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A posição do enunciador na incidência dos valores deônticos: uma análise da categoria modalidade no discurso publicitário

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Academic year: 2018

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A POSIÇÃO DO ENUNCIADOR NA INCIDÊNCIA DOS VALORES DEÔNTICOS uma análise da categoria modalidade no discurso publicitário

Nadja Paulino PESSOA - PPGL/UFC1

0 Considerações Iniciais

A modalidade lingüística é entendida como o modo pelo qual o falante qualifica o enunciado por ele produzido, ou seja, é o julgamento do falante sobre as possibilidades ou as obrigações envolvidas naquilo que está sendo dito. Conforme Pessoa (2007), trata-se de um domínio semântico-discursivo, cuja expressão lingüística pode ser feita por meios morfológicos, lexicais, sintáticos ou prosódicos, o que não significa dizer que eles são não mutuamente excludentes.

Entendemos, assim, que a modalidade constitui uma categoria lingüística por meio da qual o falante codifica conteúdos e intenções, segundo seu conhecimento das normas de conduta, de modo a atuar sobre o ouvinte, ou melhor, a interagir com o ouvinte, seja ampliando, modificando ou substituindo sua informaçãopragmática, conforme vemos na Teoria da Gramática Funcional e em outras propostas funcionalistas.

Do ponto de vista lingüístico, a principal distinção deve ser feita entre modalidade epistêmica, relacionada ao conhecimento ou crença do falante em relação à verdade de uma proposição, e modalidade deôntica, como o fazem vários autores como Lyons (1977), Hengeveld (1987) e Dik (1997).

Visando compreender a inter-relação entre modalidade deôntica e construção discursiva, uma vez que “as modalidades constituem verdadeiras estratégias retórico-argumentativas” (CORACINI, 1991, p.120), estabelecemos vários objetivos, dos quais focalizaremos este: analisar como a inclusão ou não-inclusão do enunciador nos valores deônticos por ele instaurados contribui para a construção da argumentação, com o propósito de persuadir o leitor-consumidor, o que diz respeito à posição do enunciador.

Os objetivos estabelecidos nos levaram a optar por um enfoque funcionalista, uma vez que se busca integrar os componentes sintáticos, semânticos e pragmáticos na análise, o que pressupõe o estudo da língua em uso, ou seja, a partir de enunciados realizados efetivamente nos gêneros textuais, tidos como práticas sócio-discursivas.

Sendo assim, a análise da modalidade deôntica, mais especificamente a da posição do enunciador, foi feita a partir de enunciados efetivos do gênero anúncio publicitário, publicados em revistas de circulação nacional, que formam o corpus do Banco de Dados de Língua Escrita, armazenado no Centro de Estudos Lexicográficos do Departamento de Lingüística da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara.

Este artigo está organizado em três partes. Na primeira, tratamos do suporte teórico funcionalista no que tange a categoria modalidade, bem como das características da modalidade deôntica e sua relação com a argumentação. Na segunda parte, versamos sobre a metodologia empregada na análise dos dados, sobre o corpus e as “variáveis” sob as quais analisamos as 274 ocorrências. Por último, procedemos à análise e discussão dos resultados encontrados após a rodagem do VARBRUL.

1. O Tratamento Funcional da Modalidade Deôntica

A opção pela orientação funcionalista se justifica pela proposta de que a estrutura frasal está organizada em camadas (HENGEVELD, 1987; DIK, 1997), o que possibilita analisar a modalidade

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em diversos níveis de atuação, permitindo, assim, estabelecer três tipos de modalidade, a saber: a modalidade inerente, a modalidade objetiva e a modalidade epistemológica.Além disso, por meio dessa organização formal e semântica em camadas, é possível observar as relações entre outras categorias como tempo e aspecto.

Ao adotarmos um posicionamento funcionalista (moderado), uma vez que optamos pela Gramática Funcional de Dik (1997), vemos que é possível observar a inter-relação entre os modalizadores ditos deônticos e um dado discurso, contemplando suas funções discursivas em ocorrências reais de uso, o que nos é de muita valia, já que nossa intenção é descrever e explicar como tal categoria colabora no processo de construção da argumentatividade no discurso publicitário, com o propósito de persuadir o leitor (provável consumidor), modificando, assim, a informação pragmática do ouvinte e levando-o a ação (compra).

