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Sumário. Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 248/12.5TBCMN.G1

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Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 248/12.5TBCMN.G1 Relator: CRISTINA CERDEIRA Sessão: 10 Novembro 2016 Número: RG

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: IMPROCEDENTE

DIVÓRCIO ALIMENTOS

Sumário

I) - A obrigação de alimentos entre cônjuges deriva de uma relação jurídico- familiar, e mesmo em caso de divórcio tem o seu fundamento nessa relação, constituindo como que um prolongamento do dever de manutenção conjugal, um resto de solidariedade familiar e expressão da ideia de que a extinção ou dissolução do casamento, por maior que seja o rol das faltas acumuladas por ambos eles, não pode levar o tribunal a esquecer o facto de eles terem estado casados um com o outro.

II) - Com a reforma do Código Civil levada a efeito pela Lei nº. 61/2008 de 31/10, o legislador afirmou, expressamente, o princípio de que, depois do divórcio, cada ex-cônjuge deve prover à sua própria subsistência (artº. 2016º, nº. 1), o que já resultava das normas gerais sobre alimentos (artº. 2004º, nº.

2), mantendo, porém, o direito a uma pensão de alimentos,

independentemente do tipo de divórcio (artº. 2016º, nº. 2), no caso de

diminuição de capacidade por razões de idade, doença ou invalidez, deixando, contudo, expresso que o ex-cônjuge credor não tem o direito de exigir a

manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (artº. 2016º-A, nº. 3).

III) - Com esta orientação o legislador visou explicitar, de uma forma clara, que o direito a alimentos na sequência do divórcio só se constitui se o ex- cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência.

IV) - Assim, constatada que esteja a qualidade de cônjuge ou ex-cônjuge do demandante de alimentos, tem que se apurar a sua incapacidade de prover à sua subsistência e somente após a constatação desta é que se parte para a verificação dos requisitos enunciados nos artºs 2004º, 2016º, nº. 1 e 2016º-A,

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nº. 1 todos do Código Civil, isto é, a ponderação das necessidades de quem os peticiona e as possibilidades daquele que os presta, sendo de considerar as várias circunstâncias ali enumeradas, com a finalidade de fixar o montante respectivo.

V) - Não subsistem dúvidas que recai sobre o requerente dos alimentos o ónus de provar a sua necessidade de alimentos e a sua incapacidade para prover ao seu sustento, bem como a possibilidade de o requerido os prestar, como factos constitutivos do direito invocado (artº. 342º, nº. 1 do Código Civil), sendo assim a Autora que terá de demonstrar os factos donde resulte essa

impossibilidade de prover total ou parcialmente à sua subsistência, seja com os seus bens pessoais seja com o seu trabalho, sendo, pois, a impossibilidade de prover ao seu sustento aferida pelo seu património e pela sua capacidade de trabalho.

VI) - No que concerne à capacidade de trabalho do alimentando, caso não se encontre a exercer uma actividade profissional remunerada, deve ter-se em conta a sua formação e qualificação profissional, a idade e o seu estado de saúde, bem assim como a possibilidade real de efectiva ocupação laboral, dada a dificuldade com que se pode deparar em encontrar posto de trabalho em consequência do desemprego e da situação de crise económica com que a nossa sociedade actualmente se confronta.

VII) - Na fixação do montante dos alimentos, o Tribunal deverá levar em conta os critérios estabelecidos no artº. 2016º-A, nº. 1 do Código Civil, aditado pela Lei nº. 61/2008 de 31/10, designadamente “a duração do casamento, a

colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego (…), os seus rendimentos e proventos (…) e, de um modo geral, todas as

circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta”.

Texto Integral

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO

Avelina R intentou a presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra Manuel J, pedindo que seja:

a) decretado o divórcio entre Autora e Réu, com culpa exclusiva deste por violação dos deveres conjugais;

b) o R. condenado a pagar à A., a título de compensação para reparação dos

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danos causados, quantia não inferior a € 10 000;

c) concedido à A. alimentos provisórios no valor de € 250 mensais,

condenando-se o R. a pagar essa quantia no primeiro dia de cada mês, a contar da propositura desta acção;

d) o R. condenado ao pagamento de alimentos definitivos no valor de € 500 mensais.

Por despacho proferido em 11/06/2012 foram indeferidos liminarmente os pedidos de declaração da culpa exclusiva do R. (por não ser legalmente admissível) e de indemnização para reparação dos danos decorrentes da

violação culposa dos deveres conjugais (por tal indemnização dever ser pedida em acção autónoma, nos termos da responsabilidade civil por factos ilícitos) formulados pela A. nas alíneas a) e b) supra enunciadas.

Citado o Réu, e frustrada a tentativa de conciliação, veio este contestar, impugnando os factos alegados pela A. e pedindo que sejam julgados improcedentes a acção de divórcio e o pedido de fixação de alimentos provisórios e definitivos.

A Autora replicou, mantendo o que consta na petição inicial.

O Réu apresentou tréplica, na qual requer o desentranhamento da réplica por esta ser legalmente inadmissível, alegando para tanto que, na contestação, limitou-se a impugnar os factos articulados na petição inicial, não tendo deduzido excepções nem reconvenção.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória, que não sofreram reclamações.

Em 12/11/2014 a Mª Juíza “a quo” proferiu despacho com vista à simplificação e agilização processual, nos termos do artº. 6º, nº. 1 do NCPC, tendo o

processo sido convolado para divórcio por mútuo consentimento nos termos dos artºs 1778º-A e 1779º do Código Civil, por não haver litígio quanto à vontade de ser decretado o divórcio, e dado não existir acordo entre os cônjuges quanto à atribuição da casa de morada de família, à prestação de alimentos entre si e à relação especificada dos bens comuns do casal,

entendeu que o mesmo deveria seguir a tramitação prevista nos n°s 3 a 5 do artº. 1778°-A do Código Civil, com vista ao subsequente decretamento do divórcio (fls. 159 e 160).

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Em 26/11/2014 foi realizada uma diligência de audição das partes, na qual A. e R. acordaram a atribuição da casa de morada de família ao R. até à partilha, não tendo sido obtido acordo quanto à relação especificada dos bens comuns do casal, nem quanto à pensão de alimentos requerida pela Autora, tendo a Mª Juíza “a quo” determinado que os autos passassem a correr os termos do

divórcio previstos no artº. 1778º-A do Código Civil e a notificação da A. para fundamentar e deduzir o pedido quanto às questões dos alimentos entre os cônjuges, bens comuns do casal e a data de separação de facto do casal, seguindo-se o contraditório da parte contrária (fls. 167 e 168).

Após ter sido notificada nos termos e para os efeitos determinados no aludido despacho proferido em 26/11/2014, veio a A. em 7/01/2015 pedir que lhe fosse fixada, a título de alimentos definitivos, a quantia de € 825, alegando factos que permitem concluir que o R. tem condições económicas para lhe prestar tais alimentos e a A. está impossibilitada de, por si só, prover a sua

subsistência, em face da sua idade, do seu estado de saúde, do mercado de trabalho e da falta de qualificação e formação profissional, tendo-se tornado beneficiária apenas, já após a propositura da presente acção, do Rendimento Social de Inserção no valor de € 157,07 mensais.

Requer, ainda, que a data da separação de facto do casal seja fixada em 16/03/2012 (data em que se deu a ruptura definitiva da comunhão de vida entre os cônjuges) e relaciona os bens comuns do casal (activo e passivo) – fls.

178 a 202.

O R. veio responder, impugnando os factos alegados pela A. e requerer a sua absolvição do pedido de prestação de alimentos por ela formulado, que a data de separação de facto do casal fosse fixada em 30/05/2012 (quando a A.

inesperadamente abandonou a casa de morada de família), reclamando, ainda, da relação de bens apresentada pela Autora (fls. 256 a 260).

