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MULHERES ESCRAVAS, FILHOS, PADRINHOS E MADRINHAS: ESTRATÉGIAS PRESENTES NA PIA BATISMAL, LITORAL SUL-FLUMINENSE, SÉCULO XIX

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MULHERES ESCRAVAS, FILHOS, PADRINHOS E MADRINHAS: ESTRATÉGIAS PRESENTES NA PIA BATISMAL, LITORAL SUL-FLUMINENSE, SÉCULO XIX

Marcia Cristina de Vasconcellos 1

Resumo: A cerimônia de batismo de crianças escravas era um dos momentos para que suas mães pudessem estabelecer laços de compadrio com indivíduos de condições jurídicas variadas (livres, forros ou cativos), ampliando os vínculos parentais e de amizade. Após a análise dos registros paroquiais citados, dos casamentos e de inventários post-mortem de Angra dos Reis, datados do século XIX, objetiva-se verificar as estratégias adotadas pelas cativas quanto a escolha de "pais espirituais" para seus filhos. Quais os possíveis motivos ao escolher livres como compadres? Estes teriam alguma importância social na localidade, podendo vir a beneficiar mãe e afilhado em momentos adversos? Tais questões são algumas das formuladas para a presente apresentação.

Palavras-chave: Mulheres escravas. Família. Solidariedade.

Na presente comunicação abordamos os laços de compadrio adotados entre mães escravas, casadas ou solteiras, padrinhos e madrinhas na vila de Angra dos Reis/RJ, no século XIX. Para tal é necessário conhecermos um pouco da história da localidade, o significado do sacramento do batismo para a igreja católica e, em seguida, as escolhas feitas pelas escravas quando do batismo de seus filhos. Como o trabalho faz parte de uma pesquisa em andamento coordenada por nós junto ao Programa de Apoio à Pesquisa (PROAPE) da UNIABEU Centro Universitário, os resultados apresentados são parciais.

Angra dos Reis é um município banhado pelas águas da Baia da Ilha Grande. Em fins do século XVI havia a presença de alguns poucos portugueses que se dedicavam à produção de alimentos e de cana de açúcar, ao lado de muitos nativos, principalmente na Ilha Grande.

1

Doutora em História pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Professora do curso de licenciatura em História da UNIABEU Centro Universitário (Nilópolis/RJ, Brasil) e da graduação e pós-graduação em História das Faculdades Integradas Campo-grandenses (FEUC/Rio de Janeiro/RJ, Brasil). O texto apresenta alguns resultados do projeto de pesquisa “Os cativos da família Jordão da Silva Vargas: um estudo sobre a comunidade escrava em Angra dos Reis, século XIX”, desenvolvido junto ao Programa de Apoio à Pesquisa (PROAPE) da UNIABEU, com financiamento da FUNADESP. Fazem parte da pesquisa os bolsistas Thiago Amorim Figueira da Silva e Simone Silva de Brito Ferreira.

Email: marciavasconcellos3@gmail.com

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Até meados do século XVIII a saída de metais e pedras preciosas e a entrada de mercadorias e de escravos às Minas Gerais ocorriam pelo Caminho Velho ou dos Guaianazes, incluindo o porto de Parati que estava interligado ao do Rio de Janeiro. Este movimento dinamizou a vila de Parati 2 e, indiretamente, Angra dos Reis, para onde iam os “descaminhos” do ouro. Em função da presença de corsários na Baía da Ilha Grande, a coroa autorizou a construção de um caminho terrestre, que ligaria o Rio de Janeiro e as Minas. Desta forma houve uma retração do fluxo pelo Caminho Velho, mas Parati e Angra continuaram vinculadas à “história” do metal, por meio de trilhas em direção aos portos do sul-fluminense. Ao mesmo tempo, as culturas da cana, feijão e mandioca disseminaram-se na região, assim como a produção da aguardente.

No início do século XIX, na medida em que os cafezais foram se espalhando pelo vale do Paraíba, os portos de Parati e, em destaque, os de Angra, tornaram-se locais de escoamento do café em direção ao Rio de Janeiro. Caminhos foram recuperados e outros foram abertos, ligando o litoral ao vale. Tropas de São João Marcos, de Resende, de Piraí, de Bananal e de Areias chegavam em Parati, Angra e Mangaratiba. Com isso, moradores se tornaram marinheiros, o excedente da produção local foi vendido aos homens que subiam e desciam a Serra do Mar e armazéns de café foram instalados.

