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Plea bargaining: uma análise sobre a juridicidade da barganha penal consentânea aos princípios brasileiros

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

RAHYM COSTA DA SILVA

PLEA BARGAINING: UMA ANÁLISE SOBRE A JURIDICIDADE DA BARGANHA PENAL CONSENTÂNEA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS

(2)

RAHYM COSTA DA SILVA

PLEA BARGAINING: UMA ANÁLISE SOBRE A JURIDICIDADE DA BARGANHA PENAL CONSENTÂNEA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS

Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Samuel Miranda Arruda.

(3)

Universidade Federal do Ceará Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

S586p Silva, Rahym Costa da.

Plea bargaining: uma análise sobre a juridicidade da barganha penal consentânea aos princípios constitucionais brasileiros / Rahym Costa da Silva. – 2013.

88 f. : enc. il. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Direito Processual Penal. Orientação: Prof. Dr. Samuel Miranda Arruda.

1. Garantia (Direito) - Brasil. 2. Processo penal - Brasil. 3. Juizados especiais criminais - Brasil. 4. Delação premiada. I. Arruda, Samuel Miranda (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

(4)

RAHYM COSTA DA SILVA

PLEA BARGAINING: UMA ANÁLISE SOBRE A JURIDICIDADE DA BARGANHA PENAL CONSENTÂNEA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS

Monografia apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Áreas de concentração: Direito Penal e Direito Processual Penal.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Prof. Dr. Samuel Miranda Arruda (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________

Mestrando Rômulo Moreira Conrado

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________

Mestrando Víctor Augusto Lima de Paula

(5)

Aos meus pais, Carlos e Kátia, pela

(6)

AGRADECIMENTOS

A Deus, por me guiar em todos os momentos.

Aos meus pais, Carlos e Kátia, por personificarem quem eu almejo ser um dia.

Obrigado pelas inúmeras demonstrações de carinho, amor, paciência, incentivo, bem como

pelas lições de ética, senso de justiça e retidão de caráter que procuro internalizar todos os

dias. A certeza de que me proporcionaram o melhor que poderiam reflete minha gratidão

incomensurável.

Às minhas irmãs, Rayra e Raimi, por serem o contraponto aos meus excessos, as

supridoras das minhas falhas e as incentivadoras do meu êxito. O sentimento de fraternidade,

cumplicidade e carinho que nutro por ambas foi essencial para meu desenvolvimento pessoal.

Ao Toy e ao Kanye, pelo desprendimento e pela humanidade que o tempo não poderá apagar.

Aos meus demais familiares, nas figuras de meus avós Aristides, Helena e

Osmarina, por nunca terem permitido que a distância física e territorial fosse um obstáculo

para um apoio irrestrito e incondicional.

Aos colegas que a Faculdade de Direito, cujas amizades cultivei ao longo desses

cinco anos: Adriano, Alisson, Arthur, Allana, Catarina, Daline, Davi, Elaine, Frida, Iara,

Jamille, Lauro, Janayna, Manoela, Mariana, Paula, Sabrina, Sidney, Sofia, Suzana, Taliana,

Thales, Thiago, Zara e tantos outros aqui não nomeados. Obrigado por terem me

proporcionado companhia nos momentos de alegria e frustrações acadêmicas e por

consolidarem uma felicidade que anseio perpetuar cotidiamente.

Ao Prof. Dr. Samuel Miranda Arruda, não apenas pela orientação na realização

deste projeto monográfico. A experiência de ter sido seu monitor durante dois anos durante a

Faculdade foi, certamente, uma das melhores experiências acadêmicas que pude ter. Obrigado

pelas constantes lições, sugestões e por ter instigado em mim a vontade de seguir o caminho

do magistério.

Aos mestrandos Rômulo Moreira Conrado e Victor Augusto Lima de Paula pelo

tempo, disponibilidade, colaborações e sugestões construtivas.

À Procuradoria Geral do Estado do Ceará, pela engrandecedora experiência de

(7)

Aos professores da Faculdade de Direito da UFC, pelas aulas ministradas, pela

presteza de informações e pelos ensinamentos transmitidos durante todo curso. Aos

funcionários da Faculdade, pelo apoio necessário e providencial.

Por fim, à Universidade Federal do Ceará, instituição a qual pude desenvolver

minhas potencialidades pessoais e que contribuiu, sobremaneira, para este passo na minha

(8)

“À medida que as penas forem eliminadas dos cárceres, quando, enfim, a compaixão e a

humanidade penetrarem as portas de ferro e prevalecerem sobre os ministros da justiça

inexoráveis e empedernidos, as leis poderã o contentar-se com indícios cada vez mais fracos para a prisão.”

(9)

RESUMO

O presente estudo aborda a discussão sobre a juridicidade do instituto da plea bargaining em face das garantias emanadas pela Constituição da República do Brasil de 1988. À partida, a

pesquisa expõe a mudança no paradigma de resolução de conflitos penais no Brasil com a

introdução de elementos de justiça penal consensual no ordenamento jurídico pátrio,

notadamente através das medidas despenalizadoras dos Juizados Especiais Criminais e da

delação premiada. Em seguida, a análise incursiona a concepção teórica sobre as negociações

de culpabilidade desenvolvidas no direito norte-americano, que prezam pela resolução célere

do litígio criminal através da abreviação do processo e da negociação entre a Promotoria e o

acusado. A pesquisa, pautada em um levantamento bibliográfico e documental, almeja a

discussão sobre o referido instituto jurídico estrangeiro face aos princípios constitucionais

brasileiros, bem como propõe a análise sobre a constitucionalidade da proposta de barganha

estatuída no Projeto de Lei no Senado nº. 236/2012.

(10)

ABSTRACT

The present study approaches the discussion on the juridicity of the institute of plea

bargaining as opposed to the guarantees arisen from the Brazilian Constitution of 1988. First,

the research exposes the paradigm shift from the criminal conflict resolution with the

introduction of consensual criminal justice elements on the national legal system, particularly

through decriminalizing measures of the special criminal courts and through the Brazilian

institute of “delação premiada”. After, the analysis introduces the theoretical conception on

the culpability negotiations developed by the North American law, which values the rapid

resolution of the criminal dispute through the abbreviation of the lawsuit and the negotiation

between the Prosecutor’s Office and the defendant. The study, developed through a

bibliographical and documental research, aims at discussing the compatibility of the

aforementioned foreign legal institute with the current Brazilian constitutional principles, as

well as it proposes the analysis of the constitutionality of the bargaining proposition laid down

on Senate Bill nº. 236/2012.