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

No período em que decorreram as várias sessões de julgamento, mais concretamente em 8/06/2015, veio a A. requerer a condenação do R. como litigante de má fé, em multa e numa indemnização a pagar à A. de montante não inferior a € 2 000, alegando, em síntese, que o R. faltou deliberadamente à verdade dos factos por si vivida e conhecida, designadamente nos seus requerimentos de 20/01/2015 e 30/04/2015 e na resposta dada à interpelação que lhe foi dirigida pela Mª Juíza, aquando da audiência de julgamento de

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21/05/2015, tendo agido conscientemente, de forma manifestamente

reprovável, com vista a impedir ou entorpecer a acção da justiça, invocando pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar (fls. 369 a 374).

Em 12/06/2015 veio o R. usar do contraditório em relação ao pedido de

condenação por litigância de má fé formulado pela A., alegando, em suma, que sempre cooperou com o Tribunal ao longo do processo, sendo que os

rendimentos que referiu auferir são os que entendeu responderem aos despachos de que foi notificado, e quando foi notificado do despacho de 23/03/2015 para informar o rendimento que aufere do “PRO BTP”, juntou ao processo o documento comprovativo do mesmo, nunca entendendo que

estivesse obrigado a revelar o valor “ARRCO BTP R” constante do documento ilicitamente obtido pela A. e junto aos autos na penúltima sessão de

julgamento (fls. 379 a 382).

Em 16/07/2015 foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o presente incidente e, em consequência:

a) Absolveu o R. do pedido de fixação de alimentos a cônjuge deduzido pela Autora.

b) Decidiu fixar a data da separação de facto entre os cônjuges em 30/05/2012.

c) Condenou o R. como litigante de má-fé ao abrigo do disposto no artº. 542°, n°s 1 e 2, al. a) e b) do CPC e artº. 27°, nºs 1 e 2 do RCP, na multa de 3 (três) UC.

d) Determinou a notificação da A. para se pronunciar sobre a importância da indemnização nos termos do artº. 543°, n°. 3 do CPC, seguindo-se o

contraditório.

Notifique.

Custas a final.

Após trânsito, conclua para os efeitos do disposto no artigo 1778°-A, n°. 5 do CC.

Notificada a A. nos termos ordenados na alínea d) do dispositivo supra referida, veio esta requerer que lhe fossem pagas pelo R., a título de

indemnização prevista nos artºs 542º, nº 1 e 543º do CPC, as quantias de € 1 500 para ressarcimento de danos patrimoniais sofridos e € 500 para

ressarcimento de danos não patrimoniais (fls. 395 a 399).

O R. veio responder alegando que, no capítulo dos danos patrimoniais, a A.

pretende que o R. pague a totalidade dos honorários que podem ser devidos ao seu mandatário por todo o patrocínio forense e não apenas o acréscimo de

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honorários que terá de pagar por via da produção processual suplementar a que foi obrigada por virtude da Mª Juíza ter considerado preenchidos os requisitos da litigância de má fé. Refere, ainda, que quanto aos danos patrimoniais e não patrimoniais, a A. não faz qualquer prova da sua

verificação e quantificação, para além de que nos termos dos artºs 542º e 543º do CPC os danos indemnizáveis terão de se circunscrever aos danos

patrimoniais eventualmente ocorridos (fls. 400 a 403).

Por despacho de 12/11/2015, a Mª Juíza “a quo” relegou para momento ulterior a apreciação do requerimento apresentado pela A. a fls. 395 a 399, por ter sido interposto recurso com efeito suspensivo.

Inconformada com a sentença de 16/07/2015, a Autora dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

1. O presente recurso interposto vem interposto contra o sentido da decisão proferida em primeira instância quanto ao pedido de fixação de alimentos a favor da A., e mais concretamente a alteração da decisão sobre a matéria de facto vertida nas alíneas b), c), d) e f) dos "Factos não provados", que no entender da Autora deveria ter sido dada como efectivamente provada.

2. Após o que, subsumindo-se os novos factos provados ao Direito aplicável, terá de ser julgada integralmente procedente o pedido formulado pela A. a título de alimentos.

3. O presente recurso tem assim por objecto a impugnação da decisão da matéria de facto e também de direito (com reapreciação da prova gravada).

*************************

I - Da incorrecta decisão sobre os "Factos não provados" als. b), c), e) e f) 4. Com excepção do Rendimento Social de Inserção auferido pela A., nenhum outro ficou provado ou sequer indiciado, por qualquer via probatória, nestes autos.

5. Por outra, há vastíssima produção de prova no sentido de que a A,

efectivamente, não dispõe de qualquer outra quantia em dinheiro para o seu sustento que não aquele subsídio social

6. As testemunhas que com ela residem e convivem confirmam convicta e credivelmente esse facto.

7. No entanto, o Tribunal recorrido, sem qualquer base objectiva que o justifique, assume e induz que a A. exerce, efectivamente, uma qualquer actividade profissional remunerada, indo até mais longe no sentido de concretizar qual: a do serviço doméstico.

8. Esta posição do Tribunal não passa de pura especulação infundada, e está nos antípodas da prova que foi efectivamente produzida nos autos sobre esta

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matéria.

9. O Tribunal a quo sustenta esta sua conclusão num conjunto de factos relatados pelas testemunhas arroladas pela própria A.: que a A. auxilia nas tarefas domésticas da casa onde reside (pertencente à irmã Alice); que auxilia cuidados aos sobrinhos-netos menores que ali vivem também; que se desloca em carro por si conduzido, cedido por uma filha, "para fazer recados a

Caminha", onde "ademais visita quase diariamente pessoas"; que visita regularmente o irmão Manuel com a viatura referida supra.

10. A factualidade ora apontada, à luz de uma razão objectiva, é perfeitamente inócua e inapta a criar a convicção que o Tribunal refere ter formado a este respeito.

11. O Tribunal considera também que "Nenhum amigo ou familiar referiu dar à A. víveres ou dinheiro", e que "nenhuma testemunha referiu ser desejo da A.

sair de casa da irmã": nenhuma destas afirmações correspondem à verdade, embora tenham levado à decisão da matéria de facto que pelo presente recurso se impugna.

12. Foram descurados os testemunhos de pessoas que convivem diariamente (e residem) com a A., as quais foram unânimes em dizer que a A. apenas aufere o RSI, pelo que quanto ao mais, para o seu sustento, depende exclusivamente da ajuda de familiares e amigos,

13. Seja através de dinheiro que os mesmos lhe entregam para combustível, roupa, farmácia entre outras despesas, seja através da compra de bens

alimentares para todos quantos residem na referida habitação, seja através do pagamento de todos os consumíveis domésticos, dos quais a A. usufrui e para os quais em nada contribui.

14. E foram também estas testemunhas unânimes em considerar que, se a A.

em nada contribui para estas despesas que a família assume em seu benefício, tal facto deve-se única e exclusivamente à sua impossibilidade em poder

contribuir, ou seja, apenas por total indisponibilidade económica para o fazer.

15. Caíram por terra os múltiplos esforços de contra-prova e contra-instância que, durante a inquirição das ditas testemunhas, no sentido de provar uma de duas teses: que a A., além do RSI, aufere outras quantias pecuniárias como contrapartida de serviços domésticos prestados a terceiros;

16. Ou, como tese alternativa que também não conseguiu vingar em audiência, que a A. só não paga nenhuma contrapartida por estar a residir na casa da irmã (nomeadamente renda, contributo para as despesas comuns como víveres e consumíveis) porque, supostamente, fá-lo com trabalho doméstico e com cuidados aos menores que também ali residem.

17. Não obstante e malogradamente, o Tribunal recorrido acabou por aderir não a uma mas a ambas a teses - pese embora elas até sejam contraditórias

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entre si.

18. O Tribunal tirou erradamente a extrapolada conclusão de que a A. só

permanece na residência da irmã e demais agregado familiar por conveniência de parte a parte, e que a (parca) ajuda que presta (seja em pequenas tarefas da lide doméstica ou no tomar conta, esporadicamente, das crianças que ali vivem) constitui de alguma forma uma paga, ou contrapartida sinalagmática, resultante de um qualquer trato benéfico e economicamente paritário para ambas as partes, relativamente à sua estadia naquela casa (e ao consumo que faz dos géneros alimentares e outras despesas quotidianas, para além do dinheiro que lhe é dado),

19. O que representa um salto de raciocínio sem qualquer sustentação lógica, probatória ou de senso comum.

20. Resulta do relato testemunhal circunstanciado das testemunhas arroladas pela A. que a mesma ali vive por favor, de forma provisória e transitória,

enquanto a sua situação patrimonial (nomeadamente as partilhas dos bens comuns do casal, ou uma alteração da situação de desemprego da A.) não conhece significativa melhoria.

