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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

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Academic year: 2018

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Maria Juliana da Silva Pires

O interrogatório por videoconferência no limiar do século XXI

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito (Direito Processual Penal), sob orientação do Professor Doutor Cláudio José Langroiva Pereira.

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

____________________________________________

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Ao orientador, Prof. Dr. CLAUDIO JOSÉ LANGROIVA PEREIRA, exemplo de mestre e amigo, brilhante professor que muito contribuiu para a elaboração deste trabalho com suas lúcidas lições, sempre demonstrando boa vontade, paciência e compreensão.

Ao eminente jurista Prof. Dr. MARCO ANTONIO MARQUES DA SILVA, pelo incentivo e pelo exemplo de dedicação profissional, o que me deu ânimo para realização deste trabalho. Suas brilhantes lições sempre me servirão de apoio seguro e eficiente.

Aos meus colegas de classe, pela rica troca de experiências.

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RESUMO

Trata o presente estudo do ato do interrogatório com base em novo paradigma: o da videoconferência. O mundo contemporâneo prioriza as ações que decorrem do desenvolvimento tecnológico, o que também se aplica como ideal a ser seguido na realização da justiça, sob pena de o Poder Judiciário ficar em desvantagem com relação ao mundo que o cerca. O uso de tecnologia de ponta no desenrolar do processo penal pode contribuir para alavancar o esforço contra a demora na prestação jurisdicional, especialmente no campo da informática, servindo para dar efetividade ao princípio da celeridade processual, tão desejada pela população em geral. Por conseguinte, a modificação dos procedimentos processuais penais deve surgir naturalmente, não mais se compreendendo que a legislação processual deixe de acompanhar os progressos da ciência da informática, especialmente a transmissão em tempo real de som e imagem. Reformas legislativas, nesse campo, são realmente necessárias. Mas, é óbvio que se torna imprescindível a adequação dessas reformas às normas inseridas na Constituição Federal e em especial sua adequação aos princípios constitucionais elencados no art. 5º como direitos fundamentais, uma vez que não há falar-se em Estado de Direito com violação dessas garantias maiores. O Processo Penal pode e deve valer-se dessas técnicas (como a da videoconferência), já que se trata de viabilidade tecnológica para realização de audiências à distância, sem descumprimento de intocáveis princípios atrelados à Dignidade Humana. Neste diapasão, necessário será analisar a segurança e a constitucionalidade desse novo sistema, uma vez que o emprego da videoconferência ainda enfrenta resistência por certa parte da doutrina. Este trabalho se ocupa, nesses termos, do exame do interrogatório feito pelo sistema de videoconferência no curso do processo penal e pretende demonstrar tanto a viabilidade do emprego dessa tecnologia na esfera processual penal, quanto sua adequação às normas constitucionais hoje em vigor entre nós.

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ABSTRACT

The issue of this study refers to the use of videoconference as a new paradigm to perform the criminal interrogation procedure in Brazil. The contemporary World prioritizes methods based on technological development, which also should be followed as an ideal in achieving justice, under penalty of the Judiciary falls behind the World surrounding it. The use of technology in criminal proceedings may be helpful to improve the Judiciary system by avoiding the usual jurisdictional performance delay, especially using the technological progress of computer science in its favor. Moreover, these technologies would contribute to the fully observation of the principle of the procedural speed, satisfying at the same time the needs of an eager society. Therefore, changes should arise naturally in the criminal procedure making sure its legislation follow the progress of technological sciences, mainly in the real-time transmission of sound and image streams field. However, it is essential to adapt these incoming updates with the current Brazilian Constitution and mainly with its principles listed in section 5th entitled as fundamental rights. It is not possible to call Government of Law when these guarantees are not severely obeyed. The Criminal Procedure can and should make use of these techniques (such as videoconferencing), as it consists of a technical feasibility to conduce remote hearings without putting in risk untouchable principles linked to Human Dignity. From this said, it will be necessary to discuss the safeness of this videoconferencing method since this issue still faces resistance from some part of the doctrine. This study mainly attempts to focus around this discussion and intends to prove the legal and constitutional safeness of the interrogation by videoconference system in criminal proceedings.

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1. A DIGNIDADE HUMANA COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1.1. Estado Democrático de Direito e seu Princípio Vetor da Dignidade Humana ...04

1.2. Princípios Constitucionais orientadores do Direito Processual Penal ... 10

1.3. Teoria Geral dos Princípios ... 10

1.4. Princípios Constitucionais ... 12

1.5. Princípios Constitucionais orientadores do Processo Penal ... 13

1.5.1. Princípio da Legalidade ... 14

1.5.2. Princípio da Ampla Defesa ... 15

1.5.3. Princípio do Contraditório ... 16

1.5.4. Princípio da Presunção da Inocência ... 18

1.5.5. O direito de ficar calado ... 19

1.5.6. Princípio do Juiz Natural ... 20

1.5.7. Princípio da Licitude das Provas ... 21

1.5.8. Princípio do Devido Processo Legal ... 22

2. O INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE PROVA E MEIO DE DEFESA 2.1. A prova no Processo Penal ... 24

2.2. Teoria Geral das Provas ... ... 27

2.3. Conceito, histórico e particularidades do interrogatório ... 29

2.3.1. Evolução histórica ... 34

2.4. A pessoa interrogada ... 38

2.5. A presença do Advogado ... 44

2.6. O interrogatório como meio de defesa ... 47

3. O INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA 3.1. Conceito de videoconferência ... 51

3.2. Tipos de videoconferência e formas de utilização ... 53

3.3. A necessidade de segurança das transmissões ... 54

3.4. A videoconferência no Direito Brasileiro ... 55

3.5. A videoconferência no Direito Estrangeiro ... 57

3.6. Uso efetivo da videoconferência no Estado de São Paulo ... 64

3.7. Dados estatísticos atualizados até fevereiro de 2012 ... 67

4. A CONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA 4.1. A garantia da Ampla Defesa e a autodefesa na videoconferência ... 71

4.2. O exercício do Contraditório e a Presunção de Inocência na videoconferência 72 4.3. Respostas às críticas quanto ao uso da videoconferência ... 75

4.3.1. Alegação de inconstitucionalidade ... 75

4.3.2. Alegação de violação de Princípios Constitucionais ... 79

4.3.3. Alegação de violação do Princípio do Juiz Natural ... 81

4.3.4. A questão da economia de gastos públicos ... 82

4.3.5. A questão da segurança ... 82

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INTRODUÇÃO

Este trabalho aborda os estudos até agora apresentados a respeito da videoconferência aplicada ao interrogatório no Processo Penal Brasileiro.1

Polêmicas envolvendo esse tema são salutares, uma vez que estamos diante de matéria circundada por limites e clássicas garantias definidas pelo Estado Democrático de Direito, como instrumentos garantidores da plenitude do devido processo legal, além de seus princípios informadores do contraditório e da ampla defesa que não podem ser desrespeitados por qualquer ato normativo.

