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Itinerância no Ashram: alimentando corpo e alma na Brahma Kumaris

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Academic year: 2018

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UNIV E R S ID A D E F E DE R A L D O C E A R Á C E NT R O D E C IÊNC IA S S O C IA IS D E P A R T A ME NT O D E S O C IOL O G IA

P R OG R A MA DE DO UT OR A ME NT O E M S O C IO L O G IA

MA R C IA A S S UNÇ Ã O A R A ÚJ O

IT INE R ÂNC IA NO A S HR A M: A L IME NT A ND O C O R P O E A L MA NA B R A HMA K UMA R IS

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IT INE R ÂNC IA NO A S HR A M: alimenta ndo c orpo e alma na B rahma K umaris

T es e apres entada a o c urs o de D outorado em S oc iologia do D epa rtamento de S oc iolog ia da U nivers idade F e deral do C ea rá c omo parte dos requis itos para obtençã o de título de D outora em S oc iolog ia.

O rientador: P rof. D r. A ntônio C ris tian S araiva P aiva

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

__________________________________________________________________ A663i Araújo, Marcia Assunção.

Itinerância no ashram : alimentando corpo e alma na brahma kumaris / Marcia Assunção Araújo. – 2012.

283 f. : il. color.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Fortaleza, 2012.

Orientação: Prof. Dr. Antônio Cristian Saraiva Paiva.

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IT INE R ÂNC IA NO A S HR A M: alime nta ndo c orpo e alma na B rahma K umaris

T es e apres entada a o c urs o de D outorado em C iê nc ias S oc iais do De partame nto de S oc iolog ia da U nivers idade F e deral do C ea rá c omo parte dos requis itos para obtençã o de título de D outora em S oc iolog ia.

A provada em _ _ _ / _ _ _ / _ _ _ _ _ _ .

B A NC A E X A MINA D O R A

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ P rof. Dr. A ntônio C rís tian S araiva P aiv a ( orie nta dor)

Univers idade F edera l do C ea rá ( UF C )

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ P rof. D r. Henrique F igueiredo C a rneiro

Univers idade de F ortale z a ( UNIF O R )

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ P rof.ª. D rª. Irlys A lenc a r F irmo B arreira

Univers idade F edera l do C ea rá ( UF C )

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ P rof. D r. Is mael de A ndrade P ordeus J unior

Univers idade F edera l do C ea rá ( UF C )

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ P rof. D r. R ic ardo L inc oln L aranjeira B a rroc as

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A os profes s ores do P rog rama de P ós G raduaçã o em S oc iologia da UF C . A o P rof. A ntônio C rís tian S araiva P aiva, orientador des ta tes e.

A o A imberê e S oc orro pela pres tatividade na s tarefas a dminis trativas .

A o C e ntre de R ec herc he s ur le B rés il C ontemporain / É c ole des H autes É tudes en S c ienc es S oc iales – P aris .

À C A P E S , pelo apoio fina nc eiro.

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s obre a vontade de s er e de s e tornar, s obre as c ateg orias arquetípic as de uma vida, de um pens ame nto, de um s is tema, de uma obra”.

( Mic hel Onfray)

“S e nourrir es t une c onduite qui s e développe audelà de s a propre fin, qui remplac e, rés ume ou s ignale d’autres c onduites , et c ’es t en c ela qu’elle es t bie n un s igne.” ( R oland B a rthes )

“L es nourritures s avoureus es , s irupeus es , dig es tes et d’un as pe c t agréable, plais ent aux lumineux parc e qu’elles proc urent long évité, ra yonnement, vigueur, s anté, bonheur et joie.” ( L ivre X V II de la B hag avad G ita, vers et: 17.8)

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O pres ente es tudo inves tig ou as perc epções c ognitivas e s imbólic as de indivíduos que adotam prátic as alime ntares v eg eta rianas por motivações religios as , na c idade de F ortalez a, pertenc entes a uma linha de yog a no â mbito dos novos movimentos religios os . E s te es tudo teve c omo c enário a Univers ida de E s piritua l Mundial B rahma K umaris – B K W S U, na referida c ida de, entre os anos de 2007 e 2011, e utiliz ou c omo rec urs os metodológic os a obs ervaçã o partic ipante e entrevis ta s s emies truturadas c om alunos e profes s ores des te movimento es piritua l de c ariz neohindu. Inic ialme nte, interes s ava c ompreende r as repres entaçõe s e as prátic as rela c ionadas c om a alimentaçã o, mas ao long o da pes quis a fic ou evide nte a exis tê nc ia de uma c onfluê nc ia s emâ ntic a entre o s entimento religios o e alimentaçã o, ambos c onc orrendo para a c ons truçã o de um regime de vida brahmin. A s s im, o alimento tem s eu s entido alarg ado e é toma do a qui c omo s igno/metáfora para s e pens ar a relaçã o c orpo e alma s ug erida pelo c ódigo de c ondutas – maryadas – des te movimento es piritual. A s formas de pe ns ar, s entir e ver o mundo dos partic ipantes des te g rupo s ã o expres s ã o de uma pe rte nça c oletiva que é, ao mes mo tempo, s ubjetivada e res s ig nific ada em termos do proc es s o de a pe rfeiçoamento de s i e de s ac raliz açã o do mundo.

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T he pres ent s tudy inquires into c og nitiv e and s ymbolic perc eptions of individua ls from the town of F ortalez a who adopt a veg etarian diet for religious motivations . T he y belong to a yoga line, in s c ope of the new religious movements . T his s tudy took plac e in the B rahma K umaris W orld S piritual U nivers ity – B K W S U, in the aforementioned c ity, betwe en the ye ars 2007 and 2011, a nd us ed as methodolog ic al tools partic ipant obs ervation and s emis truc tured interviews with s tudents and profes s ors of this s piritual movement with a neohindu fac e. Initial inte res t was to unde rs ta nd food related repres entations and prac tic es , but as the res earc h went on, the exis tenc e of a s emantic c onfluenc e betwee n religious s e ntiment a nd food bec a me evident, both c onverging to the c ons truc tion of a bra hmin life regimen. S o, food has its meaning widened and is c ons ide red here as a s ig n/metaphor to think the body and s oul relations hip, s ug ges ted by the behavior c ode – maryadas – of this s piritual movement. F or the partic ipants of this g roup, forms of thinking, feeling and s eeing the world are the expres s ion of a c ollec tiv e belong ing, whic h is , at the s ame time, s ubjec tified and res ignified in terms of the s elfimprovement proc es s and s ac ralis ation of the world.

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L a prés e nte étude e nquê te s ur les perc eptions c og nitives et s ymboliques de pe rs onnes de la ville de F ortalez a, qui adoptent des pratiques alimentaires vég étariennes pour des motivations religieus es . E lles appartiennent à une lig ne de yog a, ellemê me dans le c hamp des nouvea ux mouv ements religieux. C ette étude a eu c omme c adre l’Univers ité S pirituelle Mondiale B rahma K umaris – B K W S U, dans ladite ville, e ntre les années 2007 et 2011, et a utilis é c omme moyens méthodolog iques l’obs ervation partic ipante et des entretiens s emis truc turés avec des élè ves et des profes s e urs de c e mouvement s pirituel à vis ag e néohindou. L ’intérê t initial était de c omprendre les représ entations et les pratiques en relation avec l’alimentation, mais au fur et à mes ure de la rec herc he, s ’es t révélée évide nte l’exis tenc e d’une c onfluenc e s émantique entre s entiment relig ieux et alime ntation, tous de ux c onc oura nt à la c ons truc tion d’un rég ime de vie brahmin. A ins i, l’aliment a s on s ens élargi et es t pris ic i c omme s igne / métaphore pour pens er la relation c orps et â me s ug g érée par le c ode de c onduite – maryadas – de c e mouvement s pirituel. C he z les partic ipants de c e groupe, les formes de pens er, s entir et voir le monde, s ont l’expres s ion d’une apparte nanc e c ollec tive, qui, da ns le mê me temps , s ubjec tivis e et res ig nifie, en te rmes de proc es s us de pe rfec tionnement de s oi et de s ac ralis ation du monde.