Após 1850 ocorreu, gradativamente, uma redução do movimento portuário em decorrência da construção da Estrada de Ferro D. Pedro II, que tornou-se responsável pelo transporte do café do vale até a Corte, além do aumento da participação do porto de Santos nas exportações. 3 Na mesma época foi abolido o comércio internacional de escravos africanos e deu-se o incremento do tráfico inter e intra-provincial, levando ao encarecimento do preço dos cativos. Na mesma ocasião ocorreu uma transformação demográfica na região. 4

Entre os anos de 1840 e 1872 a população livre cresceu em termos numéricos e percentuais, enquanto houve uma redução de escravos Quanto a origem dos últimos, em 1856, 62,6% (6043) eram nascidos no Brasil, chegando a 82,9% (3768), em 1872. Já os africanos representaram 37,4%

(3.616) e 17,1% (776), respectivamente. Dos crioulos contabilizados em 1872, a maior parte era

2

SOUZA, Marina de Mello e. Parati: a cidade e as festas. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1994. p. 37.

3

VASCONCELLOS, Marcia Cristina de. Famílias escravas em Angra dos Reis, 1801-1888. Tese (Doutorado em História)-Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

4

O ano de 1850 é considerado como o da consolidação do Império, data da Lei Eusébio de Queiróz, que determinava o fim do tráfico de escravos; da Lei de Terras, que obrigava o registro das terras e a compra de terras devolutas, dentre outras; a reformulação da Guarda Nacional; e a criação do Código Comercial do Império. Ver: BASILE, Marcelo, Consolidação e crise do Império. In: LINHARES, Maria Yedda (org). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro:

Campus, 2000. p. 445; CARVALHO, José Murilo de. I-A construção da ordem, Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1996.

p. 436; MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. Rio de Janeiro: ACCESS, 1994. p. 285.

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formada por indivíduos provenientes da província do Rio de Janeiro (97,7% ou 3.586), sendo 41,5%

adultos (15 a 30 anos), 30,1% idosos e 28,4% de crianças. 5 .

Portanto, em meio à produção de café e de aguardente para o mercado interno, de alimentos para abastecimento da população local, de redução do escoamento do café do vale do Paraíba pelos portos angrenses, da queda do número de escravos e aumento percentual da participação de crioulos, avaliaremos os laços de compadrio adotados por mães escravas, entre os anos de 1805 e 1871.

O batismo era um sacramento que permitia a conversão ao cristianismo. Como afirma Brugger, “o batismo constituiu-se no principal sacramento da religião católica, na medida em que marcava o ingresso do indivíduo na comunidade cristã e a remissão do pecado original”. 6

Tal como qualquer ritual havia regras no momento da escolha dos padrinhos e madrinhas:

não poderiam ser os pais carnais, deveriam ser batizados e conhecedores da doutrina católica.

Padrinhos e madrinhas ficavam responsáveis pela formação moral dos afilhados e eram vistos como

“substitutos eventuais do pai e da mãe”. (Lebrun, 1998, p. 89)

Nos livros paroquiais das freguesias de Angra dos Reis, da Ribeira, de Mambucaba, da Ilha Grande e de Jacuecanga foram localizados 3264 sacramentos de crianças, datados de 1805 até 1871.

Destes, oito (0,2%) contaram com os senhores dos batizandos na qualidade de padrinhos. 7 A maior parte das cerimônias ocorreu nas Igrejas das freguesias, 3209 (98,3%), enquanto 55 batismos foram realizados em residências e em fazendas onde viviam pais e crianças.