Por tudo isso, uma análise do uso de modalizadores deônticos pode deixar clara a relação de base funcional entre as funções discursivas desse tipo de modalidade e os propósitos sócio-interacionais desse gênero.

1.1.A Modalidade Deôntica

Para Lyons (1977), o termo deôntico se refere à lógica da obrigação e da permissão, o que significa dizer que a modalidade deôntica está relacionada à necessidade ou à possibilidade dos atos realizados por agentes moralmente responsáveis. Dessa forma, há alguma espécie de controle humano intrínseco dos eventos, como nos esclarece Neves (1996).

Lyons (1977) explica que este tipo de modalidade possui três características, a saber: (i) descrição de um Estado-de-coisas (EC) que será obtido, caso o ato seja realizado, e não de um ato em si mesmo; (ii) relação intrínseca com a noção de futuridade; (iii) existência de uma fonte (pessoa ou instituição que a instaura ou cria uma necessidade ou possibilidade) e de um alvo deôntico (pessoa ou instituição sobre a qual está dirigido o valor deôntico instaurado).

Leite (2002) afirma que a modalidade deôntica corresponde aos predicados cujos valores modais são obrigatório, proibido e permitido. Essas noções estão de algum modo relacionadas entre si por meio da polaridade. Assim, uma obrigação, uma proibição ou uma permissão pode ser instaurada diretamente ou indiretamente, o que confere, ao enunciado, efeitos de sentidos diferentes.

Os valores deônticos podem ainda ser subdivididos, conforme nos esclarece Almeida (1988), em:

· obrigação: moral/interna ou material/externa · proibição: moral/interna ou material/externa · permissão: sugestão, concessão ou autorização

Quanto aos meios de expressão da modalidade do eixo da conduta, destacamos o uso dos verbos auxiliares (poder, dever, precisar, necessitar) e plenos (permitir, obrigar, deixar), dos adjetivos em posição predicativa (é preciso, é necessário, é obrigatório), substantivos (obrigação, proibição, sugestão) e advérbios (obrigatoriamente, necessariamente).

1.1.1. Modalidade Deôntica e Argumentação

Como pretendemos explicitar o relacionamento entre tal categoria e a construção da argumentação no que diz respeito ao discurso publicitário, recorremos às noções de “auditório”, “acordo”, “argumentação” e outras, a partir de Perelman & Olbrechts-Tyteca (1996).

A argumentação visa, de uma maneira geral, obter a adesão daqueles a quem se destina. Dessa forma, para que ela se desenvolva de modo adequado, é necessário que o orador conheça seu auditório2 e prenda sua atenção, principalmente no que diz respeito à publicidade. Comentam os autores que a “maior parte das formas de publicidade e propaganda se preocupa, acima de tudo, em prender o interesse de um público indiferente, condição indispensável para o andamento de qualquer argumentação” (p.20).

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Ao ter conhecimento do seu auditório, o orador deverá adaptar-se a ele, a fim de influenciá-lo no sentido de levá-lo a ação (consumir), ou seja, de persuadi-lo3. Essa adaptação do orador o leva a adotar diferentes máscaras (ethos), considerando diversos fatores sociais, religiosos, políticos, etc.

Os autores chamam a atenção para a dificuldade de determinar esse auditório, ainda mais quando se trata do texto escrito, como é o caso dos anúncios publicitários por nós analisados, já que são impressos. Salientamos que o auditório a que se dirige o publicitário é, em certa medida, heterogêneo, uma vez que reúne “pessoas diferenciadas pelo caráter, vínculos ou funções”. Apesar dessas diferenças, podemos perceber um “elo” que une os indivíduos a quem se destinam os anúncios por nós analisados: a classe social. Isto se deve ao fato de tais anúncios terem como suporte as revistas, pois elas atingem a maioria das pessoas de classe A e B. O auditório de elite se caracteriza por sua situação hierárquica e serve de modelo a qual devem moldar-se os demais.

Além do conhecimento do público, o ponto de partida e o desenvolvimento da argumentação dependem dos tipos de acordos do auditório, pois cada um desempenha um papel argumentativo diferente. Os acordos podem servir de premissas que fundamentam e organizam a construção discursiva (logos). Eles são agrupados em duas categorias: (i) uma relativa ao real e (ii) uma relativa ao preferível. A primeira diz respeito aos fatos, verdades e presunções; enquanto a segunda, aos valores, hierarquias e lugares.

