VELOCIDADE

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apontam que a velocidade do arco depende dos valores das notas a serem tocadas e do tipo de fraseado, os quais estão intrinsecamente ligados à distribuição do arco. Em outras palavras, isso seria equalizar a velocidade do arco e dividi-lo de acordo com as unidades de tempo (GALAMIAN, 1985, p. 76).

Entre os instrumentistas de cordas, ao analisar determinado trecho musical sob o ponto de vista da mão direita, é comum o uso do termo quantidade de arco (tamanho do arco percorrido sobre a corda). Esse termo está diretamente ligado a outros dois aspectos principais da produção de som: pressão e ponto de contato.

Desse modo, de acordo com a distribuição de arco requerida nos quatro excertos do I Movimento da Sonata para Viola e Piano, propomos, para auxiliar a análise, duas subdivisões do aspecto velocidade: velocidade constante (VC) –frases com mesma dinâmica, frases e motivos simétricos – e velocidade variável (VV) – frases com variações de dinâmica e agógica, frases e motivos assimétricos.

4.2 PRESSÃO

A Pressão exercida sobre as cordas exige contínuo cuidado durante o estudo de uma obra e a performance musical, pois seu desequilíbrio em relação à velocidade e ao ponto de contato seria responsável pela má qualidade de som e por ruídos indesejados, como afirma o violinista e pedagogo Flesch (2000, p. 62):

Para alcançar um ininterrupto contato entre a crina do arco e a corda, o dedo indicador da mão direita deve exercer certa quantidade de peso ou pressão sobre a vareta do arco. Este peso ou pressão não deve ser tão forte a ponto de impedir a corda de vibrar e nem tão leve de forma que faça a corda vibrar incompletamente15 (tradução nossa).

Logo, quando agregamos o peso do braço e antebraço à pressão exercida pelo dedo indicador, garantimos melhor qualidade de som. Lavigne e Bosísio (1999, p. 56) alinham esses conceitos em relação à produção do som, estabelecendo a diferença entre o peso do braço e a pressão. “O peso, no sentido de relaxamento, pode ser pensado como algo constante enquanto a pressão seria circunstancial. O peso estaria para a qualidade de som e a pressão para a quantidade de som”.

15

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Dessa forma, pode-se dizer que o intérprete organiza seus gestos de acordo com as indicações do compositor ou com as decisões interpretativas baseadas em análises estilísticas, históricas, entre outras. Além disso, em um texto musical, dinâmicas como pp, mf, f, ff significam níveis de intensidade sonora que conjugam entre si os aspectos peso e pressão, sendo divididos pelo intérprete ao tocar.

Propomos a indicação desses níveis de intensidade na partitura onde serão divididos em três níveis primários (I1, I2, I3), funcionando como ferramentas de análise dos excertos através dos parâmetros musicais: dinâmicas, articulações e timbres:

a) I1 =Intensidade leve; b) I2 =Intensidade média; c) I3 =Intensidade alta.

Ressaltamos que tais parâmetros de Intensidade (I1, I2, I3) não se baseiam em medições dentro do campo da acústica e devem ser organizados pelo intérprete a partir de sua percepção e conhecimento técnico da mão direita, preservando essa proposta de qualquer uniformização interpretativa.

4.3 PONTO DE CONTATO

O ponto de contato é o local onde o intérprete tange a corda ao tocar, ou seja, é a “estrada” por onde o arco passa. Essa escolha, ao conduzir o arco em determinada região da corda, funciona como recurso interpretativo, pois, à medida que o arco percorre a corda, o tipo de som produzido estará vinculado ao local mais tenso ou menos tenso da corda: “O ponto de contato é o lugar específico, em relação ao cavalete, onde o arco entra em contato com a corda a fim de obter os melhores resultados sonoros”16 (GALAMIAN,1985, p. 58).

No método Basics para violino de Fischer (1997, p. 41), encontramos cinco regiões para o pontos de contato. Para exemplificar essa divisão na viola, apresentamos essas regiões na Figura 37 com marcações em vermelho e numeradas de 1 a 5. Tal classificação está em ordem crescente de proximidade com o espelho e decrescente em proximidade com o cavalete:

a) P1 = Primeiro ponto de contato; b) P2 = Segundo ponto de contato; c) P3 = Terceiro ponto de contato;

(59)

d) P4= Quarto ponto de contato; e) P5 = Quinto ponto de contato.

Figura 37 – Apresentação dos pontos de contato da viola, compreendidas entre o cavalete e oespelho.

Dessa forma, um dos objetivos da análise dos excertos da Sonata para Viola e Piano, de Francisco Mignone, e das reflexões sobre esses conceitos será demonstrar como as escolhas do posicionamento do arco na corda, combinando velocidade e pressão (Intensidade), contribuem para a automatização motora na performance musical.

Nesse sentido, com a regularidade do estudo de uma obra, cabe ao intérprete definir as combinações entre os aspectos de mão direita para que tais movimentos se tornem parte do subconsciente. Mejia (1946, p. 107) esclarece que a repetição de um ato consciente transfere-se para o subconsciente através da memória muscular.