Os batismos simples somaram 2984 (91,4%), contra 280 coletivos. Os primeiros correspondem àqueles em que em um registro havia a referência a uma única criança, enquanto nos coletivos os párocos anotaram a conversão de dois ou mais batizandos. Estes dados levam-nos a acreditar na interferência senhorial, ao menos na escolha da data da cerimônia. Sendo isto verdadeiro, supomos que as consagrações simples possam ser indícios de que a vontade cativa era levada em conta pelos proprietários em alguns momentos. Não podemos mais acreditar que o sistema escravista tenha perdurado trezentos anos à base da violência física, mas que houve outros mecanismos que garantiram a perpetuação de relações entre escravos e senhores. Estas iam além de

5

Relatórios de Presidentes de Província do Rio de Janeiro, 1841, 1851 e 1858, Biblioteca Nacional. Censo Nacional de 1872, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

6

BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal São Paulo: Annnablume, 2007 p. 283.

7

Livros de batismos de escravos da Ilha Grande de 1805-1847 e de 1850-1861; Livro de batismos de escravos de

Mambucaba, 1830-1871; Livro de batismos de escravos da Ribeira, 1824-1826; e Livro de batismos, casamentos e

óbitos de escravos e de livres de Jacuecanga, 1800-1888. Convento do Carmo e Igreja de Jacuecanga, Angra dos Reis,

RJ.

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demonstrações explícitas de poder, incluindo negociações entre ambas as partes. A formação de famílias escravas, a concessão de lotes de terra, a capoeira eram vistas como conquistas dos escravos no dia a dia, ao mesmo tempo em que eram entendidas como concessões por senhores. 8

O ritual batismal criava um vínculo de compadrio, envolvendo os pais e os padrinhos, e de apadrinhamento, celebrando a associação entre batizandos e padrinhos. Estas ligações, a nosso ver, resultavam de escolhas efetuadas, muitas vezes, pelos pais dos batizandos, correspondendo a estratégias que variavam de acordo com os participantes, suas situações jurídicas e a legitimidade dos batizandos. Corresponderam a laços que, além de selecionar “pais espirituais”, criava e reforçava amizades e solidariedades.

As crianças ilegítimas, resultantes de uniões não legalizadas pela igreja, estiveram presentes em 2473 (77,0%) sacramentos e as legítimas em 742 (23,0%). Entre os anos de 1805-1848 foram batizadas 523 (31,5%) legítimas e 1137 (68,5%) ilegítimas. Entre 1848-1871, encontramos, respectivamente, 219 (14,1%) e 1336 (85,9%). 9

O aumento da participação de ilegítimas, em geral, resultou do crescimento de famílias encabeçadas por mães solteiras. Após a análise dos inventários post-mortem de escravistas do município observamos 32,2% (46) de famílias nucleares e 67,8% (97) de matrifocais, entre 1800 e 1848; enquanto no período de 1849 a 1888, localizamos, respectivamente, 16,1% (30) e 83,9%

(156). 10 Dos cativos aparentados, 35,9% (158) e 17,0% (94) estavam em famílias nucleares, entre 1800-1848 e 1849-1888, respectivamente; e 64,1% (282) e 83,0% (458), em famílias matrifocais. 11 Por conseguinte, ao longo do tempo, os casamentos tornaram-se menos frequentes, o que não significa a inexistência de uniões entre escravos.

Passando para a análise das condições jurídicas de padrinhos, constatamos que entre as legítimas existiu um predomínio de padrinhos escravos, correspondendo a 52,2%, entre 1805-1871.

8

Para saber mais: CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e conflito. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

9

Em 49 cerimônias não conseguimos identificar o grau de legitimidade dos batizandos.

10

Inventários post-mortem de escravistas de Angra dos Reis, 1800-1888. Museu da Justiça do Rio de Janeiro e Arquivo Nacional.

11

VASCONCELLOS, Marcia Cristina de. Famílias escravas em Angra dos Reis, 1801-1888. Tese (Doutorado em

História)-Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. p. 107.