Parece-nos que, ao fundamentar sua argumentação em valores e hierarquias, o orador pode servir-se, na construção discursiva, de enunciados deonticamente modalizados, uma vez que este tipo de modalidade está relacionado à conduta (moral, legal, social, religiosa...) dos membros da sociedade. Sendo assim, acreditamos que o uso de tais modalizadores contribui para a construção da argumentatividade de qualquer discurso, em especial do discurso publicitário, uma vez que este tenta regular e ordenar a sociedade.

Por fim, destacamos que, por não existir uma escolha neutra, a opção por determinada posição na incidência dos valores deônticos, por exemplo, depende, entre muitas outras coisas, da intenção argumentativa do “orador”.

2. Metodologia

2.1. Anúncios Publicitários: algumas considerações

Carvalho (2002) afirma que alguns autores consideram o termo propaganda mais abrangente que publicidade. Segundo eles, o primeiro termo – propaganda – estaria relacionado à mensagem política, religiosa, institucional e comercial, enquanto que o segundo – publicidade – seria relativo apenas a mensagens comerciais, pois, apesar de muitas vezes se valerem de métodos semelhantes, diferenciam-se quanto ao universo que exploram.

A publicidade é mais leve, no sentido de ser mais sedutora que a propaganda. Como não tem autoridade para ordenar, o emissor utiliza a manipulação disfarçada: para convencer e seduzir o receptor, não deixa transparecer suas verdadeiras intenções, idéias e sentimentos, podendo usar vários recursos: a ordem (fazendo agir), a persuasão (fazendo crer), a sedução (buscando o prazer).

Gonzales (2003), ao citar Pinho (1990), diz que, além de promover serviços e produtos, a publicidade tem outras atribuições, tais como: (i) lançar um produto novo, (ii) tornar públicas eventuais alterações num produto, (iii) combater e neutralizar a propaganda dos concorrentes, (iv) cultivar preferência pela marca; e outras.

Segundo Sousa (2005), o anúncio é um gênero social relativamente estável, uma vez que os usuários “intuitivos” são capazes que reconhecê-lo e identificá-lo, levando em consideração ora a seqüência textual, ora a função da linguagem (apelativa), ora a organização textual, ora o uso abundante de adjetivos (estilo). Além disso, os publicitários (usuários especializados) reconhecem uma estrutura textual própria, bem como a utilização de aspectos textual-discursivos.

Quanto à estrutura textual do anúncio, existem inúmeras propostas de classificação das partes que o compõem. Recorremos, entretanto, à de Souza (2005) por estabelecer um padrão

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organizacional com uma recorrência de cinco elementos: 1) título; 2) subtítulo; 3) corpo do texto; 4) slogan; e 5) assinatura. Vale ressaltar que apenas três desses elementos são constantes, a saber: o título, o corpo do texto e a assinatura. Os outros dois (subtítulo e slogan), por nem sempre se fazerem presentes, são considerados elementos flutuantes.

2.2. Procedimentos Metodológicos

2.2.1. O Corpus

O Banco de Dados ao qual recorremos está constituído por mais de 70 milhões de ocorrências de palavras em textos escritos no Brasil a partir da segunda metade do século XX. Desse modo, os textos contidos nesse banco são classificados em Literatura Romanesca (LR), Literatura Técnica (LT), Literatura Oratória (LO), Literatura Dramática (LD) e Literatura Jornalística (LJ), da qual faz parte a Literatura de Propaganda (LP), a partir da qual constituímos nosso corpus.

A Literatura de Propaganda está constituída por textos bastante diversificados que foram retirados de jornais e revistas nacionais. Assim, no que tange ao corpus, foi necessário fazer um recorte da Literatura de Propaganda, uma vez que nos interessam somente aqueles textos cuja finalidade é a venda de produtos ou prestação de serviços, ou seja, os anúncios publicitários. Desse modo, para a constituição do nosso corpus,seguimos alguns passos, a saber:

1) Leitura do corpus “base” da LP para seleção dos textos cuja finalidade é a venda de produtos ou serviços.