21. E que sem a ajuda de amigos e principalmente da família que a acolheu, a A. estaria hoje sozinha, entregue ao seu destino e sem possibilidades de

prover, minimamente, ao seu sustento e sobrevivência condignas.

22. Nenhuma das circunstâncias invocadas pela sentença pode sequer

indiciar, de qualquer forma que seja, que a A. exerce algum tipo de actividade profissional - e também não foi dado como provado qualquer facto nesse sentido.

23. Por ser pessoa desempregada, não se encontra vedada à A. possibilidade de ajudar, em casa, as pessoas que a acolheram e acolhem a título gratuito, ou sair de carro para visitar familiares e amigos,

24. Sem que tais factos, sem mais, impliquem uma desconfiança ou suspeita, por parte de quem quer que seja (nomeadamente as instâncias judiciais), que mente e falta à verdade quanto à sua condição de desempregado - pois é exactamente esse raciocínio que a sentença recorrida traz implícito.

25. A única coisa que ficou provado foi que a A. ajuda, ocasionalmente, nas tarefas domésticas da residência em que vive, cuida esporadicamente dos sobrinhos menores quando os pais assim o necessitam e ela está em casa, e que se desloca frequentemente, em carro pertencente a terceiro, a fim de visitar familiares e amigos: em termos puramente objectivos, foi isto, e nada mais, o que se provou nestes autos.

26. Perante tal vazio de prova, o Tribunal mais não podia senão dar como provado que “A A. não tem trabalho, não aufere qualquer rendimento.” - alínea d) dos factos não provados - ao contrário do que, surpreendentemente, não

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fez.

27. Resultou também perfeitamente inequívoco, da prova produzida, que a A.

vive na total dependência da sua família e amigos para sobreviver (seja a título de habitação, alimentação e dinheiro para bens essenciais), e que se reporta à matéria, conexa entre si, vertida nos factos b), c), e) e f) dos factos não

provados.

28. Tal conclusão seria, de resto, a única que lógica e necessariamente haveria a tirar a partir do momento em que o facto d), inversamente ao que aconteceu, tivesse sido dado como provado.

29. Assim, no julgamento dos pontos b), c), e) e f) dos "Factos não provados", foi erroneamente valorada a prova que se produziu, entre outra prova

carreada para os autos, mediante os depoimentos de Maria L, Cândida L, Alcides G, Alice L, Manuel L, cujos excertos mais determinantes e relevantes ficaram já transcritos em sede de alegações - para os quais se remete, sem prejuízo de audição integral dos referidos testemunhos.

*************

30. Pese embora o Tribunal haja afirmado que "não suscitaram, no geral ao tribunal reserva os seus depoimentos", certo é que os excertos transcritos também contrariam frontalmente algumas considerações tecidas em sede de fundamentação da sentença, como sendo:

- "tudo leva a crer que [a A.] exerce actividades em casa e fora dela na área do serviço doméstico";

- "Nenhum amigo ou familiar referiu dar à A. víveres ou dinheiro, apenas emprestar algumas quantias pequenas mas que são devolvidas";

- "nenhuma testemunha referiu ser desejo da A. sair de casa da irmã (…)"

- [Que a A.] contribui com o seu trabalho para a economia doméstica, que nenhum dos elementos da família parece querer ver alterada."

31. E não se vislumbra, no corpo da fundamentação da sentença recorrida, qualquer explanação dos motivos que levaram o Tribunal a tirar conclusões frontalmente contrárias ao que as testemunhas supra citadas afirmaram de forma peremptória e uníssona.

32. Deve assim ser revogada a decisão da matéria de facto, dando-se como provada a matéria das als. b), c), e) e f) dos "Factos não provados".

*****************

II - Da incorrecta decisão sobre os "Factos não provados", al. d)

33. Também este facto foi objecto de prova credível, objectiva e esclarecedora quanto à sua veracidade, pelo que devia ter sido dado como provado.

34. Com o requerimento por si apresentado em 7 de Fevereiro de 2013, a A.

juntou documento de informação clínica.

35. Estas circunstâncias - sobretudo o padecimento da patologia de depressão

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- são inquestionavelmente limitadores da aptidão da A. para a prática de uma actividade profissional

36. Além disso, estão também juntos aos autos relatórios de exames médicos efectuados no âmbito de um processo crime de violência doméstica - é, de resto, o que resulta já provado nos autos, no facto provado número 5.

37. Podendo também ler-se, no teor desses mesmos exames presentes nos autos, que as sequelas (de cariz permanente) para a A. por força das lesões referidas são as seguintes:

- "actos da vida diária: "alguma limitação da preensão por limitação dolorosa da flexão do polegar" (exame no âmbito de Direito Penal);

- "vida profissional ou de formação: limitação dolorosa da flexão do polegar ao realizar carga" (exame no âmbito do Direito Penal);

- "actos da vida diária: "alguma limitação da preensão por limitação dolorosa da flexão do polegar, que se mantém em extensão" (exame no âmbito de Direito Civil);

- "vida profissional ou de formação: limitação dolorosa da flexão do polegar que se encontra limitada" (exame no âmbito do Direito Civil);

- Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de TRÊS PONTOS", e Rebate Profissional: "sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares."

38. É certo que, como se lê na sentença recorrida, os ditos exames - até

porque não correspondem a perícias feitas no âmbito do Direito do Trabalho - não se reportam especificamente à perda da capacidade de ganho da A. - pese embora seja inequívoca a existência de "Rebate Profissional" das lesões que apresenta.

39. Mas a mera circunstância de se encontrar provado, por documento

referente a prova pericial, que existe "Rebate Profissional", no sentido em que a A. tem de efectuar esforços suplementares para praticar a sua actividade profissional corrente, torna objectivamente impossível que o Tribunal pudesse dar como não provado que o estado de saúde física da A. a impedem de

trabalhar "sem limitações".

40. Atenta prova produzida nesse sentido, o Tribunal estava concretamente impedido de dar como "não provado" o facto d), nos termos em que o fez, e especialmente com a inclusão da menção "sem limitações": a A. fez concreta e indubitável prova de que não pode trabalhar "sem limitações".

41. Mesmo que assim não fosse, estão cabalmente provadas as dificuldades físicas que a A. atravessa e as limitações de saúde de que efectivamente padece, e essa factualidade também não pode deixar de ser valorada positivamente pelo Tribunal

42. É que não se trata apenas de avaliar a objectiva "incapacidade para o

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trabalho" que resultaria, eventualmente, de perícia ordenada para o efeito no âmbito do direito laboral.

43. Interessa também atentar quanto ao "estado de saúde" de quem peticiona alimentos, nos termos e para os efeitos do art. 2016º-A do Cód. Civil.

44. Tanto mais quando enquadrado pelo facto de A. ser pessoa de idade

avançada (no contexto laboral) já que tem hoje 60 (sessenta) anos de idade, e de parquíssimas habilitações literárias - não concluiu sequer o ensino

primário.

45. Ora ponderadas estas circunstâncias, e considerando que a A., na sua situação padece de patologia depressiva diagnosticada; e, além do mais, revela inequívoca dificuldade em efectuar tarefas de exigente componente física (como carregar objectos de maior peso, por exemplo), atenta as dificuldade de preensão e flexão do seu dedo polegar,

46. O Tribunal não poderia deixar de considerar, numa análise globalizante da situação de vida da A., que a mesma não consegue trabalhar sem limitações, atento o seu estado de saúde

47. Mas não só mediante prova documental a A. demonstrou a cabal

veracidade do facto dado como não provado da respectiva al. d); também por via testemunhal ficou patente as dificuldades de saúde que a A. atravessa no dia-a-dia e que a impedem de trabalhar ou aceder normalmente ao mercado de trabalho.