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Os livres foram citados em 41,1% das cerimônias, e os forros, em 6,7%. 12 Quanto à escolha de madrinhas, 58,8% (349) eram cativas, 7,1% (42) forras e 34,1% (202) livres. 13

Os percentuais acima indicam que mães casadas e seus cônjuges convidaram, preferencialmente, escravos para serem seus compadres e comadres, além de garantir “pais espirituais” que poderiam vir a auxiliar na criação de seus filhos. Ao analisar a origem dos casais que foram até a pia batismal, verificamos um predomínio de africanos. Estes tinham deixado para trás, à força, amigos, familiares e companheiros e, uma vez na América, necessitavam criar novos laços, amenizando assim a dura vida como escravos. Em Angra, estavam fazendo das cerimônias uma oportunidade para estabelecer e reforçar amizades com outros companheiros de cativeiro, condição necessária para homens e mulheres em busca de ressocialização. No entanto, devemos levar em conta a possibilidade de imposição senhorial em algumas cerimônias. Neste caso, para os proprietários mais fácil e vantajoso seria que seus cativos estabelecessem contatos com outros escravos, pois poderiam vir a auxiliá-los em seu processo de adaptação ao “Novo Mundo”.

Vale destacar também os 41,1% de padrinhos livres. Defendemos que a opção pelo compadrio com indivíduos em condição jurídica superior possa ter resultado de famílias que, já dispondo de importantes redes de solidariedade no interior da comunidade escrava, desejaram estreitar seus contatos com os livres, advindo daí, talvez, vantagens para pais e filhos. Outra possibilidade é que estivessem em propriedades com número reduzido de escravos, ambiente que facilitava o contato com os livres.

No caso dos batismos de crianças ilegítimas, 40,8% (1001) dos padrinhos eram escravos, 4,6% (113) forros e 54,5% (1335) livres. 14 Entre as madrinhas, 51,7% (880) eram escravas, 5,4%

(92) forras e 42,9% (730) livres. 15

12

Livros de batismos de escravos da Ilha Grande de 1805-1847 e de 1850-1861; Livro de batismos de escravos de Mambucaba, 1830-1871; Livro de batismos de escravos da Ribeira, 1824-1826; e Livro de batismos, casamentos e óbitos de escravos e de livres de Jacuecanga, 1800-1888.

13

Livros de batismos de escravos da Ilha Grande de 1805-1847 e de 1850-1861; Livro de batismos de escravos de Mambucaba, 1830-1871; Livro de batismos de escravos da Ribeira, 1824-1826; e Livro de batismos, casamentos e óbitos de escravos e de livres de Jacuecanga, 1800-1888. Convento do Carmo e Igreja de Jacuecanga, Angra dos Reis, RJ. Em 119 cerimônias, as madrinhas foram santas, em 20 batismos as madrinhas não foram citadas e em 10, suas situações sociais estavam ilegíveis.

14

Livros de batismos de escravos da Ilha Grande de 1805-1847 e de 1850-1861; Livro de batismos de escravos de

Mambucaba, 1830-1871; Livros de batismos de escravos da Ribeira, 1824-1826; e Livro de batismos, casamentos e

óbitos de escravos e de livres de Jacuecanga, 1800-1888. Convento do Carmo e Igreja de Jacuecanga, Angra dos Reis,

RJ. Em 14 cerimônias os padrinhos não foram citados e em 10, estavam ilegíveis.

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Mães solteiras estabeleciam vínculos, predominantemente, com padrinhos livres. As respostas possíveis são: ser livre significava estar em vantagem em termos jurídicos, sendo que alguns poderiam gozar de situação econômica vantajosa ou deter status social. Verificamos padrinhos que eram proprietários de outros escravos, tenentes, capitães, alferes etc. Em casos de alianças com estes, as mães talvez estivessem em busca de ganho material para si ou seus filhos, como, por exemplo, dinheiro para a compra da carta de alforria. Os padrinhos poderiam ser parentes de seus afilhados, quando no caso de enlaces entre escravas e seus senhores. No entanto, muitos deveriam ser pobres, sem posses. Não teriam como ajudar comadres e afilhados financeiramente, mas representá-los, em caso de ações movidas na justiça. Talvez muitas já estivessem envolvidas em laços de amizade no interior da comunidade escrava, como no caso das crioulas, origem de muitas após meados do século. Para estas, o compadrio com livres permitia-lhes ampliar seus conhecimentos e amizades.

Quanto às madrinhas, as escravas eram a escolha mais frequente. Mães e seus filhos buscavam alguém que conhecesse a realidade do cativeiro e que pudesse, efetivamente, ajudar na criação das crianças ao lado da genitora ou quando de sua ausência. Opção semelhante foi observada no batismo dos legítimos. No caso das madrinhas livres, encontramos mulheres nomeadas como “Dona”, exemplo de algum destaque na sociedade local.