2) Constituição de um novo “corpus” com os textos que objetivam a venda de produtos ou serviços, isto é, um corpus de amostras textuais de anúncios publicitários de revistas nacionais, a saber: Amiga, Auto-Esporte, Caras, Cláudia, Cruzeiro, Elle, Exame, Informática, Isto É, Manchete, Marie Claire, Pais & Filhos, Realidade, Veja e Visão. Restringimos os anúncios quanto ao suporte, pois este condiciona a técnica a ser empregada. Além disso, esse suporte apresenta as seguintes particularidades referidas em Gonzales (2003, p. 30-31):

a) Na população urbana, as revistas atingem 55% das pessoas, na maioria de classe A e B b) A audiência dos anúncios em revistas é superior à sua veiculação, já que, geralmente, é lida por mais de uma pessoa e mais de uma vez

c) Sua permanência entre os consumidores é maior, por exemplo, que o jornal d) Abrange um público selecionado

e) não há limite de tempo

f) Podem ser levadas a qualquer lugar.

3) Após a constituição de nosso corpus, procedemos à delimitação deste, já que nos interessa saber como o uso desses modalizadores ajuda na construção da argumentação do discurso publicitário. Sendo assim, os anúncios que não continham nenhum enunciado modalizado formalmente (explícito) foram desconsiderados para a confecção da ficha de ocorrências. 4) Constituição do “nosso” corpus com 144 anúncios que contém uma marcação explícita da

modalidade deôntica, o que totalizou 274 ocorrências de modalizadores deônticos.

2.2.2. Parâmetros para Análise do Corpus

A fim de que pudéssemos empreender uma análise quantitativamente adequada da posição do enunciador na incidência dos valores deônticos, optamos pelo uso do pacote computacional VARBRUL4, uma vez que este fornece resultados percentuais precisos ao pesquisador, o que

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ajudará na análise qualitativa da pesquisa, que se desenvolve com base nos pressupostos teóricos funcionalistas.

Decorre que, para que a análise da modalidade deôntica em geral fosse eficaz, foi necessário o estabelecimento de parâmetros a partir dos quais cada ocorrência fosse observada e descrita. Sendo assim, à luz dos pressupostos teóricos funcionalistas, estabelecemos algumas “variáveis” de modo que pudéssemos dar conta, de modo integrado, dos aspectos sintáticos, semânticos e pragmático-discursivos da categoria. Assim, temos: (i) “variáveis” sintáticas: a) formas de expressão da modalidade deôntica, b) modo e tempo/aspecto verbal; (ii) “variáveis semânticas”: a) valores deônticos, b) tipo de fonte, c) tipo de alvo, d) subtipo dos valores deônticos, e) posição do encunciador; (iii) “variáveis pragmático-discursivas”: a) propósitos enunciativos, b) marcas de asseveraçaõa da força ilocucionária, c) marcas de mitigação da força ilocucionária, d) escala de comprometimento.

Com relação à posição do enunciador em relação ao enunciado que produz, esta “variável” se refere à inclusão ou à não-inclusão do enunciador (fonte deôntica) na incidência dos valores deônticos, o que significa dizer que a fonte pode ou não colocar-se como alvo de um dos valores deônticos, seja uma obrigação, seja uma permissão ou, ainda, uma proibição, o que nos parece uma estratégia de persuasão, à medida que o enunciador se (des)compromete com relação ao que enuncia.

Ressaltamos que as variáveis fonte e alvo deônticos (instituição, indivíduo e não-especificado) não são vistas como discretas, uma vez que é possível estabelecer um continuum que está relacionado ao grau de comprometimento do enunciador. Dessa forma, por exemplo, ao utilizar “nós”, o enunciador (indivíduo - funcionário) representa a empresa (instituição), incluindo-se na incidência dos valores deônticos.

2. Resultados: análise e discussão

Em relação à incidência dos valores deônticos, um ponto importante a se verificar diz respeito à posição do enunciador em relação aos valores de obrigação/permissão/proibição. O estabelecimento dessas posições constitui um recurso de aproximação com o leitor-consumidor, servindo estrategicamente à persuasão. Desse modo, ao instaurar determinado valor, há a inclusão oua não-inclusão na responsabilidade de executar tais valores. O gráfico abaixo mostra a freqüência do posicionamento assumido quando da instauração dos valores deônticos no discurso publicitário:

Gráfico 1: Posição na incidência do valor deôntico

Constatamos uma alta produtividade do posicionamento de não-inclusão, totalizando 87% das ocorrências, enquanto que o posicionamento inclusivo soma apenas 13% do total. Ao relacionarmos a fonte deôntica e o posicionamento, percebemos que todos os tipos (instituição, indivíduo e não-especificado) optaram, na maioria dos casos, por não incluir o enunciador na incidência dos valores deônticos. Tal fato já era esperado, uma vez que, em grande parte, os falantes instauram obrigações, permissões ou proibições sobre os outros.