A abordagem do tema envolve-se com a análise desse sistema político. Normas processuais penais não podem pecar por omissão, ou, além disso, ser usadas como instrumento reformador corriqueiro. Essas normas devem entrar para o mundo jurídico depois de minucioso e cauteloso estudo de sua essencialidade, ainda mais quando vinculadas ao contraditório e à plenitude de defesa. Dessa forma, o interrogatório será inicialmente abordado sob a perspectiva desses princípios.

Quando adentramos no assunto da tecnologia usada pelo Judiciário, a polêmica ganha força e surgem correntes favoráveis ao lado de outras contrárias. Estas, basicamente, apoiam-se nas linhas tradicionais e conservadoras do Direito Processual que não costumam aceitar mudanças que causem grande impacto jurídico; e aquelas apoiam o emprego de avanços tecnológicos em benefício do Judiciário e dos jurisdicionados praticamente sem restrições, desde que garantias constitucionais não sejam desprezadas. Qual deve prevalecer? Essa polêmica remete a passado distante, quando muitos se opuseram ao uso da velha máquina de escrever para o registro do teor dos processos.

Polêmicas são naturais no meio jurídico e a resistência ao emprego de novas tecnologias é compreensível e até mesmo aceitável.

      

1 O  que se convencionou  denominar "teleinterrogatório" ou "interrogatório  online", realizado pelo  

sistema conhecido como "teleconferência" ou "teleaudiência", em que os participantes se encontram em 

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Os contrários às inovações, especialmente envolvendo o interrogatório criminal, usam o argumento da inconstitucionalidade para banir o emprego do sistema de videoconferência, ao argumento da violação da garantia elementar do direito de defesa e desrespeito ao devido processo legal.

Os favoráveis, todavia, entendem que esse novo sistema representa avanço em benefício da celeridade processual e da segurança pública, além de economia financeira para a fazenda pública, não oferecendo riscos às garantias que a Constituição garante a todos os acusados.

Haverá realmente violação de princípios constitucionais em prejuízo da pessoa acusada da prática de crime se, estando recolhida em estabelecimento prisional, for interrogada à distância, por meio da tecnologia conhecida como videoconferência ou teleaudiência? Haverá cerceamento de defesa? Estarão em ameaça seus direitos e garantias constitucionais? Há que se vislumbrar nulidade mesmo se não for demonstrado algum possível prejuízo?

Este estudo procura analisar todos esses pontos com apoio na Constituição Federal, não esquecendo de trazer informações técnicas a respeito do conceito básico da teleconferência e da forma como deve ser usada, para discussão a respeito da constitucionalidade do seu emprego entre nós.

A Lei Federal nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009, que introduziu a videoconferência na realidade processual brasileira, será também analisada à luz de sua constitucionalidade, na busca de uma conclusão a respeito de sua afinidade ou desrespeito aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo colocado na posição de réu, já que é a partir desse requisito que a lei ganha sua força e aplicabilidade no mundo jurídico.

Uma breve análise no direito no estrangeiro merece espaço na abordagem do mesmo tema, especialmente com referência aos países ocidentais que seguem regime político igual ao nosso.

(11)

segurança pública tem sido abalada e enfraquecida pelo avanço da criminalidade violenta e organizada2.

      

2 Vladimir Barros Aras faz o seguinte comentário: "O extraordinário desenvolvimento das tecnologias da 

informação propiciou o surgimento de um novo ambiente de interação humana, o ciberespaço. Para ele 

transportou‐se grande parte das relações jurídicas entre pessoas e entre estas e as empresas e os governos. 

Na verdade, a modernidade tecnológica produziu uma duplicação de interações: as do mundo eletrônico 

somam‐se às do mundo tido por real, ou as reproduzem. As relações cibernéticas têm suas  virtudes e seus 

vícios". In: O Teleinterrogatório no Brasil. Brasília‐DF: Revista Jurídica Consulex, nº 153, de  31‐05‐2003, p. 

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1. A DIGNIDADE HUMANA COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1.1. Estado Democrático de Direito e seu Princípio Vetor da Dignidade Humana

É importante discorrer inicialmente sobre o Estado Democrático de Direito, inda que de forma sucinta, como ponto de partida deste estudo que envolve garantias constitucionais da pessoa colocada na posição de réu em processo penal.

Esse modelo político mantém direta vinculação com a Dignidade da Pessoa Humana, princípio vetor desse modelo sem o qual o Estado de Direito não poderia levar, legitimamente, essa nomenclatura3.

Com esse modelo político democrático surge uma era constitucional democrática que vem dar força ainda maior ao Estado de Direito.

Os Estados totalitários perdem lugar para o Estado de Direito e neste as garantias fundamentais ganham proteção substancial, tendo em seu ápice a Dignidade Humana como valor fundamentador e orientador, como um mínimo existencial4.

A Dignidade Humana tem posição hierárquica acima de qualquer outro mandamento e dispensa a necessidade de uma linguagem normativa, o que salienta sua incontestável e absoluta importância como princípio-guia de todo o nosso sistema jurídico. Por isso, dentre os elementos básicos para a democratização, estão os direitos fundamentais, sendo a dignidade humana sua       

3   Artigo   A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do 

Distrito Federal, constitui‐se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos... III – a Dignidade 

da Pessoa Humana”. Constituição da República Federativa do Brasil 1988.   