(11)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CPI Corte Penal Internacional

ECOSOC Conselho Econômico e Social das Nações Unidas

EUA Estados Unidos da América

ICTY Tribunal Penal para a Iugoslávia

JECRIM Juizados Especiais Criminais

(12)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 A JUSTIÇA CONSENSUAL E MEDIDAS DESPENALIZADORAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO ... 14

2.1 A crise do modelo de justiça conflitiva ... 14

2.2 Justiça consensual: noções gerais ... 16

2.3 O atual modelo brasileiro de justiça consensual ... 18

2.3.1 Os Juizados Especiais Criminais ... 19

2.3.1.1 Composição civil de danos ...…. 21

2.3.1.2 Transação Penal ... 22

2.3.1.3 Suspensão condicional do processo ... 25

2.3.2 Colaboração Premiada ... 27

2.4 Críticas à sistemática de justiça consensual adotada no Brasil ... 30

3 O INSTITUTO JURÍDICO DA PLEA BARGAINING NO PROCESSO PENAL NORTE-AMERICANO ... 33

3.1 Noções conceituais ... 33

3.2 Requisitos da plea bargaining ... 36

3.3 Perspectiva histórica ... 37

3.3.1 Fatores que favoreceram o surgimento da plea bargaining ... 39

3.4 Plea bargaining enquanto etapa do processo penal estadunidense ... 41

3.4.1 Do Descumprimento do acordo ... 44

3.5 Modalidades de plea bargaining ... 46

3.6 Inspirações no Direito Comparado ... 47

3.7 Adoção da plea agreement em cortes internacionais ... 49

3.8 Diferenças entre a plea bargaining e os institutos de justiça consensual previstos no ordenamento jurídico brasileiro ... 51

3.8.1 Plea bargaining e a composição civil de danos ... 51

3.8.2 Plea bargaining e a transação penal ... 51

3.8.3 Plea bargaining e a suspensão condicional do processo ... 52

3.8.4 Plea bargaining e a colaboração premiada ... 53

4 ANÁLISE SOBRE A CONFORMAÇÃO

(13)

BRASILEIRO ... 54

4.1 O garantismo penal ... 54

4.1.1 O direito penal de segunda velocidade e o garantismo penal: um contrassenso jurídico? ... 56

4.2 A plea bargaining e os princípios constitucionais ... 58

4.2.1 O devido processo legal ... 59

4.2.2 O contraditório ... 63

4.2.3 A ampla defesa ... 65

4.2.4 A presunção de inocência ... 67

4.2.5 Obrigatoriedade nos crimes de ação penal pública ... 68

4.2.6 A razoável duração do processo ... 71

4.3 Análise da barganha no projeto de lei no Senado nº. 236/2012 ... 73

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 78

(14)

1 INTRODUÇÃO

A adoção, pelo Brasil, de institutos jurídicos estrangeiros se apresenta como uma

realidade inegável. A produção legislativa pátria buscou, em diversos momentos históricos,

inspiração nas normas de outros países a fim de aprimorar seu próprio conjunto de regras e de

princípios. A aproximação ao sistema do Civil Law, que vislumbra a primazia da lei enquanto fonte de produção do Direito, permitiu que institutos romano-germânicos seculares como a

posse, o casamento e o delito fossem incorporados ao nosso ordenamento jurídico.

Cumpre-nos salientar, porém, que é inegável a importância na produção legislativa mundial de uma

país que já a exerce nas áreas política e econômica: os Estados Unidos da América.

O julgamento de acusados por um júri, muito retratado em filmes

norte-americanos e outras mídias de comunicação, não reflete o modo como a maioria dos casos

criminais é solucionada no território estadunidense. Em verdade, a expressa maioria dos

conflitos penais dos EUA não chegam a ter a prolação de uma decisão de mérito pelo júri,

pois são sanados com a aplicação da plea bargaining e a institucionalização de uma justiça penal negocial.

Ante a crise do sistema tradicional de justiça conflitiva, que prima pela aplicação

rigorosa das penas privativas de liberdade, vários países passaram a adotar mecanismos

legislativos e políticas criminais semelhantes à barganha penal estadunidense. Nessa senda, o

Brasil foi influenciado por elementos de justiça consensual na formulação das medidas

despenalizadoras dos Juizados Especiais Criminais, mas que atualmente não correspondem ao

modelo aplicado nos EUA.

A recente tentativa de implementar a plea bargaining no ordenamento brasileiro com a previsão do instituto da barganha no Projeto do Novo Código Brasileiro tem suscitado discussões sobre a aplicabilidade do instituto jurídico estrangeiro em nosso arcabouço

normativo. Partindo-se de tal circunstância fática, que encontra rara referência nos

compêndios e artigos jurídicos, vislumbrou-se um objeto de pesquisa maior e intentou-se

analisar a compatibilização do instituto norte-americano com os postulados principiológicos

da Constituição da República Federativa do Brasil. A necessidade de se analisar o instituto em

face ao texto constitucional é motivado pelo caráter orientador que as normas dispostas no

bojo da Constituição assumem em nossa sistemática jurídica, pois consolidam direitos e

(15)

Partindo-se de tal hipótese e apresentadas as devidas justificativas, o presente

trabalho apresenta uma estrutura organizacional pautada em capítulos, desenvolvendo a

temática por meio da pesquisa bibliográfica e documental.

No capítulo inicial, empreenderam-se esforços para analisar as nuances da justiça

consensual na esfera criminal brasileira. Serão contempladas as noções conceituais de justiça

consensual, bem como serão abordadas as experiências normativas pátrias influenciadas por

tal sistemática, tais como a composição civil de danos, a transação penal, a delação premiada

e a suspensão condicional do processo.

Em seguida, serão descritas as noções preliminares, englobando-se a abordagem

conceitual da plea barga ining, as modalidades em que ela se apresenta, o escorço histórico e as principais diferenças entre o instituto norte-americano e as medidas normativas de justiça

consensual atualmente previstas no arcabouço jurídico brasileiro.

No capítulo subsequente, almeja-se a discussão mais ampla quanto a

constitucionalidade de adoção dos plea agreements como instrumento de saneamento de conflitos criminais em nosso país. Nessa oportunidade, realiza-se uma análise perfunctória do

indigitado instituto aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório,

da ampla defesa, da presunção de inocência, da obrigatoriedade nos crimes de ação penal

pública e da razoável duração do processo. Destarte, procede-se a um exame da proposta de

barganha prevista no PLS nº 236/2012.

Assim, considerando a possibilidade de incorporação normativa do instituto

estadunidense objeto desta pesquisa, mostra-se pertinente analisar como a plea bargaining

reverberou no ordenamento jurídico pátrio, bem como ponderar a possibilidade de aplicação

do instituto no âmbito do ordenamento jurídico pátrio aos moldes do sistema norte-americano,

(16)

2 A JUSTIÇA CONSENSUAL E MEDIDAS DESPENALIZADORAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

A adoção de institutos de justiça penal consensual no Brasil se verifica como uma

tendência recente, remontando à década de 1990. As medidas despenalizadoras dos Juizados

Especiais Criminais e a previsão da delação premiada em diversas leis representaram um

mudança na resolução judicial de conflitos, em especial por prestigiarem o consenso e a

negociação como formas de evitar o curso processual ou uma pena mais grave.

Partindo-se de tal premissa, devem ser feitas maiores considerações no que tange

à implementação desse modelo de justiça em nosso país, compreendendo-se também as razões

que ensejaram a sua aplicação restrita na sistemática legal pátria.

2.1 A crise do modelo de justiça conflitiva

O Direito, enquanto ciência social, não está alheio aos anseios e às expectativas da

sociedade por ele regida. São as relações sociais, por vezes conflitantes, que ensejam a adoção

de regras, costumes ou princípios orientadores das condutas humanas. Historicamente,

determinadas condutas comissivas e omissivas passaram a ser considerados subversivas à

convivência harmônica dos indivíduos que compõem a sociedade, motivando o

estabelecimento de punições aos agentes infratores.