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Imag em 1 – F ac hada da B K em F orta lez a ... 31

Imag em 2 – B hatthi ... 36

Imag em 3 – B a pda da ... 46

Imag em 4 – C entro B K em S ã o P aulo ... 66

Imag em 5 – K alpa: a árvore da humanida de... 74

Imag em 6 – B rahmins no fac ebook ... 75

Imag em 7 – P rog rama de A tivida des ... 77

Imag em 8 – S ala de B aba ... 82

Imag em 9 – A lmoço c oletivo ... 82

Imag em 10 – T ra ns mis s ã o direta de Murlis da E s taçã o ... 83

Imag em 11 – O D harma ... 92

Imag em 12 – O C ic lo ... 93

Imag em 13 – A Ida de do O uro (S atyuga ) ... 93

Imag em 14 – Maryadas ... 115

Imag em 15 – S hivbaba ... 130

Imag em 16 – B apdada ... 130

Imag em 17 – L ekhraj e O m R adha ... 130

Imag em 18 – C onvite B hatthi Y og a ... 143

Imag em 19 – B hatthi (piquenique) ... 143

Imag em 20 – B hatthi (piquenique) ... 144

Imag em 21 – B hatthi (fim de s emana) ... 144

Imag em 22 – Modelo de Ute ns ílios para o B hog ... 152

Imag em 23 – S hivratri ... 156

Imag em 24 – Índia durante o S hivratri ... 158

Imag em 25 – c apa de livros de c ulinária B K F rança ... 189

Imag em 26 – A s R epres entações s obre a dieta veg etariana ... 190

Imag em 27 – C ulinária baiana veg etariana na B K F ortale z a ... 197

Imag em 28 – O ing rediente s ec reto ... 207

Imag em 29 – T olis ... 223

Imag em 30 – S ede B K P aris ... 231

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1 INT R OD UÇ Ã O ... 13

1.1 A B K W S U na c ena re lig ios a c ontemporâ nea ... 22

2 O E NC ONT R O C OM A B K W S U: IT INE R ÂNC IA NO A S HR A M ... 31

2.1 B atalhas de uma o bs erv açã o “armad a” ... 34

3 A D ID E V I: UMA B IO G R A F IA E X E MP L A R ... 44

3.1 A s O rig ens : A di De v , o ‘P rimeiro Homem’ ... 45

3.2 L ek hraj: c rític a s o c ial e “feminis mo nativ o ” ... 49

3.3 L ek hraj: um homem ex traordin ário e ex e mplar ... 54

4 A C A MINHO D O A S HR A M: C O NHE C E ND O A B K W S U ... 65

4.1. A B K W S U no B ras il ... 65

4.2 A B K W S U em F ortale z a ... 76

5 O V E R D A D E IR O L A R D O E U: O C UR R ÍC UL O D A B K W S U ... 85

5.1 O A rg umento Univ ers itário ... 85

5.2 O c urríc ulo da Univ ers idad e E s piritu al ... 94

5.3 S ev a: tornars e ins trumento d e D eus pelo s erv iço a o outro ... 95

5.4 R aja Y o g a e a s c es e: dis c iplina e étic a intramundana ... 103

6 O E S T IL O D E V ID A B R A H MIN ... 113

6.1 A mritv ela: o d es p ertar d a alma à hora do néc tar ... 122

6.2 Murli: a flauta d o c e e mbaland o o s b rahmins ... 135

6.3 S mriti: c hec k ins para lembrars e da alma. ... 139

6.4 B hatthi: o fog o p urific ador d a meditaçã o ... 142

6.5 S hrimat: mente fix ad a nos v alores s upremos ... 147

6.6 A s fes tas b rahmin ... 154

7 C O Z INH A R O MUND O C O M P E NS A ME NT O S E L E V A D O S : S A C R IF ÍC IO E P UR IF IC A Ç Ã O ... 165

7.1 A limentaçã o: fato s o c ial total ... 169

7.2 C omer, o u s er v eg e tariano? ... 176

7.3 A s d imens õ es d o e s paço s o c ial alimentar brahmin ... 193

7.3.1 O es p aço d o c omes tív el ... 194

7.3.2 O s is tema alimentar brahmin ... 200

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e a ritualid ad e ... 222

8 A L G UMA S C O NS IDE R A Ç Õ E S F INA IS ... 241

R E F E R ÊNC IA S ... 249

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1 INT R O D UÇ Ã O

O pres ente es tudo inves tig ou o es tilo de vida de pratic antes de raja yog a1, pa rtic ipa ntes do movimento es piritual de c ariz ne ohindu que s e ins c reve no â mbito dos novos movime ntos religios os : Univers idade E s piritual B rahma K umaris , que doravante s erá referida c omo B K W S U ( B rahma K umaris W orld S piritual Univers ity, s eu nome ‘O c idental’) ou s imples mente B K . O ethos religios o des te grupo, c om bas e no as c etis mo intramundano, c arac teriz a s e pela adoçã o da dieta veg etariana, c ujo princ ípio fundante é o c onc eito de ahims a, is to é, a a us ê nc ia do des ejo de c aus a r algum mal a s i, e a qualquer outra forma de vida (aos animais e à T erra).

Inic ialmente, interes s ava c ompree nder as repres entações e as prátic as relac ionadas c om a alimentaçã o, mas a o longo da pes quis a o objeto s ofreu um des loc amento ao s er evidenc iado uma c onfluê nc ia s emâ ntic a e ntre o s entimento religios o e a alimentaçã o, modelando c orpo e alma brahmin em torno de um regime de vida em que o s ac rifíc io e a purificaçã o es tã o na pauta da a g enda diária brahmin. Nes te s entido, a vida c otidiana des tes partic ipantes s e c ons titui numa experiê nc ia c arrega da de valor mís tic o, ou pelo menos s ag rado, e que s erá delinea da ao long o des ta pes quis a.

E s ta pes quis a s e apoia no pres s upos to de que a c onvers ã o a es te movimento es piritual implic a na adoçã o de um es tilo de vida e s pec ífic o, que s e c arac teriz a nã o s ó c om vis tas à aquis içã o dos bens de s alvaçã o, mas por um regime de vida a rtic ulado em torno do s ac rifíc io e da purific açã o do c orpo e da alma e do c umprimento rig oros o a um c ódig o de c ondutas ( maryadas ).A poiome na dis c us s ã o de F ouc ault (2001a, p.17) , Hadot (2001) e H adot (2002) s obre a c onve rs ã o c omo um pos tulado da es piritualidade oc ide ntal que c ondic iona o ac es s o à verdade à queles que s ã o c apa z es de opera r uma trans formaçã o progres s iva do ‘e u’ ( s oi) s obre s i mes mo através de uma as c es e (as kê s is ). S em es te movimento de tornar a s i próprio c omo objeto de c onhec imento e c ampo de açã o para trans formars e, c orrig irs e e purific ar

1

R a ja yog a ou yog a real é a yoga da medita çã o, cons iderada c omo a yoga s uperior. E s ta dis ciplina s e ocupa do controle mental. E fa z parte dos s eis s is te mas da filos ofia hindu ortodoxa. F oi inic ialmente s is te matiz a do por P a tanjali. R aja Y og a es tá preoc upado principalme nte c om o c ultivo da mente , c omo

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s e o indivíduo nã o teria ac es s o, por s i s ó à verdade2, es ta última nã o s endo vis ta c omo um fim em s i mes mo, mas c omo mediaçã o para alc ançar a tranquilidade da alma (ataraxia3). O s exerc íc ios es pirituais s ã o c hama dos por F ouc ault ( 2001a) de ‘proc es s os de s ubjetivaçã o’ e vis am maneiras de c ons truir s ujeitos étic os diferenc iados , e nã o s ujeitos de c onhec imento (tarefa da filos ofia moderna propos ta por D es c artes em que a evidenc ia s ubs tituiu a as c es e )4.

A o s e apres entar c omo ‘Univers idade E s piritual’ a B K reivindic a o topos onde s e dá a relaçã o de ens inoaprendiz a ge m do s aber na s ua totalidade, is to é, numa pe rs pec tiva holís tic a s obre o c onhec imento es piritual, es te tido c omo a bas e s obre a qual s e a rtic ulariam teoria e prátic a, c iê nc ia e experiênc ia, s aberes intelec tuais e prátic a c otidiana. Nes ta pers pec tiva, ao a dotar o R aja Y og a c omo dis c iplina para a formaçã o dos s eus partic ipantes , a B K propõe um c onjunto de exerc íc ios es pirituais c omo os propos tos pelos filós ofos da A ntiguida de ( F ouc a ult, 1997; F ouc ault, 2001a; F ouc ault, 2002) . D enominarei es tes exerc íc ios de “as c es e brahmin”, e veremos , ao long o des te trabalho, o método e as téc nic as de s i adota dos pela B K para propor uma nova maneira de vida que artic ula c onhec ime nto e experiê nc ia de vida, c omo prátic as de s i, is to é, na vis ã o de F ouc ault (2002, p. 502) c omo um c onjunto de atitudes que o homem dev e dirigir a s i mes mo e que nã o s e trata a penas dos as pe c tos materiais , ou de honra, mas da alma .P ara o homem da c ultura g rega e do período imperial, na leitura de F ouc ault (2001a) e Hadot (2002), a vida filos ófic a c onvidava jovens e velhos a trans formar a exis tê nc ia numa es péc ie de exerc íc io permanente s obre o c orpo e a alma, e tem uma c orrelaçã o es treita e ntre o pens amento e a prátic a médic a. (F ouc ault, 2002, p.59).

