• Nenhum resultado encontrado

O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO AO MERCADO E OS REFLEXOS NA AGRICULTURA FAMILIAR: o caso da produção para o autoconsumo na localidade da Favila- Canguçu- RS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO AO MERCADO E OS REFLEXOS NA AGRICULTURA FAMILIAR: o caso da produção para o autoconsumo na localidade da Favila- Canguçu- RS"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO AO MERCADO E OS REFLEXOS NA AGRICULTURA FAMILIAR: o caso da produção para o autoconsumo na localidade

da Favila- Canguçu- RS

MOURA, Lucimára dos Santos de1, SALAMONI, Giancarla2 1. Mestranda em Geografia pela Fundação Universidade do Rio Grande –FURG-RS. Integrante do Laboratório de Estudos Agrários e Ambientais-LEAA/UFPel luci_samou@hotmail.com

2. Professora Associada I do Departamento de Geografia e Coordenadora do LEAA/UFPel - gi.salamoni@yahoo.com.br

RESUMO

Este artigo tem como objetivo demonstrar que a produção para o autoconsumo no Rio Grande do Sul, mais especificamente na localidade da Favila, município de Canguçu passa por um processo de mercantilização/subordinação da produção, resultante da integração dos agricultores familiares aos complexos agroindustriais, devido à produção de fumo e em menor proporção, de leite, e que isso ocorre devido à garantia de compra da produção pelas empresas industriais. No entanto, a produção atrelada ao mercado gerou modificações na forma de produzir dos agricultores e os produtos que eram típicos da agricultura familiar foram substituídos por novas técnicas e práticas de produção. Entretanto, observa-se a permanência entre os agricultores integrados da produção para o consumo doméstico, a qual continua fazendo parte da vida destes como uma forma de reprodução entre as unidades familiares, pois este é um modo de preservar a identidade cultural destes agricultores. Além disso, a produção para o autoconsumo permite uma maior autonomia e segurança alimentar para o agricultor e sua família.

Palavras-chave: agricultura familiar; autoconsumo; complexos agroindustriais.

INTRODUÇÃO

A agricultura do Rio Grande do Sul passou por profundas transformações a partir das décadas de 1960-70, devido à modernização da agricultura, isso ocorreu também com o município de Canguçu, mais precisamente com o primeiro subdistrito, no qual se encontra a localidade da Favila. Os elementos que eram típicos da agricultura familiar, como as ferramentas manuais, a adubação orgânica, a tração animal, entre outros, foram sendo substituídos por novas técnicas e práticas de produção, principalmente tratores, adubos químicos e agrotóxicos. Nesse período, devido às transformações técnicas e produtivas que ocorreram, muitos agricultores familiares inseriram-se na dinâmica do mercado, pois essa era uma forma de garantia de venda de sua produção.

(2)

com Grisa e Schneider (2008), a produção de alimentos para o consumo doméstico faz parte de um modo de organizar a produção que caracteriza a sociabilidade e a identidade cultural destes agricultores.

Dessa forma, este trabalho tem como objetivo central demonstrar que na localidade da Favila a agricultura familiar passa por um processo de mercantilização da produção, resultado da integração com o complexo agroindustrial, principalmente na produção do fumo e, em menor proporção, na de leite e que isso gerou modificações nas estratégias de reprodução social das famílias. Ainda, pretende-se apresentar a organização interna das unidades familiares, a partir de elementos sociais, técnicos e de produção e identificar as transformações sobre o sistema de produção de alimentos a partir da introdução dos cultivos comerciais.

Dessa forma, o que se verifica na localidade em estudo é a produção atrelada ao mercado, pois além de os agricultores produzirem para o autoconsumo, eles comercializam parte da produção penetrando assim, nessas unidades, as relações capitalistas de produção, visto que estas relações visam fazer parte da sociedade moderna, além ter acesso a um conjunto de bens materiais e culturais, transformando-se em um produtor e consumidor de mercadorias.

Nesse contexto, os agricultores familiares intensificam o ritmo de trabalho nos produtos que são destinados ao mercado, dando preferência aos “cultivos comerciais” e especializam-se em poucas culturas, principalmente aquelas destinadas à comercialização. Nesse sentido, a produção de alimentos básicos para o consumo da família e da propriedade fica relegada a um segundo plano. Apesar disso, na localidade da Favila é possível identificar a produção para o consumo doméstico combinada com a produção mercantil, pois essa é uma forma dos agricultores familiares produzirem os alimentos para o seu consumo e não precisarem adquirir tais produtos fora das unidades de produção.