48. Assim, também no julgamento do ponto d) dos "Factos não provados", foi erroneamente valorada a prova que se produziu, entre outra prova carreada para os autos, mediante os depoimentos de Maria L, Cândida L, Alcides G, Alice L, Manuel L, cujos excertos mais determinantes e relevantes ficaram já transcritos em sede de alegações - para os quais se remete, sem prejuízo de audição integral dos referidos testemunhos.

49. Pelo que deve, também neste ponto, ser revertida a decisão recorrida, dando-se como provado o facto "não provado" constante da al. d).

50. Supondo a procedência da impugnação da matéria de facto que precede, outra terá de ser, necessariamente, a decisão do Tribunal sobre o pedido de fixação de pensão de alimentos a pagar pelo R. em favor da A.

51. A A. vive efectivamente abaixo do limiar de sobrevivência, do favor e boa vontade de familiares e amigos para poder sustentar-se e viver com dignidade.

52. A A. é pessoa de idade avançada, sem quaisquer habilitações literárias, e com problemas de saúde que a impedem de sequer penetrar no competitivo mercado de trabalho actual.

53. Viveu quase quarenta anos casada com o Réu (que viveu quase todo esse período emigrado em França), entregue sozinha à lide doméstica e rural e ao

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criar das filhas do casal.

54. Tem experiência profissional que se resume a serviços domésticos em casa de particulares e de manufactura não qualificada.

55. É oriunda e sempre viveu em meio rural e pouco desenvolvido.

56. O desemprego que a A. atravessa, na actual situação sócio-económica, para uma pessoa da sua idade, formação e estado de saúde, equivale

praticamente a um desemprego não só estrutural mas "final", ou definitivo.

57. O Tribunal não poderia deixar de considerar, numa análise globalizante da situação de vida da A., que a mesma tem o acesso ao mercado de trabalho severamente limitado e com ínfimas oportunidades de emprego ao seu alcance.

58. Portanto, na ponderação que, nesta sede e para os efeitos pretendidos nestes autos - carência de alimentos após divórcio - importa fazer, tais factos traduzem-se em circunstâncias de evidente relevo que condicionam a

capacidade da A., enquanto ex-cônjuge do R., prover ao seu sustento.

59. Nada disto pode escapar ao enquadramento e ao sopesar dos factores da vida concreta para a salvaguarda e garantia de meios, à A., para continuar a sobreviver condignamente, que incumbe ao Tribunal fazer.

60. As circunstâncias apontadas são também de grande relevo e pertinência à luz daquilo que dispõe o art. 2016º e 2016º-A do Cód. Civil.

61. Veja-se a título de exemplo e em casos em tudo semelhantes ao presente os acórdãos citados em sede de alegações, de toda a pertinência para o caso em apreço nos autos.

Atento tudo quanto segue alegado, por ter incorrido e apreciação errónea da prova produzida, e por violação das normas legais ínsitas, nomeadamente, nos arts. 2016º e 2016º-A do Cód Civil, deverá a sentença recorrida ser revogada na parte impugnada pelo presente recurso, e substituída por outra que julgue integralmente procedente o pedido feito nos autos pela A. quanto à fixação de alimentos a seu favor, nos termos supra expostos.

O Réu contra-alegou, suscitando a questão da rejeição do recurso, na parte relativa à impugnação da matéria de facto, por a recorrente não ter cumprido os ónus estabelecidos no artº. 640º, nº. 1, al. b) e nº. 2, al. a) do NCPC, ao não indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, e pugnando pela improcedência do mesmo por, em seu entender, não se

verificarem os pressupostos da atribuição da reclamada pensão alimentícia, pois a recorrente não está incapacitada para prover à sua subsistência, sendo certo que nada fez ou faz para a assegurar, razão pela qual conclui que a mesma não carece de alimentos.

Por sua vez, o Réu também interpôs recurso da referida sentença, extraindo

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das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

1ª - Tal como dos autos se vê, ao ter respondido sempre aos despachos que lhe foram dirigidos pelo Tribunal, de acordo com a interpretação que, em cada caso, atribuiu ao seu conteúdo, o que obrigou, inclusive, a deslocar-se a França para a obtenção de alguns documentos que não possuía, o recorrente entende que não agiu com má-fé processual, fosse a titulo de dolo, fosse, sequer, a titulo de negligência.

2ª - É mister afirmar-se que a própria entidade PRO BTP, quando solicitada pelo recorrente a comprovar os rendimentos que dela aufere, lhe remeteu os documentos juntos ao requerimento de 30.04.2015, onde não figura o aludido valor de 675.68 € por não se lhe reconhecer o carácter de rendimento e antes de compensação.

3ª - O recorrente cumpriu com as obrigações processuais decorrentes dos despachos proferidos, ora declarando comprovada mente os rendimentos/

reformas que aufere da Segurança Social de França, ora declarando os rendimentos/reformas que aufere da entidade PRO BTP, pelo que, salvo o devido respeito, cumpriu com as suas obrigações legais e processuais.

4ª - A decisão em causa, no segmento aqui posto em crise, foi proferida sem que se tivesse observado a prévia audição do recorrente e, portanto, em contravenção com os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.09.2012, 6ª Secção, em que foi relator o Exmo.

Senhor Juiz Conselheiro Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt).

5ª - Por tal razão a decisão proferida, no segmento aqui posto em causa e, portanto, no tocante à condenação do recorrente como litigante de má-fé, é nula por virtude da postergação daqueles princípios, nulidade que

expressamente se invoca, para todos os efeitos legais.

6ª - A referida decisão, no que respeita à condenação do recorrente como litigantes de má-fé, viola aqueles aludidos princípios, o nº 3 do art. 3º e o art.

542º, estes do Código de Processo Civil.

Termina entendendo que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a decisão recorrida na parte objecto do mesmo.

A Autora não apresentou resposta ao recurso do Réu.

Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 487 e 488.

Tendo o Réu/recorrido, nas suas contra-alegações, suscitado a questão da rejeição do recurso interposto pela A., na parte relativa à impugnação da matéria de facto, por determinação da relatora nesta Relação, foi cumprido o disposto no artº. 654º, nº. 2 “ex vi” do artº. 655º, nº. 2 ambos do NCPC, e em

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obediência à regra do contraditório.

Notificada a Autora/recorrente nos termos e para os efeitos das supra citadas disposições legais, veio esta responder argumentando que, nas suas

alegações, identificou as passagens da gravação em que funda o recurso de forma bastante para a identificação dos referidos excertos, para além de ter o cuidado de transcrever as passagens mais relevantes dos depoimentos

prestados em juízo e que entende serem merecedores de valoração diversa da que foi feita na 1ª instância.

Mais alega que mesmo que se entenda que a recorrente não cumpriu

cabalmente o estabelecido no artº. 640º, nº. 2, al. a) do NCPC, não teria como consequência a rejeição liminar do recurso, mas antes o convite ao

aperfeiçoamento das alegações, ao abrigo do disposto nos artºs 6º, nº. 2, 7º, nº. 1 e 8º do mesmo Código, tendo esta posição sido recentemente defendida pelo STJ num acórdão de 26/05/2015, proferido no processo nº.

1426/08.7TCSNT, que transcreve parcialmente.

A recorrente apresentou, por mera cautela e visando a celeridade dos autos quanto a um eventual convite ao aperfeiçoamento, novas alegações “com mais rigorosa identificação das passagens das gravações em que funda o seu

recurso” e respectivas conclusões.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

F076

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as

disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aplicável “in casu” por a decisão sob censura ter sido proferida depois de 1/09/2013 (artº. 7º, nº. 1 da Lei nº. 41/2013 de 26/6).

Nos presentes autos, o objecto dos recursos interpostos pela Autora e pelo Réu, delimitados pelo teor das respectivas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

A) – Recurso da Autora:

I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

II) – Saber se deverá ser fixada uma pensão de alimentos à Autora.

B) – Recurso do Réu:

- Da condenação do Réu por litigância de má fé.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

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1. Autora e Réu contraíram casamento, sob o regime de comunhão geral de bens, no dia 28 de Dezembro de 1974, tinha a A. 20 anos de idade.