A bus c a da s abe doria através da filos ofia na A ntig uidade exig ia uma ruptura c om o modo de vida c otidiano dos s imples mortais , e c onvidava o aprendiz de filos ofo a bus c ar um es tado de pe rfeiçã o bas eado em repres entações rac ionais , quas e inating ível, mas próximos do que os greg os elaboraram s obre as qualidades do div ino: c ada es c ola elaborou s ua vis ã o partic ular do divino, e da R a z ã o univers al. D e ac ordo c om a vis ã o de mundo de c a da es c ola  c omo o platonis mo, o es toic is mo, o

2

T e ma que já vinha e m dis c us s ã o tanto no pens amento greg o c lás s ic o quanto nos s is temas filos ófic os hindus , com s eus difere nte s métodos e princípios .

3

F ouc ault, L ’hermeneutique du S ujet, 2001:440 e d G a llimard/S e uil; F ranc e

4

P ara F ouca ult a filos ofia é uma forma de pe ns amento que tenta determinar a s condições e os limites

(17)

epic uris mo, o pita goris mo, e o c inis mo – foram c riados o ide al do homem s ábio e os exerc íc ios nec es s ários pa ra progre dir em direçã o a es te ideal. D iz Ha dot (2002, p.270) : “( … ) dans toutes les éc oles , s eront pratiqués des exerc ic es des tinés à as s urer le progrè s s pirituel vers l’état de la s ages s e, des exerc ic es de la rais on qui s eront, pour l’â me, analog ues à l’entraîne ment de l’athlè te ou aux pratique d’une c ure médic al“.

E s tes exerc ic ios da raz ã o em direçã o ao aperfeiçoame nto da a lma s e bas eav a, s obretudo, em exerc íc ios de me ditaçã o s obre a morte, e uma ate nçã o foc ada s obre o momento pres e nte para es tabelec e r uma harmonia e ntre o s e r e o tempo pres ente, através da memoriz açã o dos dogmas de c ada e s c ola, por meio da dialétic a e da retoric a. Ha dot ( 2002, p.271) afirma que es tes exerc íc ios e ram es s enc ialmente es pirituais , e nã o requeriam ne nhuma atitude c orporal em partic ular, diferenteme nte dos exerc íc ios de meditaçã o do E xtremoO riente, do tipo budis ta.

Nes s e s entido, os exerc íc ios es pirituais da B K es tariam mais próximos dos exerc íc ios pratic a dos pelas es c olas filos ófic as da A ntiguidade O c ide ntal.

D entre os exerc íc ios e téc nic as de s i propos tos pela B K , es tã o a meditaçã o, os exerc íc ios de memoriz açã o dos dogmas do g rupo que devem es tar dis poníve is c omo uma c aixa de ferramentas para s erem aplic ados em todas as c irc uns tâ nc ia s c otidia nas , a leitura de textos e a es c rita c omo meios de retençã o dos valores e virtudes c ondiz entes c om os princ ípios morais e étic os do grupo. D entre os exerc íc ios es pirituais e nc ontrams e as atitudes requeridas para viver c omo um brahmin, de modo a tornar c oere nte os dogmas e as prátic as c otidianas . D e ac ordo c om o c ódigo de c ondutas da B K , os exerc íc ios de abs tinênc ia em relaçã o a os pra z eres do c orpo vis am um trabalho de autoape rfeiçoamento, que podem s er c ompree ndidas no â mbito de uma ‘c ultura de s i’5 dentre os quais , a a doçã o da dieta veg etaria na. E s te c onjunto de prátic as , ao es tarem as s oc iados a motivações religios as reperc ute no modo de exis tê nc ia e nas repres entações dos c onv ertidos ( bra hmins ) modific ando os es quemas de perc epçã o do mundo, es pec ialmente nas s uas relações c om o c orpo e o meio ambiente, tanto natural, quanto s oc ial. P ara verific ar es ta hipótes e foque i minha inves tigaçã o na alimentaçã o em s eu s entido polis s êmic o, tenta ndo relac ionar

5

A ‘c ultura de s i’, s e gundo F ouc ault ( 2002, 49) foi s e des env olvendo e m funçã o do princ ípio sobre o

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a alimentaçã o c omo fato s oc ial em inte rfac e c om a relig ios idade, de modo a eluc ida r a minha problemática inic ial.

T omando c omo emprés timo a abordag em metodológ ic a da P oulain ( 2002) proc urei des c rever as várias dimens ões do es paço s oc ial alimentar dos c onvertidos à B rahma K umaris W orld S piritual Univers ity6, B K W S U, ou B K , relac ionandoas aos as pec tos filos óficoreligios os des te movimento e s piritual ao qual s ã o afiliados os s ujeitos inves tig ados . A queles que adotam o es tilo de vida brahmin  termo que s e refere a os c onvertidos à B K , c om bas e no a s c etis mo intramundano, vis am nã o s ó a aquis içã o dos bens de s alvaçã o, mas expres s am uma forma es pec ífic a de pens ar e ha bitar o mundo.

O regime v eg etaria no pode s er vis to c omo uma ilus traçã o do ‘autog overno’, is to é, uma dec is ã o a dota da livreme nte, ou reflexo de uma impos içã o dec orrente de s ua ins c riçã o no movimento es piritual B K ? E m outros termos , a adoçã o da dieta veg etariana s eria um modo de as s ujeitamento a o c ódig o de c ondutas brahmin, ou s eria res ultado de um exe rcíc io permane nte de autodominaçã o, de autoc onhec imento e de liberdade para c ompor um es tilo de vida diferenc iado, e de uma arte de vive r?

C omo diz F ouc ault ( 1984) a prátic a do regime enquanto arte de viver é uma maneira de s e c ons truir a s i mes mo, z elando por um c orpo jus to, nec es s ário e s ufic iente. S eria es te o perfil da as c es e bra hmin, que dentre outras téc nic as de s i privileg ia o reg ime veg etaria no? P ara F ouc ault (1984, p.219) a dietétic a, c omo uma das artes de s e c onduz ir des envolvidas no pens amento grego – juntamente c om a ec onômic a e a erótic a – propôs uma modulaçã o s ing ular da c onduta s exual, s em que por is s o impus es s e um c ódigo de c ondutas obrigatório e univers al. A étic a s exual, e do c omportame nto do indivíduo em divers os domínios da vida foi problematiz ado tendo em vis ta “uma es tétic a da exis tê nc ia, a a rte refletida de uma libe rdade perc e bida c omo jogo de poder, dirigida es pec ialmente ao homem livre. E s s a étic a s ofreu um des loc amento no c urs o da his tória, e lenta mente vai s e foc ar em torno da reflexã o moral dirigida à mulher, a rtic ulando as relações entre o c omportamento s exua l, a normalida de e a s aúde (s eja pelo tema da virg indade, s eja pela c onduta matrimonial). A s s im, a problematiz açã o da c onduta pas s a de uma es tétic a do praz er para s e s itua r

6

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em torno do des ejo e s ua purific açã o, c omo oc orreu no c ris tianis mo. (F ouc ault, 1984, p.220).

A adoçã o da dieta veg etaria na vai s e r repres entativa de uma dietétic a c ujo alvo é a alma, inc ulc andoa princ ípios . (F ouc a ult, 1984). A s s im, o es tilo de vida brahmin, a o alimentar c orpo e alma, pas s a a s er ba liz ado em torno da s ac raliz açã o de s i e do mundo. A lgumas ques tões s e rviram c omo marc o para pe rmitir uma aproximaçã o c om es te movimento es piritual e s eu es paço s oc ial alimentar: Q uais as es pec ific idades da doutrina B K ? C omo os c onvertidos e os pereg rinos s e pos ic ionam em relaçã o à aquis içã o dos bens de s alvaçã o e à s prátic as alimentares ? E m que c ons is te es te trabalho de aperfeiçoamento de s i através da alma e do c orpo? Q ual o lugar que o c orpo oc upa nes te s is tema de c renças de origem ne ohindu, e c omo ele é res s ignific ado pelo O c idente, em es pec ial em F ortale z a, c ida de onde c olhi a maior pa rte dos dados empíric os ? E m que medida a adoçã o do reg ime veg etariano por motivações relig ios as intervém nas formas de perc eber, s entir e ag ir s obre o mundo? E m uma ling uag em ‘c ulinária’, interes s av a s aber qual o tempero que a variável ‘afiliaçã o a um movimento es piritual de c ariz neohindu’ ac res c entaria ao s abor dos pratos veg etarianos de maneira a realçar princ ípios que já es tariam c oloc a dos por prátic as alimentares vegetarianas , s em nec es s ariamente manter es te vínc ulo es treito c om a es piritua lidade. D entre as várias motivaçõe s para adoçã o da dieta veg etariana podemos c itar as de c unho higiênic o, humanis ta , ambiental, étic o (nã o religios o), etc . E s tas ques tões s erã o abordadas mais a frente ao dis c utirmos s obre os hábitos alimentares .

E nfim, para tentar res ponde r algumas des tas ques tões , o pres e nte trabalho foi es trutura do em s ete c apítulos , a s aber:

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c ons tituem em torno de uma rede difus a de c entros de interes s es que apontam um retorno plural ao s ag rado, c om foc o no indivíduo.