4  O Estado Democrático de Direito brasileiro, como está expresso logo no art.  da Constituição Federal, 

envolve a   soberania, a Dignidade Humana, a cidadania, os valores sociais do trabalho e o pluralismo 

político como garantias que fundamentam seu modelo político. Ainda nos mesmos moldes, quanto ao fim  dos Estados totalitários, Roberto da Silva Oliveira diz que: “A Constituição Federal de 1988, à época de sua 

promulgação, representou verdadeira ruptura com o período ditatorial, com inspiração democrática adotou 

o princípio da Dignidade da Pessoa Humana como valor supremo da ordem jurídica nacional, positivando‐se 

este “valor fonte” do pensamento ocidental como fundamento da República Federativa do Brasil, enquanto 

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base principal, uma vez que serve de instrumento de repressão contra medidas arbitrárias, merecendo importância excepcional5.

A universalização e a internacionalização da luta para fortalecer e reconhecer a Dignidade Humana têm como seu maior expoente a consagração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada pela Assembleia Nacional Francesa, em 26 de agosto de 1789. Por meio desse instrumento enaltecedor, as garantias fundamentais foram colocadas como referências éticas de todos os Estados, já que essas garantias são responsáveis por concretizar as exigências basilares da dignidade, liberdade e igualdade.

Ademais, a necessidade de ligar o princípio da Dignidade Humana ao Direito Positivo veio com o processo de constitucionalização surgido com as chamadas Revoluções Liberais, como, além da Revolução Francesa, a Revolução Norte Americana6.

A partir do final do século XVIII iniciou-se um processo de supremacia constitucional com base na soberania popular7.

A respeito desse tema ligado à soberania popular, Celso Ribeiro Bastos salienta:

Na realidade, pode-se afirmar que a fonte imediata do poder é a Carta Constitucional, mas a fonte mediata desse poder apresenta-se como o povo. Em razão do desenvolvimento lento e gradual do Direito Constitucional inglês, este compôs um modelo político-jurídico singular em sua época, uma vez que contemplava o poder real, a aristocracia e os comuns. Tratava-se, pois, de um sistema de governo misto. Cumpre dizer que a Inglaterra não pretendeu por fim ao sistema antigo de governo e criar um novo. Pelo contrário, buscou preservá-lo, adequando-o às novas exigências de justiça. Já na França tal fato não ocorreu, pois pretendeu-se por fim ao antigo regime8.

      

5   BIALSKI, Daniel Leon. A Dignidade da Pessoa Humana como Forma  de Garantia à Liberdade na        

Extradição. In: Tratado Luso‐Brasileiro da Dignidade Humana. MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio 

Marques (coordenação), São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2008, p. 560 – 576.  

6  PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Ed. Saraiva,  

2006, p. 13‐16.  

7   Cláudio Pacheco, com apoio em Roger Pinto, salienta "que, ao atribuir o poder do Estado ao povo, a 

Constituição afirma o seu caráter democrático e abandona a doutrina política da soberania da nação, 

concebida como entidade distinta do povo. O corpo dos cidadãos é o órgão supremo do Estado, detém 

um poder de direito e de fato e cabe à opinião pública, embora possa ser dominada, frustrada ou 

manobrada, a última palavra". PACHECO, Cláudio. Tratado das Constituições Brasileiras, vol. I, Livraria 

Freitas Bastos, Rio de Janeiro e São Paulo, 1958. p. 179.  

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Constituições escritas, formais começaram a fazer parte do panorama político, marco de um novo cenário jurídico, em que até então só eram conhecidas as Constituições não escritas, baseadas nos costumes. Mesmo assim, foi preciso criarem-se meios mais eficazes para garantir e demarcar o princípio mais valioso, o da Dignidade da Pessoa Humana, independente de sua positivação jurídica. A preocupação urgente não era mais a de fundamentar essa premissa, mas sim de protegê-la, uma vez que sofria aviltamentos frequentes naquela época.

O princípio positivado veio trazer limites à ação arbitrária estatal e proteger o ser humano das violências recorrentes a seus direitos mais fundamentais por quantos abusam do poder ou se afastam das premissas condutoras do Estado de Direito9. Com a revolução hermenêutica trazemos à tona um novo Direito, quebrando com o formalismo positivista excessivo das regras, trazendo para o formalismo positivista os princípios a dignidade humana como seu maior expoente.

No chamado Estado Constitucional, o Estado Democrático de Direito, são vistas três estruturas de limitação do poder estatal:

(i) limitações materiais representadas pela necessidade de preservação de valores básicos e direitos fundamentais, aí incluída a dignidade da pessoa, a justiça comum a todos e os direitos individuais em geral;

(ii) limitações decorrentes de um sistema de freios e contrapesos ("checks and balances"), em que as funções de legislar, administrar e julgar devem ser atribuídas a órgãos diferentes e independentes entre si, mas que, ao mesmo tempo, controlem-se de forma recíproca; e

(iii) limitações processuais impostas pela fiel observância do devido processo legal com regras de caráter procedimental (contraditório, ampla defesa, desconsideração e proibição de uso de provas obtidas por meios ilícitos)10.

Sem se esquecer, ainda, que, como adverte Cláudio José Langroiva Pereira, "o princípio da proporcionalidade surge como instrumento capaz de captar

      

9  SARLET, Ingo Wolfgang. Tese de doutorado, 1996, Munique. Die Problematik der sozialen Grundrechte in  der brasilianischen Verfassung und im deutschen Grundgesetz. Peter Lang,  Frankfurt/M., 1997. 

10 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, 

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a sensibilidade popular às violações de normas, bem como a valorização social racional do próprio sentido das penas"11 .

Renomados juristas e filósofos da Antiguidade já debatiam sobre esse assunto, delineando o que hoje já está sedimentado. A Dignidade Humana sempre existiu, por se tratar de uma garantia intrínseca, inseparável e característica delineadora da condição humana12.

Outros quantificavam a dignidade pela posição que o indivíduo ocupava socialmente, provocando uma diferença entre as pessoas, separadas por castas mais ou menos dignas.

Hoje conseguimos enxergar o valor imprescindível de tal princípio, tanto para o ser humano como para o Estado em que o ser humano vive, habita. Por isso, seu enaltecimento universal tornou-se necessário para que o Estado adquirisse seu legítimo significado de Direito.

Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, baseou sua obra “Dei delitti e delle pene” essencialmente na dignidade do homem, salientando a importância de ser o homem tratado como pessoa e não como coisa. Já dizia o autor que não há liberdade onde houver leis que permitam que o homem seja tratado como coisa, mesmo que esteja ele em determinada circunstância que o desfavoreça13. Sua obra contribuiu para a prédica inovadora na realidade de uma época em que esse ideal ainda parecia utópico.

Para Kant, a dignidade tem um valor inestimável, ou algo com um preço muito elevado que ninguém está disposto a pagar. Por essa razão é que, em seus dizeres, “não se pode tratar o homem como um meio para um determinado fim, afinal ele é o fim em si mesmo”14, Kant deu à dignidade um valor supremo e disse que tudo, no mundo, tem um preço ou uma dignidade. Uma coisa com um preço pode ser substituída por qualquer coisa equivalente e geralmente destacam-se       

11  PEREIRA, Cláudio José Langroiva. Proteção JurídicoPenal e Direitos Universais. São Paulo: Ed. Quartier 

Latin, 2008, p. 163. Muitos autores ainda entendem que não deveria ser utilizada a expressão Dignidade 

da Pessoa Humana, uma vez que toda pessoa advém da natureza humana, sendo esta uma qualidade 

implícita na sua qualidade de pessoa.  

12 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais da Constituição da  República de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 23.  

13 BECCARIA, apud LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris 

Editor, 2003, p. 103. Além de sua obra, Dos delitos e das penas. BECCARIA, Cesare.  São Paulo: Ed. Saraiva 

de Bolso, 1ª edição, 2011.  

     14  KANT,  Immanuel,  apud  TÜRK,  Hans  Joachim;  TRUTWIN,  Werner.  Philosophisches  Kolleg  4,      Anthropologie. Düsseldorf: Patmos‐Verl, 1978, p. 30‐33. “Der Mensch als Zweck an sich darf nie nur 

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elas pelas criaturas sem razão; mas, por outro lado, quando algo tem um valor inestimável que não pode ser substituído por algo equivalente, então encontramos a dignidade, característica própria da natureza de todo ser humano. Não importa sua condição exterior, mas sim, interior. Por essa razão, não se concebe atribuir mais dignidade a uns do que a outros, independentemente de suas ações reprovadoras ou de sua posição social importante.

Depois da época fascista na Itália e das atrocidades da II Grande Guerra Mundial, foi preciso que os direitos da pessoa humana fossem consagrados nas constituições para que não fossem mais usurpados, esquecidos. Com o colapso eclodido pela Segunda Grande Guerra, o Direito deparou-se com seu maior desafio de ordem prática e de urgente solução15: enaltecer uma conscientização internacional, por meio de tratados, tendo a dignidade humana como o vetor de todas as outras garantias fundamentais das quais o ser humano depende para viver.

Aliás, foi através dos estragos trazidos pela era nazista que houve uma mudança de paradigma, uma reivindicação da dignidade humana como princípio. Tais estragos foram de tamanha extensão que só depois, com o passar do tempo, pode-se compreender sua gravidade16.

A Dignidade Humana ganhou força e sua maior expressão foi transcendendo valores positivados nas constituições, que muitas vezes eram usadas como instrumento legalizador de barbáries e atrocidades17.

Para evitarem-se esses abusos, criou-se o documento mais importante de concretização da Dignidade Humana: O Direito Internacional dos Direitos Humanos, consagrado pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 194818.

Passa-se, com esses acontecimentos, a uma era que repudia ordenamentos jurídicos indiferentes a valores éticos dos mais imprescindíveis. Para tanto, foi necessária a reconstrução dos direitos humanos através desse novo tratado. A partir de então, as constituições ocidentais passaram a trazer

      

    15 HASSEMER, Winfried. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 2, n. 6, abriljunho. São Paulo: Ed. 

Revista dos Tribunais, 1994, p. 38.  

16 HASSEMER, Winfried. Ob. cit. p. 37.  

17 LEMOS, Rafael Diogo Diógenes. Revista Disc. Jur. Campo Mourão, vol. 4,  2, agosto‐ dezembro, Rio 

Grande do Norte: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2008, p. 42. 

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princípios de definições abertas e com relevantíssimo conteúdo axiológico, dando maior destaque ao valor da dignidade humana como verdadeiro motor de todo o sistema político e jurídico.

O primeiro documento constitucional a recepcionar a dignidade humana como princípio foi a Constituição da República Alemã, de 23 de maio de 1949 e que introduziu em seu primeiro artigo:

Art. 1º.

(1) A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la através de todos os meios deve ser dever do Estado.

(2) O Estado alemão deve atentar-se de que os direitos humanos, principais orientadores da liberdade e justiça no mundo, são invioláveis e inalienáveis.

(3) Os Direitos Fundamentais devem vincular os respectivos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário como leis diretamente aplicáveis19.

Desde então, a Dignidade Humana passou por um processo de constitucionalização também em outras nações, enaltecendo o que antes já deveria ter ocorrido, a dignidade como premissa de todo Estado de Direito, apesar de que o seu não reconhecimento constitucional não tira sua existência do ordenamento jurídico. O ordenamento não a cria, dado ser já um direito prévio; nem mesmo a disponibiliza, uma vez que ela já pertence a qualquer ser humano. A sua constitucionalização vem apenas enaltecê-la e colocá-la como verdadeiro norte de todo um sistema jurídico assumindo posição de prioridade em todos os segmentos do sistema20.

Não se deve esquecer que a dignidade humana, como princípio, pressupõe que a pessoa seja considerada com base em seu modo de vida. Ou seja, cada pessoa atribui aos direitos fundamentais certa valoração em razão do grupo social em que vive e "o princípio da dignidade humana, respeitadas as minorias, propõe a adoção de uma igualdade na medida de suas desigualdades",       

19 “Art.  (1) Die Würde dês Menschen ist unantastbar. Sie zu achten un zu schützen ist Verpflichtung aller 

staatlichen Gewalt. (2) Das Deutsche Volk bekennt sich darum zu unverletzlichen und unveräusserlichen  Menschenrechten als Grundlage jeder menschlichen Gemeinschaft, des Friedens und der Gerechtigkeit 

in der  Welt. (3) Die nachfolgenden Grundrechte binden Gesetzgebung,  vollziehende Gewalt und 

Rechtsprechung als unmittelbar geltendes Recht”.  Grundgesetz  für die Bundesrepublik Deutschland.  Bundesministerium der Justiz ‐  http://www.bmj.de. Acesso dia 10 de junho de 2012. 