A noção de punição do responsável pela realização um crime ou colaborou de

forma indireta na sua execução impera na ampla maioria das sociedades atuais, permitindo o

surgimento de uma seara no Direito que possibilitasse o exercício da prerrogativa de punir

conferida ao Estado. Nessa quadra, o Direito Penal surge como o ramo do Direito que

estabelece as infrações penais, cominando-lhes a devida sanção (ESTEFAM, 2013, p. 38).

E não se pode conceber um Estado Democrático de Direito sem as regras e

princípios estatuídos pelo Direito Penal. A convivência em uma sociedade, para que reste

pacífica, impõe a criminalização de condutas contrárias aos valores mais importantes do seio

social. Conforme lecionam Mirabete e Fabbrini (2013, p. 03), o Direito Penal objetiva tutelar

os bens jurídicos fundamentais de uma sociedade, tais como o direito à vida, à liberdade, à

honra, ao patrimônio, à paz pública, dentre outros. Tal ramo do Direito, todavia, só deverá ser

(17)

não-penais se mostram ineficientes para a resolução da controvérsia, configurando-se como última

razão (ultima ratio) na tutela do respectivo bem jurídico.

Para que o Estado possa exercer a sua prerrogativa de punir um infrator, o

denominado jus puniendi estatal, é necessária a existência de instrumentos jurídicos que possam satisfazer tal função. Cumprindo esse mister, consagra-se o processo penal, que na

visão de Lima (2003, p. 09) representa o conjunto de atos coordenados visando o julgamento

da pretensão punitiva.

O Direito Processual Penal se incumbe, portanto, da regulação da investigação

criminal e do processo penal em sentido estrito. Nesses termos, Pacheco (2008, p. 47) pondera

que a investigação criminal, de cunho administrativo, é normalmente realizada pela polícia

investigativa a fim de se reunir um conjunto probatório mínimo apto a ensejar o processo

penal (em sentido estrito), sendo este último considerado o procedimento principal de caráter

jurisdicional em que se pretende decidir se alguém é culpado ou inocente.

Era de se esperar que a tutela dos bens jurídicos por meio dos instrumentos

processuais penais se desse de modo célere e eficaz, possibilitando a resolução dos conflitos

penais e estabelecendo a aplicação da lei penal de maneira escorreita. Todavia, o crescimento

dos índices de criminalidade e o consequente aumento do número de processos criminais em

órgãos jurisdicionados vêm contribuindo para um processo penal moroso e menos efetivo.

Destaque-se que um processo penal moroso não considera apenas o aspecto

quantitativo de tempo a ser empregado para a resolução do caso criminal. É de se imaginar

que situações mais complexas, que envolvam um grande número de crimes e de sujeitos

envolvidos, demandem uma quantidade de tempo superior aos casos de resolução mais

simples. Questiona-se aqui se o processo penal, por vezes burocrático e tormentoso, atingirá o

fim de pacificação social almejado pelo Direito Penal material, em especial através da

aplicação de penas restritivas de liberdade.

Hodiernamente, a Justiça conflitiva, aqui entendida como o modelo tradicional de

absolvição ou condenação do réu, vem sendo mitigada no processo penal pátrio por não

representar aptidão para dirimir todos os conflitos penais de maneira eficaz. Nessa quadra,

Assis (2006, p. 17) destaca que os processualistas modernos se mostram preocupados com a

busca da efetividade do processo, afirmando que a própria pena privativa de liberdade não

consegue atingir os fins precípuos de ressocialização dos condenados. A crise da justiça

conflitiva reflete, também, os contornos oriundos da crise da pena de prisão enquanto sanção

(18)

Nessa equivalência, a falência do sistema carcerário brasileiro também contribui

para a inaplicabilidade da justiça conflitiva em todas as situações fáticas. A ideologia do

tratamento ressocializador das penas de prisão é contestada por Cervini (2002, p. 53), o qual

explica que os efeitos criminógenos do encarceramento do detento podem levar aos

fenômenos da estigmatização do detento e do aumento da potencialidade criminosa dos agora

aprisionados (denominados efeitos do contágio). Ademais, as instalações precárias dos estabelecimentos prisionais e a escassez de recursos pecuniários dificultam, muitas vezes, a

concessão de um tratamento digno e adequado aos condenados.

Ademais, exsurgem questionamentos quanto à eficácia de uma pena de prisão em

face às condutas tidas em nosso ordenamento jurídico como delito, sejam crimes ou

contravenções penais, especialmente no que tange à aplicação da pena de reclusão para

autores de crimes de menor potencial ofensivo.

Feitas considerações, pode-se constatar uma controvérsia no Direito Penal atual: o

delitos não podem deixar de ser punidos, já que ofendem os valores reputados mais

importantes de uma sociedade; a pena de prisão aplicada aos delitos, contudo, vem muitas

vezes exercendo uma função meramente retributiva, desprestigiando-se a sua função

preventiva1 e ressocializadora2.

Considerando a problemática supramencionada, juristas vêm procurando adotar

soluções alternativas de resoluções de conflitos que possam compatibilizar o exercício do jus

puniendi estatal e a aplicação de uma sanção penal que se dirija ao cumprimento de todas as suas funções. Nesse diapasão, vem se dando destaque para um outro modelo de justiça que,

mesmo de forma incipiente, já revela seus reflexos jurídicos na sistemática penal e processual

penal pátria: a justiça consensual.

2.2 Justiça consensual: noções gerais

A compreensão da justiça consensual remete à existência fática de um consenso,

de uma conformidade ou harmonização de interesses das partes envolvidas em uma demanda

penal – incluindo-se aqui o Estado, já que as normas penais desrespeitadas ensejam a

1 Acompanha-se, quanto à função da pena, os ensinamentos de Nucci (2010, p. 391) ao dispor que a pena “é a

sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes.”.

2 A função ressocializadora pode ser compreendida como corolário da função preventiva da pena. Na visão de

(19)

inobservância de situações que o próprio Estado, sopesando bens jurídicos, considerou

potencialmente ofensivas ao convívio social pacífico.

Em uma acepção jurídica, a justiça consensual representa uma medida alternativa

de solução de conflitos penais, possibilitando a abreviação do processo penal a ser aplicado no

caso concreto. Apresentando uma noção conceitual, Assis (2006, p. 15-16) preleciona:

[...] a justiça consensual consiste na resolução dos litígios penais mediante a autonomia da vontade manifestada pelo autor da infração e do titular do direito de ação que, nos termos da lei, resolvem transigir, sob vigilância judiciária, com relação aos direitos que detém na relação jurídica decorrente da prática de um ilícito penal de menor ou de médio potencial ofensivo. Tem a justiça penal consensual por objetivo eliminar as penas curtas de prisão, substituindo-as por medidas alternativas, despenalizadoras, e buscar a reconciliação das partes, com a reparação dos danos acarretados à vítima, se possível.

Na visão de Gomes (2009, online), a justiça consensual comporta quatro submodelos, quais sejam: a justiça reparatória, pautada na conciliação e na reparação de danos; a justiça restaurativa, que objetiva a solução do conflito por meio um mediador distinto do magistrado e das partes processuais; a justiça colaborativa, em que são concedidas benesses ao infrator que colabora com a Justiça Criminal; e a justiça negociada, tal como ocorre no instituto do plea bargaining norte-americano.