METODOLOGIA

(3)

Para o desenvolvimento do artigo foi realizada revisão teórica sobre produção para o autoconsumo, modernização da agricultura e integração dos agricultores aos complexos agroindustriais, estes temas foram confrontados com a realidade empírica encontrada, no caso, a dos agricultores familiares da localidade da Favila-Canguçu-RS.

A revisão bibliográfica ocorreu por meio da leitura de livros, teses, dissertações, artigos e documentos que abordam a temática em questão para aprofundamento das temáticas e fortalecimento dos pilares teóricos que nortearam o desenvolvimento da pesquisa.

Para conhecimento da realidade empírica utilizou-se de observação e entrevistas com os agricultores familiares da localidade da Favila, estas foram baseadas em questionários semiestruturados, que segundo Matos e Pessoa (2009, p.288) “se constitui na interação entre perguntas abertas e fechadas (previamente formuladas) em que o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o assunto proposto de forma mais espontânea”, além disso, foi usada a câmera digital para fazer um levantamento fotográfico para registrar a realidade empírica encontrada.

DESENVOLVIMENTO

A agricultura no Rio Grande do Sul, ao longo do tempo, tem passado por importantes e profundas transformações. Pode-se dizer, então, que a agricultura se redesenha e se reorganiza à medida que novos atores econômicos se manifestam e transformam o mesmo. Entre esses fatores destaca-se, principalmente, a expansão do capital, a qual se reflete no espaço rural. Nos anos 60 e 70, a modernização da agricultura se expande pela adoção do modelo da “Revolução Verde”, que corresponde à difusão intensiva da utilização de sementes selecionadas, insumos industriais (fertilizantes químicos e agrotóxicos) e mecanização.

Ainda, Graziano da Silva (1998, p.22) diz que a modernização da agricultura contribuiu para que “o capital tenha no progresso técnico, que nada mais é do que uma das facetas do seu próprio desenvolvimento, a chave do processo de subordinação da terra e, por extensão, da própria Natureza.” E, conforme Montoya e Guilhoto (2001) a agricultura deixou de ser um setor econômico distinto e passou a se integrar a dinâmica da produção industrial, ficando conhecido como complexos agroindustriais- CAI’S - que se formaram e se consolidaram na década de 70.

(4)

A própria agricultura passou por um processo de redefinição de suas funções, segundo os “modos de produção” desenvolvidos pelo homem; dessa forma, passou a se constituir cada vez mais em um mercado para os produtos industrializados e as alterações na forma de organizar a produção são agora externas ao setor agrícola. (POLTRONIÉRI e SOUZA, 1989, p.47)

O processo de modernização promoveu a integração entre a agricultura e o segmento das industrias de máquinas e insumos agrícolas e as agroindústrias. Dessa forma, a agricultura familiar foi obrigada a se adaptar a essas novas mudanças, obrigando muitos agricultores familiares a se integrar aos complexos agroindustriais, por representar uma forma de venda de sua produção garantida pelo mercado. No entanto, mesmo com a integração os agricultores não deixam de produzir os alimentos, historicamente, produzidos pelas famílias, pois isso representa a preservação da identidade desses agricultores, além significar uma maior autonomia e menor dependência em relação ao mercado desses produtos.

Assim, a produção para o autoconsumo fica preservada e passa a fazer parte, assim como a produção mercantil, da vida dos agricultorese, pois foi a forma que encontraram para se reproduzirem econômica e socialmente. Esta produção para o autoconsumo, também denominada consumo domestico, é definida como a parcela da produção produzida pela família e destinada ao consumo interno das unidades produtivas, o que caracteriza a sua permenência é o seu valor de uso. (SCHNEIDER e GRISA, 2008)

PERFIL DA PRODUÇÃO FAMILIAR NA LOCALIDADE DA

FAVILA-CANGUÇU-RS

(5)

Agricultor familiar é aquele que administra individualmente, com sua família, uma área reduzida de terra (própria ou de outros, arrendatário, parceiro, meeiro) e que nela emprega predominantemente mão-de-obra familiar, cuja produção esta parcial ou totalmente orientada para o mercado. (MONTOYA e GUILHOTO, 2001, p.209)

Dessa forma, Canguçu que é constituído basicamente de agricultura familiar possuía em 2006, 52.245 habitantes, destes, 60,32% residiam no meio rural de acordo com o Instituto Técnico de Pesquisa e Assessoria – ITEPA. O município apresenta uma agricultura bem diversificada, destacando-se a produção de pêssego, de milho, de feijão, de fumo, de batata, de soja, além da criação de bovinos, de aves, de suínos e de ovinos.