2. A A. saiu do lar conjugal e foi para a casa de sua irmã em 16.03.2012, e poucos dias volvidos, voltou para junto do seu marido, reatando o casal a vida em comum.

3. Em 30 de Maio de 2012 a A. saiu novamente de casa e regressou a casa da irmã onde passou a viver até hoje, pelo que desde então, os cônjuges não mantêm qualquer contacto, não dormindo juntos, tomando refeições ou passeando juntos.

4. A Autora padece "sob o ponto de vista cardiovascular, de cardiopatia hipertensiva, mantendo HTA de difícil controle. Apresenta também dislipidémia com LDL elevado. Sofre também de quadro depressivo com acompanhamento por psiquiatra.

5. E padece de uma ligeira rigidez articular do polegar esquerdo permanente (anquilose da articulação interfalângica) que não desfeia nem altera de forma grave a função do mesmo sequela compatível com o exercício da actividade habitual, com esforço suplementar.

6. A A. é beneficiária do Rendimento Social de Inserção de €157,07 mensais.

7. A A. gasta em fármacos essenciais para a sua saúde a quantia mensal de € 45,00.

8. Em despesas de deslocação em viatura automóvel, a A. gasta a quantia mensal média de € 50,00. Em vestuário, €50.

9. O requerido tem o rendimento de cerca de €1.230.00 mensal da Segurança Social Francesa.

10. Aufere ainda um complemento de reforma mensal de €48 pago por AGIRC BTP; e ainda €675,68 mensal pago por ARRCO, ambos sistemas contributivos privados franceses;

11. O R. suporta as normais despesas de alimentação (€300), vestuário (€50) electricidade (€50), deslocações (€50) e aquecimento (€50) no montante global de €500.

12. O R. reside na casa que foi de morada do casal.

Por outro lado, na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos [transcrição]:

a) Foi desde o dia 16 de Março de 2012 que se deu a ruptura definitiva

comunhão de vida entre os cônjuges e o propósito da A. em não a restabelecer.

b) A A. vive dependente daquilo que a referida irmã (e seu agregado familiar) e demais família e amigos possam dispensar-lhe, seja dinheiro ou víveres, para sobreviver, e está privada dos bens mais essenciais - inclusive, de géneros

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alimentares.

c) A A. não tem trabalho, não aufere qualquer rendimento.

d) Acresce que o seu estado de saúde física e mental impedem-na de trabalhar sem limitações.

e) A A. vê-se sem meios para conseguir subsistir ou custear habitação própria, vivendo na casa de uma sua irmã, a título de mero favor.

f) A A. não pode nem poderá continuar a viver "de favor" em casa da irmã.

g) Em cabeleireiro, para arranjar e cortar o cabelo, a A. gasta uma média mensal de €30,00.

h) O requerido tem apenas o rendimento certo mensal de cerca de €1.230.00, que é quanto recebe dos Serviços de Segurança Social de França.

*

Apreciando e decidindo.

A) – Recurso da Autora:

I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Vem a Autora, ora recorrente, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que as alíneas b), c), d), e) e f) dos factos não provados sejam dadas como provadas, por entender que o Tribunal “a quo” fez uma incorrecta apreciação e valoração da prova produzida nos autos, designadamente dos depoimentos das testemunhas Alice L, Manuel L (ambos irmãos da A.),

Cândida L e Alcides G (sobrinha da A. e respectivo marido) e Maria L (amiga da A. desde 2000) por ela arroladas, bem como da informação clínica junta a fls. 82 dos autos e dos relatórios de exames médicos efectuados pelo INML no âmbito do processo crime por violência doméstica promovido pela A. contra o R. constantes de fls. 261 a 267, 270 a 276, 278 e 279, argumentando que destes elementos probatórios resulta o inverso do que foi decidido pelo Tribunal “a quo”.

Os pontos da matéria de facto dada como não provada que a recorrente pretende que sejam considerados provados são os seguintes:

b) A A. vive dependente daquilo que a referida irmã (e seu agregado familiar) e demais família e amigos possam dispensar-lhe, seja dinheiro ou víveres, para sobreviver, e está privada dos bens mais essenciais - inclusive, de géneros alimentares.

c) A A. não tem trabalho, não aufere qualquer rendimento.

d) Acresce que o seu estado de saúde física e mental impedem-na de trabalhar sem limitações.

e) A A. vê-se sem meios para conseguir subsistir ou custear habitação própria, vivendo na casa de uma sua irmã, a título de mero favor.

f) A A. não pode nem poderá continuar a viver "de favor" em casa da irmã.

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Ora, no que diz respeito a esta matéria, na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição parcial]:

«(…)

O ponto b) não reuniu prova credível, já que a própria irmã da A., Alice L, a sobrinha Cândida L e marido desta, Alcides G que convivem com a A.

referiram que a A. faz as tarefas domésticas lá em casa (aspira, limpa o pó, trata da roupa, cozinha), cuida dos sobrinhos-netos, substitui a irmã nos cuidados que esta presta a um idoso no impedimento daquela; vai fazer recados a Caminha, no que se desloca sempre num carro que lhe foi cedido pela filha e onde ademais visita quase diariamente pessoas como Maria L, e outras casas de outras pessoas (testemunho de Jorge A), tudo levando a crer que exerce actividades em casa e fora dela na área do serviço doméstico.

Relevante foi também o depoimento de Maria L que referiu que a A. não tem procurado trabalho, pois as inúmeras tarefas e deslocações que faz também o não permitirão.

Também o irmão da A. Manuel L referiu que a A. o visita várias vezes e se faz deslocar de carro, apesar de distarem entre si dois Km. Nenhum amigo ou familiar referiu dar à A. víveres ou dinheiro, apenas emprestam algumas quantias pequenas mas que são devolvidas. Assim, por falta de prova

convincente, não se deram como provados o estado de absoluta carência e a situação de desemprego da A. (pontos b) e c). Aliás a A. abastece o carro que utiliza com quantias que variam entre os €30 e €54 (doc. de fls. 63 vº), o que é incompatível com o modo de vida de quem sobrevive com o RSI e depende de outros para os necessários géneros alimentícios.

Por outro lado, não se comprovou o ponto d), dado que nem os relatórios periciais de fls. 263 a 276 concluem pela incapacidade de trabalho da A. no que concerne à ligeira limitação do dedo polegar esquerdo, nem os problemas de hipertensão e dislipidémia (quantidades anormais de colesterol e

triglicéridos no sangue, aumentando o risco de arteriosclerose, doença

cardíaca, AVC e hipertensão) parecem impedir a A. de levar uma vida normal em casa e fora dela e até de ter, de certa forma, uma intensa actividade. Até porque a A. tem acompanhamento médico e toma medicação, por certo para controlar tais problemas de saúde.

O ponto e) careceu também de prova, pois nenhuma testemunha referiu ser desejo da A. sair de casa da irmã, onde vive uma família alargada, unida e interdependente (a A., a irmã (seu marido), a sobrinha, o marido desta e os sobrinhos netos), contribuindo com o seu trabalho para a economia doméstica, que nenhum dos elementos da família parece querer ver alterada, donde não provado o ponto f).

(…)»

(18)

O artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte

afectada.

Assim, de acordo com o supra citado dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer ex officio e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de

registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1).

Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, a recorrente, logo nas primeiras alegações que apresentou, cumpriu minimamente os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, tendo inclusive procedido à transcrição de alguns excertos dos depoimentos das testemunhas por ela mencionadas e nos quais fundamenta a sua pretensão, e estando gravados, no caso concreto, os

depoimentos prestados em audiência de julgamento, como decorre das respectivas actas (cfr. fls. 327, 328, 360 a 364 e 375 a 378), para além de se encontrarem juntos aos autos os relatórios médicos a que faz referência, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto relativamente àqueles pontos dados como não provados.