Analisamos também a frequência com que homens e mulheres eram convidados a serem padrinhos e madrinhas. Assim chegamos a mais informações sobre as estratégias adotadas pelos pais no momento do batismo.

Grande parte dos padrinhos, independentemente da condição jurídica, teve apenas um afilhado. Foram 70,3% de escravos, 67,9% de forros e 77,5% de livres. Logo, o ato do batismo foi um evento no qual eram criados laços com um número diversificado de indivíduos.

No entanto, houve indivíduos que participaram de várias cerimônias. Por exemplo, um mesmo cativo foi padrinho de 17 batizandos: Joaquim, crioulo, cativo de Antônio Pinto Soares de Oliveira. Todos seus afilhados foram crianças localizadas na freguesia de Mambucaba, entre os anos de 1851 e 1857. Dos pais que estabeleceram vínculos de compadrio com Joaquim, apenas duas

15

Livros de batismos de escravos da Ilha Grande de 1805-1847 e de 1850-1861; Livro de batismos de escravos de

Mambucaba, 1830-1871; Livro de batismos de escravos da Ribeira, 1824-1826; e Livro de batismos, casamentos e

óbitos de escravos e de livres de Jacuecanga, 1800-1888. Convento do Carmo e Igreja de Jacuecanga, Angra dos Reis,

RJ. Em 694 batismos, as madrinhas foram santas, em 57 as madrinhas não foram citadas e em 20 suas situações sociais

estavam ilegíveis.

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mães reforçaram o compadrio com ele. Isto é, o escravo foi padrinho de mais de um filho das respectivas mães.

Quais os motivos para receber tantos convites? Ele possuía alguma importância na comunidade escrava? Seu proprietário tinha alguma posição importante na sociedade local?

Difícil avaliar a importância daquele cativo junto à comunidade. Sabemos que seu proprietário, segundo dados extraídos do Almanak Laemmert, era dono de loja de fazendas nos anos entre 1864 e 1870, e negociante de molhados e secos em 1856, 1860, 1862, 1864, 1866, 1868 e 1870, em Mambucaba.

Infelizmente não encontramos o inventário de Antônio Pinto Soares de Oliveira, mas os registros paroquiais de seus escravos deixam a impressão de que ele tinha um número reduzido de trabalhadores compulsórios. Sendo ele comerciante possivelmente fixado na área urbana de Mambucaba, seus poucos cativos deveriam ter algum tipo de mobilidade; eles poderiam circular com relativa facilidade pelas ruas do “centro” da freguesia. Assim conheciam outros escravos. Este conhecimento e as amizades criadas poderiam ter feito de Joaquim um cativo “popular”; e, portanto, tão requisitado na hora do apadrinhamento.

Francisco Eugênio de Moura, homem livre e natural de Santos, em São Paulo, teve 34 afilhados, entre 1847 e 1871. Todas as cerimônias foram realizadas também em Mambucaba. Seu nome apareceu indicado no Almanak Laemmert entre os anos de 1856 e 1866 na qualidade de alfaiate e, em 1878, como fabriqueiro. No entanto, seu nome não foi indicado como proprietário de escravos em registros paroquiais.

Excluindo dois afilhados adultos africanos e dois com idade indefinida, os demais eram crianças. Quatro famílias reforçaram os vínculos de compadrio com Francisco Eugênio de Moura:

Josefa africana, cativa de Luis Antônio Paes de Almeida, convidou-o a ser seu compadre em duas cerimônias, em 1853 e 1854; Clara, crioula, proprietária de Manoel Pedro Gomes, teve três filhos apadrinhados por ele, nos anos de 1847, 1852 e 1854; Iria crioula e seu marido Marcelino de origem incerta, escravos de Antônio Cordeiro da Silva Guerra, o convidaram em três batismos de seus filhos; e Maria e seu marido Ventura, pertencentes a José Jordão da Silva Vargas, também tiveram três de seus filhos apadrinhados por ele.