Assim, a agricultura familiar na localidade da Favila também é bastante diversificada, mas passa por um processo de transformação devido à integração dos produtores aos complexos agroindustriais, dessa forma, para analisar o grau de mercantilização foi selecionado os principais produtos para o autoconsumo e para a comercialização. A tabela 1 mostra que os produtos típicos para comercialização são o fumo e a soja comercializados via complexos agroindustriais, que são destinados 100% a comercialização, assim como o leite, que tem venda maior que para o consumo atingindo 70% das famílias.

Tabela 1: Produtos para consumo e para a venda entre as famílias na localidade da Favila, Canguçu-RS.

Produtos Consumo (%) Venda (%) Total

Fumo 0 100 100 Cebola 80 20 100 Soja 0 100 100 Milho 91,66* 8,34 100 Batata Inglesa 100 0 100 Feijão 71,42 28,58 100 Hortifrutigranjeiros 100 0 100 Leite 30 70 100

Fonte: Pesquisa de campo, 2009.

*Inclui a quantidade de consumo animal de milho.

(6)

consumo indicam que se trata de produtos tipicamente usados pelo grupo familiar, para fazer frente às necessidades alimentares, embora alguns destes alimentos já seja destinados a venda. Dessa forma, o agricultor produzindo o próprio alimento passa a ter uma maior autonomia podendo melhorar sua renda pelo fato de não precisar comprar no mercado determinados produtos para a sua alimentação, ou seja reduz a dependência e a subordinação ao mercado, além de possuir uma segurança alimentar estável por ser o autor de todo o processo produtivo.

A produção de fumo, e em menor escala de leite e da soja faz as famílias da localidade da Favila intensificarem o ritmo de trabalho, dando preferência a estes que são em sua maior parte cultivos comerciais, comercializados exclusivamente via integração aos complexos agroindustriais, enquanto isso, os produtos para o autoconsumo como a batata inglesa, o feijão, a cebola, o milho e os hortifrutigranjeiros assumem a condição de cultivos complementares, conforme explicam Schneider e Grisa (2008). Os autores ainda complementam dizendo que:

O tempo de trabalho, a mão-de-obra disponível e os recursos produtivos são reorganizados em função dos cultivos comerciais e estes disputam espaço com o autoconsumo, condicionando-o a uma função de complementaridade. (SCHNEIDER e GRISA 2008, p. 484-485)

(7)

Tabela 2 – Criação animal para consumo entre as famílias na localidade da Favila, Canguçu/RS

Tipos de Criação Número de Propriedades Número total de cabeças

Bovinos 15 121

Eqüinos 07 07

Aves 15 550

Suínos 13 90

Ovinos 02 09

Fonte: Pesquisa de campo, 2009.

As aves, os suínos e os ovinos são produtos típicos para o autoconsumo da família e se destinam somente a esse fim. Já os bovinos, além de ser usado como força de trabalho, servem também para o consumo da própria família, já os eqüinos servem exclusivamente como tração animal para executar as tarefas da propriedade, principalmente nos locais onda o terreno é muito acidentado e impossibilita a utilização do trator. No entanto, mesmo os agricultores familiares usando os elementos típicos da agricultura familiar, eles estão se modernizando, principalmente com o uso de maquinários, mais precisamente tratores, adubação química e agrotóxicos, dessa forma os elementos característicos da pequena agricultura como a enxada, a carroça, a colheita manual estão sendo substituídos por novas práticas e meios de produção.( SCHNEIDER e GRISA, 2008)

Outro aspecto importante referente à agricultura familiar é a forma como a propriedade foi adquirida, pois isso reflete que mesmo este tipo de agricultura sendo familiar, é possível se desenvolver e se reproduzir social e economicamente, pois muitos agricultores conseguiram adquirir sua propriedade e sobreviver como agricultores familiares.(Tabela 3)

Tabela 3 – Forma de obtenção das terras entre os agricultores familiares da localidade da Favila – Canguçu/RS.

(8)

Herança 88

Arrendada/Parceria 27

Fonte: Pesquisa de Campo, 2009

No que se refere à forma de como a propriedade foi constituída, mais da metade foi adquirida através da compra, representando 55,42 %, isso demonstra que a agricultura familiar esta se desenvolvendo e se reproduzindo, uma parcela das terras 34,10 % foi adquirida através da herança e o restante 10,48 % é constituída por meio de arrendamento e parceria.