No s eg undo c a pítulo, “O E NC O NT R O C OM A B K W S U: IT INE R ÂNC IA NO A S HR A M” eu dis c uto a minha experiênc ia c omo pes quis a dora, e a metodologia empreg ada te ndo em vis ta as es pec ific idades do grupo pes quis ado. T omo a noçã o de itinerâ nc ia para expres s ar os des loc amentos que oc orreram durante a trajetória des ta pes quis a, tanto pa ra a c ons truçã o do objeto e do c ampo, c omo para a minha c ondiçã o de pes quis a dora, quando prec is ei reajus tar as lentes através da qual eu vinha le ndo e experimentando a B K na c ondiçã o de aluna ‘pereg rina’. P ara ta nto, travei o que venho c hamando de uma batalha armada, para enc ontrar es paços e c ondições favoráveis para o papel de pes quis adora. A lém de tudo, os bra hmins s e mos traram res ervados para a Marc ia pes quis adora, e nquanto a aluna era s empre bemvinda. E ntre pes quis ar e obs ervar, perc ebi que es ta va s endo afeta da pelo c ampo por outras vias que as que me mantiveram ao long o dos anos em minha pereg rinaçã o es piritual. E s te c apítulo tratará da emerg ê nc ia da pes quis adora, e o adormec ime nto (temporário? ) da jorna da mís tic a. R ealiz ei e ntrevis tas e obs ervaçã o pa rtic ipante para c apturar o c otidiano brahmin. E xperimentei a inda, a téc nic a da obs ervaçã o armada, propos ta por D es jeux (1996), para ac ompanha r o itinerário dos alimentos do es paço s oc ial alimentar do g rupo, as s im c omo outros elementos metodológ ic os s ugeridos por P oulain (2002).

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es te profeta, s obretudo através do trans e7, aproximandos e, nes te as pec to, de uma ‘viagem da alma’, atrav és do yoga, para s e c omunic ar c om o divino. D is c utirei ainda o pe rfil des te movimento vis to na pers pec tiva do g êne ro, bas e dos dis c urs os e c rític a s oc ial de L ekhraj para arregime ntar s e u s équito, e as relações entre formas de identific açã o bas ea das em referênc ias biológic as v ers us a c onc e pçã o do ‘eu’ c omo energia es piritual, e, portanto, ‘as s exuada ’. P or fim, levanto ques tõe s s obre o leg ado des te profeta e a c ontinuidade do movimento ag ora liderado por mulheres .

No quarto c apítulo, “A C A MINHO D O A S HR A M: C O NHE C E ND O A B K W S U”, des c revo a B K c omo uma ins tituiçã o voltada para a formaçã o inte gral do s er, dividindo s uas ações entre um c aráter, ora de org aniz açã o c ivil nã o governamental, ora c omo uma ins tituiçã o religios a, c uja doutrina va i s er des e nvolvida no c apítulo s eg uinte; A pres entarei alguns as pec tos da B K no B ras il, e nota damente em F ortalez a, para c ompree nder o c aráter pros elitis ta do grupo, e o empe nho c otidia no dos partic ipantes em dar vis ibilida de ao leg ado e à ‘autoridade’ de L ekhraj c omo portador de uma revelaçã o. O as pec to c omunitário do movimento aponta para formas de validaçã o mútua da c rença que c onjug am o empe nho c oletivo e o es forço individual na trans formaçã o de s i e do mundo, s ob o imperativo da urgênc ia, tendo em vis ta a iminê nc ia do ‘apoc alips e’, de ac ordo c om a c os mogonia do g rupo. A expans ã o do g rupo s e dá pela abertura de C e ntros , na maioria das vez es em g randes c e ntros urbanos , que s ã o s us te ntados financ eiramente pelos s e us afiliados , e pelo voluntariado. A o apres entars e c omo ins tituiçã o nã o g overnamental, a B K empree nde c urs os volta dos para a res pons abiliz açã o individual pelo aperfeiçoamento de s i e pela bus c a da felic idade aliando téc nic as tera pêutic as , c omo o des envolvimento pes s oa l, o pens amento pos itivo (Y es , I c an!), dentre outras , à s prátic as do tipo mís tic o es otéric o, enfim, por abordag ens que a pontam es te movimento c omo repres entativo de um humanis mo ps ic oes piritual, c omo s alientou C hampion ( 2000).

No quinto c apítulo, “O V E R D A DE IR O L A R D O E U: O C UR R ÍC UL O D A B K W S U” dis c utirei alguns as pec tos des ta ins tituiçã o que mes c la um prog rama bas eado em valores a uma c orpo doutrinário e litúrgic o, c om bas e na filos ofia do raja yog a, para propor um c urríc ulo de ens ino em torno de um arg umento de c unho “univers itário”, termo es te que é res s ignific ado pela B K . L ekhraj relativiz a o

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c onhec imento ac umulado pelas c iênc ias , e inaugura um c urríc ulo para a s ua “univers idade” que s e pauta, s obretudo, na es piritualidade – gyan. O gyan é um programa de es tudo rac ional, planific ado e progres s ivo s obre um c orpo de c onhec imentos , doutrinas e liturg ias que s e propõem a s er a “reve laçã o de um s aber” s obre a verda de ira naturez a da alma, e de s ua trajetória no mundo. A s s im, es tá fundamenta do um de bate entre c orpo e alma, e a propos ta de um regime de v ida c om bas e no as c etis mo intramundano. (W eber, 2003). E s te c onhec imento adquirido na B K , que valoriz a a prátic a do raja yoga, e do s erviço c ivil voluntário  s eva , vai mobiliz ar um c onhec imento nã o erudito, e propor uma s oteriolog ia c om o rec urs o a ações pros elitis tas que s ã o também fundame ntadas em torno de uma urg ê nc ia s obre o proc es s o de aperfeiçoamento de s i. F arei uma expos içã o des te c onhec imento, e s ua metodologia, para s ituálo em torno do que denomino de “as c es e brahmin”, is to é, na c ons truçã o de um regime de vida que vai atingir c orpo e alma dos s e us afiliados , es te s as s umindo, s imultaneamente, os papéis de alunos e profes s ores des te c onhec ime nto, e dis c ípulos des te profeta. P roc uro verificar as s imilitudes e ntre a as c es e brahmin, e o c onc eito de as kes is , definido por F ouc ault ( 2001a, l’hermeneutique du s ujet) e Hadot ( 2002), is to é, um trabalho de elaboraçã o de s i, de uma autotrans formaçã o progres s iva c omo c ondiçã o para o ac es s o à verdade. E m que medida podemos definir as prátic as bra hmin? E s tariam elas definidas c omo uma as c es e – as kes is , ou um as c etis mo? E s te último termo tem a c onotaçã o de renúnc ia de s i para s e ter ac es s o à verdade, é repres entativo do pens amento filos ófic o da A ntiguidade oc idental. A o as s oc iarmos es tas prátic as brahmin à doutrina da s alvaçã o hindu, obs e rvamos o proc es s o de autotrans formaçã o do indivíduo que realiz a a preparaçã o da “alma ” para um futuro renas c imento, em c ondições c ada ve z mais favoráveis , des de que ele elimine todas as impure z as de vidas pas s adas , e das relações que ele e ntretém no pres ente c om o mundo profano (W eber, 2003, p. 288291). E xis te nes s e as pec to, a nec es s idade do diálogo entre a filos ofia c omo “ um modo de vida”, is to é, c omo uma maneira de exis tir no mundo (Hadot, 2002, p.290) , e o as pec to da doutrina da s alvaçã o no hinduís mo: ambas as noções tê m por objetivo efetuar uma trans formaçã o da vis ã o do mundo, e uma metamorfos e do s e r (Hadot, p. 2003:77; W eber, p. 2003:312).

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madrug ada, à hora de dormir, o brahmin deve c umprir uma ag enda de atividades c om bas e no c ódig o de c ondutas do grupo  maryadas . E s te c otidia no é es truturado em torno da purez a, que deve s er obs ervada nos pens amentos e ações de c ada brahmin. P ara tanto, uma s éria de rituais s erã o des c rita s aqui pa ra demons trar que alma e c orpo es tã o empe nha dos e m uma batalha diária – ag onis tic a ? – para venc er os apelos do mundo profano e alc ançar a c onexã o c om o divino, s ac raliz andos e. P ara ta nto, tentarei demons trar nes te c apítulo c omo s e operac ionaliz a a doutrina do grupo, traduz ida em termos de uma dis c iplina de c orpo e alma vis ando à purific açã o c omo c ondiçã o para obter g anhos pos itivos que g arantam a s ua liberaçã o e a franquia para renas c er em c ondições mais favoráveis que as atuais . C abe aqui o diálogo c om Hadot (2002) e F ouc ault ( 2001a) s obre a noçã o de exerc íc ios es pirituais . P ara Ha dot ( 2002) “exerc íc io”, que c orres ponde a o termo g reg o as kes is , ou meletè , é uma atividade interior do pens amento e da vontade, e s e dis ting ue do us o moderno do termo c omo s ig nific ando abs tinê nc ia, ou c ontinê nc ia, por exemplo, de alimentaçã o, be bida, ou ativida des s exuais , por exemplo. P ratic as e os “exerc íc ios es pirituais ” para s e des apropriars e das paixões lig adas aos s entidos do c orpo, e ac eder do ponto de vis ta univers al e normativo, à s exigênc ias do logos , is to é, da raz ã o. E s tes exerc íc ios s ã o divers os , podendo s er uma meditaçã o s obre a morte (na pers pec tiva de P latã o, ou uma c ontemplaçã o da naturez a, na pers pec tiva epic uriana (Hadot, 2002, p. 49; 55;77). E m que medida podemos explic ar os exe rcíc ios es pirituais bra hmin c om os realiz ados pelas es c olas filos ófic as da A ntiguidade O c idental?