20   PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Ed. Saraiva, 

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vendo-se, aí, um personalismo ético, atribuindo a cada ser humano um valor em si mesmo21.

A não observância desse princípio coloca-nos diante de uma degeneração nacional, de uma crise das instituições do Estado de Direito, mesmo porque "a preservação da dignidade humana no Estado Democrático de Direito é preceito soberano de seus institutos" e o emprego de meios violadores de integridade corporal ou mental da pessoa afronta normas constitucionais que regulam a legitimidade das provas, por isso contaminadas pela ilegalidade já no seu nascedouro se obtidas dessa forma espúria22.

1.2. Princípios Constitucionais orientadores do Direito Processual Penal

Considerando o papel importante que os princípios exercem dentro do sistema jurídico do Estado Democrático de Direito, urge, de modo prévio - e de maneira um tanto superficial - analisar de forma introdutória a questão dos princípios e tecer breves comentários a respeito dos princípios constitucionais que orientam o Direito Processual Penal, núcleo de nosso estudo.

1.3. Teoria Geral dos Princípios

Robert Alexy, responsável por uma definição comparativa entre princípios e regras, determinante para a ciência jurídica, define princípios como “Mandamentos de Otimização”23, em que esses mandamentos consistem na possibilidade do princípio ora permitir, em alguns casos, ora proibir, em outros, com força obrigatória no ordenamento.

Segundo ele, adquirimos o significado de princípio quando o comparamos com as normas, uma vez que estas não dão margem para distintas opções.

      

21   PEREIRA, Cláudio José Langroiva e GAGLIARDI, Pedro Luiz Ricardo. "Comunicação Social e a Tutela 

Jurídica da Dignidade Humana", em Tratado Luso‐Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo: Ed. 

Quartier Latin, 2008, p. 41 e 42 

22   PEREIRA, Cláudio José Langroiva. Princípio da Oportunidade e Justiça Penal Negociada. São Paulo: Ed. 

Juarez de Oliveira, 2002, p. 23  

  23   ALEXY, Robert. Prinzipien als Optimierungsgebote.  Theorie der Grundrechte. Frankfürt: Suhrkamp,1994, 

(19)

Com base na positivação dos direitos fundamentais nas constituições, Robert Alexy desenvolveu sua teoria de que os princípios possuem características de direitos fundamentais e sua aplicação no sistema requer um equilíbrio com outros princípios. Isto quer dizer que, eventualmente, os princípios entrarão em conflito entre si e um deles deverá prevalecer sobre outros em determinados casos. Com isso não se quer afirmar que um princípio tenha mais valor que outros dentro do ordenamento jurídico; porém, em determinados casos, quando analisados em concreto, ocorrerá o impasse de qual princípio deverá ser aplicado.

Todos os princípios no ordenamento têm seu significativo valor e aplicação viável, porém, são caracterizados por permitirem uma satisfação em diferentes graus de exigência sendo determinante a análise do caso em concreto.

Quando duas normas estão em conflito, uma delas será inválida, não dando margem a dúvidas. Quando o mesmo ocorre com relação aos princípios, a regra passa a ser diferente. Uma vez que possuem um grau de abstração maior e trazem diretrizes de direitos fundamentais da pessoa, é imprescindível que se faça uma ponderação entre os princípios colidentes para não ferir ambos24.

Não tem cabimento supor-se que existam contradições entre vários ramos do ordenamento jurídico e, ao contrário, imaginar que esse ordenamento deve revelar-se de maneira unitária. Essa tese também se aplica ao Direito Processual Penal que integra o ordenamento jurídico nacional, em direta ligação com outros ramos do Direito, em especial o Direito Constitucional.

Sob essa ordem de ideias, o processo penal orienta-se por princípios que nada mais são do que postulados fundamentais que refletem a política processual penal de um Estado em certo momento histórico25.

Alguns doutrinadores entendem por princípios constitucionais processuais como aqueles inseridos nas cartas constitucionais e estendidos ao Direito Processual. Já os princípios processuais constitucionais seriam aqueles que

      

  24 ALEXY, Robert. Prinzipien als Optimierungsgebote.   Theorie der Grundrechte. Frankfürt: Suhrkamp, 

1994, p. 80‐90. 

25   Como explica Fernando da Costa Tourinho Filho: "Quanto mais democrático for o regime, o processo 

penal mais se apresenta como um notável instrumento a serviço da liberdade individual. Sendo o 

processo penal, como já se disse, uma expressão de cultura, de civilização, e que reflete determinado 

momento político, evidente que os seus princípios oscilam à medida que os regimes políticos se 

alteram" (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal, 7ª ed. São Paulo: Ed. 

(20)

partiram da ciência processual e, posteriormente, foram incorporados a carta constitucional, devido a sua importância política26.

1.4. Princípios constitucionais

Em uma dada época os princípios não eram positivados, porém já advinham do direito natural. Com o passar dos anos, sucessivamente, os princípios passaram a ser incorporados aos códigos e, em seguida, às Constituições. O primeiro documento que estampou a positivação de princípios foi a Magna Carta de 1215, imposta ao Rei João Sem Terra, outorgada por nobres ingleses. Hoje todos os países ditos civilizados possuem princípios positivados em seus postulados.

A palavra princípio é entendida, segundo a Constituição Federal da República do Brasil, como mandamento fundamental do sistema, o qual se reflete sobre diferentes normas, completando-as e servindo de critério para sua mais precisa compreensão27.

Princípios constitucionais são normas aplicáveis a todas e quaisquer circunstâncias, envolvem todos os ramos do Direito e orientam, na esfera processual, a persecução penal nos casos concretos em que alguém seja acusado da prática de crime (e mesmo de contravenção penal).

Com força constitucional, tais princípios surgem no Estado Democrático de Direito como verdadeiro freio para impedir que o poder estatal, detentor do monopólio para definição de infrações penais, exerça toda sua força de forma ilegal, indevida e abusiva, desproporcional à natureza da conduta imputada; e mais ainda, para contrabalançar e delimitar o alcance da força do Estado frente à potencial fraqueza da pessoa considerada individualmente.