A tabela 1 nos mostra a quantidade de ocorrências no que tange ao tipo de fonte e ao tipo de posicionamento do enunciador:

Tabela 1: Inter-relação entre tipo de fonte e tipo de posicionamento do enuciador

Não-inclusão

87

%

Inclusão

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TIPO DE FONTE DEÔNTICA TIPO DE

POSICIONAMENTO Indivíduo Instituição Não-especificado Total de ocorrências

Inclusão 10 16 10 36

Não-inclusão 22 41 175 238

Total de ocorrências 32 57 185 274

Das 32 ocorrências de valores deônticos instaurados pela fonte do tipo indivíduo, 22 são de posicionamento não-inclusivo, o que representa 68,75%. Com relação ao tipo de fonte instituição, temos 41 ocorrências (71,92%) em que há um posicionamento não-inclusivo por parte do enunciador. Quando a fonte é não-especificada, constamos que o posicionamento não-inclusivo ocorre mais, correspondendo a 94,59% das ocorrências.

Parece então que o tipo de fonte está diretamente relacionada ao tipo de posicionamento do enunciador na incidência dos valores deônticos. Assim, quando o publicitário-anunciante quer instaurar um dos valores deônticos, mas sem incluir o enunciador, ele opta por uma fonte do tipo não-especificado.

No que tange ao posicionamento inclusivo, podemos perceber que a fonte do tipo instituição é a que mais faz recair sobre si os valores deônticos instaurados.

Destacamos que a análise do posicionamento não é dicotômica como possa parecer, mas uma necessidade metodológica. O enquadramento em um desses posicionamentos se fez com base na relação entre fonte e alvo, da qual depreendemos uma escala de inclusão, relacionada às funções da linguagem, como podemos visualizar na figura abaixo:

Figura 1: Níveis de inclusão do enunciador no valor deôntico

O ponto de máxima inclusão é aquele em que a fonte instaura um valor deôntico sobre ela mesma, como ocorre quando a instituição (identificada pelo nós/a gente) faz recair sobre ela as responsabilidades, como em [1]:

[1] Nós somos responsáveis por muita gente estar dormindo mal no Brasil. O que vamos dizer neste anúncio já devíamos ter dito há mais tempo. Quando começou a onda dos colchões "ortopédicos" nós devíamos ter dito algumas verdades. E hoje temos de pedir desculpas publicamente a todas as pessoas que estão dormindo mal pensando que isso faz bem à saúde. (P-REA)

A forma nós e a flexão verbal na primeira pessoa do plural (devíamos, temos, vamos...) servem para marcar o enunciador nos enunciados. Desse modo, há uma referência a uma coletividade, isto é, à empresa. Nesse caso, temos como fonte a instituição, que instaura uma obrigação (atenuada) sobre ela mesma.

Em outros casos, o uso (genérico) do pronome nós/ a gente faz referência não só a instituição, mas ao leitor-consumidor, englobando-o na incidência do valor deôntico e, assim,

Inclusão

Não-inclusão

Função Expressiva

Função Apelativa

Nós/

A gente

(1ª. pessoa)

Nós/

A gente

(genérico)

Você

(genérico)

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dividindo as responsabilidades pela execução ou não das ações, o que significa uma menor inclusão.

Podemos perceber, também, dois usos do pronome você: (i) um referente somente à segunda pessoa (leitor-consumidor), o que nos leva a dizer que há total não-inclusão do valor instaurado; (ii) um que engloba o enunciador e o leitor-consumidor, o que nos leva dizer que há um posicionamento inclusivo em relação ao valor deôntico. Vejamos:

[2] A Saúde do Bebê

Tudo o que você precisa saber para reconhecer e tratar doenças comuns da infância, e um guia de primeiros socorros. (P-ELL92)

[3] A sede nada mais é do que um aviso que o nosso organismo nos manda.