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P or fim, apres ento alg umas c ons iderações s obre os frutos des ta pes quis a, s eus limites e as s ementes que poderã o ge rminar em inves tigações futuras . C omo bem des tac ou B ec ker ( 2004), es c rever é as s umir um ris c o, e nã o pode ndo mais evitá lo, c ompartilho aqui as aquis ições e os frac as s os des ta empreitada.

O s termos ‘nativos ’, e m hindi, es tã o em um glos s ário em anexo. A s c itaçõe s em líng ua es trangeira terã o traduçã o livre na vers ã o final des ta pes quis a.

A s eg uir des c reverei a B K na c ena religios a c ontemporâ ne a, utiliz andome das anális es de W eber (2003), S immel ( 2010), HervieuL ég er ( 2005) e C hampion( 2000), autores que permitirã o des enhar o c enário dos movimentos religios os na c ontemporaneidade, que a des peito de alg umas ‘prev is ões ’, s e atualiz a e s e rec ompõe em tempos de modernidade ta rdia.

1.1 A B K W S U na c ena relig ios a c ontempo râ nea

P rimeiramente, s ituarei es te movimento es piritual de c ariz neohindu no â mbito dos Novos Movimentos R eligios os – dorava nte NMR , de modo a traçar alguns as pec tos des te grupo na c ena religios a c ontemporâ ne a.

E s te fenômeno dos NMR , c omo afirma HervieuL ég e r (2005), c ontradiz o que s e havia pe ns ado s obre a ‘Modernidade’, uma vez que ela nã o gera s oc ie dades menos c re ntes , mas formas diferentes de s e c rer atrav és de um c onjunto de proc es s os de rec ompos içã o das c renças , numa s oc iedade ins ac iável de expec tativas c uja vida c otidia na é perme ada de inc ertez as (HervieuL ég er, 2005, p.46). A s s im, nã o ac ontec e u de os indivíduos aba ndonarem s uas c renças , mas bus c a ram outras formas de c rer c om uma intens idade diferente das formas tradic ionais , des envolvendo alternativas aos modelos dominantes . E s ta é a pers pec tiva da a utora para explic a r a proliferaçã o de modos de pens ar que oc orreu nos país es oc identais pela rec ompos içã o do religios o ins c rito nes tes novos movime ntos . O s NMR vã o de enc ontro à s vias que privile giam o c ampo intelec tual c omo via de ins tauraçã o das relações s oc iais e traz em a pos s ibilidade de s e vive nc iar o ree nc ontro c om o s ag rado a partir da experiê nc ia pes s oal e das c omunidades afetivas .

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P ara C hampion (2000) , é nes te s ítio dos NMR que vai s e es boçando um movimento de c ontornos difus os e irreg ulares , que ultrapas s a as fronteiras das relig iões ins tituc ionaliz adas tradic ionais , c ujos partic ipa ntes es tã o em bus c a de autoc onhec imento e a perfeiçoame nto de s i pela via da experiê nc ia através de prátic as ps ic oc orporais e ps ic oes otéric as . E s te c onjunto de prátic as eferves c entes , c om ê nfas e no indivíduo moderno em bus c a de s ua realiz açã o pe s s oal, reúne uma varieda de de ações c uja tônic a é a bus c a do bemes tar e da felic ida de, s em nec es s ariamente es tar atrelada a ne nhuma c onfis s ã o religios a. A Nebulos a Mís tic o E s otéric a, uma ramific açã o dos NMR , s egundo C hampion (1990), é um c onjunto c ompós ito de g rupos e redes es pirituais c ons tituídos em torno de editoras , livrarias e c entros es piritua is que primam em anunc iar produtos e s erviços que favorec em a trans formaçã o de s i c entrada nos afetos . O indivíduo as s umiria a res pons abilidade pelo s eu a perfeiçoamento, a proximandos e das religiões orientais , mobiliz ando uma c arga afetiva intens a, e por vez es heterodoxa: nirvana8 e s amadhi s ã o s ubs tituídos por ambições mais modes tas ; o bemes tar, o c ontrole de s i, a s erenidade e a c onc entraçã o, s ã o v alores a s erem pers eg uidos c omo indic adores de uma s abedoria outra que pas s a des ta vez pela es fera privada. A bus c a da s abedoria funda um nov o humanis mo c om dimens ã o es piritual, que apela para uma étic a nã o material, univers al de relaçã o amoros a entre os homens e a naturez a em ge ral.

C om a mode rnidade, o religios o deixou de es tar referido a pe nas à s g randes tradições . T emos pela frente a expans ã o de um repertório de religios idades dis poníveis à s livres c ompos ições dos indivíduos c onforme s ua c onv eniê nc ia, que HervieuL ég er ( 2005) de nomina de ‘R e lig iã o à la c arte ’. A pluraliz açã o do c ampo religios o c oloc a em c heque a c ontinuida de das formas de ‘c rer’, onde as identidade s s oc iais s ã o c ada vez menos herda das c om relaçã o à trans mis s ã o religios a  pela família, es c ola, etc . para s er um evento de es c olha em funçã o da experiê nc ia individual. A s ‘religios ida des do eu’ vã o s e firmando e apontando para outras formas de vivênc ia do s entimento religios o, numa pers pec tiva voltada para as tradições es otéric as oc identais , as religios ida des orientais e as c orrentes ps ic ológ ic as , formando as s im a ‘bric olag e’ de c renças que c onfiguram as novas religios idades .

A tes e s us tentada por H ervie uL ége r ( 2005) é de que es taríamos s ubs tituindo a preoc upaçã o c om o devir para es te mundo. E s ta c ons tataçã o de

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privatiz açã o da c rença produz , por s eu lado, e de forma paradoxal, um movimento de multiplic açã o de pe quenas c omunida des fundadas nas afinidades s oc ia is (Hervieu L éger, 2005, p.57), predominando dois modelos de indivíduos religios os , propos tos pela autora: o pereg rino e o c onvertido. O primeiro c arac te riz as e pelo indivíduo que elabora um perc urs o fluido dos s eus c onteúdos de c rença e de pertenças c omunitárias . O peregrino s eria aque le que faz us o do ‘s upermerc ado religios o’ ( HervieuL ég er, 2005 p.115) para enc her s eu c arrinho de ac ordo c om as s uas nec es s idades e g os tos . A figura do c onvertido, o s e gundo tipoideal do indivíduo religios o na c ontemporaneidade, s eria a quele empenhado em c ons truir uma identidade relig ios a, s eja mudando de relig iã o, s eja des c obrindo uma religiã o pela primeira vez , s eja pela refiliaçã o religios a, renovando s e us votos à religiã o em que es tava ligado de maneira purame nte formal. O lug ar onde melhor s e podem e nc ontrar es tes tipos idea is da modernidade relig ios a s eria, s eg undo HérvieuL ég er, no c ompós ito de grupos e redes es pirituais que ela de nomina de Nebulos a Mític o E s otéric a, e foc o de es tudos de F rançois e C hampion. A NME s e c arac teriz a por uma religios idade c entrada no indivíduo, que pers eg ue o autoape rfeiçoamento, é c e ntrada no c onhec imento pela experiê nc ia, de ntre outras pec uliaridade s (HervieuL ég er, 2005, p.158).

D e ac ordo c om C hampion (1990) a Nebulos a Mís tic oE s otéric a, c ons is te em res g atar valores de c ons ervaçã o da naturez a, emoçã o e intuiçã o, apontando para uma nova étic a planetária em c ontrapos içã o à étic a oc idental c apitalis ta. A s ingularidade des s es movimentos c ons is te num ‘retorno plural’ a o s ag rado, des s a ve z numa dimens ã o individual.

A ideia de religaçã o, fus ã o etc . vê m s endo a tônic a dos dis c urs os que vis am romper c om os s entimentos de impotê nc ia em relaçã o a um univers o s oc ial des agre gador, o c ampo religios o, um dos s uportes para es s a “frag mentaçã o do eu”, vem s e tornando um território profíc uo para o trâ ns ito religios o. P rátic as nativas s ã o revitaliz adas , prátic as orientais s ã o mis turadas à s religiões tradic ionais do oc idente, s urgem c entros , polos e outros arranjos de c unho merc adológic o, s empre no s entido de artic ular o es piritual e o material c om ê nfas e no indivíduo.