Com efeito, após ouvida a gravação da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento – e em particular os depoimentos das testemunhas Alice L, Manuel L, Cândida L, Alcides G e Maria L, mencionadas nas alegações de recurso, relativamente aos factos não provados acima referidos e colocados em crise pela recorrente - e sopesando-a com a restante prova existente no processo, designadamente com os documentos e os relatórios de perícia médico-legal referidos na “motivação de facto”, e ainda com as regras da experiência comum, constatamos ser de atender parcialmente à pretensão da recorrente no sentido de ser dada como provada a matéria vertida nas alíneas b), c), d) e e) dos factos não provados (embora com uma redacção

ligeiramente diferente da que está indicada nos autos), não lhe assistindo razão, salvo o devido respeito, quanto à matéria constante da alínea f) dos factos não provados por considerarmos

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que a mesma tem carácter conclusivo.

Vejamos então.

Analisando os depoimentos das testemunhas Alice L, irmã da Autora, Cândida L e marido Alcides G (estes sobrinhos da A.), com quem a A. reside e convive diariamente desde a sua separação do Réu, bem como o depoimento da testemunha Manuel L, irmão da A., que revelou ter uma relação muito

próxima com ela, constatamos serem estas as únicas testemunhas ouvidas em julgamento com um maior conhecimento sobre a situação actual da vida da A.

e o seu quotidiano, não só pela sua relação familiar muito próxima com a A., mas também por residirem com ela na mesma casa (como é o caso da irmã Alice e de sua filha Cândida e marido Alcides) ou com ela conviverem muito de perto, como é o caso do irmão Manuel.

Por outro lado, a testemunha Maria L, amiga chegada da A. desde 2000 e a quem esta visita frequentemente, revelou ter algum conhecimento da situação da A. desde a separação do marido e das dificuldades económicas que ela atravessa, que relatou de uma forma serena e, em muitos aspectos,

coincidente com os depoimentos dos seus familiares acima referidos, razão pela qual o seu depoimento não pode deixar de ser tido em conta pelo Tribunal, em conjugação com os depoimentos das aludidas testemunhas.

No entanto, conforme se alcança da “motivação de facto”, do relato destas testemunhas sobre o dia-a-dia da A., o Tribunal “a quo” formou a convicção de que "tudo leva a crer que exerce actividades em casa e fora dela na área do serviço doméstico", e considerando o contexto em que esta afirmação é produzida – à laia de fundamentação para considerar não provada a matéria de facto vertida na alínea b) dos factos não provados - constata-se que o Tribunal ficou convencido de que a A., ao contrário do que alega, exerce uma qualquer actividade profissional remunerada e não declarada.

O Tribunal “a quo” sustenta esta sua convicção quanto à mencionada alínea b) – e também em relação à alínea c) dos factos não provados - num conjunto de factos relatados pelas testemunhas arroladas pela própria A., mais

concretamente, pela irmã Alice, pela sobrinha Cândida e marido desta, Alcides G e pela amiga Maria L, no sentido em que as mesmas terão referido que a A.

auxilia nas tarefas domésticas da casa onde reside (pertencente à irmã Alice), inclusive nos cuidados aos sobrinhos-netos menores que ali vivem também, se desloca em carro por si conduzido, cedido por uma filha, "para fazer recados a Caminha", onde "ademais visita quase diariamente pessoas", fundando-se também no depoimento do irmão Manuel que referiu ser visitado

regularmente pela A., que se desloca a sua casa com a viatura referida supra.

Todavia, analisando objectivamente a factualidade supra apontada, não vislumbramos que a mesma seja apta a criar a convicção que o Tribunal “a

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quo” deixou plasmada na “motivação de facto”.

Ademais, o Tribunal recorrido considera também que "Nenhum amigo ou familiar referiu dar à A. víveres ou dinheiro, apenas emprestam algumas quantias pequenas mas que são devolvidas" e que "nenhuma testemunha referiu ser desejo da A. sair de casa da irmã". Após escrutinados os

depoimentos prestados em audiência de julgamento, não vislumbramos, salvo o devido respeito, que estas afirmações tenham alguma correspondência com a prova testemunhal ali produzida, designadamente com os depoimentos das testemunhas atrás mencionadas.

Como pudemos constatar pela audição da gravação, as testemunhas que residem e convivem diariamente, ou muito frequentemente, com a A. foram unânimes em dizer que a mesma apenas aufere o RSI (dado como provado no ponto 6 dos factos provados), sendo que quando necessita, para o seu

sustento, é ajudada pelos seus familiares mais próximos, seja através de

dinheiro que os mesmos lhe entregam para combustível e medicamentos entre outras despesas, seja através da compra de bens alimentares para todos

quantos residem na referida habitação, seja através do pagamento de todos os consumíveis domésticos (como água, electricidade, gás) dos quais a A. usufrui e para os quais em nada contribui, tendo inclusive a testemunha Maria L referido que, já depois da separação do casal, a A. várias vezes lhe pediu ajuda, até para pagar na farmácia, sendo que a testemunha lhe emprestou algumas vezes dinheiro, tendo confirmado, ainda, que a A. é ajudada pela irmã e pela sobrinha Cândida, com quem reside.

Para além disso, quer os irmãos Alice e Manuel, quer a sobrinha Cândida e seu marido Alcides, confirmaram que a A. em nada contribui para as despesas domésticas, devendo-se tal facto unicamente à sua indisponibilidade

económica para o fazer.

Em nosso entender, não resulta da prova produzida em audiência de julgamento, e designadamente dos depoimentos das testemunhas supra referidas, que a A., além do RSI, aufere outras quantias monetárias como contrapartida de serviços domésticos prestados a terceiros, não sustentando tal prova a tese surgida em alternativa de que a A. não paga nenhuma

contrapartida por estar a residir na casa da irmã porque, supostamente, está a fazê-lo com trabalho doméstico e com a prestação de cuidados aos sobrinhos- netos menores que também ali residem.

De acordo com o senso comum, não seria de esperar que a irmã, a sobrinha e demais familiares da A. que com ela residem viessem a juízo afirmar que a permanência da A. em sua casa era insustentável e que pretendem que ela saia de casa o quanto antes, tanto mais que foram eles próprios a confirmar que a A. não tem para onde ir nem como custear qualquer forma de

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alojamento. De salientar que sendo tais testemunhas a família próxima da A., é perfeitamente plausível segundo as regras da experiência comum que, num momento difícil da sua vida após a separação do casal, marcado pela carência económica e pelo facto da A. já ter 62 anos de idade, a acolham em sua casa de bom grado.

Entendemos não se poder retirar desta situação a ilação de que a A.

permanece na residência da irmã e do seu agregado familiar por conveniência e benefício de ambas as partes, e que a ajuda que presta nas tarefas

domésticas ou em tomar conta, esporadicamente, dos sobrinhos- netos que ali vivem (conforme foi confirmado pelas testemunhas seus familiares) constitui uma forma de pagar pela sua estadia naquela casa e pela ajuda monetária e em géneros que lhe é prestada.

O facto da A. auxiliar nas tarefas domésticas da casa onde reside com os seus familiares, a título de favor, conforme foi confirmado pelas testemunhas acima referidas (embora se referissem a tarefas ligeiras e pouco exigentes do ponto de vista físico, dadas as suas limitações em termos de saúde), em nada indica que o possa fazer (nessa mesma casa ou fora) mediante contrapartida

monetária.

É perfeitamente normal, segundo as regras do senso comum, que a A. queira ajudar, em casa, os familiares que a acolheram e acolhem gratuitamente e que lhe prestam a ajuda necessária à sua sobrevivência com um mínimo de

dignidade, como uma forma de reconhecimento pelo sacrifício que estão a fazer por ela e para não se sentir como um fardo para a sua irmã e os

restantes membros do seu agregado familiar, sendo normal que uma mulher, com a idade da A. e que sempre viveu na sua casa, usufruindo das suas coisas, sinta um certo desconforto e constrangimento por estar dependente de

familiares, nesta recta final da sua vida, como, aliás, foi confirmado pelas testemunhas Alice, Alcides e Manuel em audiência de julgamento.