Sempre sob as luzes do Estado Democrático de Direito, o sistema acusatório pressupõe formas válidas de garantia, como a ampla defesa no curso

      

26 OLIVEIRA, Roberto da Silva. A Dignidade da Pessoa Humana, a razoável duração do processo e a  cooperação jurídica internacional penal: a experiência luso‐brasileira. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, 

Marco Antonio Marques da Silva. (coordenação). São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2008, p. 510.  

27 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Revista dos 

(21)

do chamado devido processo legal também prestigiado pela fiel observância do contraditório.

O princípio da legalidade aparece como base sólida de uma pirâmide que ainda se sustenta, até o ápice, em outros princípios igualmente importantes, como a ampla defesa e o contraditório que se harmonizam com a garantia da presunção de inocência, também conhecida como presunção de não culpabilidade.

Paralelamente, também é notável a garantia que se dá ao indivíduo, suspeito ou acusado da prática de crime, de não se autoincriminar.

Como corolário, surge a garantia do direito à jurisdição, com prévia definição da competência jurisdicional com reflexos na imparcialidade e independência do magistrado, tudo, enfim, reunido sob o rótulo do devido processo legal.

Não devem ser esquecidas garantias como a publicidade dos atos processuais, o princípio do juiz natural e da motivação das decisões judiciais, assim como a garantia da ultimação do processo em prazo razoável.

Especificamente na esfera processual, a proibição das provas ilícitas, onde se inclui o direito à inviolabilidade do domicílio e o acesso ao duplo grau de jurisdição também completam as garantias que fortalecem o ambiente jurídico do Estado Democrático de Direito.

Todos esses princípios, inseridos na Constituição Brasileira, são aqui referidos sem maior aprofundamento doutrinário porque o seu estudo de forma individualizada não é o tema específico deste trabalho.

1.5. Princípios constitucionais orientadores do Processo Penal

(22)

Marco Antonio Marques da Silva, a respeito desse tema, salienta que a constitucionalização dos princípios processuais penais faz com que esses princípios não sejam desrespeitados por leis infraconstitucionais, garantindo-se, dessa forma, os direitos e garantias das pessoas acusadas da prática de crimes28. E José Frederico Marques, em época anterior à vigência da atual Constituição Federal, já antevia três princípios fundamentais decorrentes das normas constitucionais então vigentes: "o princípio da tutela jurisdicional, o princípio do devido processo legal e o princípio do juiz natural"29, ressaltando, ainda, que o processo penal àquele tempo já era incompatível com a forma inquisitiva quanto ao procedimento adotado, nele colocando-se a pessoa acusada na condição de sujeito de direitos e obrigações, acima de sua posição como objeto de investigação30.

1.5.1. Princípio da Legalidade

Norteador do Estado Democrático de Direito, o princípio da legalidade, também identificado como "direito à atuação geral, onde ninguém fica obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei"31, a todos nos submete à fiel observância da lei e, inclusive, impõe-se ao poder do próprio Estado que a esse princípio também está subordinado.

Do princípio da legalidade é que decorre o devido processo legal, pautado por normas e regras que garantem a segurança jurídica, na medida em que a persecução penal tem como pressuposto obrigatório a existência de normas anteriormente estabelecidas e editadas de acordo com o devido processo legislativo. Na esfera penal, com evidentes e notórios reflexos no processo penal, daí resulta o princípio "nullum crimen, nulla poena sine praevia lege", também dito princípio da reserva legal, inserido como garantia fundamental no artigo 5º, inciso

      

28  SILVA, Marco Antonio Marques da. (Coordenação) Tratado Temático de Processo Penal. São Paulo: Ed. 

Juarez de Oliveira, 2002, p. 247. 

29  MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal.  vol. Campinas: Ed. Milennium, 

2003, p. 86.  30   Ob. cit. p. 77. 

31   PEREIRA, Cláudio José Langroiva. Princípio da Oportunidade e Justiça Penal Negociada. SãoPaulo: Ed. 

(23)

XXXIX, da Constituição de 198832. Ao que se associa, como consequência lógica, o princípio da irretroatividade da lei penal definido na mesma Constituição33.

Também decorre do princípio da legalidade a circunstância de órgãos incumbidos da persecução penal não poderem dispensar de forma discricionária a instauração de inquérito ou de processo diante da existência de fato típico. Se houver indícios da prática de crime de ação pública, a autoridade policial estará obrigada a determinar as investigações pertinentes. Da mesma forma, o representante do Ministério Público, em havendo a certeza da existência de crime ao lado de indícios suficientes da autoria, estará obrigado a oferecer denúncia para decisão do magistrado, de tal forma que o pedido de arquivamento sempre deverá ser feito com apoio em motivação específica porque se trata de exceção ao dever de denunciar.

Indiretamente, também se pode dizer que, por força de lei expressa, ao particular se reserva (e não ao Ministério Público) a iniciativa para a persecução penal nos casos em que a ação penal fica condicionada à representação, ou quando se trate de ação penal de iniciativa exclusivamente privada.

1.5.2. Princípio da Ampla Defesa

A garantia da ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes34 integra inexoravelmente o devido processo legal e em cada processo é aplicada em benefício de todos os acusados em geral (por óbvio, independentemente da natureza do crime acaso praticado), o que alcança desde o indiciado até o condenado e, pois, aplica-se antes, durante e depois do curso normal da ação penal.

Não por acaso, a Constituição Federal inseriu no mesmo inciso a previsão da ampla defesa e a garantia do contraditório, esta complementando e robustecendo aquela como forma de permitir ao acusado a possibilidade de reunir todos os elementos necessários para esclarecer os fatos imputados no interesse

       32

"Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal."  33    Art. 5º, inciso XL: "A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu." 

(24)

da própria defesa35, entendida esta como a forma processualmente definida para repelir a acusação posta na denúncia ou na queixa-crime.

Sob outros aspectos, a ampla defesa também se orienta, no caso do interrogatório, como forma de autodefesa, caracterizada, inclusive, pelo direito de o indivíduo a quem se imputa a prática de infração penal dirigir-se diretamente à pessoa do magistrado que irá sentenciar o respectivo processo; mas, também e principalmente, pelo direito indeclinável e assegurado por norma constitucional de contar com a defesa técnica a cargo de advogado, como tal devidamente legitimado pela OAB36.