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S immel faz uma dis tinçã o entre religiã o e religios ida de interes s ante para pe ns ar o fenômeno c ontemporâ ne o de c renças . E le e nte nde que a relig ios idade é uma das dimens ões humanas , as s im c omo a c apac idade erótic a, ou artís tic a, e que envolve toda a exis tê nc ia, c onferindolhe s entido, ao pas s o que religiã o s eria a s ua manifes taçã o s óc iohis tóric a. A pes s oa quando é re lig ios a por nature z a, diz o a utor, experime nta e dá forma à vida de uma maneira pec uliar, porque es tá impregnada por um s entime nto de trans c endênc ia que mobiliz a energ ias e des ejos , diferentemente da quelas pes s oas que rec orrem à religiã o pa ra preenc her uma lac una de s uas vidas (S immel, 2010a, p.19). P ara S immel, a relig iã o c ons titui um dos vários mundos pos s íveis em res pos ta à s nec es s ida des fundamentais do homem diante do c aos que é o mundo empíric o, e também para s atis faz er os s eus des ejos : a relig iã o s eria a forma c ris taliz ada de puls ões , interes s es e objetivos ps íquic os , c onteúdo do s entimento religios o, que es tá enraiz ado no indivíduo e nas s uas relações s oc iais . A s s im, é pos s ível artic ular o pens amento de S immel a He rvieuL ég er e C hampion quando es tas autoras tratam da des re gulaçã o do relig ios o na c onte mporaneidade: a religios idade é o tom íntimo de um relac ionamento es piritual c om o mundo que pode s e aplic ar a objetos religios os , ou nã o. A ê nfas e no tom interindividual das formas de c rença pode s er lida nes te trec ho de S immel:

P odemos cons tatar, por exemplo, que diversa s re la çõe s humana s abrig am um e le mento religios o. (...) toda relig ios idade c ontém uma mes c la pe c uliar de

dev oçã o a ltruís ta e des ejo ardente, de humilda de e elevaçã o, de c onc retude s ens íve l e abs traçã o e s piritual; is s o dá orig e m a ce rto grau de te ns ã o emoc iona l, a uma afetuos idade e s olidez es pe c íficas , a uma inc lus ã o do s uje ito em uma ordem s uperior, que é s entida, a o me smo te mpo, c omo alg o interior e pe s s oa l ( S IMME L , 2010b, p.4) .

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na c ontemporane idade por s er parte de um duplo movimento de s entidos c ontrários : de uma parte, a expans ã o de c renças individualmente moldadas e, de outra, a proliferaçã o de pequenas c omunidades que pretendem o monopólio da verda de, es tas s urgidas princ ipalmente das g randes ins tituições religios as (HervieuL ég er, 2005, p. 190).

O s novos movimentos religios os , em es pec ial os da Nebulos a Mís tic o E s otéric a, abrem es pa ço para o merc ado de bens s imbólic os vinc ulados à bus c a de uma s alvaçã o individual em que magia, práticas c orporais e huma nis mo revis itado c onvergem para a importâ nc ia de s e ins taurar uma nova étic a c apaz de relig ar a c onexã o perdida c om o s ag rado, e promov er a trans formaçã o global da s oc iedade. D o empoderamento dos indivíduos à s atividades liga das à s us tentabilidade ambie ntal, o s entime nto religios o c aminha na pe rs pec tiva de liberaçã o do s ag rado para além das organiz ações que mantiveram tradic ionalmente o monopólio dos bens de s alvaçã o.

P ara pens ar es te fenômeno es c olhi a B rahma K umaris W orld S piritua l Univers ity, movimento es piritual que s urgiu em 1937, em Hyderabad, c apital do entã o E s tado de S yndh, depois integ rada ao P aquis tã o em 1947, após a Independê nc ia da Índia. E la s urgiu a partir das profec ias milena ris tas de D ada L ekhraj, um ric o c omerc iante de diamantes que numa determinada fas e da vida, por volta de s eus 60 anos , pas s ou a rec eber vis ões que lhe as s oc iavam a uma enc arnaçã o divina, um avatar de K ris hna. L ekhraj dec idiu inves tir toda s ua fortuna para financ iar um projeto de trans formaçã o de s i e do mundo por meios de valores morais , fundamenta dos nas es c rituras védic as , em es pec ial na meditaçã o anc orada na prátic a do raja yoga. A s vis ões de L ekhraj inc luíam uma vis ã o apoc a líptic a do mundo ao que s e s e guiria um mundo paradis íac o. E s te enc ontro c om D eus , e s abers e porta dor de uma mens agem divina (W eber, 2004) o levou a c riar uma c omunidade, c ujos inte gra ntes c ontribuíram pa ra a rotiniz açã o do s eu c aris ma. L ekhraj c onduz iu es te grupo, primeirame nte de forma is olada do c onvívio s oc ial, e numa etapa pos terior adotando o as c etis mo intramundano (W eber) , deu pros s eg uime nto ao s eu c ompromis s o de tra ns formaçã o do mundo, para o qua l fundou uma as s oc iaçã o que es tá atualme nte es palhada por todos os c ontinentes .

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formaçã o, majorita riamente mulhe res das c amadas médias , e c om formaçã o profis s ional univers itária (L épinas s e, 2003). E s tes partic ipantes tê m, portanto, ac es s o a bens e s erviços que favorec e um es tatuto de vida re lativamente privileg iado, dis pos tos a s air em bus c a de referentes c ultura is que pos s am ate nder à s ques tões relac ionadas ao c uida do de s i e à es piritualidade, as s im jus tific am s eus integrantes e s impatiz antes . B ha bha ( 2007), A ppadurai ( 2001) e S aid (2007), c ontribuem para es ta dis c us s ã o ao rec omporem a etnopais ag em da c ontemporaneidade em funçã o des ta dinâ mic a O riente/O c idente, o fluxo das religios ida des orientais e a s eduçã o provoc ada por elas nos indivíduos oc identais . A s z onas de c ontato (B habha, 2007) entre O c idente/O riente a pontam as trilhas para a le itura de fenômenos que nã o es tã o nem c á, nem lá, mas em um ‘terc eiro es paço’onde s e c omeça a es boçar novas s oc iabilidades : a qui es taria uma c hav e para pens ar o trâ ns ito religios o de indivíduos libertos das amarras das ins tituições e permeáveis à pluralida de de voz es que c olaboram para uma revis ã o dos princ ípios c oloc a dos pelo projeto da modernidade oc ide ntal.

O c onjunto de c renças da B K é bas e ado nos princ ípios do hinduís mo, mas c om partic ularidades e mes c lag ens de outros s is temas filos ófic os e relig ios os . O as pec to híbrido que c ompõe a doutrina da B K W S U pode s e r obs ervado até mes mo na apres entaçã o dos alimentos , viés es c olhido por mim para a pree nder a relaçã o entre o c ampo da es piritualidade e as prátic as c otidianas . É c omum haver uma mimetiz açã o dos pratos s ervidos em relaçã o aos que c ompõem a alimentaçã o onívora: feijoada, ac arajé, hambúrg ue r e outros pratos s ã o adaptados à dieta veg etaria na, por exemplo.

Na epígrafe do c apítulo IV de ‘O L oc al da C ultura’ B habha c ita L a c an para des tac ar o jogo de luz es e c amuflag ens que ac ompanham o ato mimétic o: ‘A mímic a revela alg o na medida em que é dis tinta do que poderia s er c hamado um s imes mo que es tá por trás ’. A mímic a, c omo rec urs o para c ompree nder es s e proc es s o de ne goc iaçã o e ntre c ulturas , em es pec ial as marc adas pelo proc es s o de dominaçã o, pe rmite ilus trar a ambiva lê nc ia das repres entações ela bora das pela s ubjetividade c olonial. Diz o a utor: ‘A mímic a c olonial é o des ejo de outro reformado, rec onhec ível, c omo s ujeito de uma diferença que é quas e a mes ma, mas nã o exatamente’ ( B habha, 2007, p.130).

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(2005), c omo tipos ideais repres entativos das nov as formas de viver o religios o, quando o tom individual predomina nas es c olhas e nos modos de traçar as trajetórias e os perc urs os na a quis içã o dos bens de s alvaçã o (W eber, 2004). A emergênc ia de um movimento c arac terís tic o da atua lida de , a ‘nova c ons c iê nc ia religios a’, tem implic ações s obre o ‘es tilo de vida’ (G idde ns , 2002, p.79), e vem c onfigurando a pais ag em da religios idade c ontemporâ nea oc ide ntal, marc ada pela bric ola gem de c renças que ultrapas s am as fronteiras his tóric as , g eog ráfic a s e c ulturais . A ‘orientaliz açã o do O c idente’, por exemplo, é um fenôme no obs ervado nos rec e ntes es tudos religios os ( C ampbell, 1997), e informa, s obretudo, o ‘proc es s o de globaliz açã o’ em s ua fas e mais ac elerada. A ‘globaliz açã o do relig ios o’ s eria uma das dimens ões trans nac ionais da c ultura e s e c ons titui de lóg ic as es pec ífic as a s erem obs ervadas na pes quis a empíric a. A etnopais agem9 das prátic as es pirituais e terapê utic as provenientes do O riente vã o s e delinea ndo na es teira do que W arnier (1999) denomina de ‘mundializ açã o’ da c ultura, ou s eja, a c irc ulaçã o dos produtos c ulturais em tempos de globaliz açã o.