Entre as mulheres que em algum momento tornaram-se madrinhas houve uma tendência,

assim como entre os padrinhos, de terem apenas um afilhado. Madrinhas escravas com um afilhado

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corresponderam a 70,4%; forras, 77,1%; e livres, 80,3%. Também os laços adotados com as madrinhas tendiam a ser “popularizados”, atingindo grande número de mulheres.

Verificamos até aqui que, além preocupação com a condição jurídica de padrinhos e madrinhas, mães e pais preferiam diferentes pessoas para adotar laços de compadrio, principalmente entre livres, visto que 77,5% e 80,3% de homens e mulheres, respectivamente, foram padrinhos e madrinhas uma única vez.

Analisamos também as propriedades que tiveram escravos como padrinhos. Foram 412 plantéis. Destes, 95 (23,1%) não enviaram escravos para serem padrinhos de cativos em outros plantéis, enquanto 317 (76,9%) ofereceram padrinhos a outras propriedades. Isto é, os cativos de diferentes senhores se relacionavam com frequência.

Dos plantéis que enviaram padrinhos, a maior parte só o fez uma única vez. No entanto, 40,3% dos proprietários tiveram escravos convidados para o apadrinhamento duas ou mais vezes.

Isto é, escravos de diferentes senhores se relacionavam e faziam do batismo o momento para

“oficializar” os laços de amizade, para além dos limites das propriedades em que viviam.

Encontramos quatro propriedades responsáveis por oferecer padrinhos a 109 cerimônias.

Possivelmente tratavam-se de médias e grandes escravarias, detentoras de elevado número de escravos. Os cativos de Júlio Dufrayer estiveram em 21 sacramentos na qualidade de protetores espirituais. Por meio dos registros paroquiais, já que não temos seu inventário, verificamos que ele possuía número considerável de escravos para Angra dos Reis. Somando os registros datados entre os anos de 1830 e 1860, todos de Mambucaba, encontramos 59 cativos adultos, entre mães, pais, madrinhas e padrinhos. Júlio Dufrayer, segundo os dados do Almanak Laemmert, era comerciante que, em seguida, começou a dedicar-se ao cultivo do café. Nos anos de 1848 e 1850 foi indicado como proprietário de um armazém de secos e molhados e de café. Nos anos pares da década de 1860 já era anunciado como fazendeiro e lavrador de café. Foi um comerciante que, enriquecendo, passou a dedicar-se àquilo que era mais nobre, a terra.

Ignácio During foi citado em 23 batismos como proprietário de padrinhos. Mais uma vez as cerimônias foram realizadas em Mambucaba, entre 1840 e 1870. Segundo o Almanak Laemmert, era fazendeiro de café e proprietário de uma oficina de despolpadores e ventiladores de café, nos anos entre 1856 e 1878 e, segundo os registros paroquiais, chegou a ter 27 escravos.

O capitão Pedro José Travassos, residente na Ilha Grande, foi indicado em 29 batismos na

qualidade de senhor de padrinhos, entre os anos de 1807 até a década de 1850. No Almanak

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Laemmert entre 1856 e 1860 foi citado como fazendeiro de café e fabricante de aguardente. Entre batizandos adultos, pais e protetores, foram contabilizados 84 cativos. Por certo, o capitão era médio proprietário.

A última propriedade que se destacou enviando 36 escravos para o compadrio pertenceu a José Jordão da Silva Vargas, membro de uma das maiores famílias da vila, os Jordão da Silva Vargas.

As quatro propriedades indicadas tinham em comum o fato de congregar um relativo número de escravos e se relacionar com variadas escravarias no momento do batismo. Por exemplo, os cativos de Júlio Dufrayer se relacionavam com os escravos de outros proprietários, incluindo os de Ignácio During e de José Jordão da Silva Vargas. Os cativos deste último, por sua vez, comunicavam-se intensamente com os escravos de outros senhores. Ou seja, a população escrava estava em pleno processo de ampliação de amizades, assim como se formava uma comunidade escrava que ia além dos limites das propriedades.

De 400 propriedades que tiveram escravas na qualidade de madrinhas, 300 (75%) se comunicaram via compadrio. As propriedades enviaram, com maior frequência, madrinhas para outras escravarias uma única vez (59,6%), portanto 40,4% das propriedades ofereceram madrinhas duas ou mais vezes.