Descuradas essas garantias e fica contaminada a validade formal do processo, como causa de nulidade, tanto que, se a defesa técnica não existir, a desejada paridade de armas entre acusação e defesa também não existirá.

Modernamente, o denominado "rechtliches Gehör" (garantia de ampla defesa) completa-se com três realidades procedimentais necessárias, como o contraditório (Recht auf Äusserung), o direito à informação (Recht ao Information) e o direito à prova (Recht auf Berücksichtigung) obtida ou produzida de forma legítima37.

1.5.3. Princípio do Contraditório

Diretamente ligada à garantia da ampla defesa e, como já foi dito acima, inserida no mesmo dispositivo da Carta Magna encontra-se a garantia do contraditório38 (Artigo 5º, inciso LV: "...aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"), ao que

      

35 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Ed. Saraiva, 1988, vol. 2, p.      

226. 

36  GRINOVER, Ada Pellegrini. "O Conteúdo da Garantia do Contraditório". Em Novas Tendências do Direito  Processual. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1990, p. 08. 

37 PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Grundrechte Staatsrecht II. Auflage 26. Heidelberg, München, 

Landsberg, Frechen, Hamburg:  C.F. Müller, 2010, p. 295. 

38  Vicente Greco Filho explica que "o contraditório não se refere apenas à instrução, colheita de provas, 

mas à própria oportunidade de contrariar a acusação de modo, em tese, eficiente. Pode ser definido 

como o meio ou o instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa, e consiste praticamente em: 

poder contrariar a acusação; poder requerer a produção das provas, fazendo, no caso de testemunhas, 

as perguntas pertinentes que entender cabíveis; falar sempre depois da acusação; manifestar‐se sempre 

em todos os atos e termos processuais aos quais deve estar presente; e recorrer quando inconformado" 

(25)

se afina o artigo 261 do Código de Processo Penal: "Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor".

Pode-se concluir, portanto, que o direito ao contraditório é indisponível; sempre será exercido por defensor regularmente habilitado (seja dativo, seja constituído), mesmo que o réu, acaso conformado com o teor da acusação, não queira exercer seu direito de defesa.

O exercício da jurisdição criminal formaliza-se necessariamente por meio do processo, único meio admissível para servir como instrumento público garantidor da correta aplicação da lei penal. Por meio dele é que se exerce o contraditório, que deve ser real, efetivo, não apenas formal, sob pena de invalidar-se a garantia constitucional.

Como lembra Ada Pellegrini Grinover, "ação (acusatória) e defesa acabam transformando-se em abrangentes garantias do justo processo. E o contraditório, neste enfoque, nada mais é do que uma emanação daquela ação e daquela defesa"39. Mesmo quando o acusado, por sua livre vontade, se recusar a atender ao chamado judicial para ser interrogado, ou optar pelo silêncio, mesmo assim o exercício da defesa e do contraditório não poderá ser desconsiderado. Sua intimação, tanto quanto a intimação de seu defensor, se constitui em ato processual obrigatório e indispensável, sob pena de nulidade absoluta.

E ao se cogitar de adoção do sistema de videoconferência, do ato de intimação deverão constar todas as informações necessárias para ciência quanto à respectiva fase processual, com especial necessidade de dar-se ciência à defesa com antecedência mínima de dez dias antes da data marcada para a audiência. Trata-se de uma forma de deixar ainda mais transparente a observância do contraditório40.

Em casos excepcionais, todavia, o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório pode ser relegado a segundo plano (aí por aplicação do princípio da oportunidade). Isso ocorre nos casos previstos na Lei Federal nº 9.099/95, quanto

      

39   GRINOVER, Ada Pellegrini. O Conteúdo da Garantia do Contraditório. Rio de Janeiro: Ed. Forense       

Universitária, 1990, p. 04. 

40 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL  ‐ Art. 185 (...) Parágrafo 3º. Da decisão que determinar a realização de 

interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência. 

Parágrafo 4º. Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo 

sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que 

tratam os artigos 400, 411 e 531 deste Código." 

(26)

às infrações penais de menor potencial ofensivo, assim definidas no art. 61 dessa Lei; e mesmo em outras infrações em que a pena mínima cominada não seja superior a um ano.

Mesmo nessas situações, todavia, o contraditório não deixa de ser preservado no momento anterior à possível aceitação da proposta de transação penal, mesmo porque, como ensina Marco Antonio Marques da Silva, dentre as características principais do contraditório, estão presentes a necessidade de as partes serem avisadas com antecedência da data da realização de certo ato processual e de que sejam cientificadas da natureza e da finalidade da prova ou da diligência programada41.

Quando o autor do fato (nos feitos sujeitos à competência do Juizado Especial), ou o denunciado (quando a competência for deferida ao Juízo Criminal Comum), voluntariamente e assistido por seu defensor, aceita proposta de transação penal na forma prevista no art. 76 da Lei Federal nº 9.099/95 (nas infrações de menor potencial ofensivo) ou aceita a proposta de suspensão condicional do processo nos termos do art. 89 da mesma lei (infrações em que a pena mínima cominada não seja superior a um ano). Nessas situações, naturalmente, não haverá o exercício da ampla defesa e do contraditório por vontade do próprio denunciado e de seu defensor, presumindo-se que a aceitação da tal proposta represente benefício para o agente da infração. Em tais hipóteses, entende-se que à defesa é lícito optar por esse caminho processual previsto na Lei Federal nº 9.099/95, exatamente por se tratar de benefício que não resulta em condenação criminal (aliás, a aceitação da proposta nem mesmo serve para determinar possível reincidência)42.

Diga-se de passagem que a Lei Federal nº 11.690, de 09 se junho de 2008, veio ressaltar a importância do contraditório no processo penal ao impor limites ao alcance do livre convencimento do juiz na apreciação das provas para motivar sua decisão, ao proibir que a fundamentação tenha apoio exclusivo em prova produzida extrajudicialmente, tal como agora está expresso no art. 155 do

      

41   SILVA, Marco Antonio Marques da. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997, p. 48.  42  A respeito do tema, cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais 

(27)

Código de Processo Penal com a redação dada por aquela lei e com as exceções aí previstas43.