A té o S éc ulo X X , era c omum s e obs e rvar a rota do O c idente em direçã o a o O riente no que ta nge as mis s ões de evangeliz açã o c ris tã . C ontemporaneamente, es s a rota nã o s ó s e inverteu, mas apres enta múltiplas direções . A s organiz ações es pirituais de orig em hindu s ã o exemplo da reaçã o de g rupos s oc ia is que viveram a dominaçã o imperialis ta e hoje reivindic am a difus ã o de s ua c ultura no s entido amplo.

A ltglas ( 2005) inves tig a a trans formaçã o do hinduís mo a partir da influê nc ia da c oloniz açã o britâ nic a na Índia e a hibridaçã o c ultural entre es s as s oc iedades . A autora ques tiona s e exis te uma ‘orientaliz açã o do O c idente’, ou s e es taríamos as s is tindo à diluiçã o do hinduís mo frente aos valores oc identais , onde a c rença s e individualiz a e os perc urs os c orres pondem menos à s pertenças c omunitárias c onc retas e te ndem mais a evoluir em formas s ec tárias de s oc ializ açã o. E ntendido c omo ‘des re gulaçã o do religios o’ es ta tendênc ia a pontaria para a ê nfas e do indivíduo na rec ompos içã o do s eu próprio s is tema de c renças , da ndo lug ar a uma religiã o rec ompos ta, c omo remarc ou HervieuL éger ( 2005).

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T ermo utiliz ado por A rjun A ppa dura i, para de s ignar: “(…) pa is ag em de pes s oa s que cons titue m o mundo em des loc amento que ha bita mos : turis ta s , imigrantes , refug iados , exilados , trabalhadores c onvidados e outros grupos e indivíduos que em movimento cons tituem um as pe c to es s enc ia l do

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A g lobaliz a çã o, que dis s olve as ide ntidades c ulturais produz , por s eu lado, a cons tituiçã o, a ativaçã o e mes mo a invençã o de pequena s identidades comunitárias c ompa c ta s , s ubs ta nc iais e c ompens atórias ( HE R V IE UL É G E R ,

2005, p. 25).

A emerg ê nc ia de nov as religios idades na ‘modernidade tardia’ ( G iddens , 1991) tem na B K W S U um exemplo de reinterpretaçã o das tradições hindus , c onc iliando a tradiçã o, pela rec riaçã o e o rejuvenes c imento do raja yog a, c omo motor pa ra ac ompanhar as trans formações advinda s pela globaliz açã o/mundializ açã o, fato es s e que provoc a o interes s e em obs e rva r, no c ontexto bras ileiro, as diferentes es tratég ias e modos de apropriaçã o des s e NMR de c ariz neohindu.

P artindo do pres s upos to de que as formas de org aniz açã o e apropriaçã o do religios o têm as pec tos partic ulares à s hibridações das religiões , as prátic a s orientais ao s e enc ontrarem c om as relig iões tradic ionais do O c idente geram um repertório vas to de tendê nc ias filos ófic as , religios as , terapê utic as e merc adológic a s c om reperc us s ões diferenc ia das nos vários c ontextos onde s ã o a propriados . A s s im, é prec is o identific ar s uas es pec ific idades , os ec os provoc ados por e s s a dinâ mic a e o apelo que tem es s es movimentos na rec ompos içã o do religios o c omo rec urs o pa ra as na rrativas e trajetórias de biografias que s e rec ons troem em tempos de reflexividade. (G iddens , 1991) .

A valoriz açã o das es c olhas pes s oa is para a c ons truçã o do perc urs o religios o tem na me táfora do ‘pere grino’ uma figura típic a da fluide z e da trans itoriedade do proc es s o de identific açã o religios a e c onvive, de forma tens a e relac ional, c om a figura do c rente tradic ional, o ‘c onvertido’; es te, obediente à s pres c rições obrig atórias pela s ua pertença. ( C hampion, 1990).

O ‘trâ ns ito religios o’ (A maral, 2000), ou a ‘religiã o em movimento’ (Hervieu L éger, 2005) s ã o c ategorias explic ativas que foc am a itinerâ nc ia, o nomadis mo, a errâ nc ia do indivíduo frente ao s eu pe rc urs o es piritual c omo fenômeno c ontemporâ ne o, em que o indivíduo s e livra das ama rras de pertenc imento religios o e es ta belec e múltiplas interações , mais c ondiz entes com s uas demandas . R epres entam, porta nto, as es c olhas de indivíduos ‘g lobaliz a dos ’ por es paços e des loc amentos produtores de hibridações c ulturais e religios as .

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bus c a de outros pos s íveis para as vias de s alvaçã o (W eber, 2004) além das propos tas pelas religiões tradic ionais do O c idente. E s s as experiê nc ias religios as de c unho oriental, que privilegiam as vias de s alvaçã o de tipo mís tic o (T roelts c h, 2005), ainda que identific adas por s eu c omponente individual ( a autonomia do indivíduo referida ao s ag rado) reivindic am a c ons tituiçã o de redes c omprometidas c om es tratégias de ambiçã o univ ers al ( A ltglas , 2005).

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2 O E NC O NT R O C O M A B K W S U: IT INE R ÂNC IA NO A S HR A M10

O meu enc ontro c om a B K s e deu por ac as o, nas minhas flâ neries nos arredores de minha res idê nc ia, no ba irro Dionís io T orres , regiã o de c las s e média em F ortalez a. A ndava pela R ua J oa quim Nabuc o, no c ruz amento c om a A ntônio S ales , quando avis tei um mas tro alto c om uma bandeira has teada em amarelo e vermelho vibrantes c om um des enho que parec ia o s ol c om s eus raios .

Imag em 1 – F a c hada da B K e m F orta le z a

F onte: produçã o da a utora ( 2011) .

A o lado des te mas tro es tava uma grande plac a luminos a c om o nome B rahma K umaris W orld S piritual Univers ity11 anunc iando c urs os gratuitos de meditaçã o. Is s o c hamou minha atençã o, ao mes mo tempo em que, des c onfiada e inte res s ada pela oferta g ratuita, dec idi toc a r a c ampainha e obter maiores informações . F ui ate ndida por uma s enhora por volta de 40 anos , ves tida em trajes dis c retos , de c or beg e e c om um s orris o g e ntil. F ui informada s upe rfic ialme nte s obre a ins tituiçã o, as atividades e c urs os de meditaçã o, e foime s ug erido que vies s e a o C entro no domingo s e guinte para as s is tir a pales tra aberta ao públic o, oc as iã o em que

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T e rmo de orig em s â ns c rita para de s ig nar local de trans mis s ã o de c onhec imento es piritua l por um guru, e meditaçã o.

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T ambém c onhe cida por P raja pita B ra hma K umaris Is hwariya V is hwa V idyala ya. A quele s que s eguem

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eu iria me inteirar s obre os c urs os de me ditaçã o, c as o eu me s ens ibiliz as s e pela propos ta do grupo.

No domingo s eg uinte c heg uei ao C entro e, na entrada, es tava es ta mes ma s enhora, des ta vez , ves tida em um s ári branc o, c om uma ins íg nia dourada no peito, c uja forma era s imila r à es tampada na bandeira. A c hei a quela roupa um pouc o es tranha e me perg untei s obre o que eu faz ia ali, naque le es paço exótic o, nem tanto pelo públic o, mas pela indumentária da brahmin, nome que eu ainda nã o c onhec ia o s ig nific ado. A final, s eria aquele um loc al de c ulto es otéric o? T eria algo c om prátic as de c uranderia, ou s imilar? J á havia pas s ado por vários grupos religios os des de a adoles c ênc ia, havia frequentado os c ultos da IS K O N, popula rmente c onhec idos por Hare K ris hna, pratic ado hatha Y og a, freque ntado terreiros de umbanda e c andomblé, e, ao ver o s ari branc o as s oc iei o grupo a alg o híbrido c omo um c ulto de umba nda e entidades hindus . C onfes s o que hes ite i em permanec er no loc al, mas a s impatia da brahmin s erviu c omo c rédito até que aquela c onfus ã o s obre onde eu es tava es tiv es s e mais apaz iguada e eu pudes s e, finalmente, ac ha r uma definiçã o, ou mes mo nominar as s ens ações que s e pas s av am c omigo naquele mome nto. S e nteime junto a os demais , em uma s ala repleta de c adeiras branc as de plás tic o, alguns quadros nas pa redes , em frente a uma poltrona também branc a, ladeada por duas mes inhas c om objetos , que para mim, até entã o, e ram apenas de dec oraçã o: um porta retratos c om a foto de L ekhraj (o fundador da B K , pers onag em que eu a inda nã o c onhec ia), elefantes , anjos , c aixinhas etc ., ou s eja, um c onjunto de s ig nos es tava expos tos na quele ambiente, uma s imbolog ia que eu ainda nã o era c apaz de ler. P or detrás da poltrona, havia um g rande quadro c om o ponto de luz em forma ovalada, na c or vermelha, c omo emitindo raios em c ores vermelho alaranja da (s ó depois des c obri o verdade iro s e ntido da forma e das c ores da quela figura). A luz do s alã o s e apag a um C D c omeça a toc ar mús ic as no es tilo ne wag e, enqua nto a bra hmin c onduz ia o públic o a uma experiê nc ia bre ve de meditaçã o, s ug erindo à s pes s oas que s e des lig as s em, por alguns ins ta ntes , dos problemas ou preoc upações da vida c otidia na, afirmando que experimenta riam, por c erc a de uma hora, outras maneiras de olha r para s i e para o mundo, ou, c omo eu tratarei nes te trabalho, outras formas de ler a s i e ao mundo.