O discurso jurídico da consensualidade penal no ordenamento jurídico brasileiro,

todavia, ainda não é passível de aplicação a todos os crimes previstos em nossa legislação. A

Lei nº. 9.099/95 estatuiu elementos jurídicos que se aproximam da noção de justiça

consensual reparatória, tais como a composição civil de danos, da transação penal e da

suspensão condicional do processo, instrumentos que abreviam as etapas processuais

subsequentes a fim de empregar uma solução mais rápida às demandas de menor potencial

ofensivo de competência dos Juizados Especiais Criminais.

Destarte, pode-se afirmar que a justiça consensual colaborativa é adotada no

Brasil por meio do instituto da delação premiada, prevista no Código Penal e em diversas

normas penais extravagantes, citando-se a título exemplificativo as Leis nº. 8.072/90 (Lei de

Crimes Hediondos) e nº. 9.034/95, a qual dispõe sobre meios operacionais de prevenção e

ações praticadas por organizações criminosas.

No tocante à justiça consensual negociada, acentua-se a ideia de harmonização de

interesses por meio de concessões recíprocas a serem realizadas entre o infrator, a vítima ou o

órgão responsável pela persecução criminal. Realizando considerações sobre tal submodelo de

(20)

A Justiça Penal Negociada, ou a solução alternativa de conflito penais, através de uma mediação fiscalizadora, impõe uma modalidade diversa no tratamento do delito, com uma certa desjudicialização parcial e regulada, onde participam o delinquente, a vítima e a comunidade, através de seus representantes, o Estado Acusador e o Estado juiz.

Não existe qualquer pretensão de substituir o sistema penal, mas de complementar suas funções e suas alternativas de aplicação, buscando no juiz a tutela jurisdicional, mas através de uma ratificação da solução privada.

Noutra senda, a justiça restaurativa ou reintegrativa, na visão de Strickland (2004,

p. 02), articula a participação de todas as partes envolvidas no processo – a vítima, o infrator e

a comunidade – conjuntamente a fim de que o dano causado seja reparado, bem com danos

futuros sejam prevenidos. A internalização de tal modelo de justiça é recomendada pelo

Conselho Econômico e Social das Nações Unidas – ECOSOC, cuja Resolução nº 12, de 24 de

Julho de 2002, dispõe sobre a justiça restaurativa e o processo restaurativo em suas duas

primeiras cláusulas operativas3.

A justiça restaurativa se processa através de processos de mediação de conflitos,

com o auxílio de um terceiro, denominado facilitador, o qual realiza reuniões entre a vítima, infrator e familiares, almejando a responsabilização do autor do dano, o apoio a vítima e a

reintegração de ambas as partes à sociedade, em especial a reintegração do infrator após o

cumprimento da pena cominada.

Assim, no tocante à justiça criminal consensual, constata-se que representa uma

forma de resolução de conflitos alternativa ao modelo conflitivo tradicional marcado pelo

litígio, morosidade e burocracia inerentes à ritualística processual tradicional.

2.3O atual modelo brasileiro de justiça consensual

A consensualidade no âmbito jurídico penal brasileiro possui, atualmente,

restrições legais quanto à sua aplicação. Embora existam normas legais que enunciem formas

de consenso para a solução de uma demanda criminal, há apenas a regulação de situações

fáticas específicas, inaplicáveis a todos os casos concretos. Mister compreender, portanto, de

que forma o arcabouço normativo brasileiro possibilita a implementação desse modelo de

3 Cláusulas nº. 1 e nº. 2 da Resolução nº 12/2002 do ECOSOC: “1. Programa de Justiça Restaurativa significa

(21)

justiça na seara penal por meio da análise das medidas despenalizadoras dos Juizados

Especiais Criminais e da delação premiada.

2.3.1 Os Juizados Especiais Criminais

Considerados verdadeiros marcos da justiça penal consensual reparatória em

nosso país, os Juizados Especiais Criminais – JECRIM erigiram-se como a institucionalização

de uma justiça processual penal mais célere, atenuando parte das excessivas demandas

criminais que cotidianamente emergiam no Poder Judiciário brasileiro.

Com o escopo de simplificar o processo penal a ser aplicado em crimes de menor

potencial ofensivo, a instituição dos JECRIM encontra supedâneo legal na Lei nº. 9.099/95 e

alterações posteriores (em especial, a Lei nº 11.313/2006). Tal norma foi introduzida em

nosso arcabouço normativo objetivando implementar um modelo de justiça criminal

consensual, desvencilhando-se do modelo político-criminal demasiadamente repressivo

(SICA, 2002, p. 169). O paradigma até então vigente, de um modelo de justiça penal

burocrático e conflitivo, passa por mudanças significativas com a inclusão de mecanismos

alternativos de resolução de conflitos.

O contraponto à sistemática conflitiva de resolução de controvérsias penais

refere-se, principalmente, à pena a ser aplicada. Reconhece-se a existência de uma subdivisão do

sistema penal brasileiro: o primeiro é o subsistema clássico, também denominado espaço de conflito, no qual se destaca a pena de prisão e a observância ao devido processo legal clássico;

o segundo configura o subsistema consensual, previsto na lei dos JECRIM, que cuida das infrações de menor potencial ofensivo e preza pela aplicação de uma pena que não seja a de

prisão, por meio de um novo processo legal consensual (GOMES, 2012, p. 17-18).

Os institutos previstos na Lei nº 9.099/95 não se aplicam a todas as figuras

delituosas. O âmbito de aplicabilidade normativo abarca os crimes de menor potencial

ofensivo, englobando-se as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não seja

superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa4.

Os critérios orientadores dos Juizados Especiais Criminais, descritos no artigo 2º

da lei supramencionada, incluem a oralidade, simplicidade, informalidade, economia

processual e celeridade. Almeja-se, portanto, uma resposta mais célere do Estado ante a

4 Nesse sentido dispõe o art. 61 da Lei nº 9.099/95, com redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006: “Art. 61.

(22)

existência de um crime cujas penas in abstracto cominadas pelo legislador não são demasiadamente elevadas, solucionando-se o conflito por meio de um consenso entre as

partes processuais.

Destacando a importância dos JECRIM, Mirabete (2000, p. 24) estabelece:

Passou-se, assim, a exigir um processo penal de melhor qualidade, com instrumentos mais adequados à tutela de todos os direitos, assegurando-se a utilidade das decisões judicias, bem como a implantação de um processo criminal com mecanismos rápidos, simples e econômicos de modo a suplantar a morosidade no julgamento de ilícitos menores, desafogando a Justiça Criminal, para aperfeiçoar a aplicação da lei penal aos autores dos mais graves atentados aos valores sociais vigentes. O aumento da criminalidade, aliás, tornava inevitável que se relegasse a segundo plano pequenas infrações penais, passando a ter preferência no julgamento os crimes mais graves diante da necessidade de se retirar do convívio social os elementos mais perigosos. De outro lado, ressaltava-se a necessidade de um procedimento sumário para a apuração dessas infrações menores, dando pronta resposta ao ato infracional e evitando as manobras protelatórias que levavam à porta liberatória da prescrição.