Três proprietários destacaram-se no envio de madrinhas: o Capitão Pedro José Travassos foi citado em 27 batismos como proprietário de madrinhas; Ignácio During e José Jordão da Silva Vargas contribuíram com 32 madrinhas, cada. Ou seja, foram as mesmas propriedades citadas entre os padrinhos. Os cativos daqueles senhores foram mais convocados para cerimônias exatamente porque, dentre outros motivos, detinham um número considerável de escravos 16 .

Observamos que os trabalhadores de Ignácio During e José Jordão da Silva Vargas possuíam amizades com escravos de outros senhores. Para haver tais trocas, evidentemente, eles deveriam ter liberdade de circulação. Sabemos que os cativos não viviam sem comunicação com o mundo externo e, diante de um contexto de diminuição do quantitativo nas propriedades, mais fácil seria que todos se conhecessem.

Portanto, convidar padrinhos e madrinhas para seus filhos era mais do que uma formalidade.

Isto é, os pais visavam com a adoção do compadrio, estabelecer ou reforçar laços de amizade e de

16

A propriedade do Capitão Pedro José Travassos encontra-se separada das duas demais pois localizava-se na Ilha

Grande. Já as duas outras encontravam-se em Mambucaba.

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solidariedade, que poderia ser adotado com escravos, forros e livres. Os cativos reconheciam os protetores espirituais como membros das suas famílias. Portanto, tais famílias não se esgotavam nos vínculos matrimoniais e de consanguinidade. Elas se abriam e congregavam os parentes ritualísticos, no caso, os oriundos do batismo.

Referências

Almanak Laemmert. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro/RJ.

BASILE, Marcelo. Consolidação e crise do Império. In: LINHARES, Maria Yedda (org). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal. São Paulo: Annnablume, 2007.

CARVALHO, José Murilo de. I-A construção da ordem. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1996.

CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Das cores do silêncio. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995 CAPAZ, Camil. Memórias de Angra dos Reis. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1996.

CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1990 Censo Nacional de 1872, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

FLORENTINO, Manolo Garcia e GÓES, José Roberto de. A paz das senzalas. Rio de Janeiro:

Nova Fronteira, 1997

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JACINTO, Cristiane Pinheiro Santos. Laços e enlaces. São Luís: EDUFMA, 2008

Livros de batismos de escravos da Ilha Grande de 1805-1847 e de 1850-1861; Livro de batismos de escravos de Mambucaba, 1830-1871; Livro de batismos de escravos da Ribeira, 1824-1826; e Livro de batismos, casamentos e óbitos de escravos e de livres de Jacuecanga, 1800-1888. Convento do Carmo e Igreja de Jacuecanga, Angra dos Reis, RJ.

LEBRUN, François. O sacerdote, o príncipe e a família. In: BURGUIÈRE, André (orgs). O choque das modernidades. Lisboa: Terramar, 1998.

MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. Rio de Janeiro: ACCESS, 1994.

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VASCONCELLOS, Marcia Cristina de. Nas bênçãos de Nossa Senhora do Rosário. Relações familiares entre escravos em Mambucaba, Angra dos Reis, 1830 a 1881. Dissertação (Mestrado em História)-Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001.

_____________________. Famílias escravas em Angra dos Reis, 1801-1888. Tese (Doutorado em História)-Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

Title

Slave women, children, godfathers and godmothers: strategies at the baptismal font, South coast of Rio de Janeiro, XIX century

Abstract: The ceremony of the baptism of slave children was an opportunity for their mothers to establish compadrice ties with people of varied legal conditions ( free, emancipated or captive), widening the parental and friendship bonds. After the analysis of the mentioned parish registers of the weddings and the post-mortem inventories in Angra dos Reis, in the XIX century, the goal is to verify the slave women's strategies concerning the choice of "spirituals parents" for their children.

Which are the possible reasons for choosing free people as their children's godfathers? Would they have any social importance in the locality and then benefit mother and godchild in adverse moments in the future? These are some of the questions formulated for this presentation

Keywords: Slave women. Family. Solidarity.

Referências

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