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pouc o es piritualiz a dos , imers os no mundo. A brahmin pediu que c ada um c itas s e uma virtude que rec onhec es s e em s i e, no final da pales tra, durante uma breve meditaçã o, c ada um refletis s e s obre c omo c oloc ar em prátic a es s as virtudes para enfrentar o dia  adia. S aí da pales tra mais apa z ig uada do que no c hoque inic ial, e dec idi me ins c rever pa ra o c urs o bás ic o de meditaçã o raja yog a. A qui c omeça minha te ntativa de traves s ia, de errâ nc ia, em bus c a de s erenidade, verda de e amor, s emelhante à pe regrinaçã o de S idarta no roma nc e de Hes s e.

P ara es s e trabalho, bus quei retomar o es tranhamento que s enti nes s e primeiro c ontato, embora s abendo que is s o nã o é de todo pos s ível. R efaz er es s a traves s ia, perc e bendome, em parte, c omo integrante do g rupo, haja vis ta que o frequento há 11 anos , em parte, c omo pes quis adora. D iz er is s o, nã o s ig nific a que as páginas que s e s eg uem s erã o a mera des c riçã o das experiênc ias e momentos vividos junto a B K . S erá, c ontudo, rememorar e reinterpretar es s a pas s ag em, s entir novos c heiros , tatos e g os tos provoc ados por es ta experiê nc ia, bus c ar olhares aos quais nã o me ative enqua nto participante, que ao me dis tanc iar permitirã o reexamina r s entidos e aprendiz a ge ns , numa tentativa de rec ons truçã o des ta trajetória a o mes mo tempo pes s oal e s oc ial. T entarei expor eleme ntos que emerg iram a partir de um método de imers ã o proc ura ndo des vendar c omo a es piritualidade, c om raíz es orie ntais pode c ontribuir para uma vis ã o de mundo es pec ífic a, aliando o profano e o s ag rado nas prátic as c otidianas , em um g rupo de partic ipantes da B K em F ortalez a.

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2.1 B atalhas de uma ob s erv açã o “armada”

A pes quis a empíric a foi s e definindo à medida que o c ampo foi mos trando as pos s ibilida des para apreender os dados s ignific ativos para o propós ito des ta pes quis a. P ela dific uldade em ter meu ac es s o a o c ampo franqueado, pos s o diz er que es ta fas e da pes quis a foi turbule nta, exigindo que eu abris s e mã o do plano metodológic o es tabelec ido, e bus c as s e téc nic as que permitis s em uma aproximaçã o c om o grupo para res ponder minhas ques tõe s de partida.

P ara c onhec er alg uns as pec tos da c ultura alimentar e religios a dos pa rtic ipa ntes da B K W S U optei pela pers pe c tiva do c otidiano para tornar vis ível o c ontexto de vida que, no c urs o de s uas interações informa a vis ã o de mundo, de c aráter s ubjetivo ao mes mo tempo em que retrata o c ontexto s oc ia l a que pertenc em os s ujeitos inves tig a dos .

R ec orri a métodos e téc nic as de inves tig açã o de naturez a etnográfic a, pois pe rmitem c ompreender os s ignific ados que os ins c ritos na B K W S U c onferem à s s uas prátic as , pe ns amentos e repres entações a c erc a da ins c riçã o religios a e a dieta veg etariana c omo uma prerrogativa s ui generis do método de a utoaperfeiçoamento es piritual do c enário da nebulos a mís tic oes otéric a.

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P rivile giei foc ar minhas obs ervações nos pa rtic ipantes B K que, ao adotarem o c ódigo de c ondutas do movimento, realiz aram uma c onvers ã o religios a. E s ta tipolog ia es taria próxima do que eu denomino de regime de vida brahmin que e u des env olverei ao longo do traba lho. O s alunos e partic ipantes idea is s erviram c omo c ontra ponto a es te modelo ideal, e favorec eram a perc epçã o da dis tâ nc ia entre os que es tã o ‘dentro’ e os que es tã o ‘fora’ do movimento, jus tific ados em termos de s uas es c olhas pes s oais .

A minha s ituaçã o no c ampo trouxe o ques tionamento levanta do por F avret S aa da s obre ‘s er afetada’ c omo a s oluçã o para o dilema entre obs e rvar e partic ipar. A s s im diz a autora:

No c omeço, nã o parei de os c ila r e ntre es s es dois obs tác ulos : s e eu “pa rtic ipas se ”, o trabalho de c ampo s e tornaria uma a ventura pes s oal, isto é, o c ontrário de um tra balho; mas s e tenta s s e “obs erva r”, quer diz e r, manter me à dis tâ nc ia, nã o ac haria nada para “obs ervar”. No primeiro ca s o, meu

projeto de c onhec imento e s ta va amea çado, no s eg undo, arruinado (F A V R E T S A A D A , 2005, p. 157) .

T endo c onhec ido e partic ipado da B K c omo aluna da raja yog a, s omente de pois de c erc a de s eis anos dec idi tra ns formar es ta experiê nc ia em objeto de es tudo. E s tive por c erto tempo dividida entre alg uém que partic ipava do g rupo e nqua nto aluna, e a lguém que deveria tomar o grupo c omo ‘objeto’ de es tudo, e is to me c aus ou c erta c onfus ã o metodológic a, pois nã o me preoc upei em me deter em depoimentos formais , entrevis tas es truturadas , ou qualque r outra téc nic a de pes quis a tradic ional da minha área de es tudos . P erc ebi que es tava “rec olhendo dados etnog ráfic os ” ao mes mo tempo em que partic ipava c omo uma aluna, ainda que minha ins c riçã o no c ampo es piritual es tives s e próximo do c rente em movimento ( o peregrino) , c onforme o tipo ideal delineado por HervieuL éger ( 2005).

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Imag em 2 – B hatthi

F onte: produçã o da a utora ( 2011).

A os pouc os fui neg lig enc iando minha partic ipaçã o enquanto aluna, para tentar enc ontrar s e nt idos s obre, afinal, ‘o que eles querem diz er’ qua ndo agem de determinada maneira. E merge a pes quis adora, s ubmerg e – temporariamente? – a aluna, nada c onvenc ional, de raja yoga.

P ermanec i afeta da, ainda retomando a ideia de F avretS aa da, mas nem por is s o me rendi ao ponto de vis ta do nativo, nem me a prove itei da experiênc ia para obter uma demarc açã o do meu es tatuto no c ampo c ientífic o. E s te dilema me pe rs eguiu durante todo o proc es s o de pes quis a, implic ando numa s ens açã o de es tar em s ituaçã o de fronte ira, nã o te ndo, nem s endo rec onhec ida c om nenhuma identidade fixa. Nada mais atual e m tempos de identidades plás tic as , o que nã o deixa de c aus ar inc ômodos .

A mim nã o c abe julga r o ê xito des te empreendimento, mas dev o rec onhec er que o pe rc urs o des ta pes quis a provoc ou um turning point12, em funçã o do qual já nã o pos s o diz er que s eria a mes ma, nem enqua nto aluna, nem enquanto pes quis adora.

O es tatuto de “aluna” ainda em proc es s o de c onvers ã o, nem o de pes quis adora, me renderam ac es s o a determina dos es paços do grupo: a c oz inha me era interditada. S endo um es paço s a grado, durante o prepa ro das re feições , a c oz inha deveria s er oc upa da apenas pelas brahmin res pons áveis pelo preparo das refeições . P ara res ponder à minha c urios idade c ientífic a, us ei de alguns dis pos itivos , c omo bis bilhotar, c e rcar o es paço, olhar de relanc e o que s e pas s ava naque le rec into, ou mes mo ‘provoc ar’ c omentários em funçã o do aroma ou outro qualquer s e ntido que me fos s e afetado a partir da c oz inha. O s momentos mais próximos des te es paço s ag rado s e deram por oc as iã o de retiros , ou de c olaborações nas atividades da c oz inha, ou

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Referências

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