Nessa perspectiva, Vilares (2012, p. 325) se mostra pontual ao afirmar que a Lei

nº 9.099/95 implementou o consenso no modelo de justiça penal brasileira mediante os

institutos da composição civil, transação penal e suspensão condicional do processo,

estimulando uma solução consensual entre as partes processuais.

As finalidades precípuas dos Juizados Especiais Criminais são elencadas por Kyle

(2007, p. 100) como sendo: a não inserção do apenado no sistema prisional; a redução dos

trabalhos forenses; a economia de material de expediente e de mão de obra; a

desburocratização do Judiciário; a tentativa de ressarcir os danos causados à vítima; a

ressocialização do autor do fato e a não ocorrência das prescrições (evitada, especialmente,

com a suspensão condicional do processo). A aplicação de penas restritivas de direito

observam não só o viés punitivo estatal, voltando-se também à reparação do dano à vítima e à

resolução consensual do conflito sem que se restrinja a liberdade de locomoção.

No tocante à mudança de paradigma na justiça criminal brasileira com a

introdução da Lei nº 9.0995, acompanham-se as lições de Grinover (et al, 2002, p. 46) ao afirmar que se busca não apenas uma decisão formalista para o conflito, mas também uma

solução ao conflito, de modo que os operadores do direito – juízes, promotores, advogados, policiais – passam a atuar como propulsores da conciliação na seara penal.

Feitas tais considerações, é oportuno realizar apontamentos sobre os institutos

previstos na lei dos Juizados Especiais Criminais que inspiraram a adoção da justiça

consensual no Brasil aplicável aos crimes de menor potencialidade ofensiva. Anote-se, porém,

(23)

seara criminal; erigem-se, pois, como medidas despenalizadoras, que almejam a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos e podem, eventualmente,

ensejar a extinção da punibilidade.

2.3.1.1 Composição civil de danos

Com a implementação da justiça consensual, confere-se à vítima uma participação

importante no deslinde processual penal. Na justiça conflitiva tradicional, conforme

pontificam Tourinho Neto e Figueira Júnior (2011, p. 595), a vítima normalmente era tida

como um objeto, pois não lhe era dada ciência do andamento processual ou se lhe indagava os

danos que sofreu para fins de indenização pecuniária. Com o advento da composição civil de

danos no âmbito dos JECRIM, o ofendido passaria a se manifestar quanto aos danos sofridos

e a pleitear a possibilidade do infrator os reparar.

Na audiência preliminar nos JECRIM, momento em que se tentará proceder à

conciliação, o magistrado esclarecerá sobre a possibilidade de realização da composição civil

de danos5. Objetivando assegurar o cumprimento da conciliação realizada em tal momento,

eventual o acordo realizado em audiência será homologado pelo juiz, de modo a figurar como

título executivo judicial já dotado de liquidez.

A composição civil de danos cumpre papel importante na justiça criminal, já que,

por vezes, a solução do conflito pode ser realizada com a reparação do dano ao autor. Trata-se

de medida despenalizadora, consistindo, inclusive, em causa de extinção de punibilidade para

os crimes de ação privada e os de ação pública condicionada à representação do ofendido6.

Assinala Mirabete (2000, p. 108) que à vítima é permitida a escolha entre a proposta realizada

pelo autor do fato danoso ou pelo representante legal do infrator.

Quando há pluralidade de sujeitos ativos e a quantificação do dano não for

passível de divisão, o infrator que reparar o dano em sua integralidade estenderá a extinção de

punibilidade a todos os demais autores do fato7. Caso se trate de um dano divisível, em que é

5 Art. 72 da Lei nº. 9.099/95: “Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público,

o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.”

6 Art. 74 da Lei nº. 9.099/95: “Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo

Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.”

7 Art. 49 do Código de Processo Penal: “Art. 49 - A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um

(24)

possível a individualização das condutas e a mensuração pecuniária de cada ato singularmente

considerado, aquele que homologar um acordo com a vítima e efetuar a reparação do dano

que causou não estenderá a extinção de punibilidade aos outros acusados (TOURINHO

NETO; FIGUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 596).

Nos crimes de ação penal pública incondicionada, contudo, a composição civil de

danos não se configura como uma causa extintiva de punibilidade. Nessa hipótese, as etapas

processuais subsequentes dos Juizados Especiais, tais como a transação penal, poderão ser

adotadas. A reparação do dano, todavia, ensejaria a causa de diminuição de pena do

arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Código Penal, permitindo que haja a

diminuição de um a dois terços da pena se o crime for cometido sem violência ou grave

ameaça.

Nos crimes de ação penal privada ou de ação penal pública condicionada à

representação da vítima, as principais benesses a serem concedida ao acusado consistem nos

efeitos do acordo realizado entre as partes, visto que é legalmente imposto à vítima a renúncia

ao seu direito de queixa ou representação. Dessa forma, realizado o acordo, poderá a vítima se

valer dos meios judiciais para executar um título certo, líquido e exigível. Logo, aquele que

anteriormente era tido como réu em processo penal passaria a figurar como executado em um

processo cível caso opte por não cumprir o acordo voluntariamente após a sua homologação

pelo magistrado competente.

2.3.1.2 Transação Penal

Derivado do latim transactio, o vernáculo transação possui diferentes acepções. Conforme preleciona Jesus (2009, p. 58), em seu sentido comum, transação significa um

negócio, enquanto que em uma acepção jurídica pode ser compreendida como o ato jurídico

que extingue obrigações por meio de concessões feitas, reciprocamente, pelas partes

interessadas.

A estruturação do indigitado instituto nasceu da orientação constitucional de

implementação dos Juizados Especiais. A Constituição Federal prevê, desde sua promulgação,

a transação penal como medida jurídica a ser adotada, conforme dispõe a redação de seu

Artigo 98, inciso I8. Em que pese a adoção do instituto da transação também no âmbito do

(25)

processo civil, as considerações aqui realizadas discorrerão somente sobre sua aplicabilidade

ao processo penal brasileiro.

Para que a mencionada norma constitucional pudesse produzir efeitos,

mostrava-se necessária a edição de uma lei federal. Somente mostrava-sete anos após a promulgação do texto

constitucional foi editada a Lei federal nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que faz menção

em seu Artigo 76, especificamente, sobre o instituto da transação penal9.

Pode-se entender a transação penal como a oferta realizada pelo membro do

Ministério Público e condicionada à aceitação do réu em que pode ser aplicada à este uma

pena restritiva de direitos ou multa, devendo ser atendidos os pressupostos legais que

possibilitam sua aplicação. Perquirindo sobre a importância do referido instituto jurídico em

nossa sistemática legal, Bitencourt (2003, p. 122) sublinha:

A transação penal vem sendo apontada como uma das mais importantes formas de despenalizar na atualidade, sem descriminalizar, aduzindo-se, entre outras razões, as de procurar reparar os danos e prejuízos sofridos pela vítima, ser mais econômica, desafogar o Poder Judiciário, evitar os efeitos criminógenos a prisão, sustentando-se, inclusive, que a utilização da transação penal integra ‘um verdadeiro e moderno modelo de justiça penal participativa e resolutiva’.

A transação penal institucionaliza a noção de que a autonomia da vontade poderá

influir no processo penal, afinal, sua propositura poderá ou não ser aceita pelo autor do fato

delituoso. A proposta apresentada pelo Ministério Público não poderá representar uma

imposição, sendo imprescindível que o suposto autor do fato demonstre sua anuência em

aceitar a proposta da aplicação de penas restritivas de direito.