Com efeito, resulta do depoimento da testemunha Alice L, corroborado pelos depoimentos do seu genro Alcides G e de seu irmão Manuel L, que a A. foi residir para casa da sua irmã Alice, após a separação do marido, porque não tinha mais nenhum sítio para onde ir (pois não tinha condições económicas para arrendar uma casa nem para viver sozinha), estando a residir naquela casa por favor, provisoriamente, até ela conseguir resolver a sua situação patrimonial, nomeadamente com a partilha dos bens comuns do casal, tendo inclusive a testemunha Alice manifestado a esperança de a sua irmã Avelina sair da sua casa quando se resolverem as partilhas entre o casal, referindo que a sua irmã “quer ter o canto dela e as coisinhas dela”, não pretendendo viver até ao fim dos seus dias na sua casa (o que também foi afirmado pelas testemunhas Alcides, Manuel e Maria L). Quando questionada pelo

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mandatário da A. se lhe dá jeito que a sua irmã Avelina esteja em sua casa, a testemunha Alice, de forma sincera e espontânea, respondeu “Por amor de Deus. Não, a mim não me dá jeito nenhum”, sendo mais uma pessoa que tem para sustentar. E ao ser-lhe perguntado se a sua irmã gosta de estar em sua casa, depois de ter tido uma vida independente, com o marido durante 30 ou 40 anos, a testemunha prontamente respondeu “Tem que gostar, porque não tem outra”, frisando que é por necessidade que ela lá está, e não por opção.

Por outro lado, todas as testemunhas acima referidas, com conhecimento directo da vida da A., negaram peremptoriamente que ela exerça algum tipo de actividade profissional remunerada, não só por estar limitada devido aos problemas de saúde de que padece (descritos nos pontos 4 e 5 dos factos provados), mas também por ser difícil arranjar trabalho com a sua idade.

Ademais, quando questionada pelo mandatário do R. sobre se a A. tem procurado trabalho, a testemunha Maria L respondeu de forma espontânea que “com a idade dela já é um pouco difícil arranjar trabalho”, e embora tenha dito que a A. neste momento também não pode muito (procurar trabalho) porque ajuda a sobrinha, logo justificou esta ajuda que a A. presta à sobrinha, com o facto de ela querer ser prestável para com os familiares que a acolhem e a ajudam a sobreviver. Da audição da gravação deste depoimento, não se retira, salvo o devido respeito, que esta testemunha tenha alguma vez referido que as inúmeras tarefas e deslocações que a A. faz, também não permitirão que procure trabalho, contrariamente ao que é referido na “motivação de facto”.

Com efeito, atenta a idade actual da A. (62 anos), a sua baixa escolaridade e falta de qualificação profissional, bem como as suas limitações físicas que se vão agravando com o avançar da idade e que não permitem à A. fazer esforços e desempenhar tarefas mais exigentes do ponto de vista físico, factos estes referidos pelos seus familiares ouvidos em audiência de julgamento - e embora estes tivessem admitido que a A. trabalhou como empregada doméstica,

durante vários anos, antes de ter ido para França viver com o marido - é do senso comum que, muito dificilmente, a A. conseguirá ingressar no mercado de trabalho e, assim, auferir rendimentos que possam assegurar a sua

subsistência, dada a grave crise económica e de desemprego que o nosso país atravessa, para além de que ninguém contrata uma empregada só para fazer algumas tarefas domésticas mais leves, e não as mais pesadas.

Para além disso, o facto da A. se deslocar, frequentemente, até Caminha, em viatura cedida pela filha ou com a irmã Alice, "para visitar pessoas" e "fazer recados", como foi confirmado pelas testemunhas Alice L e Maria L, em nosso entender, não permite concluir que a mesma faz serviços domésticos

remunerados “em casa ou fora dela".

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Ademais, o facto da A., na medida do que lhe é possível fazer e com as

limitações relatadas pelas aludidas testemunhas, procurar ajudar nas tarefas domésticas básicas em casa da irmã Alice (visto ali residir a título de favor), ou sair de casa a fim de visitar familiares e amigos, não contende com a condição de vida de um desempregado. A entender-se em sentido contrário, seria caso para questionar se um desempregado, para convencer o Tribunal de que o é de facto, e que não trabalha "por fora", deve ficar confinado à sua casa, impedido de visitar quem quer que seja ou de contribuir sequer para as lides domésticas do agregado familiar que o acolhe gratuitamente e o ajuda a sobreviver.

Não obstante a proximidade das relações familiares das testemunhas Alice L, Manuel L, Cândida L e Alcides G com a Autora, a verdade é que os respectivos depoimentos foram espontâneos e consistentes ao confirmarem a matéria vertida nas alíneas b) a e) dos factos não provados, tendo sido assertivos e seguros nomeadamente quanto ao facto da A. não exercer qualquer actividade profissional remunerada, de não ter condições económicas para arrendar uma casa e viver sozinha e de residir a título de favor em casa da irmã Alice, sendo corroborados pelo depoimento da testemunha Maria L, amiga de longa data da Autora, que respondeu com isenção e serenidade às perguntas que lhe eram feitas sobre esta matéria.

Os depoimentos destas testemunhas, pela forma como foram prestados nos termos já referidos, mostraram-se credíveis, logrando assim convencer este tribunal de recurso da sua veracidade no que concerne à factualidade ora impugnada.

Ainda relativamente à factualidade constante da alínea d) dos factos não provados, analisada em conjugação com a matéria vertida no ponto 5 dos factos provados, importa salientar que no relatório de exame médico-legal junto a fls. 263 a 265 se concluiu que “das lesões sofridas (pela Autora) resultou uma anquilose da articulação interfalângica do dedo polegar

esquerdo, como consequência permanente” e no relatório médico-legal de fls.

270 a 273 faz-se referência ao Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de que a A. padece como sendo de 3 pontos e que as sequelas ali descritas, “em termos de repercussão permanente na actividade

profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares”.

Não obstante a argumentação usada pelo Tribunal “a quo” na sentença recorrida, para dar como não provada a mencionada alínea d), não podemos deixar de considerar que a mera circunstância de se mencionar no relatório pericial que a A. tem de efectuar esforços suplementares para exercer a sua actividade habitual, não permitiria que o Tribunal desse como não provado

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que o estado de saúde física da A. a impede de trabalhar "sem limitações".

Com efeito, não se trata apenas de avaliar a objectiva "incapacidade para o trabalho" que resultaria, eventualmente, de perícia ordenada para o efeito no âmbito do direito laboral.

Importa também atentar, de uma forma geral e concreta, ao "estado de saúde"

de quem peticiona alimentos, nos termos e para os efeitos do disposto no artº.

2016º-A do Código Civil, tanto mais quando enquadrado pelo facto da A. ser considerada uma pessoa de idade avançada (no contexto laboral) já que tem hoje 62 anos, com poucas habilitações literárias e sem qualificação

profissional.

Ora, ponderadas estas circunstâncias e os factos dados como provados sob os nºs 4 e 5, conjugando com os depoimentos das testemunhas supra referidas na parte em que, todas elas, afirmaram que a A. revela dificuldade em efectuar tarefas de exigente componente física (como carregar objectos pesados), atenta as dificuldades de preensão e flexão do seu dedo polegar, o Tribunal não pode deixar de considerar, numa análise globalizante da situação de vida da A., que a mesma tem o acesso ao mercado de trabalho muitíssimo limitado e com ínfimas oportunidades de emprego ao seu alcance.

Nesta conformidade, conjugando a prova testemunhal e documental acima referida com as regras da experiência comum nos termos atrás explanados, devem dar-se como provadas as alíneas b), c), d) e e) dos factos não provados, que passarão a ser os factos 13 a 16, com a seguinte redacção:

13. A A. vive da ajuda que a sua irmã Alice e os restantes membros que integram o seu agregado familiar (a sua sobrinha Cândida e o respectivo marido) e demais familiares lhe possam dispensar, seja em dinheiro ou em géneros (correspondente à alínea b);

14. A A. não tem trabalho e não aufere qualquer rendimento para além do referido no ponto 6 supra (correspondente à alínea c);

15. O estado de saúde física da A. descrito nos pontos 4 e 5 supra impedem-na de trabalhar sem limitações (correspondente à alínea d);

16. A A. vê-se sem meios para conseguir subsistir ou custear habitação própria, vivendo na casa de uma sua irmã, a título de mero favor

(correspondente à alínea e).