Mas quando ela chega, o processo de desidratação já está em pleno andamento. Por isso, você deve ingerir quantidades apropriadas de líquidos antes, durante e depois de uma atividade física ou prática de esporte. (P-CAR)

No primeiro caso, o pronome você se refere ao leitor-consumidor a quem está dirigida a mensagem publicitária. No segundo caso, pelo contexto, percebemos que o uso de você engloba o enunciador que fala e o leitor-consumidor, adquirindo assim um sentido genérico. Essa interpretação é reforçada pelo uso do pronome de primeira pessoa na expressão “nosso organismo” em destaque. Neste caso, há a inclusão do enunciador na incidência do valor de obrigação externa, já que sua motivação parte de necessidades físicas e fisiológicas, como afirma Almeida (1988).

Quanto ao recurso à unipessoalização, por minimizar a participação do falante (Neves, 2006), consideramos que ela está mais próxima da não-inclusão do que da inclusão, uma vez que a instauração por meio de adjetivos em posição predicativa deixa em aberto o agente sobre quem recai o valor instaurado, como em [4]:

[4] Todo mundo sabe que o barulho é uma das maiores causas da fadiga, da estafa mental. É preciso criar proteção acústica no ambiente, para o seu bem. Por isso você deve exigir, exigir mesmo, a proteção de Eucatex. (P-REA)

A opção pelo uso de adjetivos em posição predicativa está relacionada ao foco no predicado. Sendo assim, coloca-se em evidência o que é (ou não) preciso fazer e não quem precisa fazer, ou seja, o alvo deôntico. Assim, importa muito mais, ao publicitário-anunciante, a ação a ser instigada, independentemente de quem a realizará.

O estabelecimento das posições de inclusão ou não-inclusão do enunciador na incidência dos valores deônticos constitui, portanto, mais um recurso de aproximação com o leitor-consumidor, servindo estrategicamente à persuasão.

Considerações Finais

Após a análise quantitativa dos dados, verificamos, em 87% das ocorrências, uma alta produtividade do posicionamento de não-inclusão por parte de todas as fontes deônticas. Apenas 13% das fontes optaram por um posicionamento inclusivo. Parece-nos que isto se deve ao fato de que os falantes, em sua maioria, instauram obrigações, permissões ou proibições sobre os outros.

Apesar de uma aparente dicotomia entre inclusão e não-inclusão na incidência dos valores deônticos, sugerimos uma escala que vai da inclusão total a máxima não-inclusão. Relacionamos, também, o tipo de fonte ao posicionamento, em que constatamos que todas as fontes, sem exceção, na maiorias das ocorrências, não se incluíram nas obrigações, nas permissões ou nas proibições por eles instauradas.

Por fim, tendo em vista os dados obtidos, parece plausível dizer que a categoria modalidade deôntica colabora no processo de construção discursiva. Dentre os aspectos que auxiliam na construção, destacamos a posição do enunciador como um recurso importante para persuasão do leitor-consumidor.

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ALMEIDA, João de. A categoria modalidade. Ponta Grossa: Uniletras, 1988.

CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 2002.

CORACINI, M. J. Um fazer persuasivo: o discurso subjetivo da ciência. São Paulo: Educ/Pontes, 1991.

DIK. C. S. The Theory of Funcional Grammar. Ed by Hengeveld (Kees) Berlin/ New York: Mounton de Gruyter, 1997.

GONZALES, Lucilene. Linguagem Publicitária: análise e produção. São Paulo: Editora Arte e Ciência, 2003.

HENGEVELD, Kess. Clause structure and modality in Functional Grammar. In: AUWERA, J. V. der. & GOOSSENS, L. (Eds). Ins and outs of predication. Dordrecht/Holanda: Foris Publications, 1987. p. 53-66.

LEITE, Ana Maria Paulino Comparini. A modalização deôntica no discurso jurídico. 2002. Dissertação (Mestrado em Estudos Lingüísticos), Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto.

LYONS, John. Semantics. Vol. 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1977.

NEVES, Maria Helena de Moura. A modalidade. In:KOCH, I.G.V. (org.). Gramática do português falado. Vol. VI: desenvolvimentos. Campinas: Editora da UNICAMP - FAPESP, 1996, p. 163-199.

PERELMAN, C. & OLBRECHTS-TYTECAL. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução: Maria Ermantina Galvão Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

PESSOA, Nadja Paulino. Modalidade deôntica e persuasão no discurso publicitário. 2007. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Programa de Pós-Graduação em Lingüística, UFC, Fortaleza.

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Figura 1: Níveis de inclusão do enunciador no valor deôntico

Referências

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