Quanto ao momento de sua ocorrência, a transação penal pode ocorrer tanto na

audiência preliminar (art. 76 da Lei nº. 9.099/95) quanto na audiência de instrução e

julgamento (art. 79 da Lei nº. 9.099/95).

No que diz respeito à possibilidade do Ministério Público não oferecer a transação

penal ao autor da infração, mesmo este tendo observado os requisitos legais, esquadrinham-se

opiniões divergentes entre os estudiosos do gênero. Tal polêmica adviria, principalmente, da

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

[...]

§ 1º Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal.”

9 Art. 76, caput, da Lei nº 9.099/95: “Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal

(26)

exegese art. 76 da Lei dos JECRIM, o qual preconiza que o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata da pena restritiva de direitos ou multa.

A literalidade normativa e a interpretação gramatical do dispositivo legal levam a

crer que a expressão poderá indicaria a discricionariedade do órgão acusador, expressando uma possibilidade, e não necessidade, da ocorrência da proposta de transação. Conforme

pontifica Kyle (2007, p. 114), os defensores dessa tese se pautam na noção de que, como o

Ministério Público é o detentor da ação penal, este seria também o detentor da proposta,

ofertando-a apenas nas medidas que considerar necessárias em observância ao princípio da

oportunidade.

Entretanto, o entendimento acima explanado encontra obstáculos teleológicos,

pois se o instituto da transação está inserido em uma norma jurídica que busca a simplificação

da solução de conflitos penais para as partes envolvidas, torna-se difícil compreender a

inviabilidade de propositura da transação para os indivíduos que se amoldam a todos os

requisitos legais (discricionariedade regrada). Nessa quadra de entendimento, Grinover (et al, 2002, p. 143-144) preleciona:

Pensamos, portanto, que o “poderá” em questão não indica mera faculdade, mas um poder-dever, a ser exercido pelo acusador em todas as hipóteses em que não se configurem as condições do §2º do dispositivo. [...] ao poder dever da acusação corresponderia um verdadeiro direito subjetivo do autuado à apresentação da proposta de transação, uma vez que não enquadrado o caso nas hipóteses do §2º do art. 76.

Em verdade, há estudiosos que elencam a transação penal como o exercício do

direito de ação, de modo que não ocorreria qualquer malferimento ao princípio do devido

processo legal. A fundamentação para tal tese seria que, ao propor a aplicação do art. 76 da

Lei nº. 9.099/95, o Ministério Público estaria realização uma imputação ao autor do fato e

solicitando a aplicação de uma pena (JARDIM, 2005, p. 337).

Impende elucidar o papel do juiz na proposta de transação. Conforme leciona

Lima (2013, p. 1455), nenhum magistrado está obrigado a homologar a proposta de transação

caso verifique que o autor não cumpre os pressupostos legais de concessão da transação penal

ou que o fato delituoso não se enquadra como uma infração de menor potencial ofensivo. Não

se trata, portanto, de um magistrado que meramente homologaria a proposta de transação,

devendo aferir a existência de seus requisitos autorizadores.

Por se tratar de medida despenalizadora, o instituto atenua a pena a ser aplicada ao

autor do fato sem que a conduta social incriminada deixe ser prevista como ilícito penal.

(27)

aos fins sancionatórios do Direito Penal, aplicando-se uma pena ao infrator. Neste aspecto,

Tourinho Neto e Figueira Júnior (2011, p. 630) firmam posicionamento:

A transação penal despenaliza, sem descriminalizar. O crime continua existindo. O seu autor sofrerá não pena privativa de liberdade, mas pena restritiva de direitos ou pena de multa. Melhor para ele que não responde processo que, na verdade, constitui um tormento. Daí a grande vantagem do processo do Juizado Especial instituindo a transação em que o réu não corre o risco de vir a sofrer uma condenação com pena privativa de liberdade. Melhor para a sociedade, que não perde uma força de trabalho e para o Estado, que deixa de construir penitenciárias [...]. Bom, enfim, para a vítima, que, com a transação penal, é indenizada.

Por meio da transação penal, aquele que é acusado de ter cometido um crime

abrevia etapas processuais, bem como o Estado mantém sua prerrogativa de punir (jus

puniendi) o indivíduo infrator. A admissão de tal instituto não implica em afirmar que os delitos restarão impunes, tendo em vista a aplicabilidade de penas restritivas de direitos.

Dessa forma, coíbe-se a impunidade ao mesmo tempo em que se oferece uma resposta mais

célere aos processos envolvendo crimes cujo legislador culminou, a priori, penas privativas de liberdade brandas.

2.3.1.3 Suspensão condicional do processo

A suspensão condicional do processo, ou sursis processual, é conceituada por

Mirabete (2000, p. 245) como sendo a prática de sustação da ação penal, desde que o réu

observe a certos requisitos e cumpra as condições fixadas durante um determinado prazo

prefixado que, ao se findar sem a inobservância de tais condições, ensejará a extinção de

punibilidade. Nesse sentido, o réu poderia evitar a instrução processual e a aplicação de

sanção penal caso observe a tais condições. Seu fundamento legal está disposto no Art. 89 da

Lei nº. 9.099/9510.

Já Bonfim (2008, p. 555) define sursis processual “[...] como a interrupção do

curso processual, com a imposição de uma série de condições ao beneficiado, durante um

período de prova, o que poderá levar à extinção de punibilidade”.

Em que pese o instituto epigrafado estar disposto na Lei dos Juizados Especiais

Criminais, sua aplicação não está restrita aos crimes de menor potencial ofensivo. A redação

do caput do artigo 89 da Lei nº. 9.0995 é clara ao afirmar que a proposta de suspensão do

10Art. 89, caput, da Lei 9.009/95: “Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a

(28)

processo pode ser realizada para crimes com pena mínima igual ou inferior a um ano,

independente da pena máxima aplicada. Compreenda-se, por exemplo, que o atual crime de furto previsto no Art. 155 do Código Penal Brasileiro não está inserido no âmbito de

competência dos JECRIM, pois a pena máxima a ele cominada é de 4 (quatro) anos; todavia,

como a pena mínima do crime é de 1 (um) ano, é possível a concessão da referida suspensão

do processo.

Conforme assevera Carvalho (2006, p. 27), a suspensão condicional do processo

possui natureza dúplice, pois em que pese se tratar de uma regra processual, também possui

caráter penal ao instituir a extinção da punibilidade após o decurso do prazo sem revogação

do benefício11.

Por meio do sursis processual, o titular da ação penal dispensa o regular prosseguimento desta e da persecução de uma acusação, além do acusado se comprometer em

cumprir algumas condições fixadas sem, contudo, assumir a culpabilidade pelo fato delituoso.

Só será cabível o sursis processual caso o Ministério Público já tenha oferecido a denúncia e esta tenha sido regularmente recebida pelo juiz.

Assim como a proposta de transação penal, a suspensão condicional do processo

se configura como uma medida despenalizadora em que se evita a aplicação da pena

inicialmente imputada, posição está já respaldada pelo Supremo Tribunal Federal12.