Tabela 4 – Elementos da modernização da agricultura na localidade da Favila-Canguçu/RS

Tipos Número de famílias que utilizam

Mecânica própria 07

Fertilizantes químicos 15

Fungicidas, inseticidas 14

Sementes e mudas 15

Calcário, herbicidas 15

Fonte: Pesquisa de campo, 2009

Na tabela 4, é possível perceber que os agricultores familiares da localidade da Favila estão passando por um processo de modernização no que se refere à utilização de sementes selecionadas, insumos industriais (fertilizantes e agrotóxicos), e mecanização. Que segundo Ehlers (1999) essa modernização fundamentava-se na melhoria da produtividade agrícola, através da substituição de produtos locais ou tradicionais, por um conjunto de práticas tecnológicas, isto é, de variedades vegetais melhoradas, que exigem fertilizantes químicos, agrotóxicos com maior poder biocida e mecanização. A utilização de fertilizantes e agrotóxicos entre os agricultores ocorre porque dos quinze entrevistados, quatorze plantam fumo que exige uma quantidade considerável destes insumos. No entanto, os produtores declararam que não utilizam fertilizantes e agrotóxicos nos produtos que são destinados para o autoconsumo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

(9)

agricultores familiares da localidade da Favila, eles mudaram as estratégias de reprodução social. Passaram a produzir outros produtos que não são exclusivos para o consumo imediato do grupo familiar, além disso, se integraram aos complexos agroindustriais para poder vender determinados produtos como o fumo, o leite e a soja.

Mesmo assim, os agricultores continuaram plantando os produtos destinados ao autoconsumo por serem fundamentais para as unidades familiares, pois permite uma maior autonomia do agricultor frente à comercialização e o próprio consumo de alimentos, além de propiciar uma maior segurança alimentar, pelo fato dele ter participado de todo o processo produtivo. Ainda, os produtores familiares da localidade Favila ficam menos vulneráveis a dependência e subordinação às empresas e indústrias para as quais vendem parte de sua produção, visto que não dependem exclusivamente delas para comprar os alimentos básicos a sua alimentação.

REFERÊNCIAS

EHLERS, Eduardo. Agricultura sustentável: Origens e perspectiva de um novo paradigma. Guaíba: Agropecuária, 1999. 157p.

GAZOLLA, Marcio. O processo de mercantilização do consumo de alimentos na agricultura familiar. In: SCHNEIDER, Sérgio. A Diversidade da Agricultura Familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. p. 82-103

GRAZIANO DA SILVA, José. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas, SP: UNICAMP,1998. 211p.

GRISA, Cátia; SCHNEIDER, S. Plantar pro gasto: a importância do autoconsumo entre famílias de agricultores do Rio Grande do Sul. Revista de Economia e Sociologia Rural,Campinas, v.. 46,n. 2, p. 481-515, 2008.

ITEPA. Banco de Dados da Zona Sul – RS. Boletim informativo, n°17/2006. Pelotas: EDUCAT, 2006, p. 24-34

MATOS, Patrícia F; PESSOA, Vera L.S. Observação e entrevista: construção de dados para a pesquisa qualitativa em geografia agrária. In: RAMIRES, J.L.S. Geografia e pesquisa qualitativa - nas trilhas da investigação. Uberlândia: Assis, 2009. p.279-291.

(10)

POLTRONIERI, Lígia Celória; SOUZA, Rita de Cássia Martins de. Praguicidas na agricultura: abordagem geográfica das atitudes do agricultor rioclarense. Geografia, Rio Claro, v.14, n. 27, p.47-66, abr. 1989.

Referências

Documentos relacionados

Uma maneira viável para compreender uma reação química é através da conservação das massas, isso porque numa abordagem mais ampla, como demonstra no livro

Ainda na última parte da narrativa, outro “milagre” acontece: Grenouille apa- rece, de súbito, em meio ao povo, destampa uma pequena garrafa que trazia consi- go, borrifa-se com

Contribuciones: El tema de la inclusión ha sido objeto de gran repercusión en el ambiente educativo, en especial en la educación superior, debido a que las personas con

Como todos os outros seres humanos, o operador também é construtor da realidade e carrega consigo “experiências vividas, ideologias e valores que amoldam a sua

O trabalho foi conduzido, no período de 1995 a 1999, em área experimental da Embrapa Meio-Norte em Teresina, PI, utilizando como tratamentos três sistemas de manejo do solo: S I

However, we found two questionnaires that seemed interesting from the point of view of gathering information about students' perspective on the use of

A proporçáo de indivíduos que declaram considerar a hipótese de vir a trabalhar no estrangeiro no futuro é maior entle os jovens e jovens adultos do que

Our contributions are: a set of guidelines that provide meaning to the different modelling elements of SysML used during the design of systems; the individual formal semantics for