1.5.4. Princípio da Presunção de Inocência

"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" é o princípio da não culpabilidade, também conhecido como princípio da presunção de inocência previsto no artigo 5º da Constituição Federal44, que se define no próprio texto como vedação de prévio reconhecimento de culpabilidade antes do trânsito em julgado de sentença condenatória. A ele se associa a norma do mesmo artigo, inciso XXXVI45, que define a imutabilidade da coisa julgada penal, admitindo exceção unicamente em benefício do réu, tanto que se permite a revisão criminal de sentença condenatória transitada em julgado; e tem valor absoluto quando o réu tenha sido absolvido em julgamento do mérito da ação penal, independentemente do surgimento de provas novas incriminadoras.

Dessa garantia expressa na Constituição Federal decorre princípio basilar do processo penal: se existir dúvida a respeito da acusação o réu necessariamente deverá ser absolvido. Ou seja, a dúvida sempre beneficia o acusado, considerando-se ser preferível a absolvição de provável culpado à condenação de possível inocente (com o que se procura evitar erro judiciário de danosas - e muitas vezes irreparáveis - consequências).

Acrescenta-se que, como corolário da presunção de inocência, o direito ao silêncio, o direito de estar calado jamais pode ser interpretado desfavoravelmente ao acusado que deve ser visto como sujeito processual (e não como objeto de investigação)46.

      

43   "Art. 155 O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório 

judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na 

investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas".  

44 Art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em  

julgado da sentença penal condenatória".  

45  "A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada." 

46  GOMES FILHO, Antonio Magalhães. "O princípio da presunção de inocência na Constituição de 1988 e na 

(28)

1.5.5. O direito de ficar calado

Tanto quanto a presunção de não culpabilidade, o direito subjetivo ao silêncio também se trata de inovação inserida na Constituição de 198847 como direito de o preso permanecer calado frente a autoridades (policial ou judiciária), recusando-se a responder perguntas a ele formuladas em formal interrogatório, ou mesmo informalmente (direito que se estende a todos os indivíduos suspeitos da prática de crime, sujeitos de investigação criminal, ou acusados formalmente em Juízo). Definida, portanto, como direito fundamental, a opção pelo silêncio não poderá resultar em algum prejuízo para o acusado (deve ser interpretada como mera opção defensiva, sujeita exclusivamente aos critérios do suspeito ou acusado e seu defensor), presumindo-se, com força constitucional, que o indivíduo acusado aja dessa forma para não depor contra si mesmo, ou para não fornecer elementos probatórios que possam ser usados em prejuízo de sua defesa48.

Como garantia constitucional, o direito ao silêncio pode ser exercido sem limitação alguma, mediante singela opção pessoal do acusado e cumpre ao juiz, no ato do interrogatório, expor com clareza essa informação para que o réu seja informado de forma clara e objetiva que não só pode optar por ficar calado, como daí não se poderá retirar conclusão alguma que seja desfavorável a sua defesa49.

Adauto Suannes salienta que o direito ao silêncio, o direito de manter-se calado e não responder a perguntas formuladas durante o interrogatório se trata de exceção incorporada pela Constituição de 1988 e trazida da tradição norte-americana, onde se garante ao acusado o seu "day in the court", ao mesmo tempo em que se lhe faculta, por sua espontânea vontade, o direito ao silêncio sem que daí decorra alguma interpretação desfavorável a sua defesa50.

      

47   Art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.  

48  TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Ed. 

Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2011, p. 303. 

49  PEDROSA, Ronaldo Leite. O Interrogatório Criminal como Instrumento de Acesso à Justiça Penal. Rio de 

Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2005, p. 112.  

50  "Ter seu dia na Corte para poder (eis uma faculdade, não um dever) dar os motivos pelos quais diz o que 

fez (ou deixou de fazer o que deveria ter feito) está na base de todo o sistema de garantias, que se irá 

explicitando ao longo da História do direito processual daquele país e irradiando‐se para muito além de 

suas  fronteiras  e  chegando  até  nosso  direito  positivo,  onde,  evidentemente,  não  poderá  ser 

(29)

1.5.6. Princípio do Juiz Natural

A garantia do juiz natural51 integra, também com força constitucional, o devido processo legal e assegura ao acusado o direito de ser julgado por juiz competente, previamente para tanto designado legitimamente para o exercício da jurisdição criminal como integrante do Poder Judiciário, daí decorrente a proibição expressa de julgamentos por juízes ou tribunais de exceção (artigo 5º, inciso XXXVII), ao que a própria Constituição acrescenta: "Ninguém será processado nem sentenciado senão por autoridade competente" (artigo 5º, inciso LIII), aí compreendida a autoridade do Tribunal do Júri.

Admitem-se exceções bem delimitadas pela legislação processual, como nos casos de desaforamento em que o julgamento pelo júri é deslocado e transferido para comarca diferente daquela com competência originária, ou nos casos em que haja produção de prova por meio de carta precatória. Sem se esquecer, diga-se de passagem, que novas normas processuais são aplicadas aos processos em andamento imediatamente em seguida à sua vigência, com efeito "ex nunc" (ou seja, para o futuro e não para o passado).

1.5.7. Princípio da Licitude das Provas

Também avulta em importância o princípio da licitude das provas, na medida em que princípios interdependentes como o do livre convencimento do julgador e da presunção de inocência estão condicionados ao exame do conjunto de provas produzidas no curso do processo, cujas provas necessariamente devem ser lícitas (ou seja, obtidas sob bases legais)52.

      

51  "Significa dizer que todos têm a garantia constitucional de ser submetidos a julgamento somente por 

órgão do Poder Judiciário, dotado de todas as garantias institucionais e pessoais previstas no Texto 

Constitucional. Juiz natural é, portanto, aquele previamente conhecido, segundo regras objetivas de 

competência estabelecidas anteriormente à infração penal, investido de garantias que lhe assegurem 

absoluta independência e imparcialidade", como explica Fernando Capez (Curso de Processo Penal. São 

Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 71). 

52   PEREIRA, Cláudio José Langroiva. Princípio da Oportunidade e Justiça Penal Negociada. São Paulo: Ed.   

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