Devem ser feitas considerações quanto a natureza da suspensão condicional do

processo, se poderia ser considerada ato discricionário do Ministério Público ou se o réu

possuiria direito subjetivo a tal benefício. A relevância da discussão jurídica ensejou,

inclusive, manifestação do STF por meio da edição da Súmula nº. 696, a qual enuncia que

“reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”. Nessa senda de entendimento, conforme leciona Capez (2010, p. 604), enquanto titular da ação penal

pública, compete ao Ministério Público a propositura da suspensão condicional do processo,

não cabendo ao juiz a tarefa de concessão ex officio do benefício do sursis processual.

A justificativa para a adoção da interpretação do STF, ressalte-se, não encontra

ressonância unânime nos compêndios jurídicos. Sob os ditames da justiça consensual,

Figueira Júnior e Lopes (2000, p. 706) elucidam que as negociações possuem limites bem

11 Vide art. 89, § 5º, da Lei 9.099/95.

(29)

definidos e as condições a que o réu deve se submeter já estão legalmente previstas,

concluindo que a suspensão condicional do processo figura como instrumento em prol da

liberdade do acusado.

Os requisitos necessários à suspensão condicional do processo são: a pena mínima

cominada igual ou inferior a 1 (um) ano; que o acusado não esteja sendo processado; e que o

acusado não tenha sido condenado por outro crime.

O primeiro requisito, a pena mínima em abstrato igual ou inferior a uma ano, é

estruturado com base em um critério objetivo. Pressupõe, portanto, a pena elencada mínima

elencada pelo legislador, destacando-se que na hipótese de concurso material de crimes

somente poderá ocorrer o sursis processual se a soma das penas não exceder 1 (um) ano. O segundo requisito, a inexistência de processos contra o acusado, é passível de

interpretação restritiva. Leciona Bitencourt (2003, p. 144) que, embora o legislador não tenha

se referido expressamente ao processo criminal, não importaria à seara criminal o fato de o

agente estar respondendo a algum processo na esfera civil, motivo pelo qual se deve

compreender que o Art. 89 da Lei dos JECRIM exige como requisito que o acusado não esteja

respondendo a processo por outro crime.

O terceiro requisito exige que o arguido não tenha sido condenado pela prática de

outro crime. Outrossim, se verifica como um outro critério objetivo, não importando em

qualquer ofensa à presunção de inocência do acusado. Importa dizer que a condenação por

outro crime deve considerar uma decisão irrecorrível. O magistério de Bitencourt (2003, p.

145-146) destaca que não se pode considerar a prática de contravenção anterior como óbice à

concessão do sursis processual, devendo-se restringir à prática de crime.

Por fim, o indigitado instituto não é cabível nas ações penais de iniciativa privada,

em que já vigora o princípio da oportunidade e o detentor da ação penal ou seu representante

legal podem optar livremente pela instauração, ou não, de um processo criminal contra o

suposto infrator.

2.3.2 Colaboração Premiada

O crescimento da criminalidade organizada se apresenta como um fenômeno

global. O Estado brasileiro, objetivando enfrentar a crescente formação de tal fenômeno,

promoveu medidas que objetivam o endurecimento da lei penal e o consequente

(30)

substancial, colaboram com o desmantelamento de tais organizações, o que atualmente se

denomina de colaboração premiada13.

Inicialmente, há que se fazer a distinção entre as expressões cola boração

premiada e delação premiada, muitas vezes tidas como sinônimas.

A colaboração premiada, ou colaboração processual, pode ser compreendida

como uma técnica especial de investigação em que o partícipe ou coautor de um crime

colabora com as autoridades, possibilitando o desmantelamento de bandos ou quadrilhas

(LIMA, 2013, p. 752). Um determinado indivíduo se identifica como autor ou partícipe do

crime (pratica a confissão) e indica às autoridades competentes elementos necessários ao

desmembramento de uma organização criminosa sem nomear ou identificar especificamente

outros autores. De forma semelhante, a delação premiada, também denominada chamamento de corréu, é identificada por Aranha (2006, p. 132) como sendo o ato do acusado que, ao ser

interrogado pela autoridade policial ou em juízo, confessa ser autor do crime, bem como

imputa a coautoria a um de seus comparsas.

Para que haja colaboração premiada, o réu confessa a prática do crime sem indicar

terceiros infratores, enquanto que na delação premiada ele elenca outros indivíduos como

agentes delituosos. Descortina-se, portanto, que a adoção do vocábulo colaboração premiada

para figurar como instituto de justiça negocial é justificada por ser um fenômeno jurídico que

engloba a delação premiada.

O indigitado instituto possui previsão em sede infraconstitucional, sendo adotado

nas seguintes leis: Lei dos Crimes Hediondos (Art. 8º, parágrafo único da Lei nº. 8.072/90),

na Lei de Combate ao Crime Organizado (Art. 6º da Lei nº 9.034/95), na Lei de crimes contra

o sistema financeiro (Art. 25, §2º da Lei nº. 7.492/86), na Lei de Crimes contra a ordem

tributária e as relações de consumo (Art. 16, parágrafo único da Lei nº. 8.137/90), na Lei de

lavagem de capitais (Art. 1º, §5º da Lei nº. 9.613/98), na Lei de proteção às testemunhas e

vítimas ameaçadas (Arts. 13 e 14 da Lei nº. 9.807/99), na Lei de Tóxicos (art.41 da Lei nº.

11.343/200 e no art. 159, §4º do Código Penal (causa de diminuição de pena em casos de

extorsão mediante sequestro).

Não se deve olvidar que a colaboração premiada é prevista também em

convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, notadamente a Convenção de

Palermo (Art. 26, item 2 do Decreto nº. 5.015, de 12 de março de 2004, que promulga a

13 Em que pese a adoção da denominação “colaboração premiada”, trata-se de construção vernacular de origem

(31)

Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional) e a Convenção de

Mérida (Art. 37, itens 1, 2 e 3 do Decreto nº. 5.687, de 31 de janeiro de 2006, que promulga a

Convenção das Nações Unidas contra a corrupção).

É oportuno registrar que, tendo sido previsto no sistema jurídico pátrio

anteriormente à edição da Lei nº. 9.099/95, é considerado um dos marcos iniciais da justiça

consensual penal no sistema jurídico brasileiro. Ao auxiliar a coleta de provas, identificar

corréus ou trazer à baila elementos importantes na solução do crime, o colaborador pode

auferir benefícios na quantificação da pena a ser aplicada. Todavia, diferencia-se sutilmente

do conceito de justiça consensual adotado pelos Juizados Especiais Criminais, por nós já

apresentado no item 2.2. Não há previsão da aplicação de despenalização por meio da adoção de penas restritivas de direito nas hipóteses de delação premiada, mas, sim, de causas de

diminuição de pena e, eventualmente, o perdão judicial.

A colaboração premiada é orientada pela noção de que há concessões recíprocas

entre as partes, pois o réu colabora com a justiça e, em contraprestação, passa a ser apenado

de modo mais brando do que se não tivesse colaborado, com a redução da pena.

Destarte, a negociação na delação premiada não abrevia etapas do processo penal,

diferentemente dos institutos previstos na lei 9.099/95. Em sendo um delator premiado, o réu

não se exime de figurar como tal - um verdadeiro réu em um processo penal, o qual incidirão

algumas benesses na quantificação da pena a ser aplicada. E o motivo da não restrição às

garantias processuais e constitucionais do delator premiado é compreensível, já que contra ele

poderão ser eventualmente imputadas penas privativas de liberdade, motivo pelo qual

eventual aprisionamento deve ser necessariamente precedido do devido processo legal.