Relativamente ao facto da alínea f), deverá manter-se no capítulo dos factos não provados por, em nosso entender, se tratar de matéria conclusiva.

Em face do acima exposto e nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 1 do NCPC, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto deduzida pela Autora/recorrente, aditando-se aos factos provados os pontos 13 a 16 acima referidos (correspondentes às alíneas b) a e) dos factos não provados),

mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada e não

(25)

provada supra descrita.

*

II) – Saber se deverá ser fixada uma pensão de alimentos à Autora:

Vem a recorrente defender que, procedendo a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos, outra terá de ser, necessariamente, a decisão do Tribunal sobre o pedido de fixação da pensão de alimentos a pagar pelo R.

em favor da Autora, devendo ser julgado procedente o pedido formulado pela A. a esse título, uma vez que se verificaram os pressupostos de facto para a atribuição dos alimentos.

Analisemos, pois, esta questão.

De acordo com o disposto nos artºs 2009º, nº. 1, al. a) e 2015º do Código Civil, a obrigação de prestação de alimentos entre cônjuges vigora não só durante a vigência da “sociedade conjugal”, como pode perdurar mesmo após a extinção do vínculo conjugal, e nomeadamente quando tal ocorre por motivo de

divórcio.

Como refere Tomé d’Almeida Ramião (in O Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Actual, 3ª ed. revista e aumentada, 2011, Quid Juris, pág. 96),

«A obrigação de alimentos entre os cônjuges integra-se nas chamadas obrigações não autónomas, por pressuporem a existência de um vínculo jurídico especial entre as partes.

Na verdade, a obrigação de alimentos entre cônjuges deriva de uma relação jurídico-familiar, e mesmo em caso de divórcio tem o seu fundamento nessa relação, constituindo como que um prolongamento do dever de manutenção conjugal, um resto de solidariedade familiar e expressão da ideia de que a extinção ou dissolução do casamento, por maior que seja o rol das faltas acumuladas por ambos eles, não pode levar o tribunal a esquecer o facto de eles terem estado casados um com o outro (cfr. Ac. T. Rel. Lisboa de

1/04/2008, www.dgsi.pt/jtrl)».

A noção legal de alimentos é-nos dada pelo artº. 2003º, nº. 1 do Código Civil, ao estatuir que “por alimentos entende-se tudo aquilo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”, conceito que, todavia, pode ainda ser

alargado, nos termos do nº. 2 desse normativo, à instrução e educação no caso do alimentando ser menor (sublinhado nosso).

Por seu lado, o artº. 2016º-A, nº. 1 do Código Civil (aditado pela Lei nº.

61/2008 de 31/10) estabelece o critério a seguir na fixação do montante dos alimentos. Aí se prevê que deverá levar-se em conta “a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego (…), os seus rendimentos e proventos (…) e, de um modo geral, todas as

circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os

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alimentos e as possibilidades do que os presta”.

De todo o modo há que ter presente a regra do artº. 2004º do Código Civil, ou seja, que na fixação dos alimentos se deverá ter em consideração as

possibilidades de quem os presta e a necessidade de quem os recebe (nº. 1), sem se deixar de atender às possibilidades que o alimentando tem de prover à sua própria subsistência (nº. 2), sendo que só está obrigado ao pagamento o cônjuge que tiver condições económicas que lhe permitam efectuá-lo e sem colocar em causa a sua própria subsistência (cfr. acórdão da RC de

24/05/2005, proc. nº. 894/05, acessível em www.dgsi.pt).

Com a reforma do Código Civil levada a efeito pela Lei nº. 61/2008 de 31/10, o legislador afirmou, expressamente, o princípio de que, depois do divórcio, cada ex-cônjuge deve prover à sua própria subsistência (artº. 2016º, nº. 1), o que já resultava das normas gerais sobre alimentos - nº. 2 do artº. 2004º - mantendo, porém, o direito a uma pensão de alimentos, independentemente do tipo de divórcio (artº. 2016º, nº. 2), no caso de diminuição de capacidade por razões de idade, doença ou invalidez, deixando, contudo, expresso que o ex-cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (artº. 2016º-A, nº. 3 do Código Civil).

Com esta orientação o legislador visou explicitar, de uma forma clara, que o direito a alimentos na sequência do divórcio só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência, sendo que o direito do divorciado a alimentos tem natureza, não indemnizatória ou compensatória, mas sim alimentar e é condicionado, pelas necessidades do alimentando e pelas possibilidades do alimentante, não existindo direito de exigir a

manutenção do nível de vida de que beneficiou na pendência do matrimónio (cfr. acórdão da RL de 4/03/2010, proc. nº. 625/06.0TMLSB, acessível em www.dgsi.pt).

«E só se a um deles tal não for de todo possível, terá então o direito a receber alimentos do outro cônjuge, em montante que lhe permita garantir um mínimo de vida digna, e sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge obrigado a prestá-los. Este direito, assentando num dever

assistencial que perdura para além do casamento, passou a ter carácter

subsidiário e, seguramente, limitado pela obrigação de socorro numa situação de grande exigência resultante de manifesta carência de meios de

subsistência num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna»

(cfr. acórdão da RP de 15/09/2011, proc. nº. 11425/08.3TBVNG, citado no acórdão da RC de 17/04/2012, proc. nº. 320/10.6TBTMR, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

(27)

Assim, constatada que esteja a qualidade de cônjuge ou ex-cônjuge do

demandante de alimentos, tem que se apurar a sua incapacidade de prover à sua subsistência e somente após a constatação desta é que se parte para a verificação dos requisitos enunciados nos artºs 2004º, 2016º, nº. 1 e 2016º-A, nº. 1 todos do Código Civil, isto é, a ponderação das necessidades de quem os peticiona e as possibilidades daquele que os presta, sendo de considerar as várias circunstâncias ali enumeradas, com a finalidade de fixar o montante respectivo.

Está fora de qualquer dúvida que recai sobre o requerente dos alimentos o ónus de provar a sua necessidade de alimentos e a sua incapacidade para prover ao seu sustento, bem como a possibilidade de o requerido os prestar (artº. 342º, nº. 1 do Código Civil), pelo que competia à A., no caso que nos ocupa, demonstrar tais factos constitutivos do direito que invoca (cfr. acórdãos da RE de 18/10/2012, proc. nº. 209/09.1TMFAR, da RL de 8/11/2007, proc. nº.

6120/2007-2 e da RP de 1/07/2002, proc. nº. 0250873, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Na verdade, a necessidade do alimentando consiste na impossibilidade de prover total ou parcialmente à sua subsistência, seja com os seus bens

pessoais seja com o seu trabalho, sendo, pois, a impossibilidade de prover ao seu sustento aferida pelo seu património e pela sua capacidade de trabalho.

No caso de poder prover às suas necessidades através do seu trabalho ou de outros meios que lhe proporcionem um rendimento suficiente, o direito a alimentos pelo ex-cônjuge não lhe deve ser reconhecido, dado ser um meio subsidiário, só justificável na ausência de outros meios de subsistência.

No que concerne à capacidade de trabalho do alimentando, caso não se encontre a exercer uma actividade profissional remunerada, deve ter-se em conta a sua formação e qualificação profissional, a idade e o seu estado de saúde, tendo sempre presente que é sobre si que impende o dever de prover à satisfação das suas necessidades fundamentais, de harmonia, de resto, com o princípio da responsabilidade pessoal de cada um dos cônjuges pelo seu futuro económico depois do divórcio.

Não basta, no entanto, a simples capacidade para o trabalho, sendo ainda necessária a possibilidade real de efectiva ocupação laboral, dada a

dificuldade com que se pode deparar em encontrar posto de trabalho em consequência do desemprego e da situação de crise económica com que a nossa sociedade actualmente se confronta (cfr. acórdão da RC de 17/04/2012, proc. nº. 320/10.6TBTMR, acessível em www.dgsi.pt).

Reportando-nos ao caso em apreço, tendo resultado provado que a A. ainda se mantém casada com o R., estando a correr o presente processo de divórcio, que foi convolado para divórcio por mútuo consentimento, com vista à

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