4.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE QUATRO EXCERTOS DO I MOVIMENTO DA SONATA PARA VIOLA E PIANO DE FRANCISCO MIGNONE

Ao compor o I Mov. com 130 compassos e 25 indicações expressivas, o maior número, comparando-se aos três movimentos seguintes da obra, certamente Mignone estaria, em sua fase experimental, valorizando a sonoridade da viola pela riqueza de informações. Assim, os quatro exemplos selecionados têm em comum aspectos relevantes como:

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c) Variação de dinâmicas e agógicas.

Na Tabela, apresentamos as siglas a serem utilizadas no estudo dos excertos, divididos da seguinte maneira:

Tabela 2 – Visualização das siglas utilizadas nos excertos indicadas acima do trecho musical abordado.

4.4.1 Primeiro excerto

O andamento Andantino pretende ser mais movido que um andante, ademais a primeira frase do período melódico apresenta diferenças de dinâmicas muito sutis: p-mp-mf (indicações em retângulos vermelhos, como na Figura 38). Apesar do nome Sonata, o I Mov. não está sob a estrutura da Forma Sonata, pois o tema nunca é reexposto em sua forma original, ou seja, é rapsódico e só reaparecerá em forma de recitativo no IV Movimento (Figura 34).

Figura 38 – Retângulos vermelhos representam as diferenças de indicações expressivas e gradação de dinâmicas p, mp, mf, c.1-10, I Mov.

I Níveis de intensidade: 1,2,3 intensidade menor para maior.

Vc Velocidade constante.

Vv Velocidade variável.

(61)

A primeira frase, indicada por piano expressivo, contém duas informações primárias em relação à sonoridade; a dinâmica piano refere-se à intensidade, e ex- pressivo

ao timbre. Geralmente, a indicação expressivo está vinculada a uma frase longa e/ou Legato. Podemos dizer que, para atingirmos uma sonoridade expressiva na viola, é necessário que haja entre as notas relação entre um vibrato contínuo e um som ininterrupto. O período inicial, c.1-10 (Figura 38), propõe um caráter introspectivo e escuro, cujo registro médio/grave Mignone explora em uma gradação p, mp, mf, f, entregando ao piano no c.11 (Figura 39) um motivo rítmico e enérgico, contrastando com o p molto legato

iniciado no c.3.

Figura 39 – Ponto culminante da 1ª frase, retângulos indicam o ápice da gradação p, mp, mf e o caráter contrastante com o Andantino precedente. c.11, I Mov.

A combinação dos aspectos P4, I1 e Vc no c.1 (Figura 40) é uma efetiva possibilidade interpretativa para viabilizar sonoridade velada e escura e estabelecer o diálogo entre os dois instrumentos. No c.2, aparecerá um sinal regulador de dinâmica (crescendo e diminuendo), que foi recorrente em compositores vanguardistas da primeira metade século XX (STEIN, 1979, p. 226). Mignone usa-o com frequência para evidenciar um motivo ou destacar um dos instrumentos na frase. Com isso, a variação da velocidade (aumento e/ou diminuição) permite que a corda amplie sua vibração e seja capaz de expandir esse efeito, auxiliando a projeção da região média do instrumento.

(62)

A segunda frase, c.5 e 6, apresenta dois intervalos de 5ªs justas, Sib/Mib e Mi/Si, e o dedilhado17sugerido (dedilhado indicado na Figura 41) mantém a frase na mesma corda trazendo um timbre homogêneo. Isso contribui para as combinações dos aspectos de mão direita, entretanto, como há mudanças de posição dentro da ligadura, é necessário aproximar a mudança de uma posição à outra para que não haja nenhum tipo de portamento ou glissando. A aplicação dos aspectos P3 e I2 auxiliam no sutil contraste escrito por Mignone entre os c.1,2 e c.5,6 (p expressivo e mezzo-piano).

Figura 41 – Timbre homogêneo através do dedilhado sugerido e contraste de dinâmica através dos aspectos P3, I2 Vc- Vv, c.5-6, I Mov.

Em sequência, nos c.7 e 8, na linha melódica da viola (Figura 42), Mignone indica a articulação tenuto18sobre as notas. Desse modo, sugerimos que o intérprete toque-os com o mínimo de interrupção entre as notas para evidenciar a alternância 2/4 e 6/8, que funciona como um diálogo métrico entre os dois instrumentos (Figura 38, c.5-6). Ou seja, enquanto a viola acentua a frase em 2/4, o piano continua com a acentuação métrica em 6/8. Todo o I Mov. possui essas alternâncias que são evidenciadas através de sinais de articulações.

Figura 42 – Alternância métrica de 6/8 para 2/4, indicações de notas tenutas para evidenciar a diferença métrica entre a viola e o piano, c.7-8, I Mov.

Enquanto os c.7 e 8, na 3ª posição, diminuem a espessura e o comprimento de corda vibrante, a combinação P2 e I2 evidencia o timbre da região média da viola. Ademais,

Imagem

Figura 2 – Francisco Mignone ao lado do seu busto na praça Eugênio Jardim, Rio de janeiro
Figura 8 – Grupos em retângulos vermelhos com séries de oito sons, retângulo azul conecta o 1º e 2º grupos,  c.3
Figura 10 – Lento, p calmo e sostenuto, 4 grupos indicados em retângulos vermelhos, c.122-130, I Mov
Figura 13 – Retângulos em vermelho indicam os acentos sobre as notas, c.17-18, II Mov.
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Referências

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