Conforme orienta Guidi (2006, p. 125), a natureza da delação premiada é

decorrente do princípio do consenso, uma variante do princípio da legalidade que permitiria às partes entrarem em consenso quanto à situação jurídica do acusado, que concorda com a

imputação contra ele feita. Dessa forma, o delator confessaria ter cometido o crime ao mesmo

tempo em que atua como colaborador da justiça, declarando informações relevantes para a

resolução do caso, o que ensejaria o recebimento de benefícios quanto à pena a ser aplicada.

Repise-se que, tal como nos Juizados Especiais Criminais, a justiça consensual brasileira se

forma pelo consenso, não se vislumbrando a formação de uma verda de consensual entre Ministério Público e acusado.

Dentre os requisitos necessários para que se configure o ato de delação, Essado

(32)

manifestação de vontade do imputado desprovida de coação física ou psíquica; e a

indispensabilidade da presença do defensor e do Ministério Público para atestar a validade do ato, podendo ser dispensada a presença do membro do Ministério Público caso a delação se dê

em fase pré-processual e não advenha prejuízo ao imputado. Todavia, o mesmo autor (2013,

p. 213) entende ser prudente a presença do Ministério Público “(...) a depender do conteúdo e

extensão do alcance das palavras ditas pelo imputado, (...) já que a autoridade policial não tem atribuição para pactuar algo que lhe foge da esfera funcional.”.

No que pertine ao valor probatório da colaboração premiada, pode-se afirmar que

as declarações do colaborador processual não poderão servir unicamente para fim de

incriminação daqueles tidos como corréus, devendo ser confrontadas com as outras provas

existentes ou a serem produzidas. Assim como a confissão, a colaboração processual não

detém força probatória absoluta, devendo existir outras provas que possam oferecer ao

magistrado elementos de convencimento suficientes para solucionar o caso criminal.

2.4 Críticas à sistemática de justiça consensual adotada no Brasil

O movimento pela implementação da consensualidade penal é interpretada com

ressalvas por estudiosos da seara penal e processual penal, que tecem considerações críticas à

sua normatização no Direito brasileiro.

A primeira crítica se refere à própria prevalência da autonomia da vontade na

condução do processo, aproximando a solução processual dos ramos do Direito Privado ao se

primar pela reparação de danos em um viés negocial. Esse entendimento é compartilhado por

Prado (2002, p. 91-92), que pontua:

De toda maneira, parece evidente que transportar para o processo penal a face civil do conflito e impor condições de composição – ou reparação do dano, ainda que na modalidade de prestação social alternativa – para que o imputado escape ao processo penal, além de transformar a justiça penal em sede de negócios de natureza patrimonial, desvirtua um dos princípios antes mencionados, tal seja, a qualidade do processo, que depende sempre do valor de verdade contido na sentença penal para assegurar a legitimidade do exercício do poder de punir. Em que pese sua relevância, a solução da questão civil de fato há de ser buscada mas sem prejuízo de que se apure, no processo penal e de acordo com os princípios do contraditório, da publicidade e da presunção de inocência, a responsabilidade penal do imputado, cuja punição dependerá, também, de um juízo de proporcionalidade que está vinculado aos fins da pena e não ao comportamento processual do acusado.

Assim, a aproximação do Direito Penal e Processual Penal ao Direito Privado

(33)

controvérsia penal já remete a discussões sobre a real necessidade da existência de uma norma

penal incriminadora (NUCCI, 2010, p. 665).

Com efeito, também são feitas críticas à justiça consensual no que pertine à

mitigação do princípio da necessidade do processo penal em relação à pena. Na visão de

Lopes Jr. (2006, p. 3-4), a aplicação da pena necessita não só da existência do delito, mas,

também, de um processo penal pleno, de modo que se o processo termina sem seu

desenvolvimento completo ou é eivado de nulidade, não há como ser imposta uma sanção

penal. Tal tese sustenta que, ao se abreviar o processo (e sendo este essencial à aplicação de

uma sanção), há o consequente abrandamento do poder de punir estatal. Haveria

inobservância do princípio da nulla poena sine judicio, postulado que exprime a impossibilidade de se aplicar uma pena sem a existência de processo prévio.

Contudo, a título de antítese argumentativa, cumpre ressaltar que o Art. 98 da

Constituição da República Federativa do Brasil fez menção expressa à criação dos Juizados

Especiais e do instituto da transação. O legislador constituinte originário anteviu situações que

excepcionam a instituição da pena sem o desenvolvimento regular do processo, não havendo

que se falar em desrespeito aos próprios princípios constitucionais, já que o constituinte

originário expressou sua conformidade com a instituição de medidas despenalizadoras no

âmbito do JECRIM.

Outra crítica ao modelo de justiça consensual no Brasil diz respeito às

consequências oriundas dos institutos previstos na Lei nº 9.099/95. Na visão de Nucci (2010,

p. 664), em que pese se destacar o saldo positivo oriundo da criação dos JECRIM, não se

pode sobrelevar o aspecto negativo referente à inobservância do legislador ao princípio penal

da intervenção mínima, pois a facilidade com que se pode dirimir o conflito penal por meio

das medidas despenalizadoras prejudica um trabalho legislativo que extirpe determinadas

condutas sociais “esquecidas” do cenário penal, tal como a contravenção de mendicância. Obstar-se-ia, portanto, a necessidade de expurgar da legislação penal tipos criminais que, na

realidade prática, não são apenados.

Em uma análise perfunctória, Gomes (2002, p. 86-87) destaca ainda que, muito

embora a Lei nº 9.099/95 tenha sido instituída para restringir os efeitos maléficos da

intervenção penal, as sanções alternativas estão sendo, muitas vezes, sendo indevidamente

aplicadas, com a inobservância de garantias penais e processuais mínimas, tais como a

aceitação de propostas de transação sem a descrição do fato típico e a desconsideração de

(34)

orientada por um utilitarismo processual voltado para a resolução célere de uma demanda, não

implicaria necessariamente na efetividade da prestação jurisdicional ou na formulação de uma

acusação responsável.

O instituto da delação premiada não resta incólume ante a considerações de

estudiosos do Direito Penal. Dentre os principais pontos negativos apontados por Nucci

(2010, p. 444), destacam-se: a ) a oficialização legal de uma forma antiética de comportamento social, consubstanciando um viés jurídico a uma conduta imoral; e b) a

possibilidade de, no caso concreto, serem imputadas penas desproporcionais ou díspares, com

réus que cometeram atos de menor participação tendo pena superior a um eventual delator que

cometeu atos de maior gravidade apenas pelo fato de este segundo grupo de réus ter

colaborado com a justiça.

Ademais, não se poderia negar que a conciliação e negociação frustradas poderão

causar o que Lopes Jr. (2006, p. 145) denomina de “prejuízo causado pelo pré-juizo” com a negativa de negociação por parte do suposto autor do fato, pois o juiz que preside as

negociações é o mesmo que julgará o processo e, a depender da argumentação exposada, o

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Figura 01: Procedimento da plea bargaining nos Estados Unidos.

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